Um Conto de Fadas e Maldições escrita por Mialee Aurestelar


Capítulo 2
II.




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Era uma vez um príncipe. 

No momento em que deu seu primeiro suspiro, sua mãe deu o último. 

Uma desfortuna, sim, mas uma comum e conhecida. 

O príncipe cresceu sob a proteção do pai, que o amava duas vezes: uma com seu próprio coração e uma com o coração de sua falecida esposa. Assim, o príncipe nunca esteve realmente só.

Um dia, porém, o príncipe percebeu que o mundo estava mais difícil de ver. Cada vez mais difícil com o passar do tempo. 

O rei fez tudo que podia. Chamou médicos, curandeiros e feiticeiros. Ninguém sabia o que fazer. Foi assim por anos, até o dia em que o príncipe, cansado e já tendo descoberto outras maneiras de navegar pelo mundo sem vê-lo, deu um basta naquela busca incessante. 

Sem uma explicação para o que acontecera com o príncipe, as pessoas inventaram suas próprias. Decidiram, que por causa da lua, das estrelas ou de uma bruxa má, o príncipe tinha sido amaldiçoado. Para alguns isso o tornava perigoso. Para outros, digno de pena. Mas, para a maioria, o tornava estranhamente interessante. 

Foi assim que a história se espalhou pelo reino e um pouco mais além. Afastou os supersticiosos, como a esposa prometida do príncipe, e atraiu os curiosos. Tudo isso sem que o príncipe pudesse fazer algo, incapaz até de responder a pergunta que passara a acompanhá-lo para todos os cantos: a maldição era verdadeira ou não?”

Casamento? Esse não era o acordo, pai. 

Ouvi ele soltar um suspiro pesado. Devia estar tão sem paciência quanto eu com essa situação toda, mas por motivos diferentes, claro.

— Não comece. É só uma questão de… hã… apresentação. É muito mais atrativo e direto ao ponto falarmos de casamento e não da “possibilidade de ser cortejada”. 

— Atrativo ou não, continua sendo mentira. 

— Cassian, pelo amor de Deus, você acha que vai escolher uma moça em uma noite e se casar com ela na próxima? Podemos alongar o período entre encontrá-la no baile e o casamento por quanto tempo for necessário, e aí está seu período de corte. Mas precisamos que as pessoas venham, e essa é a melhor maneira de assegurar-nos disso — a grande questão era que “ser cortejada” e “se casar” possuíam pesos de compromisso bem diferentes, e eu tinha certeza que ele sabia da diferença. 

— Os convites foram abertos para todas as moças do reino, ou isso também não foi possível por questão de apresentação?

— Todas foram convidadas, sim — bom, isso já era um avanço — Não sei porque acha que tem o privilégio de ser tão exigente. Esse casamento não é uma mera frivolidade, e você sabe disso.

Ri um pouco, me sentindo mais sarcástico do que esperava. Relaxei o corpo na cadeira em que estava sentado, na sala de trabalho de meu pai. Percebi que a conversa seria longa. 

— E a culpa é minha que você decidiu, convenientemente, esconder minha cegueira da princesa de Adaresh? Se temos que fazer um plano de urgência para conter as consequências dessa sua ideia, eu gostaria de ter pelo menos alguma vantagem no meio disso tudo.

Meu pai não é nenhum santo, mas conviver comigo certamente lhe deu um pouco mais de paciência. Dava para imaginar ele engolindo o desaforo que eu acabara de lhe fazer. E, bem, tenho quase certeza que fez isso em parte porque era verdade.

— Já discutimos isso. O povo de Adaresh é terrivelmente supersticioso, só quis…

— Só quis deixar a informação de lado até termos certeza que não havia volta — cortei-o, lembrando daquele período, dois anos antes, quando ainda havia alguma esperança em recuperar minha visão ou, no mínimo, impedir que se deteriorasse mais — Afinal, por que perder um acordo tão bom por algo que talvez poderia ser evitado?

— Não — seu tom foi tão firme que senti aquela rebeldia quente se agitando no meu peito se aquietar abruptamente — Fiz porque tinha a esperança de que a princesa pudesse conhecê-lo antes de conhecer os boatos. 

Um silêncio recaiu sobre nós dois. Me concentrei em girar o anel com o brasão da família em meu dedo. Não fazia a menor ideia do que dizer para ele.

— Sinto muito — foi meu pai quem falou primeiro — Acho que não lidei com as coisas da menor maneira que poderia. Estou tentando fazer isso agora. Como pai, tudo o que quero é que você tenha uma boa vida, Cass, mas como rei eu não posso deixar esse reino se afundar.

— Eu sei — respondi. Não poderia estar mais surpreso de estar tendo aquela conversa. Parte de mim acreditava que iríamos continuar com o plano do casamento sem realmente discutir no que aquilo implicava. Do jeito que andávamos discutindo há semanas, minha suposição não era de todo errada — E eu também me preocupo com o reino, pai. Sei qual é meu papel aqui, e as condições que peço são justamente para cumpri-lo melhor.

— Eu acredito, meu filho, mas também lhe conheço bem o suficiente para saber que suas exigências não se baseiam só nisso — sua voz agora ganhara um tom carinhoso — A culpa é um pouco minha por ler tantos contos de fada para você quando era criança. 

Senti o rosto ficar quente e meu pai riu ao perceber isso. 

— Seria mentira dizer que não gostaria de encontrar alguém que poderia amar de verdade — disse, querendo findar aquela conversa antes que ficasse embaraçosa demais — Mas isso é só um desejo bobo. Do que eu preciso é uma esposa confiável e que confie em mim, e preciso conhecê-la pelo menos um pouco para saber se isso é possível. Como vou governar se a pessoa ao meu lado duvidar da minha capacidade de cuidar do reino?

Não toquei no resto das preocupações que rondavam minha cabeça. Não tinha planos para que a futura rainha fosse um efeite ao meu lado. Ela tomaria parte ativa na administração do governo, e isso, apesar de ser necessário, também era perigoso. E se fosse supersticiosa? E se, por mais que tentasse, não conseguisse se convencer que eu seria um rei competente? E se tudo que conseguisse sentir por mim fosse dó? 

— Você vai encontrar alguém, Cassian. Ter um pouco de fé nisso não te faz menos ou mais capaz, só igual a todo mundo — ele riu um pouco — Tente não pensar tanto sobre isso, principalmente no baile, está bem? Você parece muitíssimo emburrado quando está pensativo.

Foi com certa revolta que fiquei consciente da tensão em meu rosto assim que ele apontou-a. Minha confusão só o fez rir mais e acabei cedendo e abrindo um sorriso também. Ter meu pai ao meu lado era uma das certezas mais calmantes que eu tinha, e a noção de que, com cada vez mais frequência, eu teria que deixar de me apoiar nele para seguir meus deveres como príncipe herdeiro era mais desestabilizante do que eu gostaria.

 

 


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