Um Conto de Fadas e Maldições escrita por Mialee Aurestelar


Capítulo 3
III.




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“Era uma vez uma garota. Era uma vez um príncipe. 

Ambos viviam em um reino onde as pessoas costumavam ver magia onde ela não existia, e ignorá-la quando existia.  

Ele acreditava que era amaldiçoado e ela acreditava era medíocre, insignificante até. 

Uma garota como ela não poderia salvar um príncipe como ele, poderia?”

Nas últimas semanas, uma vontade tinha se instalado em mim aos poucos. Eu não tentava fazer algo por mim há anos, então a sensação chegava a ser estranha. E, apesar de silenciosa e contida, era forte o suficiente para me fazer mexer nas coisas de minha mãe pela primeira vez desde que ela morrera. Forte o suficiente para que, depois de um dia inteiro limpando uma casa grande demais para uma pessoa só cuidar e atendendo às demandas caprichosas de minhas meia-irmãs, eu ainda conseguisse dedicar parte da minha noite para reformar um vestido. 

A parte de mim que não tinha se esquecido que eu tinha algum valor andara crescendo nessas últimas semanas, e com ela uma vontade pungente de comparecer àquele baile. Não para fazer ou ganhar nada, mas só para ir. Só para poder vestir algo que não fosse velho e manchado, ouvir música e ficar algumas horas sem ter que me preocupar com qual cômodo teria que limpar em seguida. E, depois de semanas com essa ideia em mente, não conseguia me convencer que aquilo era pedir demais. 

Mas, bem, aparentemente era, como descobri ao descer as escadas até o saguão, na esperança de poder ir com minha madrasta e meia-irmãs na carruagem. Elas me encararam com um olhar surpreso e ultrajado, que eu esperava, mas que quase me fez considerar se estava fazendo algo errado mesmo assim. 

— O que é isso? — Lady Tremaine tinha um tom que eu conhecia muito bem, que tornava aquilo menos uma pergunta e mais uma ordem para que eu parasse o que estava fazendo imediatamente. Diferente das outras vezes em que passara por isso, tomei coragem para responder:

— Quero ir ao baile — vi os olhos de lady Tremaine se estreitarem. Me apressei para completar o que queria dizer — Não estou indo pelo príncipe, prometo que não atrapalharei vocês. 

Drizella deu riu, sarcástica.

— Mas você não se enxerga mesmo… Como se o príncipe fosse sequer te considerar como opção — ela me olhou se alto a baixo. Resisti ao impulso de me encolher — Quer dizer, não que ele vá ver essa cortina que você está usando e esse ninho de ratos na sua cabeça, mas acredito vossa alteza sabe reconhecer o que presta e o que não.

— Ele não vai ver, mas o resto das pessoas vai! — explodiu Anastasia, olhando para mãe em busca de apoio — O que vão pensar de nós? Mãe, a senhora não vai deixar, vai?

Lady Tremaine fez um sinal para que as duas ficassem quietas, e se aproximou de mim. Escondi as mãos atrás do corpo para que ela não as visse tremendo.

— Tão dedicada, gastando noites e noites para arrumar um vestido para ir ao baile. E mesmo com tanto esmero ainda conseguiu deixar linhas soltas… — não tive tempo nem de questioná-la antes que segurasse um pedacinho solto da costura de uma das mangas do vestido e o puxasse com força, rasgando o tecido. 

Só consegui olhar aquilo, em choque. Antes que conseguisse processar qualquer coisa, Drizella deu um passo à frente:

— Olha, tem outro aqui — disse, rasgando um pedaço da saia. 

E outro. E outro. E outro. Em algum momento empurrei uma Drizella para trás e elas pararam, mas já tinha mais tecido no chão do que no que tinha sido meu vestido. 

— Veja, Ella, o príncipe pode até aceitar que qualquer uma entre no palácio, mas sem a vestimenta apropriada, acho que ainda não abrem exceções… — ela foi se encaminhando para a porta, dando o assunto por encerrado. Parou por um momento e apontou para os restos do meu vestido no chão — Limpe essa bagunça, sim? 

Sozinha, fiz a única coisa que me passou pela cabeça: me abaixei e comecei a recolher os pedaços de tecido no chão. De repente me dei conta do quão patética devia parecer. Comecei a chorar antes que entendesse o que diabos eu estava sentindo e cada soluço ecoando por aquela casa vazia só a fazia parecer mais escura e solitária. Sem enxergar nada direito, fui para os jardins nos fundo, só para sair dali.

O ar fresco do lado de fora me fez sentir um pouco mais acordada, mas só. Me sentei nos degraus que davam para o jardim, e me afundei na profusão de coisas que estava sentindo. Medo, frustração, tristeza e raiva. Mais raiva do que queria admitir, mas era tanta que não conseguia escondê-la, como estava acostumada a fazer. Raiva de Lady Tremaine, de Drizella e Anastasia. De mim. Até de meus pais e de suas ausências.

— Eu deveria desistir, não é? Vocês dois me deixaram para lidar com isso sozinha, mas eu não consigo mais! — esbravejei para o nada, incapaz de continuar quieta com meus pensamentos. E quando o nada não respondeu de volta, baixei a cabeça, consciente de que nada mudaria o fato de que não importava o quanto eu gritasse, ninguém ouviria — Eu só queria um pouco de ajuda, seria pedir muito? 

Um clarão me tirou de meus pensamentos. Desconcertada, me deparei com um ponto de luz à minha frente, crescendo mais a cada instante. E, de repente, no lugar da luz havia uma mulher, que mais se parecia com as fadas que eu vira nos livros de histórias, com um vestido branco brilhante e asas iridescentes. No absurdo daquela situação, me dei conta do quão familiar ela parecia. A palavra escapou da minha boca antes que eu percebesse: 

— Mãe? 

— Quase. A irmã dela — a fada sorriu. 

— Irmã? Minha mãe não tinha irmãs — falei a primeira coisa que me passou pela cabeça. Depois de vinte anos vivendo a vida mais rotineira e previsível possível, de repente eu tinha todas essas experiências mirabolantes em um período de horas?

— Em sua vida como mortal, talvez não. Deixe-me apresentar direito: sou Astherin, a irmã mais nova de sua mãe e, logo, sua tia. É bom poder finalmente falar com você, Ella — ela percebeu o quão chocada eu estava, e, com um sorriso tranquilo, sentou-se ao meu lado — Imagino que você precise de algumas explicações a mais.

— Por favor. 

Foi assim que fiquei a par do fato de minha mãe ter sido um ser mágico de centenas de anos que largou tudo por meu pai. Desequilibrada como estava, me peguei chorando ao ouvir a história deles. 

Enquanto ouvia, fui reparando que Astherin não era tão parecida com minha mãe quanto eu achara. Era um pouco mais alta, tinha cabelos curtos e o nariz um pouco mais largo. E claro, minha mãe não tinha olhos prateados. Mas a semelhança ainda era absurda, da pele escura ao sorriso tranquilo. De certa forma era reconfortante ter por perto alguém que, até certo ponto, se parecia comigo. 

— É isso. É informação o suficiente para uma noite, não? — me perguntou ela, ao finalizar o relato. 

— Acho que sim — parei por um momento, decidindo fazer a pergunta que estivera me incomodando — Por que você nunca veio antes? 

— Não sou uma fada muito poderosa — ela me deu um sorriso triste, como se pedisse desculpas — Preciso ser chamada, e, até agora, por mais difícil que as coisas fossem, você continuava a tentar resolvê-las sozinha. 

Quase contestei a afirmação, mas me dei conta de que era verdade. Durante todos esses anos, tanto por orgulho ou por uma vontade de alcançar o padrão que eu imaginava que meus pais esperariam de mim, minha última opção seria recorrer a outra pessoa. O que era engraçado, porque esperava e incentivava os outros a me procurarem se precisassem de qualquer coisa. 

— Enfim, você me chamou por um motivo, não? — disse ela, interrompendo meus pensamentos — Temos que nos apressar se queremos que você chegue no baile a tempo. 

— Eu… Sinto muito, mas talvez eu não deva. — confessei, me achando estúpida por sequer ter cogitado ir — Não me sinto muito corajosa ou gentil agora, não acho que vá servir para nada naquele baile. 

— Você não precisa servir para coisa nenhuma, Ella — seu tom firme era quase maternal, o que me fez prestar mais atenção — Olhe, eu sei o que sua mãe lhe aconselhou, e, não me entenda errado, há sabedoria no que ela disse, mas não deveria te limitar. 

— Eu já estou cercada por limites. Ela estava certa, manter a cabeça baixa deixa os limites um pouco menos sufocantes — odiava soar tão amarga, mas já não tinha forças para esconder o que estava sentindo.  

— Não tenho a menor experiência em viver como uma mortal, mas sua mãe também não viveu sua vida. Você acha mesmo que ela não se sentia frustrada, que não se magoava com o jeito que a tratavam?

— Nunca pensei que a tratavam mal, para ser sincera — murmurei, balançada pela pergunta. A imagem que tinha de minha mãe era a de uma criança que a adorava, e perceber devia haver algo além do que eu via era desconcertante. 

— Não da mesma maneira que fazem com você, mas acontecia. Ser gentil e corajosa funcionou para sua mãe porque havia alguma mágica em seu sangue ainda, algo que fazia as pessoas terem um pouco mais de respeito, por mais que não soubessem o porquê. Além disso, ela tinha uma família inteira para lembrá-la de que era amada. Você não é sua mãe, Ella. Sua vida talvez precise de mais alguns tipos de ações para que dê certo. 

Sem saber o que responder, senti meus olhos marejarem de novo. Além de tudo, eu ainda teria que confrontar a ideia que tinha dos meus pais por anos? Era coisa demais. 

— Ei, gentileza e coragem são qualidades que você não deveria jogar fora. Tudo que seus pais te ensinaram foi baseado em amor, do tipo mais genuíno — disse ela, amansando o tom de voz — Não quero dizer que você precisa descartar os valores que lhe passaram, só que você pode reagir de formas diferentes para ganhar suas batalhas. 

— Não sei como fazer isso. 

— Você começou a fazer isso há semanas quando decidiu ir ao baile — ela se levantou, decidida, e, puxando minhas mãos, me fez fazer o mesmo — Você é jovem demais para já desistir de construir seu próprio caminho, querida. Vamos, limpe essas lágrimas, é hora de te arrumarmos. 

(***)

— Preciso de uma pausa — anunciei para meu pai, finalmente me afastando da multidão até o lugar reservado em que ele estava com alguns amigos. Escutei-o se levantar e, com cuidado, me empurrar para alguns metros de onde estávamos, longe dos ouvidos dos nobres, imaginei.

— Como está indo? — perguntou-me, e me segurei para não resmungar.

— Nada melhor do que eu esperava.

— Cassian, já estamos aqui há horas, espero que tenha pelo menos algumas opções em mente. 

Me obriguei a ter paciência. Tinha alguns nomes em mente, sim, mas nenhuma das moças em questão tinha algo a mais. Só faziam o mínimo, não fazendo comentários sobre minha cegueira ou não me puxando para uma dança sem sequer dizerem que estavam ao meu lado antes. E, sinceramente, eu esperava não ter que me contentar com o mínimo. 

— Lady Hale, Lady Bishop e Cora Thorne são as que não me deixou desorientado ou entediado até agora, e olhe que minhas expectativas estão baixas.

— Tão ruim assim?

— Pai, uma delas tentou fazer que eu tocasse seu rosto para “ver o quanto era bonita”. Drizella Tremaine com certeza não está na lista de opções.

Ele começou a rir, e eu, que já estava me reconciliando com a ridicularidade da situação, ri um pouco também. Depois de horas tendo interações como essa, precisar de um momento para respirar era compreensível.

— Está bem, saia um pouco — disse meu pai, dando um tapinha no meu ombro — Não vá além do jardim central, sim? Se demorar mais de uma hora, vou te buscar eu mesmo.

— Fique tranquilo, não vou fugir à essa altura — respondi, já indo embora.

Do lado de fora, a ausência de som era um alívio. Estressante era pouco para descrever o que era estar em um baile, rodeado de gente desconhecida e com música tocando ao fundo. Anos de prática tinham me ensinado a navegar aquilo tudo da forma mais tranquila possível e, principalmente, sem ter meu pai ao meu lado o tempo inteiro, mas ainda era cansativo.

Com a bengala que usava para me orientar, dei os últimos passos para chegar ao banco no centro do jardim, um refúgio constante para quando queria fugir um pouco do que acontecia dentro do palácio. Mal me sentei, ouvi um barulho à minha esquerda.

— Quem está aí? — só me faltava que alguém tivesse me seguido até ali, pensei, mais irritado que apreensivo. 

— Ah — uma voz feminina, surpresa — Perdão, não achei que tinha mais alguém aqui fora… Não estou quebrando nenhuma regra, estou?

— Não está — respondi, tentando pensar em uma maneira de continuar sozinho ali — Mas veio até aqui para o baile, não? Deveria estar aproveitando a festa.

Silêncio. Não achei que tivesse sido rude a esse ponto.

— Estou tomando coragem para entrar, na verdade  — uma pausa — Como é lá dentro? Nunca fui a algo assim antes.

Levantei as sobrancelhas. Não deveria ser parte da nobreza então, o que era de certa forma um alívio. Não seria obrigado a tentar reconhecer nenhum nobre orgulhoso pelo som de sua voz para tentar evitar complicações políticas.

— Talvez minha experiência seja pouco encorajadora — disse, decidindo ser sincero — Já estive em bailes demais para lhe passar uma descrição bonita deles.

— Eu gostaria de ouvir mesmo assim, se você não se importar. 

— Tudo bem —  me peguei respondendo. Fora da multidão do salão de bailes, estava mais inclinado a tentar uma conversa. Além do mais, pela maneira como se dirigia a mim, provavelmente não sabia quem eu era ainda, e essa era uma situação em que eu estava poucas vezes.

Escutei-a andando na direção em que eu estava. Fiquei um pouco intrigado com o som. Sapatos geralmente faziam um som oco, principalmente nas pedras do caminho daquele jardim, mas o que eu escutava parecia… Um tilintar? Como o som de quando se bate as pontas das unhas em uma taça de vidro. Ela se sentou ao meu lado.

— É um pouco assustador ter que entrar sozinha em um baile tão grande. Imagino que se você já viu tantos, não deve parecer tão grande assim.

— Não mesmo — ela realmente não sabia com quem estava falando — Ainda são uma espécie de desafio, mas no fim se resume à mesma coisa: boa música, boa comida, muita gente conversando e dança. Quer dizer, não que eu tenha dançado muito nos últimos anos.

— Ah.

— Você soa desapontada — disse, sorrindo um pouco, ciente que tinha dado a explicação mais seca possível, mas era o que eu achava, no fim das contas.

— É bobo, mas eu sempre imaginei como essa coisa saída de um conto de fadas, sabe? Onde tudo fica um pouco mais bonito, mais reluzente — normalmente teria achado graça de uma crença tão infantil, mas o jeito com que ela falava, com uma delicadeza tangível, me fez levá-la à sério — Não tem magia nenhuma?

A pergunta me pegou um tanto de surpresa.

— Magia? Você acredita que isso existe?

Ela riu, achando uma graça que eu não entendia.

— Sem um pingo de dúvida — respondeu com uma firmeza que me surpreendeu mais ainda — Mas não era desse tipo que eu estava falando, era algo mais… Como um sentimento? Um encantamento com o que te cerca.

Eu com certeza não esperava que a conversa tomasse essa direção. Quem era essa garota? 

— Se você perguntasse isso para mim quando era criança, talvez a resposta fosse sim, eu ainda me encantava com o que hoje é rotineiro — respondi sem pensar muito. 

— Ora, se você pode se lembrar de como era antes, talvez possa sentir ainda, não? 

Ficamos os dois quietos por um momento.

— Um bom conselho, tenho que admitir, mas não parece muito fácil de pôr em prática.

— Acho que sim — ela riu, meio incrédula. O que ela disse em seguida foi tão baixo que mal escutei — Ando precisando seguir meus próprios conselhos. 

Era estranhamente confortável ficar ao lado dela. Mesmo que estivesse dizendo essas coisas que em parte não faziam sentido nenhum e em parte faziam sentido demais, eu não me sentia tão investido em uma conversa há um tempo. Foi por isso que falei o que estava ocupando meus pensamentos:

— Tenho uma pergunta. Se você está tão certa de que magia existe, acredita em maldições também? 

— Maldições? Nossa — sabia que esse era um assunto complexo, ainda mais se ela começasse a ligar os pontos, mas… — Não sei ao certo. Apesar de saber que magia existe, não estou muito informada de como funciona ainda, para ser sincera, e talvez nunca saiba. Mas, se eu tivesse que chutar, diria que tem mais a ver com como reagimos do que a uma magia boa ou má.

— E com isso você quer dizer…?

— Eu estar aqui hoje é uma das maiores bênçãos que recebi nos últimos anos. Para minha madrasta, me ver por aqui seria uma grande de uma maldição. Ou o príncipe, por exemplo — meu coração falhou uma batida. Consegui o que queria, mas agora não tinha muita certeza se queria ouvir — as pessoas consideram sua cegueira uma maldição, porque imaginam que seriam miseráveis em seu lugar, mas para ele pode ser completamente diferente. Maldições são para impedir-nos de continuar nossa vida, acho, e ele não parece ter parado de viver a dele.  

E não tinha mesmo. Ouvir outra pessoa dizendo isso acendeu uma faísca em um pensamento que andara escondido no fundo de minha mente, afirmando que não tinha nada de errado comigo. Precisaria de mais tempo para tornar aquela fagulha em um fogo queimando alto, certeiro, mas bem mais do que eu tivera por anos e anos. Ri, me segurando para não ficar emotivo demais, coisa que ela estranharia.

— É uma boa resposta — disse, sorrindo — Enfim, a senhorita deveria ir se aventurar no baile. Tenho certeza que valerá a pena.

 — Espero que sim — ouvi o farfalhar de seu vestido, anunciando que ela se levantara — Você gostaria de vir comigo? Entrar acompanhada parece menos assustador.

Ponderei a questão. Aceitar seria revelar a bengala em minha mão, o fato de que eu precisava dela para me movimentar e, logo, mostrar para ela quem eu era. Essa, contudo, não parecia ser uma opção tão ruim, e a escolhi, me levantando. Escutei-a exclamando, surpresa:

— Minha nossa. Vossa alteza? 

— Você me chamou por “você” até agora, não precisa se preocupar com títulos, de verdade — ouvi um ruído familiar, e não consegui conter uma risada — Acabou de fazer uma reverência?

— Hã… Sim — esse ato falho e minha reação pareceu acalmá-la um pouco — Me desculpe. Meu Deus, espero não tê-lo ofendido.

— De maneira nenhuma, foi a melhor conversa que tive durante toda a noite — estendi a mão para ela — Ainda gostaria da minha companhia?

Senti sua mão na minha, mas antes que ela respondesse, as badaladas altas do relógio da torre cortaram o ar.

— Já é meia-noite? — disse ela, soando agitada de repente — Perdão, vossa alteza, mas tenho que ir.

— Tão cedo? Você nem mesmo entrou no baile — não podia obrigá-la a ficar, mas o tempo que tinha tido com ela parecia tão pouco agora.

— Mas conversei com o príncipe, e foi um pouco mágico, sabe — disse ela, e soava como se estivesse sorrindo — É bem mais do que eu esperava por uma noite. Muito obrigada — ela deu um aperto suave em minha mão antes de soltá-la

— Espera, me diga seu nome pelo menos! — chamei, mas ela já tinha ido. Fiquei ali, ouvindo as badaladas do relógio e imaginando se alguém acreditaria que tinha conhecido a mulher mais extraordinária daquele baile, e que ela desaparecera tão rápido quanto chegara.

 

(***)

— Não sabemos o que fazer, vossa majestade. Se a moça não disse seu nome nem foi vista com o príncipe por outras pessoas… É uma busca sem saída — informou o guarda ao meu pai, que estava tão agitado quanto eu. 

Não conseguia acreditar no tamanho de minha estupidez. Conhecera provavelmente a única mulher naquele baile com quem eu realmente queria construir uma relação, e não havia um único rastro de sua presença. Tinha certeza que alguns dos guardas achavam que eu devia tê-la imaginado, em uma espécie de alucinação. Estava a ponto de começar a me conformar que tinha perdido a grande chance que me fora dada, quando escutei as portas sendo abertas e um guarda anunciou:

— Encontramos algo, vossa majestade! Um sapatinho de cristal na escadaria que leva ao portões.

Senti-me com um pouco de esperança de novo. Me sujeitaria à estranha busca de encontrar a moça que tivesse o outro par do sapato, afinal, e disso eu tinha certeza, só houvera uma mulher cujos sapatos produziam um som que se parecia com o tilintar de vidro.

 

 


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