Fiat Ignis escrita por SophieRyder


Capítulo 6
Capítulo 5 ou “Bernard gostaria que Charles parasse com os títulos estranhos”


Notas iniciais do capítulo

Agradecimentos especiais ao meu amigo Hollon Explorer, meu revisor (chique), que me ajudou a escrever os diálogos desse e do próximo capítulo.



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O som do salto das botas de montaria de Charlotte e Frederick ecoava no corredor de pedra, enquanto ambos caminhavam em direção aos aposentos de seu pai. Charlotte caminhava a frente, postura decidida, ombros abertos e expressão impaciente. Atrás dela, Frederick parecia não ter perdido a compostura, e mantinha o rosto inexpressivo. Chegando à porta de madeira, ela bateu três vezes, e aguardou resposta. Uma voz grave disse para entrarem.

O Marquês de Artois se encontrava sentado em uma cadeira próxima à janela, com uma taça de vinho em uma das mãos, e um pergaminho em outra. De pé ao seu lado, estava um homem de corpo esguio, cabelos castanhos longos e levemente grisalhos presos em um rabo de cavalo baixo, rosto fino com barba rente a ele, e olhos escuros e atentos. Quando os dois jovens adentraram no recinto, ele abriu um sorriso torto.

— Boa noite crianças.

— Boa noite Aldric. – Cumprimentou Charlotte secamente, irritada demais para sorrir ou tentar ser cortês.

— Conde, nós não somos mais crianças. – Completou Frederick.

— Claro, não são. – Respondeu ele alargando ainda mais seu sorriso.

O homem se chamava Aldric, era um conde vassalo do marquês, que frequentava o castelo com regularidade. Aldric era um antigo companheiro de batalha do marquês, e, apesar de ser seu subordinado, eles possuíam uma relação mais próxima à amizade, pois se conheciam desde o início de sua juventude. Ele havia acompanhado o nascimento e o crescimento dos quatro filhos de seu suserano, e era uma figura já bem conhecida pelas crianças. Aldric era perspicaz, propenso a brincadeiras de mal gosto, e especialista em deboche. E pelo que viu das expressões dos dois jovens, ele logo soube que algo azedo estava por vir.

— Sinto falta de quando vocês eram pivetes e me chamavam de tio Al. Me faziam sentir mais novo. Conde? Quanta frieza.

— O que vocês querem? – Cortou secamente o Marquês sem tirar seus olhos do pergaminho, que não gostava de perder tempo, nem de ser interrompido enquanto discutia as questões administrativas de seu feudo.

Charlotte também parecia interessada em não perder tempo.

— Papai, Morgan está saindo do controle! Ele passou dos limites dessa vez, atirou no Chris com um arco!

Só então o marquês desviou o olhar de seu pergaminho, erguendo uma de suas sobrancelhas. O gesto silencioso era uma autorização não verbal para que Charlotte prosseguisse com seu relato. A menina começou a contar os detalhes do que havia acontecido naquela tarde. Sua expressão corporal demonstrava ansiedade. Frederick permaneceu em silêncio ao seu lado, deixando-a relatar a situação. Entretanto, seu silêncio não passou despercebido pelo pai.

— Não sabia que o jovem Morgan se interessava tanto por arquearia. – Zombou Aldric.

— Isso não tem graça, ele poderia ter machucado Chris seriamente. – Disse Charlotte levantando a voz. – Morgan precisa ser disciplinado, o comportamento dele é violento e descontrolado. Se isso fosse direcionado apenas para o treino de armas, seria uma coisa, mas essa não é a primeira vez que ele ataca o Chris ou até mesmo alguns dos filhos dos criados. Ele briga até com as crianças mais velhas, porque sabe que vai sair impune. Um nobre precisa saber usar sua força na hora certa, e não ser um bruto desenfreado. Mas ele não escuta os irmãos mais velhos, o único que consegue doma-lo é você, pai! Você precisa fazer alguma coisa!

— Frederick, o que você pensa sobre isso? – Perguntou o Marquês, ignorando o último comentário da filha.

Frederick deu um passo a frente, sem alterar sua expressão.

— Creio que o comportamento de Morgan será prejudicial no futuro para a nossa casa, pela sua hostilidade e falta de disciplina. Concordo com o que Charlotte corretamente proferiu, e, se me permite, devo acrescentar que um nobre, sobretudo o filho de um marquês, deveria estar ciente das responsabilidades que advém de sua estatura. Usar de nossa força e influência para atormentar aqueles que não podem responder em igualdade é indigno. O poder é uma responsabilidade dos fortes e não uma ferramenta para permitir as indulgências destes às custas dos fracos. Se ele não for educado agora, sairá de seu controle depois.

— Vocês estão realmente crescidos. – Aldric não perdeu a oportunidade de acrescentar um comentário em tom sarcástico.

— Vocês creem que podem me dizer qual é o modo mais apropriado de eu educar meus filhos?

O marquês era um homem que não precisava levantar o tom de voz para se impor. Sua expressão facial, assim como sua entonação, e seu hábito de falar mais pausadamente quando estava irritado, eram bem conhecidos pelos filhos, e bastavam para que eles recuassem, receosos. Charlotte engoliu em seco, e seu irmão abaixou os olhos constrangido por alguns segundos.

— Não, é claro que não. – Respondeu Frederick.

— Charlotte. – Chamou o pai, sem mudar o tom de voz.

— ...Sim?

— Eu tenho orgulho de você. Nenhum soldado nesse castelo pode contestar sua competência com as armas, e seu carisma e liderança são qualidades que eu valorizo em um guerreiro.

— Obrigada, papai.

— Entretanto, você é permissiva demais com Christophe. Ele pode ter nascido com o corpo mais fraco do que você e seus irmãos, mas isso não limita o seu potencial, enquanto descendente do meu sangue, de atingir grandes feitos. – O marquês colocou de lado sua taça, e olhou diretamente nos olhos da menina. – Enquanto você protege-lo, estará atrasando-o

Charlotte sentiu um leve calafrio. Era raro seu pai critica-la tão enfaticamente. Entretanto, ela estava determinada a não desistir tão cedo.

— Mas pai, isso não tem a ver com comportamento descontrolado de Morgan! Mesmo que Chris soubesse se defender, ele só procuraria outro alvo. E... E eu não acho... – Ela precisou tomar fôlego, pois sabia que estava discordando de seu pai. – Que o Chris conseguirá se proteger sozinho disso.

— Tolice. Morgan é muito jovem, e está testando seus próprios limites. Enquanto houver alguém mais fraco perto dele, ele continuará a testá-los, até encontrar algo que o impeça, ou alguém mais forte que ele. Eu era exatamente assim quando criança. No futuro ele aprenderá a direcionar sua agressividade para os alvos corretos. E o mundo sempre será dividido entre os fortes e os fracos. – Suas afirmações eram impositivas, e parecia praticamente impossível de discordar. – Quanto a Christophe... Nem sempre a força precisa ser bruta. Se o corpo dele é fraco, ele pode usar a inteligência. E até onde eu sei, ele tem muita. Todos os meus filhos possuem o mesmo potencial.

Dessa vez, foi Frederick quem se manifestou. Apesar de normalmente ele ser mais submisso ao pai do que Charlotte, ou nas palavras dele “alinhado a visão de mundo de nosso pai”, a última afirmação lhe causou desconforto.

— Pai, com todo respeito, não se trata de força bruta ou inteligência! Você sabe muito bem que o problema não está aí. Christophe é fraco porque sua natureza... É gentil demais. Ele não deseja lutar. Não deseja competir, nem vencer, nem comandar. É fútil esperar que ele seja capaz de feitos grandes, porque ele não quer nada disso.

Um brilho sutil passou pelos olhos do marquês, e Frederick soube imediatamente que havia passado dos limites. Aldric balançou a cabeça de um lado para o outro, se divertindo com a coragem dos dois jovens. Chamar de fútil a convicção do marquês na competência de seus descendentes era de uma ousadia inédita. Ou de uma tolice com péssimos precedentes.

— Basta. Se vocês acreditam que estão corretos, então provem suas convicções. Derrotem-me em uma batalha. Se conseguirem, eu aceitarei suas sugestões.

Charlotte imediatamente afrouxou sua postura altiva, pois percebeu que a discussão havia acabado. Frederick baixou o olhar novamente, e balançou a cabeça num gesto negativo, recusando em silêncio a proposta do pai.

— Então retirem-se.

Os dois caminharam para fora do quarto cabisbaixos, e, antes de fechar a porta, entreouviram um comentário trocista de Aldric:

— Seus dois filhos mais velhos são realmente admiráveis, Edgar. Mas os dois mais novos são uma receita completa para problemas. Você devia ter parado nos dois primeiros.

 

—---

Bernard interrompeu a narrativa porque estava inquieto com o que ouvia.

— Como você pode narrar em detalhes o que houve entre eles, se você não estava presente?

Charles achou graça na ingenuidade da pergunta.

— Você faz ideia de quanto tempo eu passei com aquelas crianças tolas? Eu conheço todas as memórias que já passaram pelas cabecinhas delas, provavelmente melhor do que elas mesmas.

— Mestre, você está me dizendo que não só é capaz de se comunicar com nossas mentes, mas também pode ouvir nossos pensamentos e ver nossas memórias?

— Sim.

— A qualquer momento?

— Sim. Por exemplo, eu sei que você não consegue tirar da cabeça aquela jovem do mercado de seios fartos e sorriso acanhado.

O rosto de Bertrand foi tomado por um enorme rubor.

— Deuses, foram semanas escutando seus delírios sobre a pobre moça, eu pensei em interromper a conexão e parar de espiar, mas é muito engraçado ouvir as fantasias de um garoto virgem.

— .... Mestre!

— Por favor, você já tem 20 anos, sua inaptidão com mulheres precisa ser solucionada.

— .... Vamos voltar para a história?

— Como quiser.


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Notas finais do capítulo

O mestrado está me matando lentamente, mas eu vou tentar postar um capítulo a cada 15 dias... Porém, como o capítulo cinco estava muito grande, eu acabei dividindo-o em dois, e por isso logo devo postar o capítulo seis, que está quase pronto.

Eu passei uma madrugada de insônia rindo sozinha imaginando os diálogos desse e do próximo capítulo, o que comprova que eu já perdi o controle da minha vida. Espero que tenha sido divertido.



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