Fiat Ignis escrita por SophieRyder


Capítulo 4
Capítulo 3 ou "Quando aprendi que não gosto das brincadeiras dos nobres"




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— Abbe é uma garota.

Norbert ficou em silêncio por alguns instantes, esperando alguma reação do Marques. Nada. O homem o interrogava com os olhos esperando mais informações. Então, ele concluiu que deveria prosseguir explicando.

— As criadas descobririam rapidamente, já que ela ficará aqui quando eu partir para a montanha, então achei sensato avisá-lo pessoalmente. Devido a certas circunstâncias... Ela se veste como garoto e me acompanha nas viagens de campo e na universidade. Seu nome na realidade é Abigail. O professor Étienne me disse que você é um homem ponderado e a frente do tempo nesses assuntos...

O marques pareceu pensativo por alguns instantes, depois assentiu. Não parecia surpreso nem ultrajado, apenas levemente curioso.

— Creio não ser nenhum inconveniente. Há mulheres em meus batalhões, minha filha foi treinada nas armas junto com meus filhos, e, devo dizer, atira com o arco melhor do que seu irmão mais velho e boa parte do exército. Entretanto, já que você está em meu castelo, acho apropriado saber as circunstâncias que levaram a tal situação.

Norbert não pode deixar de pensar que o marquês era um homem pragmático. Ele não estava incomodado com a revelação, mas a pergunta claramente dizia, nas entrelinhas, “eu não me importo, mas você vai trazer algum tipo de problemas para a minha casa com isso?” Era prudente responder com sinceridade.

— Bem... Quando minha mulher faleceu, Abby tinha oito anos, e eu não podia deixa-la sozinha. Pensei em deixa-la com uma prima, mas ela morava distante da capital, e eu não queria ficar longe, sem poder ver se ela estava bem, e sendo criada por alguém que ela mal conhecia. Mas a universidade não aceita que mulheres a frequentem, muito menos uma menina pequena. E eles nunca me deixariam leva-la nas expedições.

Norbert parou por um instante, passou a mão no cabelo, relembrando os detalhes do que ocorrera alguns anos atrás. Não era fácil para ele recordar da decisão que havia tomado, pois ela afetaria toda a vida de sua filha.

— E a Abbe... Ela queria me acompanhar. Ela sempre demonstrou interesse em meu trabalho, e desde muito pequena eu a ensinava pequenos detalhes das pesquisas. Ela insistiu muito para permanecer em Paris. Então, como ela ainda era muito jovem, e numa tentativa um tanto desesperada, eu decidi fazer isso. Conversei com o professor Étienne sobre a situação, e ele aceitou deixa-la ficar em sua sala na universidade durante o dia enquanto eu realizo minhas atividades, e também permitiu que eu a levasse nas expedições. Desde então, estamos assim. Ela é uma criança séria e não dá nenhum trabalho. Charles cuida dela quando eu não estou por perto.

— Charles?

— Meu Meowstic. Ele é bem inteligente, devo dizer. Provavelmente mais do que eu, pelo menos. – O marques levantou uma sobrancelha. -  Bem, em linhas gerais foi isso que aconteceu.

— Entendo. Não pretendo julgar seu esforço por desejar manter sua única filha por perto. Devo supor que você queira sigilo sobre isso, mesmo aqui dentro?

— Sim, não quero que a informação por algum motivo chegue na universidade.

— Certo. Eu vou pessoalmente escolher uma única criada de minha confiança para tomar conta dela, e explicar a necessidade do segredo.

O marquês não era um homem de palavras, mas um homem de ação. Desde que algo não lhe causasse problemas, era irrelevante e não merecia sua atenção, fosse ou não um assunto delicado ou polêmico. Mas ele não gostava daqueles que deliberadamente não cumpriam os acordos feitos com ele. Norbert ponderou que ele não era uma pessoa difícil de lidar, dada sua objetividade, distinta de grande parte dos nobres preocupados com tradição.

— Não sei como posso expressar minha gratidão, senhor.

— Traga cinco ovos de dragão para minha casa.

Norbert percebeu, rapidamente, que aquele não era o tipo de homem que ele queria desagradar.

 

—---

— Errei.

Abigail piscou duas vezes, lentamente, tentando entender o que havia acontecido. Havia uma flecha cravada no pilar de madeira atrás deles, e uma pequena mancha de sangue se formava no ombro de Chris. Ela olhou para os lados, procurando a origem do projétil. Parado diante do arco que dava acesso ao jardim, estava uma criança, um pouco mais alta que Christophe e Abigail, com cabelo preto curto e cortado de forma selvagem, e olhos azuis cheios de malícia. Ao seu lado havia um Houndour que não parecia nem um pouco amigável. Em sua mão direita havia um arco pequeno, e em suas costas uma aljava com flechas.

Rapidamente a menina percebeu que aquilo não era um acidente, e que a flecha tinha sido lançada propositalmente na direção deles. Ela notou o olhar de Charles, e seus pelos do corpo arrepiados - algo em sua expressão corporal gritava perigo. Arken, que antes estava sentado, levantou-se bruscamente e rosnou alto, avançando na direção da criança. Chris gritou impedindo-o, e o segurou pelo pescoço. O cão continuava com um olhar vidrado para o outro lado do jardim, rosnando baixo. Os outros habitantes do jardim pareceram alarmados com a situação, e correram se esconder. Archimedes, que até então estava dormindo, acordou assustado e piou para sua dona.

 O garoto diante deles tinha uma postura muito ameaçadora, e os observada em silêncio. Por isso, Abby encarou-o de volta, e ambos permaneceram assim por quase um minuto inteiro em silêncio. Entretanto, levou algum tempo para ela perceber a reação de Chris à situação toda. Foi só quando ele pronunciou algumas palavras engasgadas que a menina olhou diretamente para ele, e percebeu que ele estava com as mãos tremendo.

— M-Morgan... Você não deveria brincar com isso. – Gaguejou Chris com uma voz fraca.

— Claro que não, eu não estou brincando. Você faltou à aula de novo.

Ele realmente não parecia estar brincando”, pensou Abby. “Parece mais que ele está querendo matar alguém.” Então, ouviu Charles respondendo a ela: “Matar eu não sei, mas ele certamente tinha intenções de machucar o garoto.

— Odeio quando você falta. O instrutor fica mau humorado, e desconta em mim. Hoje eu quebrei um arco e ele gritou comigo por séculos.

O garoto chamado Morgan parecia cheio de rancor com o episódio.

— E-eu estava apresentando o castelo para os visitantes do nosso pai...

Abigail observou Chris e percebeu que ele realmente estava assustado, e tentava apaziguar a situação. Seus olhos não estavam mais brilhantes e curiosos como antes, a mão que segurava o ombro arranhado tremia, e de repente ele não era mais uma criança alegre e empolgada. Aquilo deixou-a alarmada, pois alguém que faz uma expressão de medo daquelas só o faz porque já passou por outras situações traumáticas. Ela procurou Archimedes com os olhos, pensando se precisaria dar algum comando a ele.

 Chris parecia ter consciência de que ele precisava reagir rapidamente para evitar alguma coisa, mas ao mesmo tempo temia as reações da outra criança.

— Ah, claro. Quem é o moleque magrelo? Posso leva-lo para treinar comigo? – O garoto levantou o arco – Enquanto você foge dos treinos, eu estou ficando ótimo em acertar alvos pequenos.

Ele colocava ênfase na palavra enquanto fitava diretamente em Chris, como se Abigail fosse uma espectadores sem qualquer importância. Era uma malícia anormal demais para uma criança. Abby decidiu que precisava fazer algo para contornar a situação.

— Não, obrigado. Não tenho interesse em armas.

— Tsk. E batalhas, então? Seu gato esquisito parece preparado para uma briga.

Charles de fato havia tomado uma postura ofensiva, mas apenas porque seu instinto dizia que ele precisava se preparar para outra investida do menino. Entretanto, ele não estava habituado a lutar, nem era particularmente forte. Sua especialidade era gerar situações propícias para uma fuga, ou imobilizar um agressor. Enquanto aquele momento de tensão se estendia, um Fletchinder sobrevoou o céu.

— Morgan, – Argumentou Chris, tentando manter um tom de voz amigável – ele chegou de viagem hoje e deve estar cansado. Vamos voltar para o castelo? Logo é hora de jantar.

Chris forçou um sorriso no rosto ao dizer a última frase, mas isso pareceu irritar o outro garoto, que reagiu elevando a voz.

— Não enche!

Uma sequência de movimentos rápidos aconteceu. Com um sinal das mãos de seu dono, o Houndour avançou em Christophe, mas Arken reagiu imediatamente e atacou-o. Os dois cães rolaram no chão se mordendo, Abby soltou um impropério baixo, e Chris gritou para eles pararem. A menina chamou seu Hoothoot para tentar deixar os dois cães confusos e impedir a luta, mas o pássaro, assustado com a confusão, fugiu para dentro das folhagens de um pinheiro.

Coruja inútil!”, pensou ela com raiva, e, desesperada, seu olhar procurou por Charles.

No meio da confusão, Morgan puxou outra flecha de suas costas e preparava o arco, mas foi interrompido abruptamente porque o objeto foi arrancado de suas mãos por alguma força invisível, e flutuou bem acima de sua cabeça.

— Que diabos é isso? – Gritou Morgan.

Os olhos de Charles haviam se acendido como lanternas fantasmagóricas, com um brilho azul, enquanto ele o impedia de atirar novamente. Depois, ele se voltou para os dois cães que ainda lutavam embolados no chão, fazendo Arken flutuar acima do chão, longe do alcance do adversário. Seus ataques psíquicos não faziam efeito no Houndour, mas afastar o Growlithe foi suficiente para interromper a luta, na qual o parceiro de Chris estava claramente levando desvantagem. Confuso, o Houndour latia e pulava, tentando alcança-lo sem sucesso, enquanto o Growlithe gania ofegante e empenhava-se futilmente para escapar do ataque invisível, impulsionado pela vontade de proteger seu dono. Entretanto, o Houndour estava distraído demais para com aquilo, e não dava atenção para as crianças. Apenas Abby entendeu o que estava acontecendo, os outros dois permaneceram em choque por alguns instantes, observando seus parceiros se debatendo enquanto Arken pairava no ar sem nenhum motivo aparente.

— Vocês estão brigando de novo?

Uma voz autoritária soou pelas costas de Morgan, enquanto duas outras pessoas adentravam no jardim. Ambos eram jovens e altos, mais velhos do que as três crianças, e tinham cabelos pretos e olhos azuis. Quem havia se pronunciado era um jovem de olhar severo, vestindo roupas de montaria, culote, botas de couro até os joelhos, espada amarrada na cintura e luvas de couro nas mãos. Em seu ombro estava pousado um Fletchinder. Ao seu lado estava uma garota um pouco mais baixa, cabelos muito longos e lisos presos em um rabo de cavalo alto, e roupas similares às dele, acompanhada por um Teddiursa. Os dois estavam com o semblante fechado. Entretanto, ao verem uma arma e um Growlithe flutuando, suas expressões mudaram para surpresa e confusão.

Percebendo que a situação estava controlada, Charles cessou seu ataque psíquico, e o arco, junto com Arken, desabaram pesadamente no chão, sem qualquer amortecimento. Arken conseguiu se torcer no ar para não cair de costas, e o Houndour ganiu, desviando do adversário que quase desabou em cima dele.

— Desculpe, – Murmurou Abby – ele não é muito educado.

Os quatro encararam primeiro Abby, depois o Meowstic com olhar de interrogação, mas ele se deu por satisfeito, e sentou-se no banco de mármore novamente. “Mais educado do que o pivete homicida” resmungou ele na mente de Abby.

— ...O que estava acontecendo aqui? – O garoto mais velho finalmente prosseguiu, após uma breve pausa.

— Nada. – Respondeu Morgan, e virou-se para sair dali.

— MORGAN – Gritou a garota de cabelos longos – Chris está sangrando. O que foi que você fez dessa vez? Quer saber, não interessa, eu vou garantir que você fique trancado no seu quarto por três dias. Isso é inacreditável.

Ela se aproximou de Chris para ver seu braço, mas o corte era apenas superficial.

— Lotte, não é nada, foi um acidente. – Disse Chris, tentando acalma-la.

Morgan fez uma careta para os dois e saiu correndo, acompanhado pelo Houndour.

— Ei! – Gritou a menina.

— Deixe-o. Ele não vai sair do castelo. – Falou o mais velho – Quem é esse garoto, Chris?

— Abbe... É o filho do pesquisador que veio visitar o papai.

Abigail cumprimentou-os com um balanço da cabeça, sem dizer nenhuma palavra. Ainda não estava confiante diante dos outros habitantes do castelo.

— Abbe, esses são meus irmãos mais velhos, Charlotte e Frederick. – disse Chris. – E aquele que foi embora... Era meu irmão mais novo, Morgan.

Mais novo?

Desconcertante”, resmungou Charles.

— Sim...

Chris de repente pareceu perder a força nas pernas e sentou no chão. Sua irmã parecia preocupada e perguntou se ele tinha se machucado em mais algum lugar, mas ele respondeu que estava bem, só cansado. Arken estava ofegante e tinha marcas de dentes em vários lugares de seu corpo, mas não eram tão profundas.

— Eu vou amarrar aquele moleque pelos calcanhares quando o pegar. – Murmurava Charlotte enquanto colocava o irmão mais novo de pé novamente. – Vamos entrar para limpar isso. Você. Abbe, não é? Venha com a gente, não quero outro alvo fácil para as brincadeiras de Morgan andando sozinho pelo castelo.

Alvo fácil?”, pensou Abby ofendida.

É assim que eles brincam aqui?” Charles parecia legitimamente enfurecido com o que havia acontecido. “Qual o problema daquela criança?

Não sei”, respondeu Abby. “Mas é melhor irmos com eles.


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Notas finais do capítulo

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