Havia bastante tempo que Hades era o Senhor do Submundo.
Para os deuses, isso significava muito. Séculos, milênios, eras. Sem sombra de dúvida, Hades conhecia seu reino como a palma de sua mão, e não havia nada no Mundo Inferior que pudesse surpreendê-lo. Mas ele não saberia dizer quando isso se tornou um tormento. No começo, o controle e a imposição lhe transmitiam apenas uma grande segurança; ali, era o senhor absoluto, inalcançável e temido por deuses e humanos. Agora ele vagueava por suas terras, quase como uma daquelas almas torturadas pelos arrependimentos do passado, perguntando-se quando seu próprio reino havia se tornado uma prisão, e quando ele deixara de ser governante e carcereiro para se tornar um penitente.
Ah, mas ele sabia quando… No íntimo, sabia. Todo o poder que ele pensava ter havia sido tomado dele com a velocidade do disparo de uma flecha. Ou talvez ele não tivesse assim tanto poder quanto pensava. Não quando seus próprios domínios tornavam-se sufocantes pela ausência de alguém com quem nunca trocara mais que olhares à distância nos campos verdejantes da superfície quando ocasionalmente deixava o Mundo Inferior.
Então, pela primeira vez em muito tempo, o Submundo presenteou o monarca com uma surpresa. Algo estava diferente, algo que ele não pôde definir de imediato. Uma aura completamente diferente da sua, e que, portanto, não podia pertencer ao seu reino.
— Quem está aí? – perguntou, aproximando-se de uma figura sentada nas rochas cavernosas, observando com curiosidade o Campo de Asfódelos. Antes da resposta, porém, Hades já a reconhecera. Não poderia não reconhecê-la, o sopro vívido e o espírito observador. A surpresa de vê-la em um lugar como aquele o impediu de medir suas palavras, então questionou: – O que faz aqui?
Perséfone olhou em sua direção, os lábios entreabertos em surpresa por tê-lo encontrado. Surpresa, apenas, não medo. Não era comum para Hades receber aquele olhar. Mesmo entre os deuses, poucos não o temiam. Ela se levantou, recebendo respeitosamente a presença do sombrio monarca.
— Perdão, meu senhor. Sei que não deveria estar aqui sem aviso – respondeu, calmamente, sustentando seu olhar.
— Não deveria. – Ela desviou o rosto, esperando. Hades pensou em mandá-la embora e dizer para que não voltasse. Era o que deveria fazer, se fosse esperto. Perséfone não era para ele, e tentar mudar isso seria um caminho tortuoso para ambos. Mas estava curioso. E também ávido pela conversa, embora não fosse admitir. A voz melodiosa que nunca ouvira antes era tão intrigante quanto a dona. Reconfortante, como o deslizar suave do orvalho nas folhas ao amanhecer, mas também possuía uma força oculta, como as raízes que irrompem a rocha sólida. – Como veio até aqui?