A Criada Francesa escrita por Claen


Capítulo 3
No hospital




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Em pouco tempo já nos encontrávamos na recepção de St. Thomas, onde fomos informados de que o responsável pelo caso de Lestrade viria em breve para passar um boletim médico atualizado.

As visitas não estavam proibidas, contudo, devido ao atual estado de coma do paciente, não havia muito a se fazer por lá, por isso, decidimos aguardar pelo médico na pequena sala de espera. Lá pudemos ver que Lestrade era realmente um sujeito bastante querido pelos colegas, pois havia cerca de uns dez policiais preocupados no local, também aguardando pelas informações, que não tardaram a chegar.

— Bom dia, senhoras e senhores. Eu sou o Dr. Clarke, médico responsável pelo paciente Gregory Lestrade. – apresentou-se o médico, educadamente.

— E então, doutor, como ele está? – perguntou o impaciente Inspetor Gregson, que certamente teria que trabalhar dobrado na ausência do colega. Já o conhecíamos há algum tempo, pois, embora não fosse muito frequente, às vezes ele também recorria à consultoria de Holmes.

— Bem, o quadro do paciente não apresentou alterações significativas desde a noite de ontem, quando deu entrada. Ele não teve mais nenhuma convulsão, o que é bom, mas sua pulsação ainda é fraca e ele também apresenta certa dificuldade para respirar. Estamos acompanhando a evolução do quadro para avaliarmos se a intubação será necessária. Ainda não podemos dizer o que está causando esses sintomas no paciente, mas estamos aguardando os resultados dos exames realizados e talvez tenhamos uma resposta mais satisfatória dentro de algumas horas.

— Vocês não têm a mínima ideia do que estão fazendo e seu exames não servirão de nada. – Interrompeu-o Holmes, de uma forma não muito educada. – Vocês estão apenas perdendo tempo e colocando a vida do paciente em risco a cada minuto que passa. Vejo que foi mesmo uma boa ideia ter vindo até aqui.

Após o comentário, todas as atenções se voltaram para Holmes, principalmente a do médico, que pareceu, com razão, não gostar nenhum pouco de ter sua competência questionada tão inesperadamente por um completo estranho.

— O senhor, por acaso, está querendo dizer que não sabemos o que estamos fazendo? – perguntou o Dr. Clarke, fazendo o possível para manter a compostura.

— Eu só estou dizendo que de nada vai adiantar os senhores perderem tempo fazendo um monte de exames procurando por uma doença, pois ela não existe. – retrucou Holmes.

— E o senhor por acaso é médico para afirmar isso com tanta certeza? – perguntou o Dr. Clarke, ainda sem entender porque continuava sendo desafiado por um sujeito tão presunçoso.  O médico parecia ser a única pessoa naquela sala que não conhecia Holmes, e um mal-estar começava a se formar graças à indelicadeza de meu colega. Eu já ia intervir, quando o inspetor Gregson teve a mesma ideia.

— Não, doutor, ele não é médico. Ele é Sherlock Holmes, e se ele tem alguma coisa a dizer, talvez seja interessante pararmos um instante para ouvi-lo.

O nome pareceu significar alguma coisa para o médico, e também lhe despertou certa curiosidade.

— E, de acordo com o senhor, o que poderia estar causando esses sintomas, Sr. Holmes? – perguntou o médico, já mais aberto às especulações de meu colega.

— Graças ao Dr. Watson aqui, eu tenho uma boa ideia de como funciona a cabeça dos médicos ingleses, por isso acredito que os senhores não estejam levando em consideração um sintoma extremamente importante para esse caso, as alucinações.

— Mas não me foi relatado em momento algum que o paciente estivesse sofrendo de alucinações.

— Pois os jornais diziam isso claramente. – retrucou Holmes.

— O Sr. Holmes pode ter razão. – disse um jovem policial, também presente na sala de espera. – Eu estava lá quando o inspetor Lestrade chegou e vi quando ele começou a falar sozinho. Não pensei que pudesse ser isso, mas agora até que faz sentido. Foi muito esquisito!

— Bem, eu realmente não estava ciente desse fato... – disse o médico, curioso, mas ainda sem entender qual a relevância daquilo para a condição do paciente ou o que poderia causar tal reação sem ser uma doença.

— Doutor, eu digo que não encontrarão doença alguma, porque tudo leva a crer que Lestrade tenha sido envenenado. E se eu estiver certo, ele foi envenenado por beladona.

— Beladona? – repetiu o médico, que parecia buscar em sua memória todos os ensinamentos que havia aprendido na faculdade de medicina a respeito de venenos e seus antídotos. Eu já imaginava que o veneno pudesse ter origem botânica, mas ainda não tinha me atinado qual seria ele. Também puxei em minha memória tudo o que sabia sobre a planta e vi que aquele era realmente um ótimo palpite.

— Eu, inicialmente, também não tinha cogitado essa ideia, Dr. Clarke, mas depois de um tempo passei a concordar que essa poderia ser uma explicação interessante. – disse eu, na tentativa de dar mais credibilidade à hipótese de Holmes. – Como o senhor já deve saber, os sintomas de envenenamento por beladona se encaixam perfeitamente nas condições apresentadas por Lestrade como, alucinações, convulsões, dificuldades respiratórias e taquicardia. E em doses altas ela pode levar o paciente ao coma ou até mesmo à morte.

— Sim, eu estava pensando justamente nisso... – concordou o médico, já com um olhar diferente acerca do assunto. Uma esperança parecia ter se acendido em seu rosto e vi que ele já passava a considerar seriamente a possibilidade.

— No entanto, esse tipo de envenenamento é bastante raro hoje em dia. – continuou ele. - Essa planta não é encontrada tão facilmente por aqui e já é de conhecimento da grande maioria das pessoas que ela é venenosa. Não acredito que um policial experiente como ele tenha a ingerido acidentalmente. Se isso realmente aconteceu, como o Sr. Holmes sugeriu, pode ter sido algo proposital.

— Exatamente, doutor! – disse Holmes, já mais animado por ver que o médico tinha entendido. – Parece que agora começamos a falar a mesma língua. Eu tenho praticamente certeza de que alguém tentou matar Lestrade fazendo com que ele ingerisse o veneno sem se dar conta.

— Essa é uma teoria interessante, mas não sei se temos provas suficientes disso para iniciarmos uma investigação. – disse Gregson.

— Por isso gostaria de ir à Scotland Yard e investigar o que Lestrade andava fazendo. Tenho certeza de que está ligado com algum caso em que ele vinha trabalhando atualmente.

— Se o senhor acha mesmo isso... – respondeu Gregson, ainda não muito convencido da teoria improvável de Holmes.

— Bem, se ele realmente foi envenenado com beladona, ainda não podemos afirmar com certeza, mas podemos aplicar fisostigmina ou pilocarpina e ver se surte algum efeito. Mal, sabemos que não fará. – disse o médico.

— Tem toda razão, Dr. Clarke. Acho que na atual situação, não custa nada tentar uma nova investida. – concordei.

— É verdade! Providenciarei imediatamente para que a medicação comece a ser ministrada.

Apesar de ter tido sua competência questionada perante todos, o Dr. Clarke parecia mesmo ser um bom médico e não perdeu tempo em iniciar o tratamento, o que deixou Holmes bastante satisfeito.

— Acho que não temos mais nada a fazer aqui. Inspetor Gregson, tenho a sua autorização para vasculhar as coisas de Lestrade? – perguntou Holmes.

— Eu não vejo problema nisso. Se quiser, podemos ir agora mesmo.

— Perfeito! – disse Holmes. – O tempo urge! Então nós iremos acompanhar o Inspetor, e a senhora, volte para casa, Sra. Hudson.

— Mas eu queria ver como o pobre Gregory está. – disse nossa senhoria, desapontada por sequer ter conseguido ver de relance o paciente.

— Sua presença de nada adiantará, Sra. Hudson. – disse Holmes, secamente. – Guarde sua visita para daqui a alguns dias, quando ele estiver consciente.

— Você acha mesmo, Sherlock? Bem, se é assim, então ficarei orando por ele. – respondeu ela, um pouco mais conformada.

— Suas orações também não servirão de nada. Ele precisa de remédios, não de preces.

— Holmes, não seja grosseiro! – repreendi-o por sua falta de respeito pela fé da pobre Sra. Hudson. – A senhora tem toda a razão, Sra. Hudson. Em momentos como esse, toda ajuda é bem-vinda.

— Bobagem. – retrucou Holmes, mas fingi não tê-lo escutado para não começarmos uma discussão dentro do hospital a respeito da eterna disputa entre ciência e religião. Embora eu seja um médico, nunca vi mal algum na fé das pessoas. Eu não sei se milagres realmente existem, mas confesso que em todos esses anos exercendo a profissão, já vi curas para as quais não consigo encontrar uma resposta lógica. Já vi pacientes desenganados serem curados de um dia para o outro, então não repreendo ninguém por fazer suas orações quando julgarem necessário, pois se realmente existir um ser acima de nós, ele talvez possa estar disposto a ajudar.


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