Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 8
Capítulo 7 - O efeito do bong




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/765619/chapter/8

Era uma noite gelada de sábado. Ítalo, todo arrumado com jeans e jaqueta escuros, estava andando de um lado para outro pelo apartamento dando alguma desculpa para não sair mais, alguns sons de sirene uivavam indistintamente e Julieta estava aninhada no canto do chaise.

— Não tenho transporte, não tenho. Vão amanhã?

— Ah, mano, amanhã vou pra cinema, vamos cancelar mesmo. – respondeu Jasmim do outro lado da linha.

— Tá bom.

Na verdade ele não havia conseguido dinheiro, o pouco que tinha estava entregue com as despesas com seu novo colega de quarto. Mas essas malucas achavam que ele tinha e ele não queria chegar ali e ficar dependendo. Além do mais, não tava com toda essa disposição.

Olhou para Jânio, não sabia se ele queria ficar ou não sozinho. Este fitou seus olhos plácidos nele e bateu com a mão no sofá para ele se sentar. Ítalo sentou-se, cruzando os braços e olhando a fumaça contornar o ar.

Houve um som de sirene ao longe, mas mais perto do que antes.

— Se for mesmo sair, não se esquece de levar a identidade.

Ítalo soltou um riso de escárnio.

— Posso até parecer um adolescente, mas um adolescente da malhação.

Jânio sorriu fungado.

— O que foi isso? – perguntou Ítalo.

Jânio fez que não com a cabeça.

— Não, conta. – insistiu.

Jânio parecia ser o tipo que deixava pra lá por não ser inconveniente. Olhou um segundo para o colega, depois para o ar como se pensasse, e se ajeitou no sofá, resignado.

— É só que me admiro de tú querer passar uma noite de sábado com um parvo como eu. – revelou.

Ítalo franziu as sobrancelhas.

— Mas você não é um parvo. – disse, com uma ruga incrédula formada entre as sobrancelhas.

Jânio volveu seus olhos imediatamente para o colega, surpreso pela sinceridade na resposta.

— Não?

Ítalo balançou a cabeça em resposta.

— Conheço pessoas assim, acredite em mim, sou pura experiência nisso e você, apesar... você sabe, me parece alguém que... – ele encarou o chão pensativo, depois voltou a encara-lo. – Que não tem merda na cabeça, tem neurônios. E se você comete algum vacilo, sabe que cometeu, ao contrario de muitos que cometem com minhoca na cabeça.

Os olhos de Jânio estavam fitos neles, ainda assim, ele sugou o cigarro e soltou a fumaça.

@0_o@

— Então, o que é que você ia fazer? Eu ia te atrapalhar, ia trazer alguém, a Melissa, sua namorada?

— Não. – disse, mas um não que tinha algo por trás. – eu ia me entreter com um bong. – revelou, os olhos passando brevemente sem jeito pelo carpete, depois encarando ele.

Ítalo maneou a cabeça de forma confusa.

— Bong? O que é isso?

Jânio se levantou no mesmo momento como se esperasse a curiosidade de outrem, entrando no seu quarto e saindo de lá com algo transparente e com tubos, seguido pelo olhar meio aberto demais de Ítalo. O letrado estava pensando em milhares de possibilidades de como aquilo seria usado, possibilidades assustadoras, mas logo associou Jânio com aquilo. E abriu a boca num “Uou” em percepção. Só estava acostumado a ver isso por trás das telas, e era estranho ver um desses pessoalmente, pois se sentia um aprendiz de depravado só de por os olhos naqueles recipientes de vidro.

Enquanto Jânio se ocupava com os instrumentos ali em cima da mesa, pedira para Ítalo pegar uma jarra de água. Com os olhos passando por todos os lados em confusão, se levantou, enchendo uma jarra transparente onde eles costumavam colocar açaí e trouxe. Jânio conferia os objetos para ver se estavam todos ali, ao mesmo tempo como se quisesse apresenta-los à Ítalo.

— Bong Squadafum. – tocou o objeto maior, que se assemelhava muito à um balão volumétrico, com exceção da pequena passagem cilíndrica vindo da base.. – Downstem, Bowl. – disse apontando para os menores e o outro que deu um nervoso para Ítalo. Este pensou se não podiam ser presos por ter aquilo ali, se foi legalizado, pensou que sim, mas não tinha certeza. Olhou para porta, depois para a janela, aflito, como se quisesse ter certeza de que ninguém estava vendo, mesmo sabendo ser impossível. – Gelo e... – Jânio procurou com os olhos até erguê-los, encontrando um olhar petrificado de Ítalo. – Mano, relaxa, ta de boa.

— Tem certeza? – entregou a jarra e se sentou ao seu lado. - Isso não vai explodir, não é? – Ele teve a necessidade de perguntar isso, mesmo que tenha visto nas séries e filmes, era estranho ver Jânio montando um.

Com os olhos ocupados, Jânio disse.

— Cara, às vezes tu me deixa com dúvida, as pessoas acham que a qualquer momento tú vai explodir uma bomba na universidade e tú tem paranoia que alguma coisa exploda. – e soltou um riso sarcástico. – Cara, tu é tão estranho nesse mundo irônico.

Ítalo deu uma afastada com a cabeça para trás, com a cara franzida em estranheza. Olhou para os instrumentos, depois para seu colega de quarto.

— Sua definição de estranho deve ser bem diferente da minha, colega. – enfatizou o colega.

— De boa, parça. – revidou Jânio, dando destaque ao parça.

Ítalo só observava enquanto o outro montava seu brinquedo. E perguntava na curiosidade o que era cada detalhe, a qual Jânio respondia tranquilo. Este encheu o bong de água até os furos do percolator, depois mais um pouco no pequeno tubo cilíndrico na base, encaixando o Downstem em seguida, depois tirou e colocou mais água, até preencher quase metade daquela base, encaixou o bowl no downstem e depois jogou uns gelos sobre o cano do bong, Gelo era uma coisa bonita, lembrava o assíduo leitor de preparo de caipirinha, e pensar nisso ajudou a gelar um pouco o nervosismo, passando a sensação de frescor e relaxamento. Mas então chegou a parte que deu um nervoso no peito dele. Era erva aquilo? Perguntava-se, quando Jânio preenchia no bowl, depois ascendeu, e começou a subir uma fumaça densa e branca, mas ao mesmo tempo como se fosse suave. Jânio colocou a boca ali, fazendo a fumaça dançar. Os olhos de Ítalo iluminaram-se, achando a cena linda. Jânio, depois, olhou para Ítalo e soprou em sua cara, o fazendo, finalmente, soltar um riso tranquilo.

Jânio aspirava a fumaça daquilo ali como se fosse ar puro. E vez ou outra desviava os olhos concentrados do instrumento para o colega de quarto, como se quisesse dizer alguma coisa. Em algum momento as orbes dele ficaram presos em Ítalo.

O letrado achava o designe daquele aparelho deslumbrante, certo para que a água tenha o contato com a fumaça, e algo ali nesse pequeno tempo antes de ser inalado acontecesse. Ítalo lambeu os lábios, querendo alguma luz de química para entender melhor isso.

— Você quer experimentar? – ofereceu Jânio.

Ítalo ficou olhando aquele instrumento, parecia hesitante, e apertou os lábios para dentro da boca como se pensasse se ia ou não. Não era sua praia essa coisa de fumar, se drogar ou seja lá o que fosse isso, mas estava surpreso consigo mesmo por não recusar de imediato.

— Sei que tú não quer, mas parece estar curioso. – acrescentou Jânio, ainda segurando o objeto e encarando o colega como se esperasse uma resposta.

Ítalo começou a brincar, pensativo, com as unhas.

— É só que, sempre achei legal nos filmes, uma certa admiração, digamos,ao ver cenas do American Pie, Zumbilândia.

— Você tem fetiches com isso? – quis saber Jânio, com naturalidade.

Ítalo se espantou com essa pergunta.

— O quê? Não. Quer dizer, admiro, acho essas coisas... sexies, bonitas, mas... – Apertou as unhas no sofá, reprimindo-se pelos comentários que soltava às vezes.

Mordeu os lábios, encarando o instrumento,

— Tem certeza que não quer experimentar? – perguntou Jânio mais uma vez.

Berrava por dentro de Jânio conseguir ser tão persuasivo em um tom e uma frase simples. Ítalo apertou os olhos para si mesmo. Ou será que seria essa a desculpa para a vontade que sentia?

Ele o encarou bem nos olhos, afirmando para si mesmo que Jânio era uma boa pessoa e parecia saudável. De fato, era admirador como a saúde dele conservava-se diante de tanta falta de desvelo com a própria, pensou, depois olhou para o Bong. Não era errado, era? Pensou para si mesmo. Não fumava cigarro porque não queria. Mas queria experimentar aquilo. Dane-se se era errado. Ninguém é igual a ninguém. Não precisava mostrar nada a ninguém. Ele deu uma maneada na cabeça, como se dissesse, é, vamos lá. Ele tirou a jaqueta, ficando apenas com uma camisa cinza de mangas curtas com a estampa de Times Square, e jogou para o canto do chaise onde estava Julieta, que só fez sair dali e deitar-se em cima da própria, cansada demais para brigar.

Jânio sorriu por um segundo se sentou mais para perto da chaise, dando espaço para o colega se sentar de frente para o instrumento.

Jânio olhou para o colega depois para ele.

— Mano, o método bongada é suave, é justo pra não causar dano nenhum, confia em mim. – Confia em mim. Isso mexeu um pouco com a cabeça de Ítalo. Tinha motivos para testar o de filosofia, mas quando o encarou, sabia que ele não queria que ele sofresse nenhum dano, e tinha que trabalhar nessa coisa de confiança, em uma parceria, coisa que nunca na verdade teve.

Um suspiro, um engolir em seco, um piscar de olhos. Precisou dessa preparação, mesmo que nada exagerada, para fazer isso. Ergueu a coragem aprendiz de depravação em contorno de dedos para o aparelho. Pegou aquilo como se quisesse senti-la, como o martelo de Thor.

Então foi.

Os olhos de Ítalo arregalaram-se ao ver aquela fumaça branca e exótica borbulhar, e riu admirado. Quando ele tentou, não foi tão ruim, e Jânio, com a inteligência inaudita e surpresa disse que a fumaça é resfriada ao borbulhar na água, suavizando o contato com as vias respiratórias.

Esse danado sabe como tranquilizar alguém, essa sua inesperada noção deve ser a formula para ele pegar as garotas mais finas da Universidade.

Mas, quando Ítalo afastou  pronto para bafejar...

Acabou-se em engasgo e muita tosse

@0_o@

Já havia passado um tempo depois do efeito que o bong havia lhes dado, sonolência e um tom cruel e arrastado na voz. Julieta havia acordado e passeado por ali, os encarando por um bom tempo, preocupada e ficando a olhar a noite pela vidraça que dava acesso à varanda.

Depois de uns minutos apenas em silêncio, como se fosse para se recuperaram, continuaram um jogo.

— Seria legal colocar um quadro ali. – disse Ítalo.

— É. – Concordou Jânio. Ele erguendo as mãos, formando um quadro com os polegares e indicadores, como se visse se ficaria bom. – você tem razão.

Estavam num jogo de perguntas e respostas enquanto relaxavam com bong. Ítalo queria desconstruir aquela ideia de reclusão de Jânio, queria deixa-lo à vontade, mostrar que ele não tinha frescura, e resolveu dar esse jogo de perguntas o qual cada um faz uma pergunta que quiser do outro, e quem não respondesse seria desafiado ou pudesse escolher simplesmente o desafio.

— Certo, voltando ao nosso jogo, por que te chamam de demolidor? – perguntou Jânio.

Ítalo quis revirar os olhos, lembrava do porquê, tinha a ver com as amigas, mas queria testar Jânio, não revelaria isso de mão beijada.

— Descubra.

— O quê, como? – perguntou quase exclamando.

Ítalo deu nos ombros.

— Se meu apelido é demolidor, é por que tem a ver comigo, com meu aspecto.

— Hum, capoeira. – tentou Jânio após pensar em demolir.

Ítalo curvou as linhas da boca como se estivesse impressionado.

— É, faz sentido, mas não vai ser fácil assim, não é um aspecto lá evidente demais. – e sorriu, Jânio pensava na literalidade do nome, devia pensar no personagem, na essência maior dele.

— Eita. - pensou. - Hum, tem bons argumentos? – tentou de novo. Ítalo o olhou com mistura de estranheza e divertimento. – Sim, demolir alguém de sentido figurado.

Ítalo riu tanto que vergou a cabeça sobre o sofá.

— Nem eu acho isso. Quer dizer, não acho que eu tenha opinião formada de muita coisa, mas quando quero defender, defendo.

— Caraca, mano. - ele parecia agoniado, como se quisesse realmente saber e riu. - Mano. Que louco. Muito louco isso. – Ítalo riu. – Vai, da uma pista.

— Não posso. – disse, pensando que ou ele pensava muito no sentido literal do nome ou figurativo, como só visse a imagem das palavras, seu significado e significante, faltava algo. Quem sabe uma hora conseguisse.

Ítalo, divertido, desencostou-se do sofá e inclinou-se para sorver a fumaça. Olhou para trás e assoprou na cara de Jânio para ver se este o xingava ou gesticulava de modo obsceno,  mas ele gostou. Ítalo sorriu, as covas aparecendo ao lado da boca, balançando a cabeça e voltando a encostar a cabeça no sofá.

Noiado, Jânio pegou o cabelo de Ítalo, curioso.

— Quantos meses tem? – disse, mexendo de forma que sentisse a textura.

Ítalo também estava noiado, mas olhou de soslaio pelo gesto estranho.

— Hum. Cinco? – respondeu, como se fosse uma mãe respondendo seus meses de gestação, deixando-o bizarramente acanhado.

Jânio assentiu e perguntou:

— Quer verdade ou desafio?

— Desafio.

— Cante algo atrevido.

Ítalo começou a dar umas batidas nas coxas como prelúdio. Ele cantou “I kissed a girl” e Jânio gostou, principalmente da fala “I kissed a girl and I liked it. I hope my boyfriend don’t mind it,” parecendo mostrar o lado ousado dele, pois não trocava a letra pra se sentir mais masculino. Sua voz não era ruim, eram aquelas típicas vozes de pessoas que não cantavam profissionalmente, mas vibravam alguma harmonia  no ouvido de qualquer hum, às vezes era rasgada, rouca e de um vigor lúbrico admirável. Era gostoso, hipnotizante e agitante, fazendo aquecer Jânio por dentro mais que o bong e ele queria tocar algo, seja o violão ou uma batidas. E imitou as batidas no Joelho, mexendo a cabeça ao ritmo da música, com os olhos grandes em empolgados. Caramba. Esse moleque era bom. Deixou-se até mesmo espantar-se.

— And I liked iiiit! – finalizou Ítalo.

—Uau. – exclamou Jânio e bateu palmas. – O que foi isso, mano?

Ítalo riu com os olhos meio fechados ao levar a cabeça ao encosto do sofá, vergando-a, rindo.

— Ta, vamo continuar. – parou um instante, olhando diretamente nos olhos dele.

— Pergunta, mano. – insistiu Jânio.

Com cautela, perguntou:

— O que motivou aquela briga toda?

Os olhos de Jânio cintilaram, desviando logo em seguido.

— Foi por causa do Caíque. Ele adulterou alguma droga e os Playba, sabe, reclamaram, puxaram briga, eu e Leandro nos...

— Traficantes? – atalhou Ítalo, se arrependendo logo em seguida. – Desculpa.

Jânio balançou a cabeça.

— Você...

— Não, não... quer dizer... não sei te dizer, mas só... vamos esquecer. – e forçou um sorriso, Jânio fez o mesmo, mesmo parecendo sem jeito.

— Verdade?

— Sim.

— Você tem algum problema com um dos ouvidos, não, porque percebei que tu tem uma dificuldades...

— Foi uma bomba.

Jânio arregalou os olhos.

— Como assim? Que louco isso cara.

Ítalo deu nos ombros.

— Eu também acho, Às vezes parece que foi só um sonho, e muitas pessoas acham que foi coisa da minha cabeça. Em um momento eu tava ali com meu avô naquele zoológico, a gente brincava com os animais, tinha essa zebra que ia de um lado para o outro sempre que eu corria, meu avô apareceu na frente dela perguntando se eu tava me divertindo, olhando la de baixo, respondi que sim, e do nada, cara, tipo, do nada apareceu aquele brilho alaranjado, rápido, sabe, e meu avô me abraçando o mais rápido que ele pode. Sei lá, era como se os braços dele se tornassem asas e abafassem tudo, pelo menos boa parte, e quando ele me descobriu, estávamos bem longe, vendo aquele fogo subindo numa explosão.  – olhou para Jânio. – Eu nunca vou entender, cara. Nunca, nunca, nunca vou entender. Aquela cena, aquele dia, eu não entendo, não entendo como foi possível. – e o encarou, com a confusão e indignação nos olhos. Jânio lhe retribuiu o olhar, assentindo, pegou o bong sem quebrar o contato, aspirou brevemente e soltou.

— Muito, muito louco.

Jânio estava com os olhos fixos no amuleto de Ítalo por um momento. Ergueu-os quando sentiu o outro calado.

— O que foi? - quis saber Ítalo.

— Tú... Tú tem... algo. É diferente.

Ítalo olhou para baixo para não rolar os olhos nas orbitas.

— Não me acho nenhum diferentão.

— Mas é. – atalhou Jânio. - Tem histórias estranhas que eu não desacredito, e a questão de como as pessoas te veem às vezes. Talvez no fundo você seja não saiba, não aceita. Ago dentro que você nega e acaba apresentando essas ações involuntárias.

Ítalo soltou um riso debochado.

— Como uma polução noturna.

Apesar de tentar brincar, seus olhos ardiam um pouco, e seu nariz apresentava-se meio congestionado. E essa sensação que Jânio lhe trouxe, meio emocional, fazia qualquer coisa arder e lacrimejar ainda mais. Ele mesmo sabia que havia algo de diferente, algo estranho, achava que todos pudessem sentir ou só quem vivesse como ele. Mas tudo que Jânio falava, era como se deduzisse da melhor maneira o que ele mesmo não sabia.

— Pera, mas o que quer dizer com ações involuntárias?

Ele deu nos ombros.

— Você sendo você. – respondeu com dúvida, rindo depois.

Ele não soube responder, mas Ítalo sabia, sentia, como no dia do terremoto, como se ele tivesse feito.

Mas o que to pensando?

— Teu amuleto é muito bonito. – disse Jânio, quebrando o devaneio de seu colega. – Me permite dar uma olhada?

Ítalo tirou com cuidado e ergueu entre eles. Seus olhos focavam em seu amuleto, mas como se fosse uma câmera, focou em algo atrás dele, em Julieta, cuja tinha os olhos presos ali. De novo, a sensação temerosa. Ítalo estava prestes a trazer para si quando sentiu o agarro de seu colega. Jânio analisava o amuleto, admirado, nas próprias mãos.

Ítalo deitou a cabeça no braço do sofá e trouxe as pernas para perto da cabeça de Jânio, depois ele se arrastou, deixando a cabeça cair. Estava deitado de cabeça pra baixo.

— Você vai correr pelado na frente do condomínio.

Jânio fez um cara como se fosse um desafio bem idiota, depois içou uma das maças, achando isso bem azedo. Ele deixou o amuleto em cima da mesa.

— Ah, mano, pede outra coisa.

— Não, são regras.

— Vai cara, por favor. Vou te falar, às vezes tu tem uma ideias bem maldosas.

— Tá bom, um mês sem fumar.

— Não entendeu o que eu falei? ideias maldosas.

Ítalo riu. Depois de notar um silêncio, olhou para Jânio. Este lhe encarava plácido, como se estivesse pensando em alguma proposta para ganhar um milhão de reias. Ele se levantou e puxou a camisa rapidamente, como se não quisesse perder a coragem, e depois as calças. Ítalo ajeitou-se rapidamente no sofá. Houve um pequeno barulho. Ítalo olhou para a mesa, onde havia o bong, um cinzeiro, revistas, cigarro e um bloco de notas. Depois viu Julieta se esconder de baixo do sofá. Mas ignorou.

— Ta falando sério? – perguntou e se levantou porque já estava estranho ficar de frente para o guardião de esperma de seu colega.

— Não me pergunta. – Jânio pegou o aparelho com atitude e trouxe para si. A fumaça borbulhou no bong enquanto ele aspirava como se fosse enfrentar a batalha de sua vida. Sua cabeça vergada e o purificador virado. Descendo com fôlego, mirou os olhos incisivos para Ítalo, mostrando-se pronto para o desafio, sorrindo em seguida, pulando com os dois pés no mesmo lugar. – Abre a porta, ordenou.

Ítalo correu e abriu e logo, como um raio, passava Jânio.

Ítalo foi para a varanda, Jânio demorando um pouco, e preocupando-se, e logo apareceu.

— Rouou. – exclamou Ítalo. Ele arregalou os olhos.

Jânio estava acenando com os braços lá debaixo, tudo balançando. Ítalo gargalhou e ele também. Havia algumas pessoas na rua, diminuindo o ritmo dos passos para encara-lo, e ele tapou seu guardião de espermas, depois ficou correndo em círculos pela frente do condomínio, tudo acompanhado pelas risadas incontroláveis de Ítalo.

Jânio ria, balançando a cabeça, pronto para entrar de novo no condomínio.

Então houve um disparo de sirene.

E o disparo seguinte foi de Jânio correndo na direção contrária.

— Droga. – gritou Ítalo, pegando as roupas do colega e correndo dali. - Bem que Jânio havia comentado mais cedo sobre o patrulhamento. 

Passando por uma ruela ao rodear o condomínio pelos fundos, ele deparou-se com um lixeiro e pegou um estilhaço de vidro. Em uma mão o objeto cortante e em outro a palma aberta, nem acreditava que pensava naquela possibilidade mas já perfurava sua palma, descendo pelo pulso num ritmo continuo e nada vacilante que ele culpou toda a adrenalina de querer livrar a cabeça de Janio, e viu o sangue escorrer ali, tão limpo e vermelho que inclinou a cabeça para o lado, admirando.

Ergueu os olhos como um animal em alerta ao distinguir o som da sirene. Ele correu para frente quando o carro inventou de ir rápido demais ao ver uma silhueta, que era de Jânio, este passou do seu lado arrancando as roupas de sua mão, e Ítalo correu para frente e ergueu as mãos. Houve um guincho, e uma sensação ensurdecedora e cegante.

Depois de uns segundos, não sabendo se a luz ofuscante que atravessava suas pálpebras era real ou não, abriu os olhos. Os policiais do Amapá eram sempre diferentes para ele, sempre soube que a forma que eles intimidavam com aura dúbia era um medo fatal. Ele iria usar esse medo da melhor forma, a forma que o fazia gaguejar, o gelar, a maneira como expressava seus olhos e olharia do medo como se fosse do medo de um bandido. Manipulou esses sentimentos, aproveitando-os.

Os policiais estavam um de cada lado da viatura com portas abertas e farol ligado. O que estava do lado esquerdo, branco e com sardas, com a boca aberta para ítalo, fechou a porta, trazendo algum som nítido. Ítalo respirava rápido por saber que quase fora atropelado e dessa forma, com os olhos dançando rapidamente para eles pelo susto, cacilou alguns passos para frente, com a voz suplicante e berrante.

— Socorro, socorro. – implorou, com a voz meio berrante e abafado pelo nervosismo.

— O que aconteceu? – perguntou o outro policial, um moreno e mais sério dos dois.

— Eu estava vindo dali. – disse Ítalo, apontando na rua contrária de onde Jânio foi - E um cara de toca, de preto estava fugindo roubando uma casa, Acho, tava com sacolas, ele queria roubar meu celular, mas eu revidei, e eles me cortaram. E eu estava indo para minha casa que era naquela direção. – apontou para onde Jânio havia escapado. - Mas ai vi vocês. E... o ladrão. Ele, ele me cortou e...– Ítalo ergueu o braço ferido, fazendo um dos policias arregalarem os olhos.

— Precisamos de te levar em um hospital.

Ítalo encarava o próprio braço erguido, paralisado, vendo o sangue que não parava de escorrer. Só agora havia notado de verdade o estrago feito por ele mesmo.

Ah. Meus. Deus.

No final, ítalo teve que prestar queixa. Era para ter recusado e deixado pra lá, mas já estava demais envolvido. Se surpreendeu consigo mesmo por saber mentir. Minha nossa, pensava ele, estava sendo igual o pai, era o que pensava. Mas tinha que dizer. No entanto inventou que sua saúde estava boa e era o que importava, e que não queria mais saber de mais nada, só queria ir pra casa.

Ele voltou pro condomínio com o braço enfaixado, logo erguendo a mão boa para Jânio o poupar de perguntas, e se sentou no sofá, querendo não ver mais o bong, e nunca mais prova-lo em sua vida.

— e então? – quis saber Ítalo como se perguntasse o que aconteceu enquanto estava fora.

— sei lá, só espero que ninguém do condomínio preste queixa. Não tinha ninguém na verdade, só o porteiro e já falei com ele, de boa. Mas mesmo assim.

— tem certeza que não?

Jânio ignorou, olhando para o braço do colega.

— Cara por que fez isso, tú e doidão, sabia?

— tive meu mérito de culpa. – disse, como se explicasse tudo e riu.

Os dois desataram na risada.

Ítalo podia estar com um pouco de repudio do bong naquele momento, mas a fumaça que Jânio bafejava era encantadora.

— Você parece admirar a fumaça como uma obra de arte. Por quê?

Ítalo soltou um riso de lado, não acreditando no que ouvira.

— Acho que chega de verdade ou desafio por hoje.

— Então responda a estreia da minha “Ex reclusão por ti”.

Ítalo permitiu-se gargalhar.

— Ta bom, ta bom. -Ele pegou um bloco de notas e um cigarro, acendendo e enfiando entre os dentes de Jânio. Era legal a forma como ele cedia as coisas para os outros. Confiava na pessoa e não dizia nada, pensou Ítalo.

Ítalo, com o braço direito esticado para frente, segurou o papel pela ponta.

— Trague! – pediu.

Jânio fez isso, logo depois Ítalo atirou o papel como se fosse um disco de cachorro.

— Sabe a diferença de quando deixa um papel e caneta cair e quem vai chegar primeiro? Não me importo, gosto de livros, mas entre um farfalhar de folhas e a fluidez da fumaça, eu a escolho, porque ela segue um ritmo próprio, especial, ela tem sua própria audácia contra o vento e as fissuras da atmosfera, assim como eu a minha audácia, e é por isso que gosto tanto dela. – disse isso, encarando Jânio como se perguntasse se isso respondera sua pergunta.

Jânio assentia, satisfeito enquanto Ítalo pegava o papel e o atirava novamente. Então os dois passaram a ver a fluidez da fumaça e o farfalhar daquela folha a cortava.

Com um tempo, pegaram num sono ali mesmo naquele sofá. Para Ítalo, qualquer dormida com sonho era um bom sono. Mas foi um dos mais intrigantes de sua vida.

Uma mulher de uma beleza exótica estava na sua frente. Mas os olhos âmbares, parecendo brilharam no escuro, em contraste com a pele, era inefável.

Sua pele negra e lustrosa, um nariz afilado e cabelos tão lisos que poderiam cortar seus dedos se os atravessasse alí, com traços parecendo ter esculpidos de seu rosto. Os olhos de Ítalo, arregalados, dançavam por todos os contornos dela.

Ela estava nua na sua frente, lhe encarando, observando-o com uma atenção muito bem aproveitada. Seu jeito de inclinar a cabeça de um lado par ao outro, com curiosidade, era bem horripilante. Ora parecia assim, outra parecia ter compostura. Tudo que ela fazia era encara-lo. Parecia estuda-lo de todas as maneiras, mas em algum momento ela o olhou com uma certa raiva, dele e de si mesma. E aquilo perdurou por horas até o amanhecer. Ela ainda estava ali. Mas em algum momento, estranhamente, os olhos dele fecharam-se, como magia.

E ao acordar, como se fosse um segundo depois, como se tivesse piscado, o sol já havia entrado completamente e ele sentia como se não tivesse sido um sonho.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Livros e Cigarros" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.