Burned escrita por Shalashaska


Capítulo 5
Mapas


Notas iniciais do capítulo

Eu não fazia ideia que minha última atualização foi há tanto tempo. Não desisti da fic não kkkk raramente desisto. Apenas me envolvi em outras e também passei por problemas. Mas, ao menos, tenho já outro capítulo desenvolvido e postarei em breve.

Relembrando: Hans está desconfiado de segredos de seu pai. Haverá um baile em breve. Em meio à tudo isso, o próprio Hans guarda um segredo e planeja partir do palácio.



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No início daquela manhã, a certeza em Hans era inabalável: partiria mesmo sem desvendar o segredo que seu pai e Caleb guardavam. Talvez não fosse sábio tentar desvendá-lo de qualquer forma, ainda que ele não fosse habituado a deixar coisas simplesmente para trás. A questão era que o tempo estava passando e o príncipe não desejava manter-se ali mais do que julgava seguro.

O rei tinha planos para ele. A rainha tinha planos para ele. Nada mais natural que ele tivesse os próprios.

Portanto, seguiu seu cronograma, ajudando Lars em sua pesquisa — sem grande interesse, é verdade — e variando suas rotas no castelo para que ficasse difícil para que a criadagem pudesse imaginar o que estava fazendo e, deste modo, tivessem menos novidades a contar para o rei ou para a rainha. Seus irmãos, felizmente, estavam lhe deixando em paz na maior parte do tempo, salvo os almoços e jantares. Hans suspeitava que isso era causado pela tensão do baile, que seria em dois dias. Imaginava, com uma dose de veneno doce, que ele não era o único filho a ser motivo de desgosto, e se julgou melhor por ser um quase regicida, não um homem patético como Rudi e Runo.

Pobres candidatas que viriam ao baile.

Após passar um período cavalgando um cavalo mais novo que Sitron — não tão veloz e nem tão jovem, mas o suficiente para boas velocidades e distâncias — e enfim deixá-lo nos estábulos, Hans decidiu dar uma passada na Biblioteca antes de tomar um banho. Talvez não tivesse outra chance tão cedo, nem de estar em meio às estantes que apreciava, nem de tomar um banho fácil ou confortável. 

O clima estava mudando, o céu jazia cinzento e o mar, negro. Abrigar-se dentro da Biblioteca soava convidativo a qualquer um que não queria ser pego pelo vento ou pela umidade, já que o local erguido em pedra guardava o calor de lareiras e de boas histórias. Como há tanto fazia, entrou com naturalidade e logo adiantou-se para a parte que lhe interessava: os mapas.

Ainda que não houvesse encontrado nada realmente importante com Lars, fosse para ajudá-lo ou para ocultar informações dele, ao menos colocara um pouco de ordem no caos que seu irmão mais velho causou na Biblioteca. No entanto, Hans não encontrou-o ali, tampouco deparou-se com bagunça. Não, o motivo de vacilar meio segundo antes de oferecer um sorriso falso foi ver seu irmão Rejnar mexendo nos tubos de papéis. Ele devolvia algum mapa à estante, enquanto uma cópia feita a mão enrolava-se acima da mesa.

E os olhos de Rejnar também relampejaram.

— Hans, — Ele disse primeiro, recuperado da inconveniência do encontro. — Não tenho-o visto tanto durante as tardes. Cavalgando muito?

O príncipe mais novo estreitou os olhos, por mais que sua voz ainda soasse muito gentil.

— Pode-se dizer que sim. Prefiro não ser atropelado pela criadagem por conta dessas preparações todas para o baile. — Sentou-se à mesa na frente do irmão, como quem tinha mais interesse em jogar conversa fora do que na estante ao fundo, recheada de todos de mapas novos. — Temo que nossa mãe gastará as solas de todos os sapatos antes mesmo dos convidados chegarem.

O outro riu.

— Faz bem em evitá-la. 

— É o que está fazendo agora? Evitando nossa mãe?

Rejnar encarou-o com sua expressão dividida entre um riso triste e sólida rejeição àquela conversa. Essas duas metades pareciam verdadeiras, embora Hans não pudesse compreender exatamente a razão por detrás da máscara do outro. 

— Não que ela precise saber, é claro. — Não era um sim, nem um não. E antes que pudesse alfinetá-lo, quem primeiro sentiu o ardor da próxima pergunta foi ele. — E o que você faz aqui?

Não era difícil supor o quanto a aparição de Hans era no mínimo suspeita: ainda trajava roupas de montaria e, até onde se sabia no momento, o principal responsável pela Biblioteca era Lars — que não estava ali. O filho mais novo e problemático dos Westergaard indo direto para a seção de mapas? Intrigante. O príncipe mais novo desconfiaria de si mesmo.

— É pelo baile. — Ele piscou suavemente, dizendo tudo com muita simplicidade e deixando as palmas de suas mãos enluvadas à mostra. — Enquanto estive fora, ouvi dizer que pelo menos meia dúzia de países se uniu e mais uma porção se separou. Achei sensato vir me atualizar com os nomes de novos  antes de cometer alguma… Indelicadeza com os convidados da rainha.

Hans pensou com satisfação sobre o quanto mentir era ainda uma habilidade afiada em sua língua. Nada mais plausível do que tentar não desapontar a rainha em questões diplomáticas. Ele esperou a resposta de Rejnar, que desviara seus olhos castanhos para encarar a mesa por um breve segundo. Depois, sua face salpicada por sardas tornou-se mais afável.

— É bom preocupar-se com detalhes, Hans. Também tenho me dedicado a isso nos últimos dias. — Que canalha mentiroso. — E vou te dar licença para estudar bem esses novos nomes. Eu daria atenção especial ao Vedastão.

— Vou manter isso em mente.

Depois de uma despedida sucinta, Rejnar saiu com a cópia do mapa em mãos. Primeiro, Hans suspirou. Seu cansaço não era físico, nem recente. Embora nunca tenha sido verdadeiramente próximo de nenhum de seus irmãos, a distância entre ele e Rejnar ardia como uma ferida antiga e ao mesmo tempo imaginária. Afinal, Rejnar era o penúltimo dos príncipes Westergaard, de modo que não era absurdo pensar que ele e Hans pudessem ter alguma afinidade maior devido à diferença menor de idade. Não podia ser mais distante dos fatos. E era patético sentir algo doloroso no peito por uma relação inexistente — no passado, no presente, no futuro.

Hans levantou-se. Havia coisas mais urgentes para se pensar.

Apesar de não conseguir supor o que seu irmão estava aprontando, a certeza de que ele planejava algo era cristalina. Pelo menos a possibilidade de que Rejnar estivesse o espionando parecia mais remota, já que Hans havia pegado-o de surpresa e não o contrário. Ainda assim, prestaria mais atenção. 

Foi sua vez de conferir a estante de mapas. Os novos ficavam guardados em rolos, devidamente colocados dentro de tubos de material mais resistente para, em seguida, serem empilhados. O que muitos não sabiam era que os mapas seguiam uma ordem precisa, sem serem amontoados desorganizadamente. Hans aprendeu isso com a senhora Lagerlöf há muitos anos e, ironicamente, isso veio a calhar tanto para encontrar o que buscava quanto para bisbilhotar no que Rejnar tinha buscado.

Falha dele ao não colocar o tubo no lugar certo.

Era um mapa do norte, focado em principais rotas comerciais para o Leste do continente. Hans tentou evitar um nó no estômago ao ver um pedaço de Arendelle no mapa, focando-se no destino provável de seu irmão. Em um quadrado em escala diferente, na parte inferior, existiam marcações ainda de propriedades oficiais dos Westergaard, embora fosse difícil afirmar que Rejnar iria para alguma delas só para reencontrar outros irmãos. 

Hans colocou-o na mesma posição incorreta e pegou logo o que viera buscar:

Dois rolos de mapas, um das rotas marítimas a sudeste e outro em maior escala das Ilhas do Sul. Somente um deles era de seu verdadeiro interesse.

O dia tornou-se gradativamente mais cinzento com a descida do Sol no horizonte e Hans não quis mais se demorar. Levou um tempo copiando os mapas com grafite — dando mais detalhes a um do que a outro — e enfim organizou seu material para partir. Não contava, porém, com o barulho que ouviria da entrada. Levantou-se rápido, colocando os mapas no lugar apropriado, e se pôs a ouvir com atenção atrás de uma estante.

Mas não fazia sentido algum. Nunca ouvira Lars, tão ingênuo e passivo, se exaltar tanto.

— Isso é um absurdo! 

— Ponha-se no seu lugar, Lars.

Houve uma pausa. A outra voz era firme, grave e ácida. Caleb, o mais velho. Hans imaginou que, qualquer discussão que estivessem travando encerraria-se por aí. Não seria a primeira vez que o futuro-rei terminaria conversas com o peso de sua voz ou autoridade. Não seria a primeira vez que Lars calaria-se frente a algo absurdo. No entanto, Lars continuou.

Eu estou no meu lugar. Sou historiador. Nosso pai, o rei, me deu uma missão específica que não posso concluir sem que ele me dê acesso a todos os documentos.

— Você é inteligente demais para que eu tenha que me repetir. Aquela papelada já foi verificada e descartada. Não volte nesse assunto, é inútil e infantil.

— Descartada no escritório de nosso pai? Sem que eu tenha acesso?

— Se tem alguma crítica a avaliação do rei, é melhor ser direto e sustentar sua opinião quando estiver diante dele.

— Lars, escute bem...

— Escute você. Sua obrigação é simples e, caso você não seja capaz, diga logo e será substituído por alguém competente. Nem mesmo me parece que tem passado tempo suficiente nisso.

Outra pausa. Hans esperava que fosse o único que estivesse ouvindo a própria respiração e evitava se mover um milímetro que fosse, para que os papéis em suas mãos não fizessem barulho. 

— Minha esposa está grávida. — Ele se justificou.

Ela está. Você pode seguir o seu trabalho. — Alguém inspirou fundo. O tom de Caleb mudou em seguida; era mais leve, insidioso. — Sabe, Lars... A ideia de vê-lo rebaixado não me atrai, mas você não está se ajudando. Consiga alguma coisa em uma semana. Senão, nosso pai irá mandá-lo para... procurar algo no campo.

— Com meu filho recém-nascido? No outono?

— Até o momento, só encontrou crendices e contos que fazem parte da nossa tradição. Coisas baratas que todos sabem e nada que possa colocar nosso país em uma posição melhor que nossos vizinhos.

Ah, sim. Era claro que o rei não havia mandado pesquisar sobre os mitos das Ilhas do Sul por mera busca de orientação, como Lars havia insinuado, ou por simples curiosidade. A justificativa mais óbvia era a sensação de ameaça — o receio de que mais alguma rainha ou rei tivesse poder para subjugar o reino. Motivos e ressentimentos sempre existiam.

— Já passou pela cabeça de você ou de nosso pai que talvez não exista algo? Que sejam só mitos? E que não existem atalhos para ter uma relação boa com as nações ao nosso lado? Que talvez mais do que nunca, é melhor a diplomacia?

— Se as Ilhas do Sul não podem mais contar com a magia do passado, que seja sempre pela pólvora. Uma semana, Lars. E onde você estiver depois disso, você será avisado do nascimento do seu filho.

Os passos duros de Caleb denunciaram sua partida repentina. O príncipe esperou alguns minutos em silêncio, pesando as vantagens e desvantagens de se mostrar presente ali na Biblioteca. Ao fim, achou melhor ver o irmão. Ele afundou-se em maus lençóis, a despeito de Hans saber ou não alguma coisa.

— Lars.

Ele estava sentado, uma mão segurando o dorso do nariz e a outra segurando seus óculos longe do rosto. A cabeça estava baixa, os ombros curvados.

— Ah, Hans.— Ele colocou os óculos de volta, tentando amenizar a expressão pesada. Mas seus olhos estavam avermelhados, assim como a ponta do nariz. Indicou os dois rolos de mapas que o mais novo tinha em mãos. —  Alguma novidade?

— Nenhuma. — Se encararam. Hans decidiu não fingir que não tinha escutado nada. — Desde quando há esse desespero do rei por... Por alguma magia do passado?

— Você sabe. Arendelle. Ahtohallan.— Ele riu de forma fraca e irônica, e então calou-se por um instante. Hans havia acostumado-se a vê-lo com o rosto ingênuo, sempre envolvido por assuntos aleatórios e muito distante dos dramas familiares ou políticos. Não tinha tato, nem muita sensibilidade e seu maior feito era o casamento com Helga. Ali, naquele breve momento, ele viu o amargor em seus olhos, a ira e a clareza. Foi como se ver em um espelho por uma fração de segundo. — Talvez seja por isso que ele te odeie tanto, Hans. Você foi a faísca para mudar coisas que ele não consegue conter.

Lars disse aquilo com uma lógica irrefutável. Se Hans não tivesse ido a Arendelle anos atrás, quem sabe os poderes de Elsa jamais tivessem sido revelados ao povo. Ela não teria partido para Ahtohallan, a magia estaria ainda selada. Tudo seria como sempre foi.

O príncipe teve a sabedoria de não comentar tais pontos. Sentiu a palma de suas mãos quentes, a raiva correndo por seu sangue. Compadecia-se com seu irmão, mas seu compadecimento não mudaria o passado — e nem mesmo o presente, se não agisse. Apenas questionou coisas mais práticas, imediatas. 

— Não tem nenhuma suspeita onde a resposta pode estar?

Óbvio que sim. Do contrário, Lars não teria insistido nos tais documentos arquivos no escritório do rei. E Hans suspeitava que, se esses documentos não fosse importantes, Caleb não perderia o precioso tempo discutindo com o pobre irmão historiador. 

Mas considerou mais sensato não fazer perguntas mais diretas sobre esse tópico, não ainda.

— Só se estiver no mar. As Ilhas do Sul sempre foram muito prósperas pelo comércio marítimo, pelas riquezas das águas. Até a família da nossa bisavó tinha o símbolo de um tridente, descobri essa semana. Enfim, não sei se tudo isso é por causa de uma posição geográfica conveniente somada à uma boa administração. E... — Lars hesitou. — Não te contei, até porque soube de fontes questionáveis, mas Lagerlöf foi aposentada porque jogou caixotes do arquivo no oceano. Enlouqueceu. Então, se por acaso existiu alguma pista de magia, isso se perdeu no mar.

Era a última coisa que Hans pensava escutar. 

— Quem te contou isso? 

— Rudi, que ouviu algo de Søren, antes dele partir. Helga confirmou que exista alguma rusga séria entre o rei e a bibliotecária. 

Hans duvidava que a senhora Lagerlöf estivesse mesmo na Quinta Ilha. Mais provável que estivesse no fundo do oceano junto com os caixotes, por mais que ele tivesse também dúvidas de que a velha bibliotecária teria feito tal atrocidade. E passou a suspeitar que a pesquisa de campo de Lars poderia ser outra ilusão.

— Vou preparar um relatório com todo o material que tenho disponível. Não haverá novidades em uma semana, Hans. Não existe mais o que se conferir aqui.

Hans encarou as próprias mãos enluvadas.

— Diga para Helga enviar uma carta ao pai. Fale para ela pedir que seu sogro convide-os para suas terras pouco depois do parto.

Porém, seu irmão só balançou a cabeça.

— Você é ainda um garoto teimoso, Hans. Uma raposa arranhando armadilhas. Mas você sabe que nem sempre existe uma saída. Não quando se trata do nosso pai. Mas, alegre-se. Há uma festa primeiro. Me diga, o que está vendo aí…?

Hans mentiu, assim como havia mentido a Rejnar. Só estou me atualizando com nomes de novos países, disse sem mostrar os mapas. E impressionava-se como Lars podia fingir que estava tudo bem, que nada grave acontecia e o melhor agora era conversar com Hans, derramando com entusiasmo os detalhes históricos de nações próximas. Impressionava a si próprio como ele podia fazer o mesmo com tanta naturalidade.

Nada grave aconteceu, nada grave nunca havia acontecido dentro daquele palácio.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Se você puder deixar um comentário, me fará muito feliz! (E com mais energia pra escrever kkkkk).



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