Fiat Ignis escrita por SophieRyder


Capítulo 7
Capítulo 6 ou “Charles não está interessado no que Bernard quer”


Notas iniciais do capítulo

Dessa vez um capítulo bem grande, e com um pouco mais de ação!

Sugestão de música para ouvir enquanto vocês leem a batalha: https://www.youtube.com/watch?v=TNZ7gllxeZs

Have fun!



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Norbert precisava permanecer no castelo por algum tempo para planejar a viagem. Ele pretendia, primeiro, consultar a biblioteca, que continha não apenas livros raros sobre as bestas de fogo, mas também registros dos espécimes encontrados na região por pesquisadores anteriores. O material era vasto, e levaria algum tempo para analisá-lo. Depois, sua programação incluía várias pequenas incursões nos territórios mais próximos do castelo, para capturar e classificar as espécies comuns ali. Por fim, uma viagem mais longa, aos territórios mais distantes, até o monte que ficava a dois dias de viagem, onde se encontravam os ovos cobiçados pelo marquês. Por isso, ao todo, eles permaneceriam alguns meses nos territórios do marquês de Artois.

Por sua curiosidade natural, Abby procurou se inteirar sobre o lugar onde se encontrava.  A biblioteca parecia particularmente interessante, pois continha registros da história da casa de Artois, dos animais de seu território, e também diversos outros livros raros e interessantes. Abby sabia, pois tinha ouvido de seu pai, que a família da esposa do marquês remontava a uma nobreza antiga, especializada no treinamento de bestas de fogo, mas que, nos últimos cem anos, a casa se encontrara em vertiginoso declínio e decadência, e sua riqueza e prestígio só foram recuperados pelas campanhas militares realizadas pelo marquês em sua juventude. Ele, por sua vez, tinha origem em uma nobreza baixa, e havia conquistado sua posição não pelo berço, mas por sua personalidade implacável. Por conta disso, tal homem gozava da fama de não se comportar como as nobrezas tradicionais, e de ser de difícil trato.

Entretanto, por mais curiosa que Abigail estivesse pela história daquele lugar, ela não dispunha de todo o seu tempo para pesquisar o que lhe interessava, pois Christophe parecia bastante determinado a lhe fazer companhia - leia-se: a arrastá-la para todos os cantos do castelo. Após sua chegada, todos os dias o menino aparecia em seus aposentos pela manhã, com um sorriso largo, e com planos para mostrar algo novo a ela. Norbert parecia achar o fato muito divertido, e insistia para ela acompanhá-lo, a fim de não atrapalhar as preparações de sua pesquisa. Charles, a muito contragosto, era obrigado a segui-los.

Christophe sempre tinha algo novo para mostrar, e só saía de perto de Abby quando era obrigado a frequentar as aulas com seus tutores – parte fundamental da educação de um jovem nobre. Ele a levou diversas vezes ao jardim, à aposentos escondidos no castelo, ao pátio de treinamento, ao bosque atrás do castelo onde eles caçavam, aos estábulos, à biblioteca, à sala de estudos, à coleção de relíquias da família, à torre mais alta, onde era possível ver o pôr do sol e observar pássaros de uma posição privilegiada. Ele mostrou a ela as bestas de batalha de seu pai, que ficavam isoladas das outras, e os animais que eles criavam nos entornos da fortaleza – Miltanks para produzir leite e queijo, Tauros para carne e transporte, Rapidashs, Nidorans e Rhyhorns para o exército, assim como algumas espécies de fogo que eram vendidas a outros nobres a altíssimos preços.

Abigail aprendeu rapidamente que Chris era uma criança inteligente, carismática e bem-disposta, e que ele fazia muitas, muitas perguntas. No segundo dia, Chris passou duas horas interrogando-a sobre a universidade. No terceiro dia, ele queria saber sobre as espécies que podiam ser encontradas próximas a Paris. No quarto dia, perguntou novamente sobre a universidade. Ele parecia muito interessado no assunto. As perguntas continuaram nos dias subsequentes, e pareciam não ter fim. O único momento em que o garoto parava de falar e ficava em silêncio era quando os dois iam até a biblioteca, e sentavam-se para ler. Nessas situações, Christophe se tornava quieto e concentrado, e, por algumas horas, os dois permaneciam folheando tranquilamente os pesados volumes de pergaminho das prateleiras.

Apesar de aparentar excessiva inocência, o garoto na realidade sabia fazer bom uso de sua aparência para manipular os adultos. As criadas simplesmente o adoravam, o vestiam todos os dias com as roupas finas, sempre em tons de azul ou lilás, e prendiam seu cabelo liso e prateado de jeitos diferentes todas as manhãs, as vezes fazendo tranças, as vezes um rabo de cavalo com fitas combinando com suas vestes. Christophe fazia uso de seu carisma para conseguir diversos favores das criadas, como escapar das aulas de arquearia, ou esconder-se de seus irmãos quando não queria ser encontrado. A cozinha era seu reino, e sempre que ele ia até lá, retornava - com um enorme sorriso -, com pãezinhos recém assados, pequenas tortas de maçã, frutas frescas, ou algum outro aperitivo. Os tutores também pareciam gostar dele, pois o menino aprendia rápido e não dava trabalho como seu irmão mais novo.

 Mas o que mais saltava aos olhos observadores de Abby sobre aquela criança alegre era a sua sensibilidade com as criaturas vivas em seu entorno, humanas ou não. Ele parecia dotado de uma percepção natural que o permitia identificar as flutuações de humor de todos a sua volta, e perceber quando algo estava errado, ou havia algum desconforto, ou medo, ou aflição. Com os animais era fácil observar sua aptidão, já que ele rapidamente conseguia acalmar qualquer criatura, e até os companheiros de batalha de seu pai pareciam confortáveis e tranquilos perto dele.

Certo dia, ele não apareceu no quarto de Abigail pela manhã, e, estranhando a situação, ela acabou encontrando-o na cozinha, abraçado com uma criada aos prantos, que havia perdido o filho. Naquele dia, Chris não foi brincar com ela. Em outra situação, Abby acordou com um desconforto no estômago, e ao vê-la, Chris rapidamente percebeu que algo não estava certo. Após alguns instantes de perguntas insistentes sobre sua saúde, ele acabou levando-a à cozinha beber um chá que de fato a ajudou. Enquanto a menina bebia o líquido quente lentamente para não queimar a boca, não conseguia deixar de pensar que as sobrancelhas e cílios do menino que a observava eram claros como o tom de seu cabelo, e seus olhos eram insuportavelmente grandes e azuis.

No terceiro dia após a chegada de Abigail, pela manhã, Christophe conduziu-a para o pátio de treinamento dos soldados. Enquanto caminhavam pelo corredor de pedra, o garoto iniciou sua habitual sequência de perguntas.

— Como você treinou o Charles? Ele fez o Arken flutuar sem nenhum comando, foi incrível!

Abby suspirou antes de começar a responder.

— Eu não o treinei. Ele não é meu.

— Não? De quem então?

— Meu pai.

— Mas por que ele anda com você o tempo todo?

— Ordens do meu pai. Ele é... Meu guardião.

Você quis dizer babá.”, comentou Charles.

— Como ele pode cuidar de você? Não deveria ser o contrário?

“Ah, claro. O que seria de mim sem uma criança de doze anos me vigiando?”

Abby ignorou-o, e respondeu.

— Você faz ideia do quanto uma criatura psíquica é inteligente?

— Não muito, nunca tive contato com elas. Mas eu li que algumas conseguem se comunicar com bastante perfeição com os humanos. Ele sabe usar telepatia?

— Sabe. Às vezes eu queria que ele não soubesse.

Ingrata.

— Sério? Sério mesmo? Ele consegue falar com você? E ler seus pensamentos?

Chris havia interrompido a caminhada, e estava parado diante de Abby, com os olhos brilhando mais do que o normal. Era difícil escapar de seu entusiasmo.

— ...Sim. Consegue. Também consegue conectar meus pensamentos com os de outra pessoa. Ou com algum outro animal. Quando ele quer.

O menino parou por um instante, prendendo a respiração, e parecia prestes a dar pulinhos de alegria. Então, segurando a menina pelas mãos, prosseguiu com as perguntas.

— Ele pode conectar meus pensamentos com qualquer criatura viva? Isso parece tão... tão... incrível!

Bem, claro que eu posso. Mas não acho prudente. Tente, por exemplo, ter uma conversa com um Caterpie. Não vai ser muito divertido. Será algo equivalente a tentar conversar com uma alface.”

Christophe arfou quando a voz do felino ressoou em sua mente, e a surpresa foi tamanha que ele não foi capaz de perceber o escárnio no comentário.

— Ele... falou... comigo...

Acho, de fato, ofensivo que você pense que pode manter uma conversa do mesmo nível intelectual comigo e com uma lagarta. A maioria dos animais e humanos possui uma inteligência bem reduzida.

Christophe se recompôs do susto inicial de ouvir uma voz dentro de sua cabeça, e voltou-se para Abby, levantando uma das sobrancelhas.

— Ele fala igual ao meu professor de latim idoso e rancoroso.

Abby engasgou com uma risada.

Ótimo. Conversem entre vocês.

— Ele vai ficar o dia todo emburrado. – Comentou a garota, ainda tentando não rir.

— O que eu fiz? – Perguntou Chris, inocentemente.

 A menina parecia estar achando aquilo muito divertido, e não respondeu à pergunta, apenas balançou a cabeça de um lado para o outro e continuou caminhando. Christophe, um tanto confuso, seguiu-a. Ao virarem o corredor, se depararam com um arco que dava acesso ao pátio. Os raios de luz da manhã cegaram brevemente os olhos de Abby, e então, quando ela se acostumou, pôde ver o espaço amplo de terra batida utilizado para treinamento. Um corredor beirando o castelo era separado do pátio por um pequeno muro de pedra de mais ou menos um metro de altura, e Chris sentou-se nele, com as pernas penduradas para o lado de fora. Seus dois irmãos mais velhos estavam se aquecendo para uma luta de espadas. Abby apoiou seus dois braços sobre o muro para assisti-los junto com Chris.

Charlotte pronunciou algumas palavras inaudíveis para Frederick, e ele abriu um sorriso. Parecia algum tipo de provocação amigável, ou talvez estivessem fazendo alguma aposta. Os dois se posicionaram, segurando espadas de madeira. Abby olhava a cena com curiosidade e estranhamento. Certamente aquela era a primeira vez que ela via uma mulher empunhar uma espada, mas aquilo parecia ser uma cena comum para os habitantes do castelo. Havia outros homens, jovens e adultos, treinando nos entornos, e eles não estranharam a situação. Pelo contrário, quando os dois se alinharam um diante do outro para começar, alguns guerreiros interromperam seus respectivos treinos para assistir.

Um homem de meia idade e barba grisalha fez um sinal, e os dois começaram a luta. Charlotte não hesitou, e avançou imediatamente sobre o irmão mais velho, colidindo contra ele com uma força que parecia bastante improvável para uma garota de sua idade. Frederick se defendeu rapidamente, mas a garota não parou de desferir golpes vigorosos contra ele. Entretanto, Frederick continuava a defender-se com habilidade, sem tentar revidar os ataques.

Aos poucos, a menina ganhava terreno, pressionando-o para trás, e ambos estavam suando e começavam a ofegar. Porém, por um breve momento, o pé de Charlotte pareceu escorregar na terra, e Frederick, percebendo um momento de desequilíbrio, imediatamente avançou contra ela. Mas Charlotte trocou sua perna de apoio com velocidade, e, girando o corpo para fora do ataque do irmão, passou-lhe uma rasteira. Frederick, que estava em pleno movimento, conseguiu evitar de cair de rosto no chão, mas quando seus ombros e quadril amorteceram a queda, ele percebeu que havia uma espada apontada para seu pescoço.

— ...Eu perdi. – Suspirou Frederick. – Hoje foi por pouco.

— Você me deve cinco moedas de prata. – Disse sua irmã rindo, e estendendo a mão para que ele se levantasse.

— Tínhamos combinado três.

— Eu tomei a liberdade de aumentar a aposta. Tinha certeza de que você iria vencer hoje.

— Ha-ha, muito engraçado. – Respondeu ele sarcasticamente.

Um homem de barba grisalha, maxilar quadrado e ombros fortes, que observava a luta de perto, se aproximou dos dois. Havia diversas cicatrizes visíveis em seu corpo, nas mãos grandes, acima de sua sobrancelha esquerda, e provavelmente outras ocultas por suas roupas. Era o treinador dos dois jovens.

— Frederick, sua técnica continua impecável, e eu não posso censurá-lo por procurar fraquezas no seu oponente. Mas você está deixando de lado toda a iniciativa para formular estratégias reativas. Antes de entrar no campo de batalha, você terá todo tempo para planejar-se, mas quando estiver com uma arma na mão, precisa também exercitar seu vigor físico, seus reflexos e sua força. Não se engane, seu adversário também estará antecipando os movimentos que você irá fazer. Se seu corpo não estiver bem treinado, você não estará apto para por em prática suas estratégias.

— Você sabe que eu preferiria permanecer na retaguarda, controlando meu exército e avaliando o inimigo, do que lutar na linha de frente. Charlotte é melhor do que eu nisso.

— Ainda assim, minha obrigação é ensiná-lo a ser um guerreiro formidável. Seu pai não aceitaria nada menos de você e de mim. – Seu tom era severo, mas parecia haver algum carinho na forma como ele olhava para os dois jovens.

Charlotte balançou a cabeça enfaticamente, concordando com o professor. Mas ele não tinha terminado com suas advertências.

— E você, senhorita Charlotte! – Disse ele mudando de tom, e aplicando um cascudo brincalhão na cabeça da menina - Eu já te disse várias vezes, você é forte e ágil, mas não pode se valer apenas desses atributos para acabar rapidamente com a luta, atacando freneticamente, sem pensar ou se concentrar. Claro, isso funcionaria com um oponente com menos treinamento militar do que você, mas contra um oponente com similar vigor físico ou superior, você vai se fadigar rapidamente. Assim você ficará mais lenta e abrirá brechas em sua postura, já que sua técnica não é perfeita, te deixando suscetível a se desequilibrar ou cometer deslizes como o de hoje. Um oponente inteligente e observador vai percebê-los e usá-los contra você, ou irá suplantá-la em força quando você ficar exausta.

A garota fez uma careta de frustração, mas não esboçou nenhuma resposta. Parecia aceitar o sermão do mestre de armas do castelo, consequência do respeito que ela sentia pelo homem que a havia ensinado a lutar. Ele pareceu satisfeito com o silêncio dos dois, e se afastou.

— Com a vitória de hoje, estamos 28 a 25 esse mês. Comigo na liderança, claro. – Disse a garota, voltando-se para o irmão.

— Nessas horas você sabe contar perfeitamente. Espere até nosso tutor de geometria e aritmética saber disso. – Ele respondeu, em partes zombando dela, mas abrindo um sorriso sincero, pois ele se orgulhava das capacidades da irmã. - Mas toda vitória sua é uma vitória minha, pois mostra que você será uma formidável general em meu exército.

— Assim não tem graça! Você poderia pelo menos ficar um pouco frustrado. Não é divertido competir se você não se importa em perder.

— Nesse caso, podemos fazer uma batalha com nossos parceiros, para equilibrar as coisas. Como você deve saber, eu levo essa atividade muito mais a sério do que meu treinamento físico.

— Ótimo! Emma!

Ao lado do armazém de armas, havia uma Nidorina deitada observando o campo de treino, e um pequeno Teddiursa sentado apoiando as costas na lateral de seu corpo, tirando um cochilo. Ao ouvir as palavras da treinadora, ela se levantou com entusiasmo desajeitado, derrubando o pequeno urso, que soltou um resmungo.

— Gale. – Chamou Frederick.

No topo do armazém, estavam pousados dois pássaros, um Fletchinder e um Staravia. O pássaro de penas alaranjadas levantou voo ao ouvir seu nome, e pousou no braço de seu treinador, que estava protegido com uma tira de couro. Abby, que ainda se encontrava observando os dois, aprumou-se em seu lugar, levantando os ombros e acirrando olhar. Batalhas de espada não lhe interessavam muito, mas ver duas espécies raras e bem treinadas se enfrentando atraia imediatamente sua curiosidade.

Chris gritou algumas palavras de incentivo para os irmãos, e Charlotte, que não havia percebido a presença deles antes, virou-se para as crianças. Seu rosto fechou-se numa expressão de censura.

— Chris! Onde está sua capa?

O garoto ruborizou e encolheu os ombros, demonstrando que tinha sido pego fazendo algo indevido.

— Nem pense em vir para cá no sol sem ela, ouviu? Fique aí na sombra.

— Sim Lotte...

Abby interrogou-o com o olhar, e ele deu um sorriso arrependido.

— Bem, minha pele é muito clara, e eu sempre me queimo no sol... Então, eles me fazem andar com uma capa e capuz...  

Que graça.” A voz de Charles ressoou, como sempre, nos pensamentos de Abby.

— Charlotte, não se distraia. – Disse Frederick

— Vamos lá.

Com um sinal das mãos de seus treinadores, Gale alçou voo, e Emma avançou para o campo de batalha. O pássaro sobrevoou-a em círculos, avaliando o espaço, e então mergulhou, atacando-a com seu bico afiado. Emma desviou do primeiro golpe, mas Gale mudou sua direção em pleno voo, virando-se no ar e se preparando para atacar novamente.

Do outro lado do campo, Chris e Abby trocavam comentários sobre a batalha:

— Por que ele está atacando-a diretamente? Não seria mais efetivo se manter no ar, longe do alcance da Nidorina, e atacar com golpes de fogo? Assim ele nunca seria atingido. Além disso, contato físico com a Nidorina pode envenená-lo. – Comentou a garota, avaliando a estratégia do irmão mais velho.

— Bem... Se isso fosse uma batalha real, e o Gale ficasse muito fora do alcance da adversária, a Nidorina simplesmente atacaria o treinador.

— ...Ah.

Tal possibilidade não havia sequer passado pela cabeça de Abigail. Ela estava acostumada a observar a estratégia de animais selvagens lutando, mas conhecia muito pouco de estratégias de guerra.

— Por isso, eles treinam simulando uma batalha de verdade. Gale precisa mergulhar de tempos em tempos para atrair a atenção dela, ficando ao alcance, e impedindo que meu irmão se torne um alvo. Além disso, Fred sabe que a Emma não possui a habilidade de envenenar pelo contato.

— Quer dizer que a habilidade dela é Rivalry?

— Uhum.

— Isso já a coloca de partida em desvantagem contra um macho.

— Sim, mas minha irmã sabe compensar as fraquezas com sua experiência.

Frederick dava comandos silenciosos para Gale com movimentos de suas mãos, indicando a direção em que ele deveria voar, e em quais momentos deveria atacar, e o pássaro respondia com precisão. A sincronia dos dois causou grande assombro em Abigail.

— Ele treinou o Fletchinder para responder comandos de sinais? Como?

— Meu irmão usa seus dois pássaros para caçar. – Chris começou a responder. – Como eles não podem fazer barulho para não espantar o alvo, eles são treinados para responder comandos visuais. Também é uma técnica útil num campo de batalha grande, onde há muito barulho, e nem sempre é possível ouvir os comandos.

— Mas como ele fez isso?

— Ele tem bastante talento, começou a treiná-los quando tinha sete anos. Mas nós temos manuais de treinamento de pássaros na biblioteca, posso mostra-los depois.

Quando Gale, novamente, se preparou para um mergulho, Charlotte gritou um comando, e Nidorina avançou, tentando interceptar o ataque com seu chifre. Os dois colidiram, mas a Nidorina era maior e maior pesada, o que desestabilizou o voo do adversário.  No momento em que Gale tentava recuperar o equilíbrio, foi atingido em uma de suas asas por uma agulha envenenada.

— Isso! – Gritou Charlotte.

Mas como o golpe em si causava poucos danos imediatos, ele se recuperou rapidamente e voou para longe do alcance da adversária, e, após um comando de Frederick, começou a atacá-la com labaredas de fogo que saíam de seu bico. Suas penas brilhavam com a intensidade das chamas, e Emma, incapaz de revidar os ataques vindo do alto, tentava desviar deles, esperando o envenenamento causar danos significativos e enfraquecer o adversário. Entretanto, Gale era mais veloz que ela, e algumas labaredas atingiram-na em cheio. Após alguns desses golpes, Emma começou a arfar, como se seu vigor estivesse sendo drenado.

— Ela parece estar queimada. – Observou Abby. – Seus ataques vão enfraquecer.

Chris concordou com a cabeça, sem desviar os olhos da luta.

O embate havia se tornado uma batalha de resistência, enquanto os dois tentavam escapar dos golpes dos adversários e aos poucos perdiam seu vigor pelo envenenamento e pelas queimaduras. Mas o Fletchinder parecia ter a vantagem, pois sua velocidade e precisão de voo permitia que ele escapasse de mais golpes, e a força de ataque da Nidorina parecia estar reduzida. Aos poucos, os sinais de esgotamento dela começaram a aparecer. Ainda assim, ela mantinha uma postura agressiva e continuava a atacar sem hesitação, do mesmo modo que sua treinadora havia lutado, momentos antes. De tempos em tempos, Gale mergulhava para um novo ataque, e ela se concentrava para tentar atingi-lo. Quando parecia que Emma estava prestes a desabar, Gale olhou para Frederick, que assentiu para que ele mergulhasse para um último golpe.

— Emma, agora! Use Sand-Attack!

Apesar da exaustão, a Nidorina não havia perdido a concentração, e já estava acostumada com a movimentação do adversário. Movendo seu corpo com velocidade, ela mudou sua posição durante o avanço do pássaro, e levantou uma nuvem de areia em seus olhos. Gale teve sua visão obstruída com o súbito ataque e, temporariamente cego, entrou em pânico e interrompeu seu avanço, permanecendo pairando baixo e batendo suas asas, confuso com a ardência que não permitia seus olhos se abrirem por completo.

— Gale, não fique perto do chão! Vá para o alto! – Gritou Frederick, tentando evitar que o companheiro confuso fosse atingido.

Entretanto, seu comando não foi rápido o bastante. Aproveitando-se da confusão do adversário, Emma avançou em um ataque certeiro e conseguiu mordê-lo, fechando o maxilar afiado com força em sua asa esquerda. Apesar disso, o golpe não causou muito dano, já que sua força estava reduzida. Usando sua musculatura treinada e desenvolvida, em um último esforço, ela arremessou o pássaro no chão, deixando-o atordoado. Porém, após esse golpe, suas pernas curtas começaram a tremer, e ela parecia ter chego no limite de seu esforço.

Gale, caído no chão e envenenado, lutou para se recompor e voar novamente, mas o esforço não era necessário. As patas traseiras de Emma não conseguiram mais sustentá-la, e ela desabou no chão, exausta. Charlotte fez um sinal para o irmão, reconhecendo a derrota. Não precisavam forçar seus parceiros a danos maiores do que aquilo. Frederick assentiu, e mandou seu companheiro recuar.

Abigail e Christophe ainda se encontravam na murada que separava o castelo do pátio, lado a lado.

— Seus irmãos são incríveis. – Murmurou Abby, num tom quase inaudível. – Os dois são muito sincronizados com os parceiros... E não precisam sequer falar todos os comandos...

— São, não é? Eles estão o tempo todo treinando combinações de golpes. Você precisa ver quando eles lutam juntos! Só o meu pai consegue vencê-los.

— Eu não consigo nem fazer o Archimedes pousar onde eu mando.

Chris virou seu corpo na direção dela para responder, mas um homem bem vestido, com botas de couro e uma espada na cintura, se aproximou deles, interrompendo-os.

— Olá Chris. – Disse ele, com seu típico sorriso torto.

— Oi Tio Al.

— Quem venceu dessa vez?

— Meu irmão Fred, mas por muito pouco. A Lotte venceu o duelo de espadas.

— Bem, parece que os dois continuam alternando entre vitórias e derrotas. E quem é esse? – Perguntou Aldric, indicando Abby com as mãos.

— Albert, filho do pesquisador que veio de Paris.

Abby balançou a cabeça em um cumprimento informal e antipático. Não tinha nenhum interesse em nobres. Por sua vez, Aldric também não tinha muito interesse em crianças plebeias, a não ser que elas fossem fonte de algum tipo de diversão para ele, como alvo de suas brincadeiras.

— Ah, claro.

Aldric se apoiou no pequeno muro de pedra que separava o corredor do castelo do pátio, e soltou um longo suspiro. Chris não pode deixar de perceber o gesto de cansaço.

— Aconteceu alguma coisa, tio?

O homem pensou por um instante sobre o que deveria responder, já que não seria produtivo partilhar com duas crianças os problemas administrativos de sua terra. Observou Charlotte e Frederick, que acariciavam seus companheiros de batalha, enquanto esperavam um médico se aproximar para avaliar o estado físico deles e administrar remédios para o envenenamento e as queimaduras. Por fim, resolveu desviar-se do assunto.

— Bem, na verdade sim. Dois dias atrás eu fiz uma piada sobre você e seu irmão mais novo, e seu pai disse que se eu repetisse isso, ele iria torcer minhas bolas.

— Isso não parece algo que se fale para um amigo, tio Al.

— Ah, ele diz isso precisamente porque nós somos amigos. Quando éramos mais jovens, ele falava que ia cortá-las. E não era brincadeira. Metade dos generais dele não deixaram descendentes.

Era sempre difícil identificar quando Aldric estava brincando, e quando estava falando sério. Em boa parte dos casos, era uma mistura de ambos.


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Notas finais do capítulo

Eu decidi manter os nomes das abilities e dos golpes no original em inglês, para facilitar a identificação e não precisar fazer um glossário de golpes todo capítulo.

Além disso, não sei se vocês já perceberam, mas a palavra "Pokémon" não apareceu em nenhum dos capítulos ainda. Foi uma decisão minha, quando comecei a escrever a história, porque a palavra é uma junção de Poket + Monster (monstro de bolso), em referência ao fato de que eles são carregados em pokébolas; mas como a história se passa na idade média e não existem pokébolas, o termo seria anacrônico, ou não faria sentido. Por isso eu optei por chama-los de "animais", "bestas", "monstros" e assim por diante. Ainda mais porque quem está escrevendo e narrando a história são personagens da própria época dos acontecimentos. Mas ainda não sei se foi uma decisão correta, e estou aberta a ouvir sugestões dos leitores sobre isso. Fiquem a vontade para dizer o que acham! E obrigada por lerem até aqui!

O próximo capítulo será postado em mais ou menos 15 dias.



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