Pieces: Em Pedaços escrita por Moonkiss


Capítulo 4
“Mal Do Século” (parte I)


Notas iniciais do capítulo

Olá, honeys! Bem, este capítulo inicialmente teria as narrações dos nossos dois protagonistas, porém, além de correr o risco de ficar longo demais, achei que Gaara e Hinata precisavam ter um momento só pra si. Vocês entenderão o porquê depois. Então dessa vez teremos somente a Hinata narrando.
Enfim, boa leitura! ❤️



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773193/chapter/4

Capítulo IV – “Mal Do Século” (parte I)

Escrito por @Moonkiss

 

Me disseram que, quando eu ficasse mais velho, todos os meus medos diminuiriam, mas agora eu sou inseguro e me importo com o que as pessoas pensam.

— Stressed Out, Twenty One Pilots.

• • •

Hinata

 

A suave fragrância de limão impregnava o local. Suponho que seja efeito dos produtos de limpeza. De qualquer forma, aquele aroma me fez relaxar um pouco, sobretudo o sorriso agradável do senhor Uchiha. Com cordialidade, Itachi indicou a poltrona de couro vermelho em frente a sua escrivaninha, e me sentei. Enquanto ajustava a barra do vestido, ele escrevia em alguns documentos diante de si. Aproveitei o momento para avaliar o local. A sala é tão bem decorada, tão impecável que aumentou ainda mais minha confiança no trabalho dele: havia um vaso grande de palmeira ráfia, quadros decorativos, duas estantes de livros e algumas esculturas de mesa. O ar condicionado está ligado numa temperatura amena e os feixes de luz solar atravessam sutilmente as janelas sem cortinas, criando um clima aconchegante. Pus a bolsa sobre o colo.

Durante a tarde na empresa, uma apreensão repentina fez o meu estômago revirar somente em pensar que voltaria a fazer acompanhamento psicológico sem a senhorita Kurenai. Por estar acostumada com os procedimentos dela, não sabia se conseguiria me abrir com Itachi Uchiha, principalmente tratando-se de um ser do sexo masculino. Eu não o subestimo ou tenho alguma coisa contra, mas há muitas questões pessoais minhas sobre as quais jamais me imaginei conversando com um homem. Ainda sinto várias borboletas agitadas dentro do meu corpo, como se quisessem sair desesperadamente do casulo ao chegar da primavera. Darei uma chance a ele, pois ouvi comentários bastante positivos de alguns de seus pacientes com quem encontrei na sala de espera. Além disso, por via WhatsApp, o senhor Itachi comunicou a Neji que não cobra a primeira consulta. De acordo com ele, o paciente deve avaliá-lo nesse primeiro contato, logo não vê sentido em cobrar se a pessoa o desaprova. Sei que preciso de ajuda profissional, então não posso dar-me o luxo de reclamar tanto.

— Boa tarde, Srta. Hyuuga. — saudou Itachi de repente, colocando a papelada já num envelope pardo dentro da gaveta. Sua voz é bonita e calma — Seja bem-vinda. Como está hoje?

— Boa tarde, Sr. Uchiha, obrigada. Estou bem hoje, só um pouco nervosa depois de tanto tempo sem ir ao psicólogo... — sorri, e percebi que havia falado quase em um sussurro. No entanto, pude constatar que ele me ouviu quando devolveu o sorriso discreto e juntou as mãos sobre a mesa.

— Não é preciso se preocupar, nós começaremos com calma. Bem, eu costumo fazer algumas perguntas básicas para os meus pacientes na primeira consulta, assim nos conhecemos melhor.

— Sem problemas!

— A sua ficha diz que você tem 22 anos, certo? — assenti à pergunta dele — Você trabalha, faz faculdade? Tem filhos?

— Sim, sim e definitivamente não. — afirmei, rindo brevemente. Itachi repetiu a ação.

— Não quer ter filhos?

— Quero sim, mas atualmente está fora de cogitação. E o senhor?

— Quando a minha noiva era viva sim, mas depois que ela faleceu não tive vontade de criar uma família com outra pessoa. — falou depois de um pigarreio. Seus olhos, negros como a pedra de ônix, se arregalaram levemente e tentaram voltar ao normal. 

Senti uma tristeza disfarçada de naturalidade tanto em suas palavras quanto na sua expressão. O sangue que circulava as veias sanguíneas do meu rosto imediatamente esquentou, entretanto, não posso fazer nada para me esconder, pois acredito que eu já esteja corada. Ai, Hinata, você já começou mal! Sei como é desagradável mencionar a perda de um ente querido desta forma, então estou muito envergonhada por ter feito uma pergunta tão pessoal, mesmo que não tivesse questionado com más intenções. Ergui as mãos em sinal de conciliação.

— Oh, e-eu sinto muito, Sr. Itachi, m-mil perdões!! Não quis machucá-lo!

— Ha, ha, está tudo bem. Eu sinto falta da Izumi, mas é uma perda que já superei, embora tenha sido difícil. — abaixei as mãos, aliviada. Ele se endireitou no assento e, com um tom ainda gentil, prosseguiu — Não falemos, entretanto, sobre mim, e sim de você. Aonde e com o que você trabalha, Srta. Hinata?

— Trabalho na Taiyoukou como auxiliar administrativa. É uma empresa que trabalha com energia solar, pertence a minha família. — permiti que todo o meu desânimo transparecesse. Suspirei — E a maior parte dos meus problemas está lá...

— Quer conversar sobre?

Seu olhar, embora sério, tinha um ar de preocupação. O senhor Uchiha nitidamente estava sendo franco ao articular aquela indagação. Isto me aliviou, porque me fez lembrar a Kurenai. Ela era sempre sincera durante as consultas, eu sentia quase como se a nossa relação não fosse apenas profissional. Ao menos os dois têm algo em comum: o amor pela profissão que escolheram. A franqueza de Itachi me impulsionou a continuar com o desabafo:

— Bem... eu não gosto de trabalhar na Taiyoukou. Não gosto da área administrativa, mas meu pai me força a fazer isso. Ele quer que eu lidere a empresa em seu lugar, tanto que me obrigou a cursar Administração. Mas o que eu queria mesmo era um curso de Artes Visuais. — outrora franzida, minha boca traçou um sorriso bobo — Minha mãe pintava quadros. É o meu hobby favorito também, me acalmo toda vez em que desenho. Aí sempre que estou triste ou estressada faço isso.

— Hmm, eu entendo. — Itachi apanhou um caderno com capa de couro e uma caneta esferográfica. Em seguida começou a fazer anotações — O Sr. Hyuuga costuma ser rigoroso dentro de casa também?

— Sim... desde que minha mãe faleceu.

— Ah, sim. Então você pinta para se acalmar... isso é bom. — prosseguiu escrevendo. Ele parou para me fitar — Tem outros hobbies além desse?

— Eu também toco piano, flauta e violino. Mas sempre preferi o piano. A música também me ajuda a ficar calma. — mordi a bochecha interna e arqueei uma sobrancelha, pensativa. Relaxei os músculos ao concluir o raciocínio e voltei a olhá-lo — Também gosto muito de ler. Acho que só isso mesmo.

— Está em algum relacionamento, Srta. Hinata? — questionou o senhor Uchiha após anotar mais algumas coisas. Empurrei uma mecha de cabelo para trás da orelha.

— Não, não, mas já namorei uma vez. Faz uns 6 anos.

— Eu me lembro que você namorava o Naruto Uzumaki, não é? — assenti novamente — Ele é o melhor amigo do meu irmão. Foi um término saudável?

— Acho que sim... não conversamos mais, porém, nos cumprimentamos quando estamos num mesmo local. Naruto é muito mulherengo, você deve saber... — brinquei, excedendo a uma pequena risada. Itachi revirou os globos oculares e riu também.

— E como eu sei...

— Pois é. Então ele não conseguia ficar preso a uma só garota, aí decidiu terminar comigo antes que fizesse alguma besteira. Foi o que ele me disse. Mas, semanas antes de terminarmos, tivemos uma conversa...

— Que conversa? Sente-se confortável para falar sobre?

Por enquanto estou confortável com o senhor Itachi; é compreensivo, respeitoso e equilibrado. Gosto do modo como ele se atenta aos assuntos que podem ser ou não pessoais. Contudo, quanto a esta conversa com Naruto a qual eu me referi, não me sinto tão disposta a dar muitos detalhes. Não sou obrigada a expor minha vida inteira a um psicólogo, mas estou ciente de que alguns pontos são necessários para que ele me ajude. E eu quero contar, quero ser ajudada. A meu ver, inclusive, o senhor Uchiha não irá se importar se eu resumir a história.

O caso é que, depois de seis meses de relacionamento sério, Naruto tinha a finalidade de partir para algo mais íntimo. Eu não me sentia preparada. Na verdade, a parte que me assustava era o principal motivo de não querer manter uma vida sexual com ele. Quando lhe disse que discordava da ideia, reparei que Naruto se distanciou por algumas semanas, e só parou para ter uma conversa decente comigo a fim de romper o namoro. Por mais que Neji seja seu amigo, meu primo o repudiou assim que soube de tudo, aliás, formulou até teorias que alegavam que ele se aproximou de mim apenas por interesse carnal. Talvez Naruto possuísse mesmo esses objetivos tão obscenos. Talvez a minha discordância tenha interferido. Se ele realmente me amou, teria continuado comigo.

— B-Bom, Naruto queria... — envergonhada, desviei a visão para o colo — dar um passo a mais no nosso namoro, se é que me entende. Eu não quis. Acho que isso pode ter implicado um pouco.

— Entendo. Gostaria de contar como você se sentiu diante do término?

— Na época fiquei arrasada. Queria que Naruto mudasse com o amor que ofereci para ele, então me senti insuficiente e até um pouco usada. Mas hoje em dia eu não me importo, foi até melhor assim. Aliás, não me vejo namorando ninguém agora.

— Sei como é. Enfim, Srta. Hinata, eu acho que já começamos muito bem, principalmente para alguém que estava tão nervosa. — demos uma gargalhada comedida. Ele penteou com os dedos alguns fios soltos dos cabelos pretos para trás — Pode me dizer quais foram os motivos para trazê-la aqui? Além dos problemas com seu pai?

— Fui diagnosticada com transtorno depressivo maior quando tinha 16 anos. Então passei a frequentar as consultas com a psicóloga Kurenai Yuuhi, mas o tratamento foi interrompido por causa do meu pai. — esquivei o olhar para qualquer canto outra vez — Ele tem o preconceito bobo de achar que psicólogo serve para “gente maluca”...

Aos dezoito anos, quando enfim minha saúde mental estava se estabilizando graças às consultas e aos medicamentos, meu pai decidiu que era o momento de parar definitivamente a psicoterapia. Era época dos exames de admissão das universidades. Ele, já contrariado com o tratamento, achava que eu precisava focar apenas no ingresso à faculdade, largar todas as coisas que me remetiam ao passado e recomeçar a vida. Nisto estava incluído o plano de me admitir na Taiyoukou. Essa interrupção, todavia, serviu somente para agravar o meu estado; a pressão que sofri ao estudar para as provas aumentou a frequência das crises de depressão. Implorava para que papai me deixasse ao menos tomar os remédios prescritos pelo doutor Inoichi, meu ex-psiquiatra, mas não obtive permissão. Dizia que uma filha sua não poderia ser tratada como uma “louca”. Porque, segundo o pensamento de Hiashi Hyuuga, depressão é sinônimo de loucura e o que eu tinha era um simples “fruto de sua criação cheia de mimos”. Para o meu pai, a minha doença era uma “frescura”.

— Infelizmente muitas pessoas ainda não mudaram o próprio ponto de vista em relação à psicologia. Se todos os seres humanos fizessem esse tipo de acompanhamento desde a infância, talvez o mundo não estivesse tão caótico como está. — ele freou um suspiro enquanto balançava a cabeça pesarosamente — Enfim, você já tomou ou ainda toma medicamentos?

— Já sim, meu pai também me proibiu de tomá-los. Por alguns anos eu consegui comprá-los escondida e até acessar consultas online com a Srta. Kurenai, mas papai acabou descobrindo... e você já deve imaginar o resultado disso.

— Com que idade você teve que interromper todo o tratamento?

— Meu pai me proibiu de continuá-lo quando eu tinha 18 anos. As consultas online e os remédios que consumia escondida foram descobertos aos 21.

— Então nesses últimos dois anos você não pôde cuidar da própria saúde? — neguei com a cabeça. Itachi mordiscou o lábio inferior, apreensivo — Agora eu vejo a gravidade da situação... bom, eu creio que você precise voltar a procurar uma ajuda psiquiátrica também, Srta. Hinata. Sirvo para te ajudar a compreender e enfrentar seus problemas, mas um psiquiatra vai diagnosticar como se encontra o seu quadro de depressão e prescrever os remédios necessários para você. Posso te indicar um colega meu, se quiser, ele tem muita experiência no ramo da psiquiatria.

— Eu entendo. Seu colega seria o Sr. Inoichi Yamanaka? Ele era o meu psiquiatra.

— Exato! Então sabe onde procurá-lo?

— Sei sim, Sr. Uchiha. Ainda essa semana mesmo eu vou procurá-lo. E muito obrigada. — agradeci, curvando levemente a coluna para realizar uma pequena mesura. Ele sorriu, acanhado, e pediu para que eu me reerguesse através de um gesto.

— Não há de quê. — voltou a escrever por alguns segundos. Notei, numa tentativa sutil, sua bela caligrafia — Bem, como tem se sentido durante esses anos sem realizar um tratamento?

— Desmotivada. Triste. Perdida. Me sinto péssima dentro da minha própria casa. Tenho pesadelos pelo menos três vezes por semana, isso se eu não ouvir uma música para me acalmar antes de dormir. Às vezes acho que não vou aguentar viver mais um dia. — subitamente meus olhos inundaram e minha voz ficou embargada — Minhas crises têm se agravado. Neji faz muita falta lá em casa. Minha irmã está quase se tornando igual ao meu pai, então não posso contar com ela para nada. Hanabi e eu nos portamos uma para com a outra como se fôssemos duas estranhas. Ela não me maltrata, mas é totalmente apática...

Como a chegada de uma tempestade, que não é prevista pela meteorologia, eu chorei na frente do senhor Uchiha. As pálpebras ardiam, o peito e a garganta doíam, a boca tremia; conheço tão bem a sensação do choro que já não sinto mais incômodo quando ele vem. Mas não estou acostumada a ser levada pelas lágrimas em público. As palavras surgiram de repente, então apenas as proferi. Não imaginei que fosse capaz de reagir desta forma, porém, já é tarde demais para me sentir encabulada. De todo modo, escondi o rosto entre as mãos.

Falar sobre esses problemas fez esvaecer uma pequena parte do meu fardo, entretanto, enxergá-los como um todo sempre causou a fragmentação da minha angústia em gotas lacrimais. O senhor Itachi levantou-se instantaneamente e, indo até o bebedouro no canto da sala, encheu o copo descartável com água fresca e me entregou. Enquanto bebericava, a mão e os lábios trêmulos, ele vasculhou a gaveta e tirou de lá um pacote de lenços de papel. Ao me oferecer, deixei o copo em cima da escrivaninha e apanhei um lenço a fim de enxugar o rosto — já avermelhado, acredito eu.

— O-Obrigada... — sussurrei, secando as bochechas. O psicólogo se sentou em sua poltrona.

— Não precisa agradecer. — funguei e joguei o lenço na lixeira debaixo da escrivaninha ao terminar. Ele me observou por alguns segundos com a cabeça ligeiramente inclinada para o lado — Você costuma desabafar com alguém?

— N-Não... às vezes converso com meu primo, mas não gosto de preocupá-lo e muito menos me sinto à vontade para conversar sobre várias coisas. Nutrimos um amor fraternal, mas não ocorre aquela química de amizade entre nós, sabe? Não tenho mais amigos... eu tinha a sua cunhada, Kiba, Shino... mas nos afastamos. Na maior parte do tempo me sinto sozinha. — expliquei, retornando a beber água. A visão de súbito se enturvou conforme mergulhava em devaneios.

Embora Sakura não tivesse laços com Kiba Inuzuka e Shino Aburame, os três eram os meus melhores amigos. Os rapazes preenchiam a figura masculina fraternal que jamais possuí até Neji abandonar os ressentimentos e cuidar de mim como um irmão mais velho. Kiba era o protetor: se alguém ousasse me atormentar no colégio, ele comprava uma briga com tal pessoa. Shino, apesar de reservado, era o conselheiro. Eu também sentia saudades deles. Sakura preferiu outras companhias, contudo, os meninos nunca me desampararam. Fui eu quem destruiu a nossa amizade de longa data. Sinto-me culpada, mas não conseguia mais estar ao lado deles.

Não, Hinata, pare de pensar nisso!

Não agora! Chega, chega, chega!

— Eu estou aqui para ajudá-la com seus problemas, mas uso métodos científicos para isso. — afirmou o senhor Uchiha, me pregando um susto — O caminho é seu e é você quem deve percorrê-lo, não posso e nem devo opinar sobre alguma decisão sua. Um amigo, por outro lado, vai te dar apoio, te aconselhar e dizer o que faria em seu lugar.

— Eu nunca consegui fazer amigos, Sr. Itachi. Eles três entraram em minha vida por acaso. — refutei e dei de ombros, tentando ser mais educada possível. Ele não renegou o semblante determinado.

— Srta. Hinata, eu não posso forçá-la a fazer algo que não queira, mas guardar tudo para si mesma somente agrava a sua situação. Já tentou escrever um diário?

— Sim, eu escrevi por alguns anos, mas abandonei a prática...

— Tenta voltar com a prática, talvez se sinta melhor. Não tem o mesmo efeito que conversar com uma pessoa, mas pode ajudar. — sugeriu. Descartei o copo já vazio na lixeira após anuir à recomendação dele.

O senhor Itachi está certo. Psicólogos não dão conselhos: eles possuem ferramentas científicas para ouvirem e compreenderem os conflitos alheios. Não é como conversar com um amigo ou um familiar, ou seja, de um modo mais pessoal. Tentarei aderir à prática do diário novamente — suspendi a escrita porque não consigo mais descrever com exatidão minhas emoções —, todavia não sei o que fazer com relação às conversas com um amigo. Reconciliar-me com Kiba e Shino está fora de cogitação, pois, mesmo que a falta deles seja de grande peso, não tenho coragem de olhá-los nos olhos depois do que fiz. Minha única opção é Neji. Irei procurar o doutor Yamanaka, visto que as minhas crises de depressão estão piorando. E com certeza frequentarei mais vezes o consultório de Itachi Uchiha. Palavras entulhadas na garganta podem sufocar mais do que a mão de um carrasco.

 

[...]

A consulta durou cerca de quarenta e cinco minutos; conversamos ainda sobre as consequências da morte de minha mãe e do acidente do tio Hizashi. Por sorte não chorei mais, fui capaz de me controlar. Ao longo do atendimento, o senhor Uchiha prosseguiu com seu jeito atencioso e fez questão de levar-me até a porta assim que finalizamos. Existem diversos assuntos sobre mim que são extremamente necessários para eu tratar com o psicólogo, porém, farei isso com o decorrer do tempo. Gostei do trabalho dele, e devido a isso vim fazer o meu cadastro e agendar a próxima consulta.

Enquanto Fuu, a recepcionista e minha colega de curso, digitava no teclado do computador, observei distraidamente a sala. Pude notar o céu sendo pincelado com tons quentes e o Sol se pondo através da janela horizontal. Daqui a pouco vai começar a minha primeira aula. Na mesa de centro, repousava um vaso de vidro com orquídeas artificiais. Embora não sejam verdadeiras, são lindas demais. Botânica também é uma das minhas maiores paixões.

— Na segunda-feira temos os horários de 10:40, 14:00 e 16:30 disponíveis. — informou Fuu, desviando da tela o olhar alegre para mim. Com o mesmo ar de gentileza, eu a respondi:

— 16:30, por favor.

Ela voltou sua atenção para a máquina, e eu voltei minha atenção para as flores brancas. As achei tão belas que, ao arranjar um momento disponível, vou pintá-las com o uso da aquarela. Percebi então que havia poucas pessoas no local, alguns auxiliares de serviços gerais e um paciente aguardando sua vez. Um rosto conhecido se destacava no meio daqueles indivíduos.

É ele!

Tem os braços, definidos e tatuados, cruzados. É um ato de inquietação, a julgar também pelo jeito como seu pé direito bate freneticamente no chão. A cabeça, inclinada para trás de forma delicada, e a coluna vertebral inteira descansam no estofado bege da poltrona. Seus lábios retos, sua respiração quase imperceptível e seu olhar viajante denunciam que ele está aqui apenas fisicamente. Dói um pouco ver o realce de seus cabelos, de um vermelho tão vivo quanto sangue, sob a luz da lâmpada fluorescente. Posso ouvir mentalmente a voz dele cantando minhas músicas favoritas da Fire Will. É uma pena que eu não me lembre de seu nome.

Repentinamente as retinas do rapaz, outrora capturando a imagem do teto, repararam que ele estava sendo observado, sendo então arrastadas até o canto dos olhos. Sua expressão agora é uma incógnita, contudo, nitidamente uma nuvem negra pairava sobre si. Corada ao ter a visão dele sobre mim, me virei em direção à Fuu, que emitia o comprovante de agendamento. Senti que ele ainda me olhava. Ó, céus, Hinata, você só passa vergonha!

— Aqui está! — exclamou ela, sorridente, me entregando a nota. Apanhei o pequeno papel — Basta trazer esse comprovante na sua próxima consulta. Obrigada pela preferência, Srta. Hinata, e tenha uma boa tarde!

— Obrigada, boa tarde para você também.

Tentei devolver o sorriso com o mesmo entusiasmo, no entanto, o nervosismo ao ter o olhar sisudo do rapaz sobre mim refletiu nisso. Guardei o comprovante dentro da bolsa — bem desajeitada, dado o tremer da minha mão. Enquanto fechava o zíper, escutei um ranger de porta. Aquilo fez o rapaz parar de me fitar. O senhor Uchiha espiou ao redor da sala e, ao encontrar o rapaz, esboçou um sorriso cúmplice. Com um tom mais brincalhão do que sério, o chamou:

— Gaara Sabaku?

Gaara Sabaku... então esse é o nome dele.

Gaara, agora um pouco menos austero, descruzou os braços para pôr as mãos dentro dos bolsos da jaqueta verde-oliva e levantou-se. Seus passos em direção à sala oscilavam entre a autoconfiança e a hesitação. Ele encarava o senhor Itachi com a metade de um sorriso, porém, o semblante de repente tornou-se cabreiro. Talvez estivesse desconfortável com o ambiente o tempo inteiro. O espírito de Gaara parecia ser indomável, e essa ferocidade ficava evidente em cada ação sua, até quando ele canta. Já diante do psicólogo, ambos trocaram um aperto de mãos e adentraram a sala.

Gaara... como eu pude me esquecer de um nome tão diferente?

Antes que passasse os minutos devaneando, aproveitei o momento para pedir um favor à Fuu: na sexta-feira passada, devido à festa infeliz da Taiyoukou, fui obrigada a faltar à faculdade. Embora tenha somente uma aula nas sextas-feiras, trata-se de uma disciplina complexa, e perder a matéria não é lá uma opção muito favorável. Fuu e eu não possuímos intimidade nenhuma, apenas temos três disciplinas em comum nas nossas grades, no entanto, me lembrei do que o senhor Itachi havia comentado comigo; já que não tenho amigos, a única solução é tentar fazer amizades. Ela me parecia uma boa menina, bastante divertida e espontânea. Às vezes era como se Fuu fosse uma versão feminina de Naruto. Quem sabe eu consiga ser amiga dela? Quem sabe nos dias das minhas consultas nós não possamos sair do consultório juntas para irmos ao Centro Universitário de Konoha?

Ao virar-me, Fuu estava debruçada no balcão e tinha o queixo apoiado sobre o punho. Um ar de adolescente apaixonada a envolvia enquanto olhava para a porta da sala do psicólogo. Qual dos dois teria causado isso nela? Ri internamente com aquela figura sonhadora, sobretudo com o seu olhar pousando sobre o nada.

— Fuu, você vai para a faculdade hoje? — indaguei, fingindo naturalidade. Ela, um pouco dispersa ainda, piscou os olhos sem desfazer o sorriso abobalhado quando me notou ali.

— Não, hoje não tenho aula, graças a Deus.

— Ah, sim... você pode me passar as anotações da aula de Logística da sexta-feira passada, por favor? Tive que faltar.

— Claro! Estou com elas aqui — despertando, ela se agachou a fim de pegar o caderno dentro da mochila atrás do balcão. Em pé, me ofereceu o caderno de capa laranja —, eu estudo um pouco no meu intervalo de almoço. Se preferir pode se sentar agora para anotar ou eu te envio as fotos das anotações por mensagem.

— Acho melhor anotar agora, assim já fico livre mais tarde. Muito obrigada!

Em instantes já estava pronta para copiar a matéria — ou tentar, porque a organização do caderno de Fuu é quase incompreensível. Retirados da bolsa, pus os fones de ouvido e os conectei no celular. Permiti que o modo aleatório da playlist decidisse tocar alguma música, e Stressed Out foi a escolhida. Iniciei escrevendo a data, entretanto, subitamente minha mão, que segurava a caneta, não respondia mais ao comando do cérebro. Meus olhos perderam-se entre as linhas da folha, entorpecendo o raciocínio.

Gaara... por que você está aqui?

Seu problema é tão grave quanto o meu?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Isso é tudo, pessoal. No próximo capítulo veremos então a narração do Gaara e finalmente um contato mais direto entre ele e a Hinata. Vou tentar ser rápida com a atualização! Por favor, gostaria de saber a opinião de vocês sobre o andamento da história, aceito críticas construtivas.
Desde já agradeço a atenção de cada um! Beijos, amores, até! ❤️



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Pieces: Em Pedaços" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.