Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 5
Capítulo 4 - Foi à gota d'água e o limite da chaleira




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/765619/chapter/5

Desgarrar-se do fastio que pairava no auditório da UEAP era irredutível naquele momento. Ítalo estava com uma mão espalmada em uma das faces enquanto o cotovelo apoiava-se em um encosto da cadeira. Era essencial que trocasse a posição há cada cinco minutos para não pagar vergonha ao ceder para o estado melindroso.

Houve, então, um bufo tão audível que pareceu um cavalo. Isso o manteve acordado, fazendo-o abrir os olhos prestes a despencar e mirar a direção do som. Nicolai estava quase a sua frente, aborrecido de tédio, e super indiscreto com isso. Jânio não havia aparecido ali, mas em “compensação”, Ítalo, além de ter que aguentar a presença de Nicolai, ainda teve que ouvir suas reclamações no ônibus.

Por um lado, foi uma ida boa, até por que o horário que pegou não vinha lotado, todavia, os caminhoneiros estavam em greve e a viagem acabou demorando um pouco. Havia frases como “tamo junto”, não sei pra quem, pensou Ítalo, e uma mulher no ônibus até disse que estavam certos. No inicio Ítalo até achou palhaçada, mas as pessoas tinham que se mexer, e era melhor do que ficarem fazendo greve na vagabundagem.

Mas o pior foi ouvir a voz de Nicolai, “Ah pronto, agora vou me atrasar por causa desses caminhoneiros.”. Depois que viu as placas “Tamo junto” ele franziu o nariz com desprezo. “Quem disse que eu to junto?” perguntou como se falasse com alguém. Nicolai não se segurou, botou a cabeça pra fora e disse "Não to junto com vocês não" bufando, um homem com chapéu exótico e um molho de chaves pendurado na alça da bermuda, cara de empresário que sabia só o básico do português e matemática, ergueu os dois polegares pra ele, sendo fuzilado por Nicolai até o ônibus o perder de visto.

Quando volveu seus olhos novamente para o russo, este parecia encher o peito para algo além de um sopro de cavalo. Ítalo estreitou seus olhos pelas costas.

Que é, vai relinchar agora?

Seu celular vibrou. Ítalo puxou-o do bolso e abriu. Era Carolina.

(25/05/18) Carolina: Você esqueceu algo no meu apartamento.

Ele riu.

(25/05/18) Ítalo: Senhorita, sou o cara mais detalhista e cauteloso desse mundo. Sempre que saio de casa, deixo uma garrafa de vidro atrás da porta e se quando eu chegar ela estiver afastada sei que alguém entrou; Todas as minhas coisas são severamente arrumados com uma foto guardada no meu celular todos os dias para saber se alguém mexeu mesmo que eu tranque. Eu saberia se tivesse esquecido algo. Admita, sentiu minha falta.

Os três pontinhos ondearam na tela do LG, pararam, depois voltaram a se mover de novo como se ela tivesse dúvida do que falasse.

(25/05/18) Carolina: :o Primeiro que não sou tão senhorita assim, tenho dois terços a mais que você. Segundo, que mania de TOC é esse que eu não tinha percebido?

Ele revirou os olhos, que exagero, ela não era tão velha assim. E franziu o cenho para a última parte, TOC? Que diabos era isso? Alguém que tocava muito em alguém ou que odiava ser tocado?

(25/05/18) Ítalo: Do que você está falando?

Ah, quer saber, esquece. Estou em um simpósio entediante, quase dormindo. Uma tarde como essa seria bem na cama, descansando, como hoje de manhã quando tinha alguém atravessando a mão no meu peito enquanto se despreguiçava.

Lembrou daquele manhã quando só fez abrir os olhos, calmo no mesmo lugar, sabendo que foi um sonho depois de reviver o dia do terremoto no inconsciente, sabendo onde estava e com quem estava.

Ítalo inspirou preguiçosamente, soltando com um sorriso ainda de olhos fechados. Uma mão feminina atravessava seu peito e o canto de sua boca ergueu-se num sorriso lascivo. Ele virou-se, com os olhos abertos, encontrando os dela, com as rugas charmosas e sexys ao redor da boca.

Chegou em casa noite passada e viu uma comida boa, purê e outra coisa com frango e uma salada de maionese, mas esta ele foi saber depois. Depois foi beber com uns colegas, o que foi uma péssima ideia, já que foi em casa cambaleando e fazendo barulho e saiu de novo, e ai, ligou para sua amizade de benefícios, suprindo e acabando com o calor avassalador da caipirinha.

(25/05/18) Carolina: E sua amante?

(25/05/18) Ítalo: O quê?

(25/05/18) Carolina: Sua amante, querido. Hoje de manhã enquanto eu acessava meu e-mail depois da nossa pegação matinal você conversava bem empolgado com alguém.

Ela tava falando do Jânio? Pensou ele, era a única pessoa com quem conversava naquele momento, empolgado sobre as coisas que seu possível futuro colega de quarto falava do condomínio. Ele soltou um riso fungado achando besta aquela dedução, mas aproveitou para provoca-la. Imaginando ela vestindo aquele blazer de manhã, de mulher toda séria, enquanto ele a assistia na cama. Era bem estimulante para deixa-lo acordado.

— Bom dia, senhorita. – saudou ele, com a voz matinal e rouca.

Ela cerrou sutilmente seus olhos.

— Até tento estudar suas bajulações, elas parecem tão naturais. – e sentou-se, erguendo o lençol para os peitos numa mão e com outra pegando o celular em cima do criado, abrindo os e-mails.

O dele tocou, sentando-se ao lado dela. Era Jânio ligando para confirmar as coisas. Ítalo respondendo alguma coisa com provavelmente sim.

(25/05/18) Ítalo: Tá com ciúmes?

(25/05/18) Carolina: Baby, sou uma mulher crescida, bem sucedida, e dona de mim com meu princípios irredutíveis. Nós apenas usamos um ao outro porque necessidade carnal, digo e admito, somos todos vulneráveis a essa praga.

Ela balançava a cabeça, incrédulo de como pensavam tão iguais.

(25/05/18) Ítalo: Já falei que te amo.

(25/05/18) Carolina: O coito já diz o quanto você ama meu corpo.

(25/05/18) Carolina: Era sua mamãe?

Perguntou ela, não zombando. Sentia-se a vontade perto de Carolina, mesmo sendo uma mulher mais velha.

(25/05/18) Ítalo: Pelo contrario, o que pode me tirar das asas dela.

(25/05/18) Carolina: Quer dizer que eu posso te fazer visitinha quando quiser?

Ele sorriu para isso, porque de fato era. Ela cobrava muito dele manter o relacionamento deles secreto como fosse errado, mas a verdade era que ele gostava de manter-se reservado, principalmente diante da família intrometida que tinha. Mas às vezes tinha a sensação de que ela também se reservava.

Ele podia imagina-la balançando a cabeça para tirar o cabelo da cara ao encara-lo, sorrindo sugestivamente.

— quer dizer que eu poderia te fazer visitinhas?

E ele sorriria, com o membro saltando debaixo do lençol, inclinando-se ate ela, enfiando uma mecha de cabelo atrás de suas orelhas e a língua em sua boca.

(25/05/18) Carolina: Baby, tenho clientes a espera, até logo, bjs no seu corpinho.

Ele suspirou com uma linha fina em descontentação na boca.

Aquele dia foi um saco, não tava tão interessado quanto no dia interior e agradeceu para o nada já que suas colegas haviam lhe chamado para sair dali um instante e passear na praça da bandeira.

Ele jurava ouvir o som da chuva. Ele não queria ficar até tarde, lembrando da lotação noite passada. Então, depois de assinar seu nome da segunda frequência daquela tarde e de mais uma apresentação, aproveitando que Nicolai ia ficar mais um tempo por ali, foi embora, contente que não pegaria o mesmo ônibus com o cara mais inconveniente do campus de novo. Mas antes tropeçou em algum lugar, claro.

Quando abriu a porta, mordeu os lábios. Chovia quase torrencialmente lá fora. E hesitou junto com algumas senhoras que se espantaram com a cena. Saiu, se encolhendo um pouco para a parede do corredor, pois a chuva era tão brusca que molhara metade do corredor. E andou com calma, olhando mais uma vez aquela universidade bonita, bem estruturada, mas cara. E até a saída a chuva havia dado uma acalmada. Ele olhou para os portões e depois para o lado, resolvendo ir pela garagem, já que podia ir por onde as telhas podiam proteger. Ao mesmo tempo que ele desviava dos aquecedores, uma aluna do terceiro semestre de letras corria até um carro. Caramba, se ele fizer carinha se cachorro abandonado, podia funcionar. Certo, olhou para baixo e desviou como se tivesse dificuldade ate chegar no portão da garagem, passou não sem quantos carros, ate dela. É, não colou.

Enquanto atravessava a praça maravilhosa da bandeira, sentia a chuva ficando forte de novo, e chovia torrencialmente quando ele chegou perto da faixa e o sinal ficou vermelho. E ele teve que ficar se molhando cruelmente até o sinal mudar.

Tá de brincadeira?

Depois de esperar aqueles carros passarem, não esperou o sinal verde porra nenhuma, saiu correndo como podia, atravessou a avenida Fab e foi tentando como podia se proteger com os telhados de das lojas. Parou em uma pequena perto da parada, que podia ver se os ônibus viam ou não. Depois correu para a parada, esperando seu  ônibus.

Na vinda, ele sentou-se num assentou que ficava caindo umas gotas e tinha que se inclinar um pouco pra frente pra não ficar pingando no cabelo. Ele deparou-se com uma inquietação das pessoas, e o ônibus foi parando, junto a goteira que caia nele. Levou o pano que cobria a janela para trás para ver o que estava acontecendo. Ele suspirou. A maldita greve. As carretas com troncos, depois os caminhões, com coisas tipo, intervenção militar já escrito neles, enquanto o ônibus passava lentamente. Ítalo franziu o cenho. E o ônibus continuou, passando lentamente pelos caminhões que interditavam parcialmente a rodovia naquela penumbra de fim de tarde e chuva. Foi uma cena que o deu uma certa sensação fúnebre.  

— Eu espero que isso dê certo. – disse, com uma linha fina na boca.

....

Não era a primeira vez que Jânio atrasava o pagamento, e recebendo aquele envelope, sabia que podia receber alguma multa punitiva. Ele precisava que Ítalo confirmasse logo alguma coisa. Quando estava prestes a puxar um maço de cigarros do bolso, o celular tocou.

— Oi. – atendeu. – Perto de onde? – perguntou, franzindo o nariz. Não podia perder o controle por causa disso, até por que o primo estava lhe oferecendo uma hora para relaxar. – Ah sim, tá bom. A gente e vê lá, parça.

....

Na sala de sua casa, de banho tomado, com um café do lado e uma vasilha de farofa junto, e com o notebook no colo, Ítalo escrevia mais um capítulo de seu romance.

Seu pai saiu com pressa pela porta da sala e sua mãe apareceu logo depois, Ítalo ainda concentrado no Word.

— Onde tá teu pai? – perguntou ela.

— Ta com a amante. – respondeu ele, sem tirar os olhos da tela.

— Mas olha só, amante, não te manca, moleque? – brincou ela. – Cadê o café?

— Na garrafa. – respondeu.

Ela virou-se e seguiu pelo corredor com a voz ainda reverberando de lá.

— Que cheiro é esse de queimado?

— Farofa. – Deu mais uma de suas respostas lacônicas deixando evidente que sua concentração e inspiração estavam fluindo boas cenas naquele momento.

— Fez com óleo, não, né?

— Não.

As perguntas uma atrás da outras geralmente irritavam ele, mas quando estava com os dedos sapateado pelo teclado ele não queria guerra com ninguém.

Ítalo estava escrevendo. Aquele dia foi difícil para criar alguma coisa para o capítulo de sua história. Mas com a ajuda de grupos de internet, ele conseguiu complementa-lo e isso o deixou bem feliz. Já era noite quando ele estava com toda a energia. Estava já com o ar condicionado ligado, o computador, que inclusive é viciado e o som. E tudo se apagou.

Ele respirou fundo, praguejando com meiguice.

Mas era um horário familiar. Pegou seu celular e procurou alguma sandália para ir. O portão tava aberto e podia ver pelas grades que a rua tava iluminada. Era exatamente o que ele pensava.

Seu pai e o gato.

— Por que o senhor não me avisou, pai?

— O que? Tava.. – interrompeu limpando as mãos e a chave. – tava ligado tuas coisas?

— Computador, ar condicionado, tudo...

— Ah, mas isso não da problema. – e fez uma expressãozinha como se aquilo fosse besteira.

Não era incrível como ele pensava que sabia de tudo? Uma maravilha

Minutos depois a família toda tava na sala e foi o momento para que fosse ali e dizer:

— Olha, pai, eu to muito irritado, sabe por quê? Porque o senhor me deixou irritado. Então da próxima vez, me avisa para que eu não mostre minha irritação e o senhor não diga que é por que eu não cuido da minha saúde e por que sou desrespeitoso, não escuto ninguém e sou dono da verdade. – terminou com ironia e saiu dali antes que alguém ousasse responder.

Pensou em ir ao comercio comprar alguma besteira para aliviar essa raiva. Caramba. Isso tinha que mudar logo. Imagina 20 anos e todos os dias ter que ficar se irritando por besteira. Daqui a pouco ia criar rugas, se tornar um jovem rabugento e criar calvície precoce de estresse. Isso era desesperador. Ter raiva quando se é criança é uma coisa, mas pirar todos os dias sendo um adulto com duas décadas completas é um absurdo e nada fácil de lidar.

Entrou em um comércio e comprou refrigerante e biscoitos. E ficou pensando enquanto esperava a fila passar. Já era um adulto, se ele queria mudar isso, tinha que fazer alguma coisa. E se indagou se deveria arriscar, não tinha uma boa renda, só se... não. Balançou a cabeça. Estava saindo de casa justo para não ter que lidar com situações e hábitos desaprovadores por ele. Mas... não tinha saída, e se experimentasse com o carinha do beck? Estreitou os olhos em dúvida. Será?

Saiu do comércio com aquele pensamento divagando pelo caverna misteriosa que era sua mente. Era um típico momento daqueles de filmes em que tem uma pessoa com sacolas nas mãos, que dobra para uma rua escura e deserta e os demônios a perseguem. Isso não aconteceu, mas ele gostava de sentir que era isso que acontecia, como se estivesse atuando num filme, e arrumava qualquer paranoia besta para correr adrenalina nas veias.

Mas se acontecesse algo na vida real, ele paralisaria.

E quando viu uma figura ao longe, curvada, seus passos ficaram mais lentos até estancar.

No quarteirão seguinte, havia um rapaz de camisa preta, argolas e boné se matando de vomitar.

Pareceu feio, mas pensou em simplesmente ignorar ao pensar ser um malako. Mas não. Ele forçou a vista, e inclinou a cabeça. A camisa parecia ter a estampa de uma banda de rock, uma tatuagem no braço, e...

Ele franziu as sobrancelhas, resolvendo dar um foda-se para ao medo, se aproximando. Conhecia aquele rapaz de algum lugar.

— Jânio. – chamou. Mas o rapaz não conseguia fazer nada além de por pra fora cachaça pura e uma espuma nojenta. Ele mal conseguia se por em pé, já estava de joelhos sempre que tentava, fraco e acabado.

— Ei. – chamou de novo.

Jânio estava parado de quatro, apenas tentando voltar a respirar como se tivesse o pulmão esmagado por algo.

Ítalo o encarou penoso e olhou em volta, voltando sua atenção para o outro. Houve uma linha fina em seus lábios e ajoelhou-se, passando as mãos nas costas do outro. Era péssimo nessa coisa de ajudar, de consolar. Mas lembrava que sua mãe fazia isso para ele sempre que ele vomitava. Era horrível. A sensação toda de estar jorrando um rio pela boca fazia seus pulmões travarem. Era por isso que o garoto estava se recuperando. Sentiu o mesmo.

E Jânio voltou a vomitar de novo, fazendo o outro virar o rosto.

— Minha nossa, cara. – gemeu. E com uma careta, voltou sua atenção à ele, meio enojado. Pousou uma mão hesitante em suas costas e quando pensou em ajudar, Jânio começou a se peidar todinho.

Jesus!

Ficou de novo de quatro, afobado, ofegante e fraco. Depois de uns minutos ali, ítalo e fez encara-lo.

— Jânio. – o chamou. – Ta melhor?

Ele assentiu, fechando os olhos por um segundo pela fraqueza, havia um espuma esquisita secando pela canto da boca. Minha nossa, o que ele menino comeu. Mas ai a expressão de Ítalo enrijeceu-se. O que ele provou. Em algum momento até balançou sua cabeça para ele, com um sentimento de pena, parecendo entender sua mão quando seus irmãos se acabavam no álcool e nas drogas.

Ele já não tava aguentando não fazer careta com o cheiro então arrastou aquele menino para um canto mais luminoso, e andarem de forma bem lenta pela rua, há dois blocos perto da casa de Ítalo.

— Quer que eu ligue para sua mãe? – perguntou Ítalo, com as duas sacolas em uma das mãos e a outra livre já que o outro parecia querer cair a todo o momento.

Jânio balançou a cabeça, franzindo um pouco o nariz como se sentisse nojo.

— Não. Minha mãe não. Ela nem mora aqui. Ta longe.

— Como assim? – perguntou, enrugando as sobrancelhas.

— Mora em São Paulo. Mas vem pra visita. Sabe, - começou, com a linha da boca para o canto. – trabalho. – disse com um tom como se sentisse ciúmes disso.

— E seu pai? – perguntou Ítalo, caminhando em direção à ladeira que dava pra rua da sua casa.

Ele riu meio sarcástico, com a mão na testa, gemendo por um instante.

— Meu pai é da mesma laia, é pior, na verdade. – disse. – Pra onde é que a gente ta indo? – perguntou quase irritado, parando perto do topo da ladeira. Talvez ele tenha imaginado que ali não era um lugar onde gente morava.

Laia, coou na mente de Ítalo, isso queria dizer o que? Apenas sobre ele se drogar? Por acaso tinha a ver com o hábito de fumar ou um caráter mais pessoal? Porque, definitivamente, queria saber direito se fosse dividir apartamento com isso.

Ítalo olhou para a ladeira.

— Descendo logo ali é minha casa.

Houve um silêncio entre eles. Ítalo não estranhou de primeira. Mas quando voltou sua atenção para ele, pegou o garoto meio envergonhado, meio sendo alguém difícil de ler. Ítalo piscou os olhos, confuso. Não parecia alguém que se deixava intimidar fácil. Mas então se tocou. Quem não se envergonharia em mostrar uma cena lamentosa para alguém que você quer justo ganhar confiança para um acordo?

Ítalo encarou os pés do garoto. Ele usava bermudas enormes que passavam dos joelhos. Estava pensando em um test-drive, mas isso dificultou a coragem que tava tomando. Tomou um suspiro, alinhando seus lábios em desapontamento.

Os dois universitários desceram a ladeira e esperaram lá mesmo já que não era seguro ficaram ali no topo. Depois de alguns minutos, um carro prata com vidros blindados desceu a ladeira e parou diante deles. Um vidro abaixou, revelando um homem de olhos claros, com cabelos bagunçados e curtos, com a maior cara de tédio. Jânio aproximou-se dois passos do carro de seu pai, mas parou, virando-se para Ítalo, estendendo sua mão.

Ítalo apertou-a, mas Jânio, nesse mesmo momento, a puxou deslizando e fechando num punho. Ítalo oscilou o olhar entre a mão dele e seu rosto. Jânio ia afasta-la, meio envergonhado e cabisbaixo, pensando que talvez já tivesse lhe enchido muito a paciência. Primeiro o ilude com o apartamento, depois quase o persegue como no simpósio e agora Ítalo flagrou o parvo e estorvo que ele podia ser.

Mas Ítalo agarrou seu pulso e bateu seu punho fechado contra o dele. Jânio olhou aquilo pego de surpresa, erguendo os olhos e encontrando um sorriso. Retribuiu, contente em saber que alguma coisa estava bem.

E entrou no carro, meio aliviado, cansado e decadente.

@0_o@

Chegou em casa e foi direito para sua geladeira.

— Ítalooo! – coou a voz abafada de sua mãe do quarto. Ah, fala sério. Ele só queria ir para seu quarto e descansar seu cérebro desse dia agitado, depois de ajudar esse garoto meio pirado e se frustrar com o plano de sair de casa.

— Oi! – avisou ele, fazendo esforço necessário para que sua voz ajudasse a identificar que quem tava assaltando a geladeira era ele e não um bandido.

— Tá, depois que terminar de jantar, vem aqui, que quero falar contigo. — Eita, que hoje tem. E ele não sabia o que tinha aprontando. Chegou perto da porta e bateu com a panela de farofa na mão, mexendo puerilmente com o garfo.

Do outro lado, soou o som da chave e então a porta foi aberta por uma mulher que costurava seriamente uma roupa. Ela o olhou, abaixando um pouco os óculos.

— Meu filho, quem é que tava gritando ontem? – questionou.

— Uns colegas.

— O que era que vocês estavam bebendo?

— Pedra noventa. – respondeu o filho com a melhor meiguice do mundo, olhando-a agora com uma certa curiosidade. Onde é que ela quer chegar?

— Vocês estavam se drogando? Olha, você estavam gritando igual drogados.

Evitou tanto, mas tanto revirar os olhos, que um deles tremeu.

— Ta mãe. – e disse, prestes a pegar a maçaneta.

— Você me deixou muito triste. – Finalizou o drama e voltou a costurar.

Ele afastou a mão da maçaneta e colocou com delicadeza a panela no chão e levantou-se, cruzando os braços. Tsk, tsk, tsk.

— Mas que audácia. – disse, num lento e suave tom sarcástico.

Ela continuou a costurar, girando aquela coisa estranha.

— Sabe, mãe, eu realmente fico impressionado com o mundo de hoje. Tudo é uma questão de interpretação, de atenção, de aprofundamento.

Seu pai suspirou, mostrando que tava sabendo que a coisa toda ia começar.

— E isso, óbvio, serve para as crianças, que estão cada vez mais se tornando aquele termo que abomino tanto quanto meu irmão, como é mesmo, ah, mimimi. Mas a senhora, nossa, a senhora é a exceção.

Finalmente, ela parou, para encara-lo, encostando um ombro na mesa e outro na cadeira.

— O que você quer dizer?

— Quero dizer que para alguém que leciona para crianças especiais, que faz tudo para procurar a melhor solução para eles, esta falhando em pesquisar com sua família, por que, até com a sociedade esbanja aquele ar todo de racional e compreensiva.

Ela continuou o encarando, querendo saber até onde aquilo ia dar. E ele se preocupou para que ela entendesse.

— Antes de simplesmente me caluniar, pesquisa. Eu estava pedindo para que aqueles garotos calassem a boca e diminuíssem o volume do som. E mais, isso não acontece só comigo. Um raio cai na casa, a culpa é do pai, um garoto cai do forro, a culpa é dele. Um acidente acontece comigo, a culpa é dele. Sabe por que a culpa é dele? Por que sua raiva não é suficiente para fazê-la pensar direito antes se equivocar. Agora, sim, tchau. – e saiu dali, fechando a porta com a toda a educação que lhe deram.

Tava no direito de falar a verdade na cara sem ficar quieto pelo menos aquela vez.

Mas que audácia!

@0_o@

Sábado e domingo ele passou trancado no quarto como sempre. Chegou segunda, doido pra ver as amigas.

Quando entrou na sua sala, ela estava lá, costumava ser uma das que chegava mais cedo. Dali mesmo da porta ele já a fuzilava por inteira. Mas era a Clara, doce, inocente e delicada. Ele encheu os peitos e soltou, indo até ela. Sentou-se ao seu lado e ficou lhe encarando, mas ela continuava a escrever algo. Ítalo arqueou uma das sobrancelhas e limpou a garganta, levando sua cabeça para frente do papel dela, fazendo-a lhe encarar.

— Que foi mano? – perguntou ela, no seu inerente olhar triste.

Ítalo riu debochado.

— Que foi, mano? – imitou ele. – Que foi mano que eu fui com uma garrafa inteira de café, um pacote de biscoitos para nós dois e você me abandonou. – ela arqueou as sobrancelhas, surpresa e riu, aquele riso gostoso de menina que só ela tinha. – Tudo planejado para passarmos uma tarde perfeita com cheiro fumegante de café, biscoitos e um simpósio sobre estudos linguísticos da Amazônia. – ela se acabou rindo, levando a cabeça para trás e voltando, rindo para ele.

Ítalo queria também fazer isso, mas gostava de drama. Fingiu que a fuzilava e bateu com o punho na mesa, se levantando e empurrando a cadeira, ganhando mais outros olhares. Ele falou num tom alto.

— Você não se manca com essa sua cara maravilhosa?

@0_o@

Ítalo e Clara estava no corredor conversando depois da aula, e ele contou tudo o que aconteceu na ultima semana. Admitiu que ficara receoso. Mas ela detalhou para ele sobre sobe Jânio para assegura-lo, ela ia falar que já o conhecia depois que ele fez a proposta para o amigo, mas Emilia tinha a interrompido, e ela contou como o conheceu e viraram amigos, quase da mesma forma que Ítalo encontrou Jânio três dias atrás. Ele se lembrou dos caras com quem bebeu, havia alguns com quem simpatizara e se semelhara muito com Jânio.

Clara era uma mulher de vinte e quatro anos que aparentava ter quinze, além de ser madura, era doce e meiga. Mas havia vezes que suas sobrancelhas caídas acentuavam um ar vivido de quem enfrentou muito para conseguir se manter em pé.

— Mas mano, não desiste. Tenta, vai por mim. Ele tem esses vacilos, mas é uma boa pessoa. – Foi simplista nesse momento, mas seu tom era motivador.

Mas ele se lembrou desse menino de novo. Da cena daquela noite. Ítalo gostava de beber e encher a cara, já até viu uns colegas de bebida vomitarem feio. Ta legal, eles podiam não ter muita noção, mas Jânio não passava disso. E não, de forma alguma dividiria apartamento com os colegas de bebedeira, mas Jânio, para esse propósito, parecia ser alguém mais adequado.

Inflou o peito, carregando-se de determinação.

— Tú tem que arriscar. O único mal é a possibilidade ter uma experiência por um mês e falhar.

— Mas é esse o problema. Falhar. Não posso chegar na casa dos meus pais mostrando que falhei. E mais. Mostrando que eu sabia que tinha arriscado. E mais, eu nem mesmo conversei sobre isso com meus pais.

— Ai já é outra história, mano. Vai ter que arriscar pra valer mesmo. E deixa eu te falar, Já que me ouve tanto, fique sabendo que eu já arrisquei bem mais feio que você.

Os lábios dele quase se partiram nesse momento, desviou daqueles olhos de mãe batalhadora antes que se mostrassem incisivos e espantados. Por que ele poderia estar sendo meio chorão. Percebeu isso. E ela tinha razão. Se queria mesmo mostrar para os pais que queria se garantir nessa vida, se falhasse, mostraria que todo mundo cometeria falhas e que ainda ele era capaz de supera-las.

Ótimo. Era tudo questão de determinação.

Ítalo liga para o Jânio. E chamou. Quando a pessoa do outro lado da linha atendeu, ouviu algo como “Isso foi o limite da chaleira, Julieta.”, como alguém que quer dar sermão no filho, mas é carinhoso demais pra isso.

— Oi, mano. – Disse Jânio, já sabendo que era o outro atrás da linha.

— Quando posso me mudar pra ai?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Livros e Cigarros" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.