A Criada Francesa escrita por Claen


Capítulo 2
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Ainda eram sete horas quando abri os olhos, incomodado com a luz do sol que atravessava a fina cortina de meu quarto. Isso, na verdade, foi uma coisa muito boa, pois aquela bela manhã que se desenhava, era o incentivo que eu precisava para pular da cama e cumprir com a promessa que tinha feito a mim mesmo na noite anterior, de que assim que acordasse, pararia de procrastinar e retomaria meus manuscritos.

Assim que me levantei, tratei de escovar os dentes, lavar o rosto e dar uma leve aparada em meus bigodes. Em seguida peguei minha velha máquina de escrever, junto de algumas folhas de papel, e carreguei tudo comigo para a sala. Meu quarto era pequeno e eu nunca gostei de escrever lá, preferia fazer isso na sala, em frente à grande janela, de onde eu podia observar o movimento das pessoas indo e vindo pela rua.

Eu estava animado e prestes a começar a datilografar, quando me dei conta de que Holmes ainda dormia, e que se eu começasse a escrever àquela hora da manhã, o barulho de minha máquina certamente o incomodaria. Por isso, sendo o morador mais sensato daquele apartamento, decidi esperar mais um pouco para iniciar os trabalhos. Não achei certo atrapalhar seu descanso, embora seu sono não merecesse um pingo sequer de minha consideração, já que ele era o rei do barulho em horários inapropriados, especialmente quando pegava seu violino e resolvia “homenagear” Paganini ou Mendelssohn às três da manhã. Então, decidido a não dar motivos para deixá-lo de mau humor logo cedo, resolvi passar meu tempo de forma mais agradável, tomando um reforçado café da manhã.

Guiado pelo aroma delicioso do café recém-coado pela Sra. Hudson, dirigi-me à cozinha. Na maioria das vezes minha chávena era preenchida pelo também aromático Earl Grey, mas naquela manhã, nem eu mesmo sei bem o porquê, eu ansiava por uma boa xícara de café.

— Bom dia, Sra. Hudson. – cumprimentei-a assim que entrei.

— Bom dia, meu querido. – respondeu ela não tão animadamente, bem diferente de como costumava fazer. Achei estranho, pois ela raramente ficava de mau humor e a sua jovialidade era uma de suas características mais marcantes. Ela parecia estar incomodada com alguma coisa e queria me contar, mas não sabia como.

— Aconteceu alguma coisa, Sra. Hudson? – perguntei-lhe finalmente, enquanto me servia da bebida quente. – A senhora me parece meio triste hoje.

Ela não me corrigiu, mostrando que minha observação não estava equivocada.

— É que fiquei sabendo de algo que me deixou preocupada... – disse ela.

— E o que foi? Que notícia poderia tê-la deixado preocupada assim tão cedo?

Sem responder a minha pergunta, ela pegou o jornal do dia que estava dobrado sobre o armário e me entregou. Assim que li a manchete estampada na primeira página, entendi sua preocupação.

“RENOMADO DETETIVE DA SCOTLAND YARD É INTERNADO EM ESTADO GRAVE”

Imediatamente me pus a ler a matéria para ter certeza de que se tratava de quem eu estava imaginando e, infelizmente, minhas suspeitas se provaram verdadeiras.

“Por volta das 19 horas de ontem, o Detetive Inspetor Gregory Lestrade, da Scotland Yard, sofreu uma severa convulsão e encontra-se internado em estado de coma no Hospital St.Thomas. Alguns policiais presentes no momento do ocorrido, contam que estranharam o comportamento do colega pouco antes de ele começar a se sentir mal. Segundo eles, o inspetor tinha passado boa parte da tarde fora e quando retornou à sede da polícia metropolitana de Londres, estava bastante agitado. Poucos minutos após sua chegada, ele curiosamente, parecia estar falando sozinho e logo em seguida começou a convulsionar.  O policial foi socorrido pelos companheiros e levado às pressas para o hospital, onde foi internado imediatamente. De acordo com o porta-voz da Scotland Yard, a condição do inspetor é bastante delicada e os médicos ainda investigam as causas da crise convulsiva e do posterior estado comatoso.”

— Minha nossa! – exclamei assim que terminei a leitura do pequeno artigo. – Isso realmente é bastante sério!  Por sorte ele estava na Scotland Yard quando tudo aconteceu e ele pôde ser socorrido rapidamente. Não sei se me deixarão vê-lo, mas preciso ir até lá.

— Eu gostaria de acompanhá-lo. – disse a Sra. Hudson.

— Mas é claro, Sra. Hudson. Assim que Holmes acordar, verei se ele deseja ir também.

— Ir aonde? – perguntou Holmes, ainda sonolento, enquanto amarrava o robe e adentrava a cozinha, bocejando. A Sra. Hudson e eu estávamos tão entretidos com o assunto, que não percebemos sua aproximação e levamos um grade susto ao ouvir sua voz repentinamente.

— Tem algo que você precisa saber. – falei, depois de me refazer do susto.

— E o que é? – indagou ele, curioso ao ver nossas expressões preocupadas àquela hora da manhã.

Entreguei-lhe o jornal, que ele leu em silêncio. Não demonstrou muita reação, mas consegui ver uma ligeira mudança em seu semblante, e por mais que não fosse admitir, tinha ficado preocupado. Talvez até mais do que nós.

— Acho que devemos ao menos uma visita ao bom e velho Inspetor. – disse ele, após finalizar a leitura do artigo. - Depois, seria prudente seguirmos direto para a Scotland Yard, porque algo me diz que Lestrade acabou de sofrer uma tentativa de assassinato.

— Tentativa de assassinato? – perguntei confuso. - Você leu a mesma notícia que eu? De onde você tirou essa ideia?

— Ora, Watson, e você ainda se diz médico! – respondeu ele, indignado por eu não estar conseguindo acompanhar seu raciocínio. - Olhe os sintomas!

— Mas ele teve uma crise convulsiva! Em que lugar do mundo isso poderia ser considerado uma tentativa de assassinato? É muito mais lógico que isso seja apenas um sintoma de alguma doença. – retruquei, baseado em meus conhecimentos médicos. Em menos de trinta segundos eu já tinha conseguido pensar em pelo menos meia dúzia de doenças que poderiam causar tal reação.

— Você tem razão, Watson, isso pode ser sintoma de alguma doença, mas tenho certeza de que você não está levando em conta o sintoma mais interessante de todos: a alucinação.

— Mas aqui não diz nada sobre isso. – respondi, já pegando o jornal novamente para reler a notícia.

— “Os colegas disseram que ele parecia estar falando sozinho”. – parafraseou Holmes. – Isso não parece um quadro de alucinação para o senhor, doutor?

— Bem... pode ser encarado desta forma... – precisei concordar, já começando a entender onde ele queria chegar.

— Pois eu tenho aproximadamente 96 por cento de certeza de que ele foi drogado, ou melhor, envenenado.

— Será mesmo? Concordo que algumas drogas têm efeito alucinógeno, mas insisto que também temos várias doenças que apresentam os mesmos sintomas, principalmente aquelas que também poderiam causar convulsões...

— E é justamente por esse pensamento estreito dos médicos ingleses que Lestrade continua em coma! – retrucou Holmes. – Eu nunca o vi sequer espirrar e ao que tudo indica, sua saúde estava em perfeitas condições. Se ele tivesse mesmo alguma doença mais séria, capaz de deixá-lo nesse estado, não acha que ela já teria se manifestado e mostrado algum sinal? Eu tenho certeza que ela jamais se manifestaria de forma tão repentina. Não digo que não possa acontecer, afinal o médico aqui é você, mas não acredito nessa hipótese.

— Você acha mais plausível que alguém o tenha envenenado do que ele estar simplesmente doente?

— Não acho, como eu já disse, tenho 96 por cento de certeza disso. – retrucou firmemente. - Drogas naturais ou sintéticas podem causar delírios, agitação e várias outras coisas, mas como sabemos que o bom inspetor não é adepto do uso de substâncias ilícitas, logo, tudo indica que ele as ingeriu sem saber, ou seja, alguém o drogou com algo muito perigoso. Assim como você, os médicos de St. Thomas devem estar procurando por uma doença, quando na verdade deveriam estar em busca de um antídoto para o veneno.

Fiquei pensativo com as palavras de Holmes, pois ele poderia ter razão. Embora aquela não fosse a primeira ideia a surgir em minha mente ao ler sobre os sintomas, existiam alguns venenos que poderiam causar aquelas reações, principalmente venenos extraídos de plantas. Seria bom conversarmos com os médicos de St. Thomas e pelo menos ver se eles estavam levando essa possibilidade em consideração.

— Pela sua cara, vejo que finalmente concorda comigo. – disse Holmes. – Então vamos, precisamos ir até lá o quanto antes, ou então poderá ser tarde demais para Lestrade. E se a senhora também vai conosco, Sra. Hudson, apresse-se, pois sairemos em cinco minutos.

— Oh, minha nossa! – disse ela já desamarrando o avental da cintura e correndo para pegar um casaco. Também corri para me vestir adequadamente antes que Holmes saísse e nos deixasse para trás.


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