Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 20
Capítulo 19 - A casa caiu, Jânio.


Notas iniciais do capítulo

Olá, Minha querida leitora Denise e meus fucking dearest leitores fantasmas. Venho traze-los neste momento épico e conturbado de 2020 mais um capítulo de Livros e Cigarros que vai encerrar um mistério de Jânio.
Além disso, trago uma trilha para o capítulo que estará lá embaixo.
Boa leitura!



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Jânio, um rapaz de humor pacato, vitima de agiotagem, e trazendo confusões perenes para o letrado.

Naquele exato momento, ítalo sentiu o peso que desconfiou que sentiria ao tomar a decisão de se mudar para o apartamento de alguém que mal conhecia. Mas ao mesmo tempo passava pela sua cabeça que se ele desse para trás e voltasse para sua casa, seria dar razão para o seu pai.

Agiotagem. Agiotagem.

Não estava nem conseguindo acreditar.    Não conseguia acreditar que essa desgraça o perseguia mesmo depois de ter mudado de sua casa.

Ele soltou um suspiro irritado. Era seu fardo a agüentar. No dia do bong, Ítalo não havia entendido porque Jânio se achava um parvo.

— É a porra de um parvo mesmo. – soltou. Mas Jânio escutou e ergueu a cabeça, de lábios partidos.

Ítalo quase se arrependeu do que disse, mas lembrou do vacilo com seu notebook. Primeiro iria recuperá-lo, depois lidaria com Jânio.

— Era por isso que estava tenso esses dias. – bateu com a mãos na coxa, de boca aberta, virando-se em seguida. – caraaalho, bicho. – voltou-se para o colega de novo com as pontas dos dedos unidas. - Foi por isso que você sempre pareceu tenso se eu iria ou não aceitar a proposta de morar com você, droga, e também sempre procurando alguém como um currículo para você ter certeza de que ia te pagar. Faz tudo sentido. De inicio, só te achei estranho, mas agora faz todo o sentido.

— Sim, e ele, o mensageiro do agiota, tinha me feito uma visita, me alertando sobre o atraso do pagamento.

— O que foi que ele disse? – perguntou Ítalo, andando de um lado para outro.

— Disse que não teria tempo e nem prazo. Disse que me faria duas visitas, uma daria prejuízo e outra seria fatal.

— Sem prazo? – perguntou Ítalo, parando na frente de Janio. Mirava os olhos pensativos para a parede acima do beck. Ítalo conhecia esse sistema. Duas visitas, uma daria prejuízo e outra seria fatal.

— Eles vão me matar, cara. – choramingou o colega.

— Não, não vão. Isso é pressão. É o jogo deles. Te pressionam para conseguir o dinheiro de forma rápida. – revelou Ítalo, quase sem pensar nas palavras que soltava.

— Mas como?

— Os devedores ficam tão desesperados que recorrem a maneiras escabrosas, roubam, assaltam, furtam de familiares. Eles te manipulam. Eles sabem do seu medo.

— Como sabe tanto? – Jânio havia se perdido naquelas informações saindo tão cheias de certeza da boca de Ítalo.

— Porque qualquer agiota mataria mesmo, mas esse, esse é como uma empresa. Conheço bem esse tipo. Eles podem até dizer mesmo, ameaçar matar, mas depois chegam e dizem mudar de idéia.

— Mas e se a pessoa não pagar? – Jânio já até havia parado de chorar, prestando atenção para o universitário acima.

— Esses planos são quase infalíveis, Jânio, manipulação e pressão psicológica que mudam a pessoa e desencadeia atitudes inusitadas da própria. Se não, tudo termina em suicídio. Mas eles nunca vão perder a chance de esgotar tudo dela.

— E como vai fazer isso?

— Vamos negociar. As pessoas são enganadas facilmente pelo medo, que não conhecem e são impedidas de conhecer habilidades impressionantes de negociação. Nada diferente do governo.

Jânio se ergueu em um ímpeto, querendo gritar um não, abrindo a boca para impedir o escritor desesperado a sua frente, mas o Ítalo estava querendo fazer algo útil, a fechando logo em seguida. O letrado realmente parecia conhecer muito de agiotagem.

— Tem certeza?

— Tenho. Sabe como podemos encontrá-los?

...

Ítalo e Jânio esperavam na frente do condomínio. Um carro que surgiu virando a esquina parou diante deles. Quando os vidros abaixaram, revelaram Leandro no volante e Caíque no banco do passageiro. Esses dois, pensou Ítalo, estavam do lado do beck pro que der e vier.

Já havia escurecido, Jânio passou de um menino recatado para uma aparência de noivo transtornado que foi deixado no altar pela noiva. Os cabelos desgrenharam-se de tanto ele atravessar os dedos pelos cabelos de apreensão, a camisa amarrotada e desabotoada, olhos inchados e face em um misto de destruição e apreensão.

Antes de entrar no carro, o celular de Ítalo vibrou.

(16/06/18) Desconhecido: Cuidado, Ítalo, lembre-se da ultima vez que caiu nessa cilada de morar com alguém perigoso.

Ítalo franziu as sobrancelhas, olhando ao redor rapidamente e deparando-se com uma silhueta encapuzada na esquina, que ao ser flagrada, enfiou o celular no bolso e dobrou.

O coração do letrado retumbou, mas entrou no carro, ignorando com raiva e gelo nas mãos o ser que andava lhe perseguindo.

Mais uma vez suas histórias que ele armazenava dentro daquele notebook estavam em perigo, apenas um escritor sabia a agonia que aquilo trazia. E o pior foi lembrar a sensação de medo, os monstros lhe retornando uma lembrança que ele pensou que já havia lidado.

Ivan, um sorriso diabólico, seu caderno de histórias nas mãos dele, fogo.

Ítalo fechou os olhos, abrindo-os para a rua movimentada daquela noite de sábado.

Caíque e Leandro, por mais que estivessem silenciosos, Ítalo sentia vez ou outra os olhares questionáveis deles pelo retrovisor.

— Pensei que Ítalo seria a solução de seus problemas, Jânio. – comentou Leandro, em um certo tom que lembrava Ítalo seu pai quando queria adverti-lo de algo com a bola baixa.

Jânio parecia que nem ia responder, todo travado no banco de trás.

— Talvez Jânio não imaginasse que eles retornariam tão rápido. – comentou Ítalo, sem tirar os olhos da vidraça da janela, sentindo ambos amigos do beck se entreolharem por um segundo.

— Porque caralhos estamos indo atrás de uma gangue perigosa mesmo? – quem indagou dessa vez foi Caíque, com certa mania.

Ótimo, Caíque, tinha que chamar eles de gangue?

— Vamos recuperar meu noteboook.

Leandro apertou seus nódulos contra o volante. Sua aparência toda engomada parecia uma versão exagerada de Jânio recatado e Caíque de Jânio o rapper. Enquanto aquele vestia uma camisa social fechado até o pescoço, de mangas curtas e shorts sociais, Caíque usava uma camisa de capuz sem mangas e calça de moletom.

— Da ultima vez que tivemos uma audácia parecida com essa, você e Jânio quase foram esmagados por um ônibus.

Com isso, Caíque soltou um sorriso debochado.

— Quem diria, você salvou Jânio uma vez e parece que quer fazer de novo.

— Só quero pegar o que é meu de volta. – Um sulco surgiu entre as sobrancelhas do letrado. Então o porradal na sua quase morte se resumia a isso também? Nesse momento, Ítalo olhou para Jânio, lembrando que o beck havia lhe esclarecido que era porque Caíque devia algum dinheiro de drogas.

— Ítalo. – chamou Leandro, parando um momento como se quisesse ter cuidado com o que fosse falar. – sei que isso parece justo pra você. Alias, sua cara toda cheia de contradições com suas atitudes dizem isso. – Ítalo arqueou as sobrancelhas. – mas devo alertá-lo mais uma vez. Agiotas são criminosos, fora da lei, a definição de justiça para esses caras estão longe da sua realidade de revolta. A definição de justiça varia de cada um, de “de boas” para “fatalidade infernal.”

Ítalo soltou um riso debochado, levando um olhar atento de Leandro e Caíque pelo retrovisor.

— Como muitos, vocês acham que me conhecem, mas não sabem nada de mim.

Os dois ficaram em silencio, como se dissessem “Você que sabe”.

— Assim. – o garoto parecia uma operadora insistente. – como você pretende pegar seu notebook, rapaz que acha que não o conheço, só pra ter certeza, vai lá e simplesmente pedir?

Ítalo riu, não acreditando que estava rindo em um momento daqueles.

— Não vou culpá-lo, você não me conhece mesmo, mas devo avisar, não sou uma anta, caso minha cara expresse isso, já que deixou claro as contradições.

— Ou tem medo de verem fotos suas peladas pelo computador? – arriscou Caíque.

— Sabe, Caíque, sou um universitário e escritor, todo meu futuro está ali naquele computador.

— Resumindo então a formalidade do meu amigo, como caralhos você pretende pegar isso sem entrarmos em um porradal?

— Isso se não nos matarem. – murmurou Leandro, cansado de tantos avisos indiretos.

— Eles já ameaçaram matá-los alguma vez? Leandro, cada agiota trabalha de uma forma, e antes de fazer negocio com um, o melhor é se informar como ele trabalha.

— Na verdade, o melhor é não se envolver com um. – retrucou o filosofo recatado.

— Olha, acredito que ele saiba disso, acho que ele quis dar uma indireta pro Jânio da burrice dele. – explicou Caíque.

— Ah, ta.

Ítalo respirou fundo.

Isso, pisem mais nele, porque eu sou meio trouxa.

Então, cabelo de príncipe, você ainda não me respondeu. – reforçou a versão rapper de Jânio.

Teve um dia que Ítalo saiu em família para uma confraternização dos colegas de trabalho do pai. E tinha um gringo sozinho, pois não falava bem português e não conseguia se comunicar de forma apropriada com os professores. Ele estava em um programa em que duas pessoas ficavam uma na casa da outra em países diferentes, e o diretor estava nesse programa com ele, levando-o a vários lugares para conhecer Macapá e, naquele dia especial, Santana.

Mas além desse diretor, apenas Ítalo falava inglês fluentemente. Seus pais pediram então para que ele conversasse com o estrangeiro para que esse não se sentisse só. Com muita relutância, visto que o próprio Ítalo não se considerava bom em socialização, puxou assunto.

No fim, eles se deram super bem trocando conhecimentos. O homem americano disse que gostava muito do clima do Brasil, mas que estranhou tantos muros, tantas casas pequenas serem muradas. Ítalo explicou o óbvio, que era pra proteção e que não se deveria confiar em ninguém. E o que americano respondeu de volta?

Why? (Por quê?)

Como se fosse a coisa mais absurda do mundo.

Ítalo, incrédulo, respondeu que era pra proteger-se de assalto. E o homem disse que era só conversar, simples assim. Esse foi o momento da conversa deles que Ítalo mais ficou incrédulo. Que absurdos aquele homem disse?

Ítalo então perguntou se ele já foi assaltado, se mirassem uma arma, não iria ceder pra proteger. E o homem disse que não, que o certo a se fazer era negociar e não temer, pois medo era o que eles queriam, e era como eles ascenderiam. Você tinha que cortar o mal pela raiz de forma civilizada.

Jânio era aquele homem temido. E Ítalo era quem ele precisava para mostrar que com o medo a história continuaria.

Mesmo que fosse a coisa mais normal do mundo e forte, gelando o letrado.

Naquele dia, Ítalo ainda quis confirmar com o pai aquela história insana, mas com algum sentido. E seu pai afirmou, dizendo que era uma forma do governo ter domínio sobre as pessoas.

Isso significava o que? Que as pessoas deveriam ser seus próprios heróis? Ou que eles não existiam, eram uma farsa que impediam as pessoas de manifestarem seus próprios poderes?

E desde esse dia, seu pai ensinou a ele como escapar de varias situações arriscadas, pois Fabrício era assim, tinha uma coisa estranha com bandido, que fazia Ítalo se questionar varias vezes tal insanidade.

Ademais, era engraçado, o perigo que seu irmão era e seu pai lhe ensinando como se o preparasse, mesmo protegendo Ivan, mas como se quisesse proteger do próprio irmão. Família era coisa de doido mesmo.

Bom, Ítalo iria mostrar que era capaz de enfrentar

— Vamos negociar. – respondeu.

....

— Eu te disse, Janio, você devia ter saído daquele condomínio e se mudado para uma kit net. – Lembrou Leandro, já entrando no bairro Fonte Nova.

— Não. Eu podia dar um jeito.

— Assim, olha como estamos.

— Cara, não podia agüentar meu pai jogando as coisas na minha cara. A ajuda dele que parou me prejudicou.

— Talvez se Ítalo tivesse te salvado da morte meses atrás, poderia até dar um jeito. – interferiu Caíque, sem limites em suas palavras.

— Você pagou os meses atrasados, mas depois ficou devendo agiotas e mais meses. Você só pode ser de humanas mesmo. – acrescentou Leandro, surpreendendo Ítalo por aquela faísca de impaciência.

Ítalo tentava manipular suas emoções naquele momento. Lembrava o que sentia quando discutia com o irmão. A raiva e medo de se estressar, e entrar ali não era diferente. Era como usar um ingrediente substituto na receita.

E seus pensamentos lhe preparavam pela metade do caminho quando entraram naquele recinto murado e depois direcionaram-se para alguma área através de uma passagem ao lado da casa.

— Viemos falar com Ronaldo. – antecipou Caíque, que parecia conhecer mais o lugar. O homem lhe lançou um olhar estreito. – Não vim brigar, só vim trazer meu amigo aqui. Ele quer conversar com a dívida de Jânio.

— Quero conversar com o chefe! – disse Ítalo, parando na frente de uma espécie de casa de piscina, que ficava depois de uma área com piscina, churrasqueira e umas caixas amontoadas no fundo malmente cobertas por uma lona.

O homem sentado em uma cadeira de balanço desviou os olhos para Jânio e seus amigos. Maneou a cabeça como aviso para segui-lo e se levantou, abrindo as portas de vidro. A casa era de fato uma comum casa de piscina, mas o cara levou-os para uma porta escondida que dava passagem a um corredor que nos fundos se encontrava o escritório do chefe deles.

O tal chefe estava com seus pés sobre a mesa, retirando-os de forma surpresa quando viu Ítalo ali, mas contendo-se em não expressar.

Ronaldo parecia aqueles pseudo brasileiros das séries da Netflix, um bronzeado surreal em traços afilados, corte militar degrade e camisas floridas verde escura. Suas sobrancelhas retas, além de trazer elegância, vibravam harmonia da sua pessoa, e aquela barba rala de mandíbula quadrada parecia deixá-lo mais simpático.

Ítalo não se deixaria enganar. Podia ver, através daquela aparência tranqüila, todas as faces demoníacas de Roberto. Mas o acesso que ele dava com aquela parecença facilitava as coisas.

Aquele homem sabia quem Ítalo era, e por um momento, se Ítalo não estivesse louco, aquela cara o temeu por estar ali. O letrado podia ler seus pensamentos enquanto aquele homem lhe encarava de forma intrigante, como se perguntasse porque o irmão do rapaz que trabalhou para ele se encontrava do outro lado de sua mesa de granito.

— Boa noite. – cumprimentou Ítalo. Uma das melhores coisas a se fazer diante do perigoso era mostrar respeito e educação. Querer sentir-se fodão, independente de seu sangue ferver e seu corpo querer explodir, era o primeiro erro.

— Boa noite! – devolveu o homem.

Desviou os olhos para um Jânio manso ao lado de Ítalo e os dois amigos de Jânio.

— Vou ser direto e poupar seu tempo. Parece que você fez um favor a meu colega de quarto lhe emprestando uma certa quantia de dinheiro, mas devido ao atraso vocês acabaram levando meu notebook como garantia.

O homem assentiu.

— Bom, eu preciso dele para fazer meus trabalhos de escola. Então gostaria de resolver esse equivoco.

— E como você pretende resolve-lo? – perguntou Ronaldo, simpático como uma coordenara de escola publica.

— Jânio aqui vai dar um jeito de vender o que ele tem de valor até juntar seu dinheiro, mas para isso preciso do notebook para ajudá-lo a fazer a divulgação. Bom, sei que parece injusto pra vocês, ter pego algo como garantia, mas tendo a frustração de cometerem erro. E sei que meu amigo também cometeu o erro primeiro, então porque não facilitamos, hein?

O homem ficou em silencio. Pelos deuses gregos, Ítalo odiava isso.

— Eu posso conseguir esse dinheiro, logo. – reforçou Ítalo, afim de romper aquele silencio macabro.

— Mas eu quero logo. – reforçou também o chefe.

— Eu sei, e trarei logo, mas para isso preciso do computador, é dele que terei acesso e conseguiria vender.

Os três atrás de Ítalo ficaram tensos com tantos logos enfatizados.

— Tudo bem. Mas lembre-se, a última visita será fatal. Não sei se Janio avisou.

Ótimo, odeio ameaças, ainda mais essas veladas. Odeio quem tenta fazer isso comigo. Mas meu pai me ensinou, aqui não é uma discussão familiar, aqui você é obrigado a se conter, é mais serio e mortal.

— Sem problemas. Eu não falharei. – disse Ítalo, convicto, e querendo estar convicto sobre si, que aquilo era apenas jogo deles.

O chefe olhou para o mensageiro e fez a ordem.

Quando ele estendeu o notebook para Ítalo e Ítalo segurou, o chefe não soltou. Mais uma vez, a insegurança de não poder salvar suas histórias.

A maldita imagem voltou.

Ivan, caderno, sorriso malvado, fogo.

Ítalo inflou o peito para não fechar os olhos, sendo trazido de volta por uma voz.

— Além disso, é uma surpresa vê-lo por aqui. Muita coincidência do destino vocês serem colegas de quarto nesse momento louco da vida de Janio. – e sorriu, como se fosse normal um sorriso gentil em uma situação daquelas, Ítalo quase não conseguia distinguir o ar cínico.

O letrado se permitiu soltar um suspiro.

— Concordo. – puxou o notebook. – Agora, se me dêem licença.

O chefe assentiu.

— Toda.

Ítalo só fez virar-se.

— Vamos. – e direcionou para a porta precedendo os três. E mesmo assim esperava algo, pois não era idiota, não era tão fácil, aquele homem precisava mostrar seu poder, mesmo como disfarçasse um negociante comum.

— Ah. Ia esquecendo. – Ítalo parou, de costas, tentando não tencionar os músculos. Era agora.

Olhou para trás em um dissimulado tom impassível.

— Pois não! – e engoliu em seco, não conseguindo controlar o fluxo de saliva quase o engasgando no fim da frase.

— Quando vocês pagarem a dívida, daremos um sinal de que não temos mais nenhum vínculo.

— E qual o sinal? – A voz de Ítalo falhou, como se tivesse mergulhado a cara dentro d’água, tentando disfarçar com uma sutil levantada de sobrancelha.

— Um tiro, - Então sentiu como se um campo de força invisível lhe atravessasse e tirasse toda a cor de seu rosto. Pelo menos paralisado não tirou a expressão anterior da cara. - um tiro para o alto – riu o chefe, - perto do condomínio. Essa é a mensagem.

O mensageiro soltou um riso atrás dele, tomando conta do silencio.

Ítalo perdurou os olhos naquele homem, tentando mante-los frios como suas mãos. Que bela forma de mostrar sua potencia. Tentou não inflar o peito e não engolir em seco. Mas transpareceu, se não se engasgaria com as palavras.

Acenou com a cabeça.

— Como quiser. – disse, conseguindo controlar a voz. – com licença. – e se retirou.

O mínimo de poder que poderia mostrar, ter controle de sua negociação, permitindo-se soltar um suspiro aliviado como se nele soltasse as vestes da segurança.

Pai, ou o senhor estaria orgulhoso ou me daria a primeira surra.

...

Todos os quatro mantinham-se em silencio dentro do carro.

— Tenho que reconhecer. – disse Leandro. – Nós realmente não te conhecemos como você merece. Quem é você, Ítalo?

Obrigado por perguntar. Sou alguém que agarro o alento e não o deixa escapar de forma alguma, que arrosta agiotas, mas não os próprios monstros. Balançou a cabeça para si mesmo.

— Como conhece tanto deles? – perguntou Caíque.

— Um conhecido. – Ítalo não sabia bem se deveria revelar tanto da sua família pra eles. – Eu sempre alertava ele, e me aproximando deles fui sabendo como funcionava, escutando as conversas entre eles e entre os agiotas quando não estava por perto.

— Pra você prestar tanta atenção nele, esse conhecido deve ser muito próximo. – Caíque acende um cigarro em seguida, ignorando o olhar de Ítalo. – Além de você ser um neurótico incubado.

Ítalo olhou para o lado.

— Janio, relaxa.

— Você não temeu o aviso fatal? – perguntou Janio, talvez sem perceber.

— Não. – respondeu, lacônico.

— Parece até que não sabe que vão matá-lo. – comentou Caíque.

Leandro olhou pelo retrovisor.

— Porque Ítalo sabe que não vão, estou errado?

Ítalo deixou um silencio no ar.

— Se eu soubesse disso, teria pego esse notebook na porrada. – soltou Caíque.

— Não precisamos subjugá-los também. – comentou Janio, finalmente saindo de seu transe. – Eles são criminosos profissionais, podem ter uma carta na manga.

— Na verdade, podemos desvendar parte deles, mas não o âmago. – disse Ítalo, surpreendendo a todos pela voz inesperada. - Aliás, eu era o único capaz de conversar com eles, qualquer um de vocês estragaria tudo.

O celular de Ítalo vibrou, logo quando estavam perto do condomínio, fazendo-o lembrar do encapuzado de mais cedo. Cerrou os dentes, raiva de quererem por medo nele. Puxou o celular com raiva do bolso que assustou a todos.

Mas era seu pai ligando.

Ítalo suavizou a expressão e atendeu.

— Oi, meu filho. - Leandro parou na frente do condomínio, todos em silencio. – esqueci de te dizer, teus tios estão vindo passar uns dias aqui em casa essa semana, vê se aparece aqui pra falar com eles.

A noite estava fria.

— Certo, pai. – respondeu, dando uma espiada através da janela de vidro como se quisesse ver algo.

— Ta tudo bem por ai?

Ítalo engoliu em seco, olhando para a janela de Janio e o afastando para se inclinar contra a janela.

— Tudo sob controle, pai. – passou os olhos pela rua de esquina a esquina.

— Ta bom, se cuida.

Ítalo avançou para o meio de Leandro e Caíque.

— Tchau, pai. – desligou, circunvagando os olhos pelas vidraças. E se deparou com uma foto de Clara, estranhando por um momento, mas ignorando.

— Acha que eles seguiram a gente? – perguntou Leandro, depois de tudo, confiando a resposta nele. E se não fosse coisa da cabeça de Ítalo, nervoso pela foto colada perto do som do carro.

— Não os agiotas.

— Quem?

Ítalo suspirou.

— Um antigo conhecido.

Era interessante, pensou Ítalo, a forma como aqueles garotos seguiam Jânio e estavam do lado dele. Ítalo sempre esteve cercado de garotas, e tinha coisas que comentava perto dos meninos que elas poderiam se sentir ofendidas, mas tinha algo em comum entre o grupo de Janio e seu grupo de amigos, a aliança nesses momentos de tensão.

Ítalo suspirou, saindo do carro e puxando Janio pelo braço com certa pressa.

— Obrigado pela carona. – gritou Ítalo para os outros dois entrando já no condomínio.

...

Já com as coisas ali, Jânio estava sentado e Ítalo em pé.

— Precisamos conversar.

— Já esta...?

— Conversar de verdade, Jânio. Olha, não sei se você iria me contar depois de um tempo ou nunca, até entendo. Mas agora você não tem saída. Me conta tudo o que tem pra contar, pra saber o que tenho que aguentar por ter tomado essa decisão de independência tarde demais.

E aumentava o tom de voz.

— O que eu tinha na cabeça quando decidi morar com vo... – ítalo se calou. Ok, Ítalo, Jânio era um idiota, mas um menino bom, pega leve como sempre faz com seu coração de trouxa. Fechou os olhos.

— Porque eu – batia no peito. – eu não posso mais voltar pra casa depois de todos os dramas que fiz com minha família. Agora que me meti nessa merda, quero pelo menos que me conte, pra ver o que posso fazer. A casa caiu, Jânio. Você não pode me esconder mais nada depois disso.

Ítalo passou a mão na cara, como se adiantasse para aliviar sua raiva.

— No dia em que você me salvou, eu omiti a parte da agiotagem.

— Ótimo, isso Leandro já me esclareceu.

Jânio suspirou.

— Caíque não gosta de levar olho torto, e os avisos dos agiotas com a parceria de trafego ele não conseguiu se controlar e brigamos.

— Ok, mais alguma coisa? Já sabe como vamos retornar o dinheiro a esse povo ou vamos de fato vender o que tem dentro dessa casa?

Os olhos pacatos de Jânio percorreram baixos através das panturrilhas de Ítalo, pensativo. Ele parecia ter algo em mente.

— Não precisa, eu tenho uma ideia, passei o dia todo pensando nela ontem.

Ítalo atravessou os dedos pelos cabelos.

— Ótimo, se sua ideia estiver certa, podemos nos livrar dessa divida amanhã, de uma forma ou de outra. Mas e o condomínio?

— Vamos dar um jeito, Ítalo.

Ítalo suspirou.

Queria concordar e dizer “vamos dar um jeito”, mas foi para a cozinha esquentar água para fazer café.

— Me desculpe. – disse Janio, fazendo-o parar um instante. – Eram suas histórias, não eram? Sei que elas significam muito para ti.

Ítalo não falou nada, parado por alguns segundos, as imagens vindo de novo. Ivan, caderno, aquele sorriso nojento e um fogo assustador.

Virou o rosto mais parcialmente ainda e ela, Julieta, lhe encarava. Ela andava quieta ultimamente. Ítalo mantinha sua expressão impaciente, esgotado e mal humorado para ela. E o mais intrigante, no entanto sem muita importância para Ítalo naquele momento, ela não lhe retribuía o olhar com raiva, mas intrigada, reflexiva, como se estivesse processando novas informações a respeito dele, mas ainda não condescendendo para a bondade dele.  

Ítalo entrou na cozinha logo em seguida.

...

No dia seguinte, era dia 17 de junho de 2018, jogo entre Brasil e Suíça e o clima pareceu melhorar no apartamento de Ítalo e Janio, O letrado resolveu até mesmo tentar uma terapia fazendo a comida para os convidados de mais tarde.

Ítalo fez um esforço de se caracterizar com uma simples camisa verde musgo com segundas mangas amarelo mostarda, visto que não gostava de nada vivo demais. Encarava-se no espelho os cabelos divididos no meio, passando a mão no meio em seguida dando uma leve bagunçada, fazendo que com se ajeitassem. Sorriu e fez um polegar para o espelho.

Vai tudo dar certo.

Arrumado, dirigiu-se para a cozinha e principiou a descascar a cenoura para cortar em cubos. Jânio chegou perto e arregalou os olhos. Geralmente Ítalo ficava indignado quando alguém via ele descascando errado, mas sabia que Jânio não iria se intro...

— Por que parece que está pensando que está mutilando alguém lentamente como um psicopata?

Ítalo virou o rosto para ele de sobrancelhas arqueadas. E surpreendentemente, encontrou as de Jânio, envolto por uma jaqueta de sarja masculina estampada com bolsos verde militar, um moletom amarelo por baixo com o capuz escapando pra fora e uma touca amarela nos cabelos curvilíneos, e a argola verde substituindo a comunal preta. O letrado admitia estar um pouco surpreso por Jânio ser ligado em futebol como se mostrava naquele dia.

Riram logo em seguida.

— Sei bem como é. - disse Jânio. - É como a transição da rebeldia da adolescência para a fase adulta. Primeiro você joga os pratos contra a parede, depois fecha os olhos e respira fundo pensando que quebrá-los seria melhor que quebrar alguém, mas nem pratos pode por ser pobre e sem ar de burguês.

Ítalo desprendeu seus lábios, levemente boquiaberto.

— Puxa! - soltou.

Janio riu. Depois olhou para a faca e a cenoura nas mãos de Ítalo.

— Apoia a ponta do polegar contra a faca.

Ítalo fez como dito.

— Agora empurra com sutileza, apenas o polegar, com o pensamento em cortar apenas a casca.

Ítalo obedeceu, condescendente no dialogo de Jânio, arqueando as sobrancelhas ao ver que funcionou.

— Você viu que tinha alguns pneus queimando na rua?

Ítalo estranhou, pensando que a greve dos caminhoneiros já tivesse passado há duas semanas.

Em livros e cigarros, a greve dos caminhoneiros talvez não acabasse tão cedo.

— Suspeito isso, hein. Algumas pessoas podem começar a se revoltar com esses bloqueios.

— Também acho. – concordou Jânio.

O jovem escritor tomou um suspiro.

— Tudo certo? – perguntou se referindo ao plano de Janio para se livrarem da divida.

— Tudo certo, mano, pode ficar tranqüilo.

Ítalo não disse nada. Aquilo tinha que dar certo, pois queria sentir algum alivio no fim daquele dia. Então tratou de terminar aquela salada e algumas horas depois, a comida já estava pronta e o apartamento movimentado de gente com cerveja.

E bem, não era só aquele apartamento que estava cheio de gente, como o condomínio inteiro. Parecia uma mansão em festa com muitas das portas de quartos abertas, pessoas conversando nas entradas de verde e amarelo e batendo papo com uma cervejinha nos corredores enquanto carregavam bandejas com salgadinhos e tira gostos.

Quando viu Emilia ali, Ítalo quis falar do que ocorreu, pois quando ele disse que se lembrou de algo com a morte vindo e Ivan no dia da consulta dos búzios, ali, naquela situação, estava a relação. Estar na mão de agiotas.

Além disso, Ítalo nunca imaginou que os carinhas do beck de filosofia gostassem de futebol, não sabia porque, mas a combinação não parecia ser compatível. E naquele domingo na copa do mundo, enquanto Janio conversava com seus convidados apostadores, Ítalo conversava com as garotas no corredor sobre seu projeto “saí de casa arriscando.”

— Tava indo bem. Até minha família querer conhecer ele. Nossa. Senti como se estivesse no corpo de uma garota de dezesseis anos apresentando o namorado cheios de aspectos de desaprovação para os pais.

As garotas riam do relato de Ítalo a respeito tarde do dia anterior. Os outros estavam lá dentro, batendo papo e se organizando para as apostas. Além disso, combinavam uma festa para depois do jogo, visto que Janio estava até instalando um jogo de luzes no teto.

O beck estava nas mãos daquele jogo.

A solução que ele havia chegado para pagar a dívida com os agiotas foi apostar quem ganharia aquele jogo.  Ítalo perguntaria se aquele bolão daria certo, mas Jânio falou que não era exatamente um. Mas envolvia aposta de qualquer forma.

Ele foi o único a dizer que daria empate de 1x1.

E apesar de Ítalo não ter o costume de acompanhar nem os jogos da copa, daquela vez ele não tinha escolha. Estava de braços cruzados, massageando os próprios a espera daquele jogo.

— Ítalo, vai começar. – disse Janio, pondo a cabeça para fora do apartamento.

Ítalo foi o primeiro a entrar, Caíque junto com mais alguns estudantes de filosofia estavam espalhados pelo sofá, algumas pessoas conversando na varanda, Janio e Leandro traziam alguns aperitivos enquanto as amigas do letrado entravam. Leandro meio que estancou com a presença de Clara, um tanto admirado. Ítalo estreitou os olhos, ligando alguns pontos guardados para si. Além disso, ela tava de chamar atenção mesmo, com orelhas de gato em uma travessa da copa, maquiagem com brilho e um vestido decotado todo verde e degrade com amarelo.

Emilia fixava os olhos em Jânio. Ítalo sabia que no fundo ela ainda guardava uma paixonite nele. Caíque observava tudo com um sorriso sacana no rosto, fazendo Emilia desviar. Aliás, Emília, como sempre, provocante. Trajava um vestido verão midi com botões fechando de um decote até inicio de uma das coxas torneadas, seus cabelos castanhos escuros desciam com leves ondulações pelos ombros, ainda, usava óculos para evitar contato com alguém especifico.

Mas Jasmin, assim como Clara, estava a caráter, com um vestido verão curto amarelo e um casaco de lã verde, seus cabelos soltos com uma travessa da copa. No entanto, no celular como sempre focada em seu trabalho.

Assim como Emília, Leandro também não perdia sua elegância para o momento, com uma camisa social amarela e bermuda branca e um óculos cor de mel. Caíque com uma camisa quadriculada verde escuro.

Eles, assim como os outros convidados, de verde e amarelo.

Emilia, Jasmin e Clara ficaram paradas perto da entrada mesmo, com atenção na tela, e os garotos, do lado esquerdo de Ítalo.

O jogo começou.

— Ai vem a Suíça, tem que tomar cuidado, eles partem pro ataque, é enfiada de booola. Deixaram o Dzemaili sozinho no meio da área. – dizia o interlocutor.

Quase um gol. Um jogador da Suíça levava a bola pela lateral e chutou para um que se aproximava para o meio do gol, perfeitamente acessível. Dava pra acontecer um gol perfeito ali, como que não deu certo? Ítalo estava atento ao jogo. E ele entendia pouco, mas aqueles caras eram ruins ou impressão dele?

Talvez ele tenha se atrapalhado porque um brasileiro estava em cima e fez com que a bola tenha ido por cima da trave.

No segundo lance, apesar de Ítalo ter tido a vontade de revirar os olhos pela famosa queda do Neymar, achou interessante a disputa dos outros jogadores pela bola. Ainda por cima, Neymar deixou a bola escapar de forma besta e deixar ser puxado pela camisa, mas o idiota que tentou trapacear perdeu a bola para outro que foi mais ligeiro e chutou logo para outro livre alguns metros longe dele. Mas claro, devido ao puxão, os brasileiros foram interrompidos para dar vantagem aos próprios. Ítalo riu. Que coisa mais idiota.

Mas o que chamou sua atenção foi um rapaz de cabelo Black Power enfrentando a marcação, trabalhar pela direita, ousado e desafiador, apesar de falhar ao tentar fitar e fazer o cruzamento, claro, porque não tinha ninguém perto do gol. Minha nossa, quanta bestidade.

Era Ítalo que não entendia de futebol ou rolava umas lerdezas ali?

Se bem que os dois perto do gol parecia que tinham que manter distancia. Ah, sim. E o carinha, Willian seu nome, chutou entre a trave e os companheiros, não dando de saber se ele queria dar uma de herói e chutar direto para o gol ou se teve um momentâneo pé torto. Ítalo riu. Quem era ele era julgar?

O letrado roia as unhas, de olho naqueles jogadores. Os outros, sempre na torcida e erguendo a bunda do sofá sempre que parecia que alguém ia dar gol.

O próximo lance até que foi mais interessante. Talvez agora entendia que o Neymar era bom em proteger a bola de tomarem, tentou levar para alguém para fazer gol, mas não deu certo, devolveu para Coutinho e ele chutou para Neymar e ele para Paulinho que não conseguiu fazer gol.

Puxa, essa foi por pouco.

Isso fez um ar nodoso se encher na garganta de Ítalo. Ele puxou um pouco a gola para longe do pescoço e engoliu em seco.

O que esperar do próximo?

Dez minutos depois, Marcelo tentou o cruzamento, mas um dos Suíços chutou com a cabeça para longe.

Coutinho pegou e chutou de lá mesmo... para o gol?

GOOOL!

Ítalo arregalou os olhos para Jânio.

Como dizer agora que esperava que nenhum brasileiro fizesse outro gol? Foram apenas 19 minutos do primeiro tempo.

Ítalo atravessou os dedos pelos cabelos.

Coutinho parecia bom alí, e Ítalo não queria ser ruim, mas já sendo, Coutinho bem que podia torcer o tornozelo.

No próximo, Neymar do cruzamento jogou para a área e um deu um toque de cabeça que deu errado.

Graças a Zeus!

Já não bastava isso, um diabo chamado Alisson quase fez um gol.

Sai daí, imundo.

Aos 39 do primeiro tempo Zuber tentou dar um gol.

Erra, erra.

Errou e foi na cara do Thiago.

Ítalo, sem querer, soltou um riso chiado.

Melhoras pra ti, mano, mas ainda bem.

Ah, não, Zuber é suíço, agora que me toquei.

Droga!

Falando nisso, agora, ele tinha que prestar atenção qual dos suíços eram bom.

Como a lei da vida, toda ação tem uma reação. A psica que ítalo jogou para Thiago lhe devolveu em um susto quando Thiago aos 46 do primeiro tempo lhe surpreendeu.

Foi pelo cruzamento, a bola caiu na área com um monte em cima, e Thiago deu um toque de cabeça que quase marcou o gol.

Pensando bem, Zuber podia ter chutado mais forte na tua cabeça, disgraça, te aquieta ai.

Ítalo estava de olho em um carinha suíço que podia fazer o gol. Mas o que aconteceu? Ele quase quebrou a perna. E num leve ímpeto de surto, Ítalo saltou do sofá.

— Isso foi falta. - gritou. E todos olharam pra ele. - O cara não pode cair assim, ele é o melhor. –

— Do que ta falando? - disse um dos becks defendendo Casemiro.

— Ah você sabe muito bem do que to falando.

Jânio se levantou do sofá, apreensivo com aquele comportamento de Ítalo.

— Ítalo, se acalma. Te acalma que você não dormiu bem hoje. Posso ver pelas olheiras.

Ele balançou a cabeça, atravessando a mão pelos cabelos.

— Calma, Ítalo, vai da certo.

Esquecia como Jânio podia passar confiança às vezes. Será que Ítalo imaginou mesmo a falta? Pois todos estavam contra ele. Talvez fosse efeito da falta de dormida.

E enquanto rolava a discussão, após uma cobrança de escanteio, um jogador da Suíça, Zuber, pulou, mesmo depois de empurrar um jogador brasileiro pelas costas, e cabeceou a bola para rede.

Ítalo estancou, como outras pessoas.

Pelo amor dos deuses gregos, se eles fizerem mais gol, aponto essa falta despercebida.

Enfim, o empate que tinham que fazer, e após isso, Ítalo teve que agüentar a próprias mãos geladas, esperando que o plano de Jânio desse certo.

Ele estava torcendo para a pontuação continuar a mesma. E os próximos quarenta minutos foram puros momentos de tensão.

Dez minutos depois do gol de Zuber, Neymar quase o fez ficar sem ar, mas bateu na trave. Ítalo levou a mão gelada a testa. Minha nossa, ele tava muito perto. Aos vinte e sete do segundo tempo, um brasileiro fez uma bola rolar lentamente para perto da trave e Ítalo arregalou os olhos com o goleiro demorando pra pega-la. Quanta agonia. Nos lances seguintes, a praga do Neymar estava atirando direto pro gol, sendo inevitável para ítalo não soltar uns “caralho” pela sala do apartamento. E isso só foi pego de surpresa pelas amigas. Ele se virou quando viu que o cara ia fazer gol. E todos desanimaram. Ítalo virou-se, feliz.  Sommer, o goleiro, virou o grande aliado de Ítalo naquele momento.

E sabe o que mais? Os lances seguintes todos almejaram o gol.

E sommer defendeu todos.

É isso, acabou? Ítalo passava os olhos pela tela, vendo todos os jogadores relaxados pelo campo. Suas sobrancelhas estavam arqueadas em surpresa, olhos bem abertos, no entanto cansados e apenas sustentados pela euforia.

Passava das quatro da tarde e havia fogos de artifício ao longe. Após alguns minutos, os convidados começaram a bater o dinheiro sobre a mesa. E a música Casa - Emicida começou a tocar para o povo se espalhar pela sala enquanto Jânio reunia a quantia.

Seus olhos se encontraram com os de Ítalo.

É isso? Ganhamos?

Mas Jânio não respondia.

E continuaram assim enquanto Jânio se direcionava para a porta.

— Já volto.

Voltou minutos depois, sem Ítalo entender direito, parado no mesmo lugar. Será que estava pagando um deles?

Mesmo que o Brasil não tenha ganhado, minutos depois de ter finalizado o jogo, fogos disparam, mas antes disso, irrompeu pelo céu um som de tiro.

Ítalo e Jânio se encararam, com suas orbes esbugalhadas, se contendo para não correrem em direção a varanda. Se adiantarem por entre os convidados e se debruçaram na varanda a procura de alguém.

Lá de baixo estava a figura do mensageiro, segurando a arma, sorrindo com seus dentes de ouro, terrivelmente brilhando com o dourado daquele fim de tarde. Metade do rosto sombreado, metade pincelada com o sol. Combinava com ele, e parecia ser seu momento, e Ítalo não sabia porque, mas estavam tacando fumaça em pneus, fumaça negra subia, e mais explosões de fogos subiram, quando olharam para baixo de novo, a figura sorridente do mensageiro brilhou e desapareceu com a fumaça.

O tiro era a mensagem. A dívida estava paga.

Ítalo tomou um suspiro de alívio, encarando Jânio por um momento, com ambos sustentando um olhar secreto, de que aquele era o segredo deles, de que deveriam tomar mais cuidado com o que fariam pela frente.

Soltou um suspiro pesado, sentindo alivio no peso de sono do seu corpo.

Ítalo poderia até pensar em cair fora dessa cilada, mas mesmo Jânio trazendo essas emboscadas, não conseguia voltar atrás, e não era pelo orgulho, havia algo ali naquele ambiente que o atraia. Jânio podia ser uma cilada, mas não era pérfido.

Ítalo estava vivendo com perigo, e seus pais não faziam a menor ideia disso. Por quê? Porque eles não precisavam saber. E Ítalo sabia dar conta do recado, não iria atrás de outro colega de quarto, iria continuar conhecendo aquele um aprendendo a conviver com ele. Até porque a visita aos búzios avisou que ele não podia fugir.

Jânio assentiu, Ítalo também, ambos fecharam as portas deslizantes sem deixarem de sustentar olhos expressivos um do outro, como se o perigoso não tivesse lhes dado oi.

Jânio era seu destino e Ítalo tinha que encará-lo.

Jânio, sorridente, agarrou uma cerveja oferecida por Caíque e foi puxado por Leandro para o meio da sala, pontinhado de luzes e tomado pelas batidas da música.

De alguma forma, lidar com aqueles agiotas o fez cansar das mensagens irritantes e misteriosas. Ítalo puxou o celular determinado a algo que antes não se atreveria a fazer, mas naquele momento sentia-se pronto para o que quer que fosse.

(17/06/18) Ítalo: Saia do escuro e revele-se.

(17/06/18) Desconhecido: Rs rs rs

Ítalo fixou seus olhos desgastados, mas firmes, imaginando um riso provocativo e irritante do outro lado da tela, e ele odiava tal ousadia.

(17/06/18) Ítalo: Não está pronto pra me encarar?

Alguns segundos depois esperando pacientemente, o perseguidor respondeu.

(17/06/18) Desconhecido: Não estava exatamente nos meus planos, mas como desejar, meu mordomo.


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