Burned escrita por Shalashaska


Capítulo 4
Monstros, ardis e espelhos


Notas iniciais do capítulo

Olá! Sim, faz um bom tempo que não venho aqui por falta de tempo e uma onda depressiva desgraçada. Mas aqui estou. O capítulo ainda não sai muito do que vemos no anterior, mas era necessário aprofundar certos pontos antes de seguir em frente. Espero acelerar a narrativa em breve. Boa leitura!



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Somente fragmentos dos segredos entre Caleb e o rei Harald vinham à mente de Hans. Já estava mais do que óbvio de que tratava-se algo do passado que, de alguma forma, afetava a sensação de real poder sobre as Ilhas do Sul. Como seu próprio irmão tinha dito, Lars precisava detalhar o que pudesse sobre a História mítica daquele reino. Eram as ordens do rei.

Inicialmente, Hans imaginou que poderia ser alguma questão de linhagem, talvez uma polêmica sobre herdeiros ilegítimos que alguma família nobre poderia aproveitar para enfraquecer a coroa. Era uma boa hipótese. Simultaneamente, não parecia tão simples. As instruções dadas a Lars eram vagas no sentido de não serem muito pontuais: Buscar evidências de magia e pontos curiosamente inconsistentes na História, envolvendo locais antigos e eventos importantes. Revisitar a árvore genealógica da família real. Verificar menções de rituais. Assim, parte do acervo revirado pelos dois na biblioteca era focado nas famílias que geraram os Westergaard, buscando um traço potencialmente… mágico. A outra parte, eram livros de contos de fadas locais.

É claro. Desde Elsa, desde Ahtohallan… Não era completamente infundada a razão que levava rainhas e reis buscarem um poder a mais que as próprias coroas simbolizavam. E Hans entendia bem sobre esse desejo, essa busca.

Os fragmentos de segredos e mitos estavam à deriva na mente do príncipe. Algo ainda não estava certo e ele sentia que havia coisas horrendas nas profundezas. Tesouros, talvez. Só talvez. E uma voz baixa — doce e amarga — dizia em seu ouvido que seu pai tinha, na realidade, a mais cristalina ideia do que buscava entre tantas inverdades. Ele apenas não podia revelar o que era, embora também não pudesse procurar sozinho.

E muito menos o rei sabia que a resposta, ou ao menos parte dela, estava embaixo de seu nariz.

Não contar a ninguém que estava ajudando Lars era uma decisão sábia. Se existia alguma informação capaz de deixar o rei vulnerável, Hans precisava saber primeiro. Manejar Lars para não atrapalhá-lo não era difícil; seu irmão era inteligente e tinha vasta memória, mas não era esperto. E, para não deixar suas ausências no palácio tão evidentes e suspeitas, Hans havia organizado um cronograma mais variado em sua nova rotina. Naquele momento, estava na Sala de Música.

O ambiente não era imenso como o Salão Principal e também era menor que a sala de jantar na Ala Oeste. E, ainda assim, parecia ter o tamanho suficiente para Hans, suas divagações e todos os instrumentos. O piano de cauda branco ficava próximo aos vitrais das janelas, enquanto um conjunto de sofás e poltronas formavam um centro aconchegante para uma reunião íntima. Havia um violino, um violoncelo e uma flauta ali também, este último uma herança de seu bisavô. O seu violão, um instrumento menos erudito, estava repousado em seu colo enquanto ele dedilhava uma canção de forma distraída, apenas para preencher o silêncio fracamente. Seus dedos estavam nus, as luvas encostadas numa almofada ao seu lado.

Se houvera um momento que sua família reunira-se em tal cômodo para puro e verdadeiro lazer, ele não se recordava. Mas, para ser justo, nenhuma memória semelhante existia. Então, para que se preocupar com memórias inexistentes e possibilidades que nada mudariam sua presente realidade? Hans preferiu se focar em fatos palpáveis:

Existiam segredos. Haveria um baile em breve. E, descobrindo algo ou não, ele precisava partir em breve, antes que seu pai ou sua mãe lhe incumbissem de mais algum papel que seria seu para o resto da vida. Desvendar o mistério de seu pai seria muito mais do que útil, mas se isso não fosse possível, os seus próprios mistérios lhe serviriam muito bem para escapar.

Ele encarou os papéis que deixara acima da mesa de centro: partituras, anotações e um livro aberto; um de contos de fada com uma bela capa azul escura. Aquele exemplar, porém, não pertencia a biblioteca, e sim ao seu próprio quarto. Curioso ler tanto sobre heróis e heroínas, camponeses virtuosos que se tornavam imperadores, quando ao fim ele transformou-se no vilão da história de duas jovens. Mas, para ser justo, teriam as irmãs realmente se aproximado de novo se não fosse o caos que acontecera na ocasião?

A música nas pontas de seus dedos adquiriu tons mais amargos quando a porta da sala se abriu de súbito, trazendo primeiro uma figura redonda e depois a dona daquela barriga evidentemente grávida: Helga. Ela fechou a porta rápido, deu um suspiro e alongou as costas. Em seguida, surpreendeu-se por não estar sozinha.

— Oh, perdão… Eu, — Ela respirou fundo mais uma vez e, caso Hans pudesse supor algo, diria que Helga viera com pressa até a Sala de Música. E se o príncipe pudesse fazer ainda outras suposições, diria que não era saudável uma mulher naquele estágio de gestação se apressar para coisa alguma.  — Eu não sabia que estava aqui.

Ele havia parado de tocar.

— A sua presença não me incomoda, Helga. Sente-se. A menos, é claro, que a minha presença não seja recomendada. — Endireitou-se no sofá e colocou o violão ao seu lado, preparando-se para levantar-se. — Partirei sem mais delongas, se for o caso.

Helga o encarou com maior atenção, demorando mais em observá-lo. E, como seria impossível deixar de notar, Hans sabia que ela estava julgando se permanecia ou se ausentava; se o príncipe era confiável ou não. Em sua reservada honestidade, ele considerava que Helga não tinha mais motivos para confiar nele, mas tampouco tinha razão para sair, pois mesmo que não fosse um homem perfeito, ele não tinha a menor inclinação de fazer mal a cunhada e ao filho em seu ventre. No entanto, agora Helga parecia mais centrada numa estranha oportunidade do que o sentimento de surpresa por estar a sós com ele, o príncipe regicida. Sentando-se com cuidado na poltrona, ela disse:

— Não será necessário sair.

A decisão dela o intrigou. Se Helga notou sua testa franzir e suas pálpebras se apertarem um pouco, também nada disse. A expressão de dúvida de Hans durou pouco, de qualquer modo, e em seguida ele buscou agir com maior naturalidade.

— Procurando quietude?

— Uma saída, talvez. — Os olhos verdes dela voltaram-se às janelas. Não encarava a beleza dos vitrais, porém. Havia a ânsia de enxergar o mundo que existia do lado de fora e estava tão longe. E, assim como Hans fingia bem, um piscar de olhos foi o suficiente para que esse instante se quebrasse e ela lhe oferecesse um sorriso cordial. — O silêncio geralmente me basta. Mas gostei da melodia. — Acariciou a barriga e pegou uma almofada para apoiar melhor as costas. Depois, apontou para o livro azul na mesa. — Esteve lendo também?

— Sim. — Disse ele com cuidado. — É bom retomar às origens, nos faz entender melhor o presente. Sinto, no entanto, que não é isso que quer me perguntar.

Ela abriu a boca e não lhe escapou uma única sílaba. Hans estava plenamente ciente que havia acabado de abrir o jogo com ela e, ainda que soasse tolice, não se arrependia. Sempre soube que Helga era inteligente e diplomática, mais ágil do que o marido — Lars. Apesar de acostumada aos rodeios que sua boa educação pedia, ele sabia que uma abordagem direta seria mais eficiente com ela.

Afinal, ela sabia que lidava com alguém igualmente perspicaz. O tom de Helga mudou, sua face desbotou-se dos ares de mulher pueril que todos tomavam por tola.

— É verdade? Sobre Arendelle?

O ar dentro da Sala de Música enregelou-se, mas suas mãos aqueceram-se. Mesmo assim, ele desejou colocar suas luvas de novo e detestou o fato de que não havia modo de fazer isso sem parecer ansioso, esquivo. Seria necessário? Helga era mais velha do que Hans em pouco menos de uma década e, ainda que fossem distantes em idade e sangue, os dois mantinham um nível de proximidade jamais declarada e sempre sincera. Ambos consideram o palácio uma clausura imposta. Ambos sabiam que o outro usava uma máscara. Portanto, Hans limitou-se a dizer:

Sim. É verdade.

— Pensei que não iria mais te ver quando partiu para Arendelle. Faz tanto tempo. — Ela soltou um suspiro, depois passou as mãos nos cabelos loiros, sem danificar o penteado. Encarou as janelas de novo, mas agora não assistia nem os vitrais e nem o mundo lá fora. Memórias eram reencenadas em seus olhos. — Fiquei feliz. Fiquei com inveja.

Hans soltou um suspiro misturado a uma risada curta, sem humor.

— Está aliviada ou triste por ter errado sua breve previsão?

Mas ela mudou de tópico.

— Você poderia ter dito que seu pai havia ordenado-o a tentar... — Ela não completou o pensamento e não precisava. Sempre haveria a sombra do fato de ter tentado matar Elsa e Anna; uma sombra só sua e qualquer um poderia ver. Isso ele já aceitara que carregaria ao fim de seus dias. — Acreditariam em você.

Aquilo não era verdade, embora ele não soubesse se ainda ligava para contar verdades. Mas estava satisfeito por ver veneno nas palavras de Helga, que jazia sentada placidamente na poltrona com seu vestido cor de grama. Haveria ainda cuidado nas palavras seguintes de Hans? É claro. Não seria imprudente. No entanto, existia um resto de transparência em si para oferecer àquela mulher grávida.

— Não restaria muito de mim depois de afirmar isso. Sim, acreditariam. E o que o rei ordenaria fazer no instante seguinte? — A pausa que ele deu falou por si só. — Sabe que acidentes acontecem, Helga. O arado foi a melhor opção.

— E sobre os trolls? Foi você quem disse…?

— Pelos mares, não!

Agora ele riu de maneira genuína. A conveniente história de seu discernimento ser maculado pela magia de trolls! Jamais disse coisa semelhante durante os processos de seu julgamento. Depois, era uma outra história.

Ela pareceu um tanto decepcionada, entretanto, não o bastante para fazer Hans lhe contar mais desse ponto.

— Ao menos é uma história curiosa. — Disse, resoluta. — E o povo anda supersticioso, ainda mais agora.

— Quem sabe isso apareça em um livro no futuro?

— Sim. Ao lado de nokks e fadas. — Um sorriso cresceu tímido em sua face, concordando com o gracejo azedo dele. E depois, ela apontou para o livro e questionou: — Nesse livro, há a história da Criança Trocada? O Rei Dragão?

De novo, o veneno. Hans estava familiarizado demais com as duas histórias para ouvir a menção delas com superficialidade nos lábios dela. No primeiro conto, havia uma criança trocada por um filhote de troll e um pai violento. No segundo, um herdeiro bestial com apetite insaciável por noivas. Limitou-se, apreensivo.

— Sim.

— Parece que vivemos mesmo em um mundo de criaturas. — Ela concordou mais uma vez, anuindo com a cabeça. Agora encarava-o diretamente. — Pais monstros, filhos…

Antes que Hans pudesse esboçar qualquer resposta, Helga fechou a expressão e soltou um lamento de dor, uma mão agarrando o braço estofado da poltrona e a outra segurando a barriga. Durou ao menos dez segundos, o corpo todo de Helga tenso e sua expressão torcida; Hans incerto de como proceder. Tudo passou de forma tão repentina quanto começara, mas algo nela indicava que não era a primeira vez que era acometida por dor súbita. Não conseguiu deixar de comentar:

— História pesada demais para sua criança?

As íris dela brilharam como se atravessadas por uma ideia. Não, pior. Uma esperança violenta. Era dolorosamente familiar a algo que uma vez ele viu em um reflexo seu, numa superfície de gelo.

— Quem sabe ela seja um monstro também? — Acariciou a barriga, distraída. — Eu daria luz a uma besta se soubesse que seus horrores trariam liberdade.

— E como seria esse monstro? Teria asas como o Rei Dragão? Ou seria um pequeno leão Westergaard?

Ela deu de ombros.

— Nunca existiram leões de verdade nas Ilhas do Sul. Pensei em algo mais… natural destas terras. Lobos. Será que eram tão monstruosos assim?

— Duvido. — Havia um toque de desprezo e tristeza em Hans. Se eles, com dentes e rosnados, não conseguiram se proteger nas próprias terras, havia poucas chances para quem ousasse se defender. — Senão, não seriam extintos neste país.

— Quem são os verdadeiros monstros, Hans?

O príncipe demorou um pouco para responder e Helga aguardou com paciência. Ele pensou em muitos rostos, remoeu muitas palavras. Pensou em si próprio.

— Geralmente aqueles que guardam muitos sorrisos e não mostram as garras.

— Então não acho que somos os heróis.

O mesmo tipo de calma pérfida que havia em Helga existia no mar aberto e cobrindo-se de nuvens escuras, quando o Sol caía no horizonte. E se antes cada um deles estava bem ciente das atuações e fingimentos do outro, agora Helga jazia sem máscara e Hans sem luvas. Ele não sabia se só exaustão e solidão obrigavam-na a jorrar suas curiosidades e observações sobre ele e, naquele momento, o príncipe admitiu para si que sentia-se isolado e tenso demais para questionar. Calou, porém, a parte de si que sussurrava que Helga verdadeiramente encarava-o como um irmão mais novo.

Era a parte que lhe era mais cara.

— Não. Nós não somos. Mas, — Ele, por hábito e para a ironia do momento, sorriu. Daquela vez, era de verdade e Helga podia notar. Embora Hans não conseguisse prometer a liberdade dela ou tampouco tivesse intenção de lhe revelar seus próprios planos de se ver livre e só, não poderia deixar de ter a mínima consideração por ela. Mas era difícil dizer afeto. Sempre foi difícil dizer afeto.  — Com um pouco de sorte, esse monstrinho poderá gostar um pouco do tio.

Eles falaram de outras coisas. A música que Hans tocava, aprendida nos anos em que ele ficara na Marinha e precisava se entreter a noite, quando o mar e o céu eram uma escuridão só. O outono que chegava aos poucos. Testaram se a barriga de Helga reagia a alguma nota musical, sem sucesso. Helga reclamou do movimento intenso nos preparativos do baile no palácio, que até poderia ter lhe interessado no passado, mas agora já não a satisfazia. Pelo contrário: estava nervosa pelo movimentação dentro do palácio e Hans suspeitava que a sogra dela — sua mãe — tivesse parcela de culpa.

Helga não poderia partir com ninguém que viesse às festividades, então preferia o silêncio. Iria dar a luz em pouco tempo e precisava de toda a quietude para si.

Aos poucos, com a conversa mais leve e as notas que Hans tocava de maneira fraca no violão, era nítido que o sono alcançava os intensos olhos verdes de sua cunhada. Estava finalmente acomodada melhor na poltrona e longe do frenesi dos criados, então Hans considerou que chegara a hora de deixá-la efetivamente sozinha, dormindo. Juntou suas coisas em silêncio, deixou o violão e afinal colocou suas luvas. Antes de partir, despediu-se dela, por mais que não achasse que Helga fosse lhe ouvir. Suas pálpebras estavam fechadas. Mas, antes que atravessasse a porta, Hans ouviu-a murmurar:

— Todos falam o contrário, mas eu acho que é uma menina.

Ele imaginou-a igual a mãe, com veneno, astúcia e cabelos loiros. Só não saberia dizer se seria livre.

— Que ela tenha um sorriso e garras afiados.

Partiu.

***

Depois de guardar seus pertences em seus aposentos, o príncipe colocou um cigarro em um dos bolsos da calça e se direcionava até os estábulos. Estava cedo para a próxima refeição e não era sábio ir até à biblioteca ainda, então visitar Sitron ocuparia seu tempo e daria-lhe oportunidade de remoer seus pensamentos. Também tinha mais o que resolver em seguida.

Sendo sincero consigo mesmo, a conversa com Helga não mudava seus planos e nem suas perspectivas atuais. Mesmo assim, amargava-o tamanha honestidade, ainda que velada. Afinal, deixaria-a e não podia evitar de imaginar como seria a infância de sua sobrinha que ainda estava no ventre da mãe. Mas o que faria? O único plano que tinha para si era incerto e vulnerável.

Por enquanto, decidiu pegar o caminho mais longo até os estábulos. Não tinha estômago para ver os retratos de seus irmãos por metros a fio no caminho curto, e não faltavam cômodos diferentes para passear até chegar onde queria. Seus passos ecoavam. Criados cruzaram ocasionalmente seu caminho, murmurando cumprimentos adequados e logo seguindo para sua próxima tarefa. Hans ainda pensava em Helga, lobos e contos de fadas. Mal teve tempo para notar que a rainha estava ali, à sua frente. Aguardando-o.

Sua postura era dura, ainda que restasse um pouco de graça. Com as mãos à frente do corpo e cada detalhe de seu vestido meticulosamente arrumado, a rainha Hilda sequer parecia humana. Era uma mulher esculpida nas famosas pedras das Ilhas do Sul; resistentes, belas. Afiadas. Ele apressou-se em executar uma reverência educada, mas não houve tempo para dizer qualquer coisa. Sua mãe falou primeiro:

— Espero que você tenha ainda um resto de juízo para não desejar viver como uma sombra neste palácio. — Ela arqueou uma sobrancelha. Pelo visto, estivera procurando por ele e Hans imediatamente entendeu melhor o afã de Helga se esconder. — Sabe que haverá um baile em breve. E nenhum convidado deverá tomá-lo por uma sombra menor e pífia. Você ainda é um Westergaard.

Quis dizer que ele sempre fora uma sombra, mesmo sendo um Westergaard. No entanto, sua língua não foi tão longe. Agora enxergava que a expectativa da rainha era elaborar uma bela e consistente imagem de família intocável para outros integrantes da realeza, combinando outra demanda do rei: Hans não deveria representar ameaça ou fraqueza, mas não deveria tornar-se um membro apagado. Seria muito óbvio, de fato, torná-lo um filho distante e insignificante.

Que ironia.

— É necessário rever seus modos, Hans. — Ela continuou. — O arado pode ter te ensinado alguma coisa, mas é provável que tenha feito esquecer outras. Você ainda sabe valsar?

— Sim, minha mãe.

As pálpebras dela se estreitaram minimamente.

— Acompanhe-me até o Salão de Espelhos. Há um par de músicos ali e será o suficiente para conferir se os modos do campo não contaminaram sua postura durante um evento formal.

Com vontade de fazer o oposto, Hans ofereceu o cotovelo para sua mãe se apoiar e conduziu-a com treinada vagarosidade até o Salão. Havia um sentimento muito controverso em seu peito em relação a rainha, e não apenas ao que sua omissão significou ao longo dos anos. Não, era algo a mais. Um misto de desprezo e incredulidade ao saber que havia sido ela a negociar seu retorno ao palácio apenas para que cumprisse mais papéis. Ao chegar no Salão, inúmeros reflexos dele próprio encararam-no nos olhos, verde contra verde.

E ele sentiu pena. Nojo. Ira. Mas seu rosto não refletiu nada.

Com apenas um comando delicado da rainha, a música começou. Hans executou uma breve mesura e estendeu a mão, chamando-a para a dança. E tão teatral quanto ele, sua mãe respondeu a reverência e em seguida aceitou sua mão, pronta para prosseguir ao som de um violino e piano.

Era comum acharem o Salão de Espelhos mais bonito à noite e preparado para bailes, mas o príncipe preferia a solidão estranha de quando estava vazio, às vezes com tecidos brancos sobre os móveis que tomavam as laterais do ambiente. Melhor ainda quando chovia e ele estava ali, com a chuva em dobro nos espelhos tão bem emoldurados em prata e podendo observar o mar adiante, após o terraço por onde casais costumavam fugir nas festas. No entanto, apesar de não haver comemoração alguma naquele instante, Hans sentia o corpo mover-se de maneira calculada e fingida.

A figura da mãe e do filho girava repetidas vezes no salão, o vestido cor de musgo dela colorindo as sequências de espelhos nas paredes. O príncipe era metade pressa, metade reflexão. Embora fosse seu desejo acabar logo com aquilo, estava ciente que não havia escapatória e o fingimento era sua melhor saída. Ver a imagem dele próprio e de sua rainha o fazia pensar em coisas do passado e talvez fosse esse o efeito do espelho: causar uma dose corrosiva de autoconsciência, sobre quais eram seus movimentos e sua expressão. De fato, os espelhos eram ótimos em bailes, pois saciavam a sede de vaidade ao mesmo tempo em que atormentavam a todos com a dor da própria imagem exata.

Hans apenas se esqueceu que deveria fingir dar atenção a mãe, de modo que a insatisfação dela foi logo declarada:

— É de bom tom conversar algo tolo enquanto se dança, Hans.

— Concordo. E é sábio adequar a conversa com quem danço, não acha? A conversa é diferente com a filha de um comerciante influente ou a herdeira de uma pequena, porém influente, casa nobre. Com quem estou dançando?

Ela encarou-o bem.

— Com a rainha.

O mais belo sorriso escapou dos lábios dele e ninguém diria que era falso. O humor era, de fato, controverso. Não havia nada muito cômico em notar que ela não havia dito mãe, e sim rainha. Mas era melhor assim. Hans teria mais assunto com uma rainha do que com a própria mãe.

— É uma bela ideia um baile no outono, vossa majestade. Não há forma mais inteligente de agradar o restante da família real. — Ele deu uma pausa e a conduziu para mais no centro do salão, auxiliando-a a girar com elegância antes de voltar aos seus braços. — Mas o que mais me chama a atenção é a participação de mercantes notáveis.

Com efeito, a rainha pareceu entretida. Talvez fosse mero interesse em notar que Hans estava, na realidade, bem atento ao que ocorria no palácio, plenamente ciente que não somente a nobreza estaria no evento.

— Acredita que muitos acordos favoráveis serão feitos esta noite?

— Esta noite, não. — Ele respondeu, ainda fingindo como se o baile planejado dali a alguns dias já estivesse acontecendo. — Talvez promessas de casamento dos mais apaixonados.

— E por que não, ouso perguntar?

— A decoração e a música estão roubando a atenção dos convidados. Talvez a comida seja outro tópico a ser discutido, senão a ser alvo de inveja, temo dizer. Então hoje, não acredito que serão selados muitos acordos. — Os olhos dele brilhavam. — Amanhã, sim. E se bem me cabe a liberdade de comentar, é melhor assim. O amanhã é mais duradouro.

Os dois foram para o lado, depois para o outro. A melodia no ambiente era familiar, uma composição conhecida em bailes e que poucos optavam por não valsar. Certamente Hans valsara àquela música no último baile formal que compareceu em Arendelle.

— Sua percepção ao compasso da música continua bom. — A rainha ao fim comentou. — Ainda consegue conduzir uma dança com naturalidade, o que é o mínimo. Apenas diminua os encantos na língua, Hans. Carisma demais não será bem visto.

— Terá que me perdoar. Estou falando com vossa Majestade, não? Achei que teria que impressionar.

A rainha Hilda não lhe dirigiu mais a palavra até o desfecho da valsa, também finalizada com a pompa e a postura que a etiqueta exigiria no baile. Ela somente ordenou outra música e, é claro, a ordem foi prontamente atendida pelos músicos. O ritmo desta era mais lento e sua mãe já estava saciada de conversas vazias. Não disseram mais nada, não se encaravam agora. A rainha Hilda observava detalhes do Salão de Espelhos, minúcias a serem corrigidas. Hans não era capaz de desviar seus olhos das dezenas de reflexos, das lembranças que assaltavam sua atenção.

No conto da Criança Trocada que Helga havia mencionado, o filho de uma rica mulher havia sido trocado por um filhote de troll. A cada mau trato que o pequeno troll aturava na família humana, a criança sofria uma dose igual entre os trolls. O inverso —  infeliz ou felizmente — era verdadeiro. E bem, como os seus irmãos mais velhos não cansavam de dizer que Hans fora deixado por trolls no cais do palácio, quando mais jovem ele imaginava se a criança em seu lugar na família troll estaria sofrendo tanto quanto ele.

Era uma alternativa melhor ser o Rei Dragão. Impiedoso, devorador, temido. Ao fim do conto, porém, sua forma reptiliana foi aplacada por uma mulher inteligente e nisto Hans duvidava que teria sorte. Tinha quase, de fato, matado a princesa que se apaixonara por ele.

Em seu íntimo, Hans não poderia dizer que se arrependia da tentativa de assassinato de qualquer uma das irmãs de Arendelle. Arrependimento implicava uma dor pessoal, mas tudo aquilo era impessoal. O príncipe se arrependia por ter sido cruel com Anna.

Ele poderia ter apenas deixado-a morrer em silêncio. Seria mais decente, se ele ainda podia falar de decência naquelas condições. No entanto, a frase que lhe subiu a garganta foi a mesma que escutou uma vez quando criança, de sua rainha. Sua mãe.

Ah, se alguém te amasse…

O reflexo que Hans seguia nos espelhos foi substituído pelo reflexo de uma criança ruiva, encarando a própria figura no gelo trincado. A paisagem era branca de inverno e a boca dele sangrava.

A lembrança não era súbita. Na realidade, aquele dia jamais havia saído detrás de seus olhos:

 

Era um dia de caça. Hans ainda não era muito bom de mira, sequer tinha tanta força nos braços; nem mesmo suas convicções eram tão fortes — mas começavam a se solidificar. Tinha onze anos. Os treze irmãos Westergaard caminhavam nos bosques ao norte, seguindo um curso d'água.

Ele estava para trás. Para os mais velhos, era um tanto tediosa a tradição, por mais que aqueles maiores de idade já pudessem usar armas de fogo. Lars, muito mais a frente, estava mais preocupado em estudar o estado das coníferas e os hábitos dos animais no inverno; Caleb seguia mais adiante, já com a sua caça abatida nas costas. Cada um entretinha-se com pequenas coisas e piadas tolas, buscando uma presa incauta no começo do inverno já muito gélido.

Longe de tudo, Hans observava em silêncio. Carregava coisas a mais do que deveria carregar, mas que Rudi e Runo haviam lhe dado. Poderiam precisar… eventualmente. Em seu íntimo, o príncipe mais novo não tinha expectativas para aquela tarde e, prevendo que em breve voltaria de mãos vazias, distraiu-se com a beleza do cenário. Gostava de como sua respiração quente condensava-se no ar, como o calor em seu peito contrastava com a temperatura em seu nariz. E assim, só e em silêncio, ele viu uma corça pequena entre os pinheiros, provavelmente desgarrada do bando. Comia o resto de gramíneas que ainda não haviam sido cobertas pela geada, vulnerável.

Linda. Etérea.

Ele sabia que deveria matá-la. Que talvez nem sobrevivesse sozinha até o fim do inverno, sendo até anormal ter nascido próxima desta estação. E mesmo Hans ciente de que poderia arremessar alguma lâmina ou tirar o arco das costas, ele permaneceu encarando o animal e nada fez.

Até que ouviu um barulho mínimo perto de si. As orelhas da corça viraram, Hans prendeu a respiração. Søren estava ajoelhado com o arco já esticado, a mira preparada em um ponto entre os olhos do animal metros adiante.

O príncipe mais novo não soube porque sussurrou.

— É só um filhote.

Søren encarou-o com desprezo. Para Hans, isso era menos preocupante do que saber que seu irmão estava mais perto do que ele imaginava, sem ao menos notar a presença dele. A floresta no inverno parecia absorver os sons.

— E? Sabe tanto quanto eu que cada um de nós precisa trazer ao menos uma caça de volta, Hans. — Argumentou, embora Hans já soubesse daquilo. — E pense bem, é um filhote. Menos peso para carregar.

— Você já tem uma doninha.

— Posso dá-la para você dizer que conseguiu pegar alguma coisa. Sei que não tem muita habilidade com isso ainda.

Hans sabia distinguir quando ouvia mentiras. A prática deixou-o especialmente competente nesta habilidade. E ainda assim, ele hesitou. A tradição da Caça de Lobos era anual, simbólica. Foi assim que os lobos foram embora. E esperavam uma caça de cada. Uma doninha era alguma coisa. Podia virar uma luva para sua mãe.

Søren preparou os braços de novo, esticando a corda do arco. Bastava soltar a flecha e deixar a tensão da corda fazer o resto. Inspirou fundo, os olhos azuis fixos.

Mas Hans empurrou-o, fazendo com que a flecha zunisse apenas para encontrar a madeira de uma árvore.

— Seu estúpido, o que diabos deu em você? — Levantou de súbito, enquanto Hans puxava seu arco e jogava-o longe. Não teria força para quebrar o arco e não iria deixar Søren tentar de novo. —  Deixou-a escapar!

A última coisa que ele viu antes de sentir um soco no queixo foi a corça escapando floresta adentro, seu pelo salpicado por manchas brancas como neve.

Hans não caiu, embora o impacto tenha obrigado a bambear um pouco. Por instinto, ele segurou o ponto em que foi atingido no queixo, mas logo voltou a ficar atento. Søren partia para cima dele de novo e os poucos anos que tinham diferença de repente eram evidentes numa briga física. Os dois então foram finalmente ao chão, lutando e grunhindo sem se preocupar com os objetos que perdiam-se no terreno com o movimento dos dois.

Aconteceu tudo muito rápido. Søren estava em cima dele, preparando um soco certeiro em seu olho. De repente torceu o rosto de dor e foi puxado para trás pela canela. E se antes Søren empurrava-o contra o solo gelado, agora segurava-se em Hans e gritava. Havia um animal abocanhando-o.

Hans não pensou muito. Tirou uma das flechas da aljava nas costas do irmão e enfiou no animal, que recuou e ganiu. Nunca tinha visto um cachorro tão imenso. E então levantou-se como pôde para puxar seu irmão para fora dali. Correu, puxou Søren com urgência, mesmo que seu irmão agora mancasse. Sabia que adiante havia um rochedo e que se pudessem chegar até ali intactos, poderiam se apoiar nas pedras e usar o terreno ao seu favor, valendo-se das lâminas que tinham nos bolsos.

Foi quando ele ouviu um disparo e outro ganido. Frederik estava adiante, com o mosquete em mãos. Ele atirou de novo, mas Hans não ouviu nada. O mundo prosseguiu em absoluto silêncio até a calmaria retornar a floresta. Søren sangrava ao seu lado, ambos estavam sujos e feridos da briga anterior.

Foi somente então que Frederik, consideravelmente mais velho que os dois, virou-se para eles com a expressão dividida entre a fúria e o alívio.  

— Seus dois garotos imbecis! Se algum de vocês tem um pouco de juízo na cabeça, escutem bem: Mesmo caçando, você nunca deixa de ser uma caça. E antes de demonstrar compaixão, tenha um pouco mais de inteligência.

Søren sentou-se em uma pedra, gemendo de dor. Sua língua, porém, permanecia com enérgica disposição.

— Estava observando a gente?

— Para o bem dos dois tolos, sim.

Aquilo era significativo. Hans também não sabia se ficava furioso ou aliviado, pois Frederik havia testemunhado sem intervir a briga deles, embora ao menos tenha feito alguma coisa para que não morressem. O questionamento, porém, não levaria-os a nada. O mais novo, portanto, decidiu perguntar algo mais pertinente ao encarar o ponto da floresta que deixara para trás:

— Aquilo era um lobo?

Um cão. Aquilo era um cão.

Mas o ouvido de Hans era bem treinado para entender que a verdade era o oposto.

Quando apresentaram-se ao rei no pátio externo do palácio, Hans conseguiu só enxergar o seu reflexo desalinhado e sangrando na superfície congelada do espelho d’água do local. O ponto em que deveria ver seu rosto refletido estava trincado e era assim que ele muitas vezes passaria a enxergar sua imagem no futuro.

O restante dos irmãos Westergaard, por sua vez, estava disposto em fileira, cada um carregando uma presa de tamanho médio em ganchos. Postura impecável.

Ele tentou se explicar para o pai ou para os irmãos mais velhos. Depois de se limpar e colocar roupas limpas, tentou se explicar para a mãe. Quando adentrou a sala de leitura dela, viu que o pai saía pela outra porta.

O rosto da rainha Hilda estava lívido, as escleras dos olhos avermelhadas. Não era a primeira vez que o príncipe flagrava-a chorar após alguma conversa com o rei e, naquela ocasião, supôs que de fato era ele o motivo de alguma discussão ou reprimenda. Quando ela o viu, sua face endureceu-se. Mas ela se pôs a ouvir sem interrompê-lo.

Hans esperava um afago depois de dizer que a caça era só um filhote de corça perdido, que quem iniciara a briga havia sido Søren. Que nenhum dos irmãos havia lhe dirigido a palavra na ida e na volta, como se nem ao mesmo existisse; e que seu pai deveria ter compreendido e deixado ele se explicar direito.

Ela escutou tudo. Mexia em alguns papéis enquanto ouvia e estava de pé, ele também.

Ao fim, segurou seu queixo com ternura. Ainda doía um pouco por causa da troca de socos com Søren, mas ele não recuou e recebeu um sorriso fraco dela. Então ela disse:

— Ah, Hans… se ao menos alguém te amasse.

A expressão dela estava vazia e, de súbito, Hans também sentiu-se oco. Não houve mais palavras: a rainha apenas partiu pela mesma porta que o marido, suas costas alinhadas e cabelos castanhos sendo a última visão que finalizava a lembrança.

Ela nunca comentou daquele dia. Era uma tarde qualquer de terça-feira para a rainha, mas um instante que jamais acabara para Hans.

A memória ainda existia e ecoava ali — agora — quando a música e a dança acabaram e ele a observava partir, elegante e assertiva. Os músicos guardavam seus objetos e no salão sobravam somente reflexos e os sons dos sapatos da rainha Hilda, gradativamente mais distantes.

Mesmo agora sozinho, Hans não quis ficar no Salão de Espelhos. Para ele, todos estavam trincados.

***

Fumar no cais teria sido uma boa alternativa para aliviar os nervos, mas ele estava fugindo de locais que parecessem óbvios demais. Portanto, primeiro ele retornou até seu próprio quarto para pegar uma dúzia de moedas e andou até um ponto mais além que os estábulos: a área de treinamento externo, reservado para a realeza. Durante tardes na juventude, ele havia passado horas ali para enfim ter um desempenho decente com a espada e com o mosquete, e ser menos medíocre com um arco. Restavam os bonecos de palha e alguns alvos gastos, usados ocasionalmente pelos Westergaard que estavam no palácio. Era mais recreativo do que um treino agora que todos estavam adultos. Soldados eram treinados em uma área mais próxima do cais no lado oposto, em um local mais estruturado e mais prático, sem os apelos estéticos reservados à família real.

O sol começava a cair quando afinal quem procurava chegou.

Malthe Pedersen aproximou-se, os brocados de sua costumeira vestimenta de capitão da marinha real brilhando contra a luz poente. Hans tirou o cigarro da boca e cumprimentou-o:

— Soube que voltou da viagem ao palácio de verão, Capitão Pedersen.

— Ouviu certo, Vossa Alteza. Com os preparativos do baile, devo ficar aqui e supervisionar as equipes que receberão os navios dos convidados. É bom te ver. — Disse com sinceridade.— Mas é confuso ser chamado de repente. Estava treinando com flechas flamejantes?

Ele encarou um boneco de palha queimado, mas Hans sabia que ele não seria capaz de estabelecer uma relação entre suas mãos sem luvas, a ausência de arco e flechas, e o boneco de palha. Não respondeu a pergunta, preferindo comentar o tópico anterior.

— Você é sensato. Já sabe que vou te pedir um favor. Preciso que cuide de Sitron de novo.

Malthe afiou o olhar e esqueceu-se do pronome de tratamento.

— Hans…

— Haverá navios partindo na mesma noite que o baile. Sei que escolhem essas datas para dar a impressão de um porto que jamais dorme aos convidados. — Ele soltou a fumaça do cigarro para o lado, satisfeito que o vento não levou-a contra o rosto do Capitão. — Patético e nada prático depois que o navio parte para a escuridão. Coloque Sitron em um desses navios.

— E depois?

Ele deu de ombros. Na realidade, o plano era simples.

— Mande-o para a propriedade do meu irmão Bernt. Sei que ele está montando um haras.

Se a situação não fosse séria, Hans poderia achar graça da expressão tensa de Malthe e admirava como ele se esforçava para manter a compostura diante do absurdo. Se era porque o Hans era príncipe ou porque foram amigos, não saberia distinguir direito. Mas a pequena sacola com moedas de ouro era convincente.

E ao fim, era uma saída para cuidar de Sitron sem que ele fosse colocado para fazer trabalhos que sua idade já não favorecia também.

— Se me permite o questionamento, vossa Alteza… O que você fez?

— Nada, ainda.

Malthe hesitou para pegar a sacola, mas enfim aceitou-a.

— Imagino que não devo falar nada a respeito.

Hans suspeitava que o criado escolhido para chamar Malthe até ali daria com língua nos dentes sobre alguma coisa, mas aquilo poderia funcionar ao seu favor. Era só uma questão de tempo.

— Precisamente. Mas caso lhe perguntem, diga que partirei e só.

— E por que está me contando isso?

— Um dia fomos amigos.

Foi o suficiente para Malthe concordar. Hans desejava crer que a amizade dos dois era verdadeira, muito embora suas próprias ações colocassem dúvidas nesse tópico. Afinal, se Malthe de fato fosse seu amigo, não pediria somente favores a ele. Caso o decorrer dos dias provasse o contrário, não o culparia também. A única certeza que tinha era que, enquanto vivesse naquele palácio, nada mudaria. Era um príncipe, um título somente — sua posição deveria assegurar benefícios a sua família real e Hans tinha o fardo de executar todos os seus papéis impostos a ele com exímia perfeição. Mesmo que fosse o papel de um lacaio.

Observando o Capitão Pedersen partir, ele deu uma última tragada no cigarro.

Helga estava certa. Somente monstros podiam fugir. Ainda bem que ele já era considerado um vilão.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que a Julia notou a referência obscura que coloquei nesse capítulo. Vamos ver quem mais descobre HAHAHA

Esse baile vai ser um ESTOURO.