Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 19
Capítulo 18 - Uma surpresa atrás da outra.




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Mesmo com os batimentos do coração de Ítalo acelerados, uma Ellen assombrada com o que acabara de ler, e uma Emília parada a alguma distancia mais tensa do que nunca, a avó dela respirou fundo e voltou a ler as configurações dos búzios.

Jogou-os novamente.

— Vejo três pessoas. – disse, com tanta clareza e cuidado na voz que parecia voz de alguma vidente de filme de fantasia. - Espera, tem mais uma aqui afastada. – após inclinar um pouco a cabeça como para ter certeza, acenou um sim para si mesma. - As duas almas são puras, soltas, ondulantes como fumaça.

A única coisa que Ítalo poderia pensar sobre uma dessas almas era que uma delas seria, sem dúvidas, Adalberto, com quem sentia grande conexão e conhecia desde que nasceu. Mas quem seria a outra?

— A outra, a terceira, é venenosa.

Um sulco surgiu entre as espessas sobrancelhas do letrado.

— Tem como eu ficar longe dela?

— Acredito que você tem que encará-la como todas as outras.

— E a distante?

— Essa distante tem uma ligação ainda mais forte com uma das puras, como se fosse uma alma protetora.

Ítalo balançou a cabeça, como se negasse algo, tanto que alguns fios quase caíram sobre os olhos.

— Isso não me faz sentido. Uma dessas almas puras, não consigo entender quem é. – disse, atravessando os dedos pelos fios pretos para trás, mas muitos deslizando pelas laterais.

— Alguém com quem você sinta uma conexão inexplicável. – esclareceu Ellen.

Ítalo franziu as sobrancelhas. Conexão inexplicável? Pensou rapidamente em suas amigas, mas nunca houve nada de inexplicável nelas. Respirou fundo quando percebeu não saber bem quem era. Alguém quem lhe entendesse como Adalberto, pois seu avô sim tinha uma ligação com ele além de tudo que já viu. E Ítalo pensou, alguém que possa fazê-lo sentir que o destino colocou em seu caminho na hora certa e momento certo de sua vida, trazendo a surpresa de entendê-lo e estar junto dele, lhe surpreendendo cada vez mais, quem sinta aliança forte... Mas quem...?

— Janio? – perguntou para isso mesmo.

Ele balançou a cabeça, mas ai fez sentido.

Se for mesmo ele, a outra alma, a tal alma protetora seria Julieta? E Ítalo só imaginou isso, pois podia conversar com gatos, caso contrário, não saberia quem seria.

— Isso... isso é muito louco.

Janio ficaria contente de Ítalo ter usado a frase dele.

— Com o que estão ligadas?

— São os mais ligados com um destino.

— Que destino?

— Não vejo.

— Tá, mas consegue ver mais algo?

Ela estancou.

Algo aconteceu com a tia-avó de Emilia que ela não conseguiu controlar, era demais forte o que sentia ali, descendo até mesmo uma lágrima de seu rosto. Mesmo com medo, ítalo perguntou para ela. E ela parecia ter medo de revelar a ele algo. Ele desviou os olhos para uma Emilia que parecia estar suando frio, como ele quando tinha medo que a professora sorteasse ele para responder alguma pergunta em sala de aula. Quando volveu os olhos de volta para Ellen, ela retornou o olhar que havia lhe dado taquicardia alguns minutos atrás.

— Ítalo, posso não ser a pessoa mais adequada para isso.

— O que aconteceu com ela? – quis saber Ítalo quando Ellen levou os dedos às têmporas, como se sentisse dor de cabeça.

— Ela não ta bem. – disse Emília.

Ele balançava a cabeça contra um olhar vítreo para Ellen.

— Essa coisa de energias, energias positivas e negativas, de equilíbrio, é tudo novo pra mim. Ta tudo um tremor, não consigo. – revelou Ítalo, ainda confuso e chocado que tinha mesmo uma explicação para tudo que sentia, só não entendia porque.

— Você precisa respirar fundo e procurar entender. – explicou Ellen.

— Se eu pudesse, tentava não me preocupar, mas...

— Mas você precisa se entender, ítalo. Nada do que te perturba ou sente é à toa.

Ela soltou um suspiro. Encarou a sobrinha-neta novamente.

— Me conte de novo sobre a manifestação de tremor. – pediu Ellen após alguns segundos pensativa.

— Vovó, não.

— Calma, só que suspeito que ele possa estar aflorando.

— Para com isso. – ralhou Emília.

Já havia duas rugas de aborrecimento entre as sobrancelhas da sobrinha neta.

— Ítalo, vamos embora.

Ellen soltou um suspiro impaciente, torcendo o busto para encarar a sobrinha-neta.

— Emília, se você o trouxe aqui, deixe ele saber de você. Pode ajudar. Já que pelo menos se recusou de ler os búzios para ele.
...

Quando Ítalo e Emília saíram com passos rápidos do terreiro, um vento alto e forte irrompeu por cima das copas, levando seus cabelos de forma afrontosa a suas faces, e lhes incitando mais ainda a raiva crescente.

— Emília, volta aqui.

— Da um tempo, Ítalo, eu sabia que não era uma boa idéia. Ela não tinha o direito.

— Você não é muito nova para ler os búzios? Não conheço nada disso, mas como uma garota que quase não freqüenta esse lugar tem essas habilidades? O que ta acontecendo?

Ela nem mesmo respondeu aos berros dele, continuou andando rapidamente e com raiva em direção ao automóvel.

— Emília. – gritou o letrado.
Ela continuou a andar rápido pelo terreno do terreiro, em direção ao carro. Após Ítalo correr a pequena distancia entre ele e sua amiga, a segurou pelo ombro, virando-a contra o vento atazanador.

— Você podia ler os búzios para mim? – demandou com indignação em seus olhos.

— Não, não podia. Nunca. – grunhiu para ele, soltando de forma áspera.

Ela enfiou os cabelos atrás das orelhas, lhe encarando desafiadoramente, como se deixasse claro que ninguém a obrigava de nada.

— Por que não me conta o que sua avó disse, algo de você que poderia me ajudar?

— Porque não é da sua conta. – retrucou, com um poder diferente em sua voz.

— Sua avó disse que isso pode me ajudar. – reforçou com a mesma intensidade que ela, com certa suplica na voz rouca nervosa.

— Ela quer que eu manifesta essas... coisas.

— Que coisas? – aumentou o tom, impaciente, contra um vento que vez ou outra interceptava suas vozes.
Ele fechou os olhos, suspirando em um aspecto cansado.

— Por favor, amigo, não insiste. – pediu, abrindo olhos suplicantes e desgastados. – por favor. – sussurrou.

Ele soltou um suspiro exasperado. Pensou que o que quer que Emilia escondesse, pudesse ajudar, mas não podia ignorar que ela sentia em relação as quatro ascendências. Para ele parecia nada demais, mas só ela sabia o que a própria passava. Ainda mais agora que ele estava ciente de que tinha algo a mais que a impedia de se envolver com a cultura de suas famílias.

— Sabe, eu sempre peço para eles me deixarem em paz, para eles não insistirem, mas sempre fazem o que pedi pra evitarem. Isso me aborrece. – desabafou, desgastada.

E assim como ela murchara aquele quase ímpeto, aquela quase explosão, os ventos sussurrantes cessaram, deixando um breve farfalhar na ramagem das arvores circundantes, e despedindo-se através de suas folhas.

Ele assentiu, olhando para os pés dela. Sabia como era.
...

Após se acalmarem, os dois amigos decidiram assistir um evento que estava programado para aquela noite.

Ítalo ainda pensava em Ellen.

Ela parecia estar tão confusa, mas tão. Emília disse que ela tinha esse sentimento quando uma morte estava próxima. E ela revelou isso quando a tia-avó começou a cantar. Era um canto lindo.

— Destino? Eu tenho um destino? – comentou, ainda incrédulo.

— Parece que nem todas as almas nascem com um, apenas algumas. – tentou explicar a amiga.
Ítalo olhou para o lado, Emilia de braços cruzados naquele vestido branco, olhos impassíveis para o que ocorria a frente, mas que não significasse que não estivesse se entretendo enquanto assistia.

— Mas o que seria? Adalberto, Janio, Julieta e Ivan.

— Seu irmão? Não poderia ser Nicolai?

— Não. Nicolai não chega a ser tão horrível quanto Ivan. Só pode ser ele essa alma venenosa. Mas isso foi muito estranho, como que estamos ligados?

— Talvez só o tempo possa explicar.

— Não. – balançou a cabeça, com teimosia. - Tenho que ir atrás de mais respostas. Teve algo que ela não soube revelar, a ver com o destino, e outra que não quis. É por onde vou começar.

Engoliu em seco com essa coisa que Ellen não quis revelar, logo quando surgiu com o olhar de assombro. Ainda mais agora, que Emilia disse que significava a morte vindo.

Ítalo engoliu em seco.

Havia algo em sua cabeça sobre “a morte vindo”, um pensamento que o atingia raramente, que podia esquecer e viver facilmente. Mas esse pensamento sempre retornava.

Voltaram a assistir algo que ele nem se perguntou o que era.

Eram como sopros harpantes, mas naturais e humanos, o que faziam sentir lindamente nos ouvidos, e o hipnotizarem.

— Isso é uma cerimônia? – Perguntou Ítalo, em um tom vacilante.

Emilia franziu as sobrancelhas.

— Acredito que seja sim.

Ítalo fazia capoeira, e o que acontecia na sua frente era como uma forma lenta e sem instrumentos de cantar nas rodas, como uma voz gigante do além, poderosa, vibrante que lhe atravessava por inteiro.

Aquela noite de quinta feira havia terminado ali. Quando Ítalo chegou em sua casa, ele e Jânio ainda conversaram, enquanto faziam ovo com mortadela, sobre a ida ao terreiro. Ítalo havia reparado que Janio não estava bem, parecia nervoso, muito nervoso e como se quisesse soltar algo, mas reprimia-se. Em algum momento pensou até que tivesse a ver com a nicotina para não pensar mais naquela noite da história perturbadora de destino e morte.

Sair sábado seria bom para ambos, Para Ítalo distrair-se daquilo que mais perseguira, e Janio daquilo que mais o perseguia, mas este teria que pensar em um jeito naquela noite de solucionar tudo.

No dia seguinte, na sexta feira, Ítalo resolveu limpar todo o apartamento para esvaziar a cabeça, e quando terminou tudo, com o corpo cheio do suor, e poeira em algumas partes da roupa, se deitou no meio do chão da sala e fitou o teto, a fim de sentir sua conexão com o mundo novamente, como se fosse a simples raiz de uma arvore. Já Janio não saiu de seu quarto por nenhum segundo, botando sua cabeça para funcionar e encontrando uma solução ao entardecer.

Fabrício ergueu o dedo e disse “É neurociência”.

Os olhos de Janio se iluminaram e Ítalo jurou que ele estava lembrando do gesto de Platão que colocaram no Enem. O pai de Ítalo estava explicando para Janio sobre dores de cabeça que podiam ser controladas se o individuo tivesse mais domínio sobre seu cérebro.

Umas das coisas mais desconfortáveis para Ítalo sobre seus pais eram as trocas de olhares. Uma troca que sempre ocorria após uma alerta. E Ítalo tinha medo que Janio soltasse alguma gíria como “firmeza”, “loucão”, ‘É nós, tio”, e pior “bagulho”. Bagulho podia dar um sentido ambíguo e de total pânico que Ítalo não gostaria nem de imaginar como seria transmitido isso pela troca de olhares de seus pais.

E por falar nisso, logo quando seu pai colocou os olhos no beck, algo havia lhe chamado a atenção. O letrado não pode entender muito bem, mas parecia que seu pai o conhecia de algum lugar ou via algo familiar em seu rosto, fazendo-o se perder naqueles dois orbes como uma luz de ouro no fim do túnel.

Ítalo chegou a conclusão que podia mostrar o mais importante para os pais que tinha tanto nele quanto em Janio. Este era responsável como ele, era organizado e tinha bom senso, não era abusado nem folgado (que aliviou muito o letrado), sempre se empenhava para passar uma boa impressão, sempre procurava buscar empatia, e pensava sempre nos outros.

Mas mesmo assim, Ítalo estava de olho, porque ele era assim, mesmo com as seguranças na frente, incerto sempre.

Essa vida nova cheia de preocupações! Gemia pelos pensamentos. Quem me deras ser aquele garotinho que pensava que meteorologia estudava meteoros. E ainda disse para a mãe que queria ser um, com orgulho na alma.

Não que ele se importasse do que as pessoas achavam dele e de seu convívio com outrem, mas preocupava-se em como seus pais viam as coisas e as pessoas. Preocupava-o em como olhariam para Jânio, como ele se vestia, seus costumes, logo os cérebros de seus pais telepaticamente conversando um com outro mediante olhares já no processo de investigação sobre ele. A maldita troca de olhares. Isso era perigoso. Então, Ítalo iria fazer de tudo para desconstruir qualquer resquício de conclusão de seus pais durante o jantar, fazendo-as sempre demolir, até ter certeza de que manipulara seus pensamentos.

No entanto, teve uma surpresa além de ser recebido com a casa limpa por aquela visita, e não precisou de esforço algum para isso. Jânio tinha seu estilo, ora se vestia como rapper, outra como um roqueiro estiloso, outra refinado com suas camisas estampadas e suas calças caquis, diferenciando-se por em raros momentos vestir jeans, que ainda eram rasgados. Este penúltimo estilo era o que usava naquele dia, com os cabelos soltos do boné. Ítalo estranhou. Jânio estava tentando impressionar seus pais? Lembrou-se então do Jânio que conhecia que gostava de passar uma boa imagem quando achava necessário. Se não, Ítalo não estaria morando com ele. E puxa, ele era tão bom nisso que nem mostrava esforço, fazia tudo com naturalidade.

Ítalo sorriu. Nada melhor para seu pai gostar de alguém quanto uma pessoa mostrar preocupação com política e dizer a importância e sua opinião clara, coerente e muito bem aprovada por Fabrício. Era realmente interessante, como Jânio despertou o carinho de seu avô e atenção de seu pai. Ítalo quase fechou os olhos e tentou respirar, desinchando devagar os pulmões para passar despercebido que estava aliviado. Estava tranquilo como alguém que acordava com as calças secas, mas não queria que ninguém o visse retesar. Jânio, ah, moleque, boa, boa mesmo. Ele era impressionante. Ítalo mirava os olhos nele com admiração, o que foi pego por sua mãe, que o olhou com uma atenção curiosa. E ele já imaginava ela criando coisas na cabeça.

Jânio sempre tendo seus inauditos momentos de argumento, intelecto e de tranquilizar alguém. Era bom, mas por outro lado a mãe de Ítalo encarava o filho de uma forma desconfiada e quase fechada, e Ítalo sabia como ela era. Às vezes sentia que ela sabia como qualquer outra mãe as coisas, como a tristeza, a felicidade, mas seu olhar sobre ele naquele momento era como se ela sentisse algo diferente. Ítalo desviava e fingia estar interessado na conversa de Jânio e Fabrício, mas sentia o peso do olhar dela o incomodar. É, parecia que ela queria deixar claro que viu algo ali.

De repente, sua mãe pediu para Ítalo ajudá-la com a sobremesa, sendo que era uma simples travessa com mousse de maracujá. Ela perguntou para ele, enquanto pegava a travessa do congelador, com Ítalo com a mão na porta, deixando Fabrício e Jânio à sós por um momento, coisas sobre Jânio, sobre Ítalo parecer gostar muito dele e então Ítalo entendeu. Com a mão enfiada no congelador, espetando a colher na sobremesa para ver se estava boa, ela falou.

— Você e ele não são muito próximos, não? – Por mais que a pergunta tenha saído em um tom meio negativo e robusto, não perguntou por mal, era o jeito curioso dela.

Mas sempre fora estranho para ele.

Ela lhe lançou um olhar de soslaio muito feio, pois seus olhos pareciam meio abertos demais, como se inchassem como olhos de assassino.

Mas era apenas mais uma característica externa e robusta dela.

— Eu e ele nos damos bem. Temos diferenças, bem... cheia de contrastes, mas as qualidades boas dele me fazem saber lidar bem com isso.

Após ver como o mousse estava, ela puxou a travessa e pousou sobre as mãos do filho.

— Hum. Tú gosta dele, né?

Estreitando os olhos para aquelas perguntas, ele respondeu.

— Gosto, como eu disse, ele tem qualidades que aprecio e me deixam confortáveis.

Sem encará-lo, ela disse:

— Nunca te vi admirando alguém assim antes

Ele revirou os olhos.

— A senhora nunca enxergou um monte de coisa, mãe.

Sua mãe desconfiava que ele fosse gay.

Ainda por cima afim de Jânio. Mas que absurdo, pensou ele.

Qual era o problema da sua mãe? Ítalo era tão misterioso? Porque ele não achava tanto. Ou sua mãe que era um problema?

Ítalo era alguém calmo, com compostura, mas era tão acumulado dos ataques de raiva que ele sentia que não podia controlar, crispando os lábios. Concentrou-se como o homem treinado que era, controlado, além de que não queria que seu colega de quarto sentisse desconfortável com sensações negativas. E olhava a mãe como se quisesse que ela entendesse isso e cooperasse, mas minha nossa, era irredutível em situações assim.

— Mãe. – disse, baixinho, até por que a distancia dali pra mesa era quase nada e conversar com tom normal ali como se eles não fossem ouvir nada era como pensar que a vida fosse novela mexicana, mas Janio e Fabrício estavam bem entretidos na mesa de jantar. Voltou os olhos a ela. -, Já erra com garotas, acha mesmo que ainda pode estar certo sobre ele?

— Não tem certeza então que ama a Jasmim? – perguntou ela, com um tom de preocupação e interesse de mãe. Márcia sempre com aquele semblante consternado. Rum.

— Mãe. – murmurou entre dentes, arregalando os olhos malmente.

— Mas meu filho. As minhas amigas sempre dizem que tu é estranho, todo mundo.

— Mas a senhora sabe que sou assim. – e com vigor nos olhos disse: – sei que nada vai adiantar do que vou dizer, mas se for preciso, repito, mesmo que não aprenda, mas sempre vou defender meu lado. Eu não tenho problemas, eu não sou psicopata. E mais, a senhora sendo desse jeito acha mesmo que se eu fosse gay, diria? Porque vendo isso agora, o mundo inteiro saberia menos a senhora por medo da senhora pensar que só por ver eu admirar tanto alguém acha que quero meter o pinto nele. – terminou, engolindo em seco. E sentiu uma ponta de culpa por falar assim com ela, esse era o ruim, doía, mas ela tinha que saber dessas precipitações perigosas que sua cabeça fazia.

Mas, por estranho que parecesse, ela não mostrou tanto espanto quanto comumente.

— Quer dizer que você seria o ativo, não é?

Ele fechou os olhos. Nem sabia porque ainda insistia. Ela seria sempre assim. E tratou de controlar o estresse e respirar fundo para não machucá-la com palavras, mesmo que as que ele disse fossem bem ásperas, tentou se por no lugar dela caso fosse um pai preocupado. Se uma coisa que aprendeu na faculdade particular que falhou antes da sua federal, na matéria de psicologia, foi sobre empatia, pegou muito disso para si, sempre o ajudando em momentos assim, a lidar com isso.

Apenas suspirou, soltando um riso ao lembrar da forma que ela respondeu sua enorme fala. E encarou.

— Mãe, não sou gay. Jânio é apenas uma pessoa que to conhecendo e preciso, claro, já que moro com ele, e alguém bom de se conviver e o admiro pela pessoa que é. Porque mesmo tendo costumes, hábitos diferentes, a gente se da bem demais. É normal admirar alguém, somos seres humanos, e lembre-se que sou um também, ser Ítalo é uma diferenciação humana.

Ser ítalo é uma diferenciação humana? Droga, não tem como eu desdizer essa ultima frase?

Ela prestava atenção nele, fazendo-o se perguntar se ele não tinha um mérito de culpa ali. Nunca mostrou tanto carinho por seus pais. Gostava de ficar sozinho e sabia que podia aprender coisas incríveis assim. Ele sorriu e a abraçou. Talvez ela precisasse disso.

Talvez o problema estivesse em ambos, o mistério de ítalo e as manias precipitadas de sua mãe. Esses dois ingredientes misturados em um recipiente eram a receita de uma explosão.

Ela não disse nada, mas deu de ouvir o “rum” de seu riso. Ele fechou os olhos, sorrindo. Quando os abriu, teve um susto.

Entremeio a conversa, olhava Janio cada vez mais empolgado. E sabia o que acontecia quando ele se empolgava.

Márcia sempre teve uma aversão imperdoável à drogas, seja pela sua família, seja pela ONG que sempre ajudou. Por esse motivo, ela não podia vislumbrar a cena que seu filho flagrou por sorte. Na mesa, Jânio ficou tão empolgado com a conversa com Fabrício, que estava, sem perceber, levando sua mão ao seu bolso.

Onde tinha UM MAÇO DE CIGARROS.

Ítalo abriu a boca em surpresa. Aproveitou para falar.

— Pois é, vamos logo com isso que to com fome.

Ela assentiu.

Ítalo acelerava os passos antes que sua mãe chegasse ali, pondo a mão no ombro de seu colega de quarto, lhe avisando com o olhar quando este o encarou lá debaixo. Janio franziu as sobrancelhas, mas depois de Ítalo alternar o olhar em seus olhos e para baixo, viu que se referia ao bolso e sua mão puxando um cigarro. Janio empurrou de volta, respirando fundo por isso. Nem mesmo havia notado o que ia fazer.

Ítalo e a mãe voltaram para a mesa, se juntando a um Jânio e Fabrício que pareciam se conhecer a séculos, argumentando pacificamente e contentes com o resultado daquela conversa. Mas por outro lado, seu pai metia política em tudo.

E só parou de tratar daquele assunto quando finalmente tocou em um assunto que estava mexendo na sua cabeça desde que pos os olhos no beck.

— Eu não sei quem, mas seus olhos me lembram alguém.

E mudando de assunto, Fabrício perguntou sobre a família de Janio.

— E teus pais Janio? O que eles fazem? – Fabrício apoiou os cotovelos sobre a mesa e entrelaçou os dedos, erguendo minimamente o queixo e unindo sutilmente ambas as sobrancelhas, mostrando-se totalmente interessado ali.

— Meu pai é dono de uma lanchonete, já minha mãe trabalha como professora onde eu estudei no ensino médio.

Fabrício franziu o cenho.

— Professora? – fez cara de impressionado. – Olha, que bacana. Como nós todos. Ela é professora de que?

— Sociologia!

Fabrício piscou os olhos.

— E você escolheu filosofia por causa dela?

— Na verdade, eu sempre fui fascinado por pinturas, e como o senhor sabe, muitas das ilustrações referentes aos filósofos e sociólogos que conhecemos sempre foram metafóricas e interpretavas, eu sempre gostei de analisar, e a partir daí que começou meu interesse pela disciplina.

O cenho franzido de Fabrício perdurou por bastante tempo.

— Eu também. – disse, quase como um sussurro.

— Ótimo, amor a primeira vista. – brincou Ítalo.

— Sim. – disse Fabrício, delirando. – Opa! – exclamou, e riu de si mesmo.

Márcia, contrariada, o acompanhou.

Depois de se recuperar, Fabrício continuou, para ver se esquecessem daquele momento estranho.

— E sua mãe estudou onde? – ele cortou um pedaço do doce e levou a colher a boca.

— Ela começou em São Paulo, mas terminou aqui no Amapá, logo quando a UNIFAP abriu.

Fabrício voltou com aquele maldito cenho franzido, de impressionado.

— Eu também fui dessa turma.

Surgiu um vinco entre os olhos dele. A maneira como os olhos de Janio circunvagavam a casa eram tão naturais e pitorescos, aquela cor como uma orbe banhada de óleo e viva, mas lembravam os olhos de alguém que parecia tão inofensivo, mas outras vezes perigo, típico de alguém cuja vida fudida exigia muros e jogos

— Seus olhos, me lembram alguém, rapaz. – declarou, voltando com o assunto que martelava em sua cabeça durante todo o almoço.

— Todo mundo diz que tenho os olhos da minha mãe.

— Qual o nome da sua mãe?

— Marília. – respondeu o estudante de filosofia antes de levar uma colherada do mousse de maracujá para boca. – Ta gostoso.

Fabrício não tirou os olhos do beck por nenhum momento, como se estivesse assimilando algo, arregalando-os logo em seguida.

Aqueles olhos que se transformavam em lanças ardilosas antes de galgar muros, tomar riscos mortais como se fosse a coisa mais natural de um cotidiano, que confrontou todos os pensamentos de Fabrício, lhe fez calar como ninguém nunca fez, e fez aprender como ninguém nunca imaginaria que ele tivesse tais conhecimentos. Aqueles olhos traziam a marca em sua vida.

Aqueles olhos, que fitos ao céu, cujo corpo no qual incrustado jazia mole e com braços e pernas jogados jazidos como uma boneca de pano atirada ao chão.

Vezes em que esgueiravam-se ate você e de volta, mas querendo que percebessem.

Aqueles olhos que lembravam a divindade que não importava onde estivesse, parecia transformar o ambiente em ruínas, e ela aconchegada como se nada ao redor lhe espetasse ou incomodasse, como a rainha dos escombros e do ar marrom e das nuvens avermelhadas. Foi uma percepção rápida do que quer que Fabrício estivesse pensando, enquanto Janio tinha toda a concentração naquela sobremesa.

Fabrício desviou os olhos para Márcia, encontrando uma expressão enegrecida em sua esposa.

Ítalo olhou de um para outro, não ignorando aquela situação alheia, visto que não deixava as coisas passarem batido por ele tão facilmente.

— Vocês a conhecem? – perguntou então, curto e objetivo.

Quando Ítalo perguntou isso, nem reparou sua mãe se mover da cadeira, se posicionando ao lado do marido, com um semblante pesado.

— Os olhos são dela mesmo. Não tem como negar. Mas a boca, o nariz, o queixo...

— Mãe! – chamou Ítalo, ainda sem entender bem o que estava acontecendo ali. Sua mãe tinha uma suspicácia muito boa em reconhecer aspectos dos filhos vindo dos pais. Bom, talvez fosse coisa de todas as mães, mas a sua parecia ter um dom imaculável quando se tratava disso, e sempre expôs o que os filhos de outras pessoas tinham em seus pais, até o que não tinham, muitas das vezes deduzindo uma traição previsível em algum romance.

Márcia estava tensa. Fabrício, em algum momento, já nem estava mais de olhos arregalados, eles tremeluziam como se cenas em uma musica passasse em sua cabeça, lhe imobilizando em alguma comoção. Já Márcia, lutando contra um arrefecer, querendo esquecer e lembrar que o amigo do filho quem estava ali.

Janio ergueu os olhos para ela, e Márcia jurou ter visto um fantasma.

— Vocês gastavam da minha mãe? – Janio parecia nem mesmo ter se tocado do que estava acontecendo até erguer os olhos e ver um assombro no rosto dos pais de Ítalo. Rapidamente, encarou seu colega de quarto, louco por uma resposta, mas Ítalo parecia tão intrigado quanto ele.

— Por que, você não gosta? – Márcia trouxe a atenção dele de volta para ela.

Ele deu nos ombros.

— A gente se desentende muito. Mas ao mesmo tempo as pessoas dizem que somos parecidos.

Márcia não conseguiu mais encará-lo, olhando para baixo a todo momento.

Voltou para seu lado da mesa, colocando mais mousse para Janio enquanto trocava um olhar significativo com o marido.

— Mas ela vive em São Paulo. Raras vezes que vem pra cá. – continuou Janio, mas fora ignorado com silencio.

Ítalo nunca foi idiota com as mensagens de trocas de olhares de seus pais. E temeu a troca de início, até mesmo se preparou, mas a vida resolveu pregar uma peça.

Se preparou para saber o que achassem de Janio, mas então a vida resolveu trazer a eles de volta alguma lembrança assombrosa do passado, a qual Ítalo deduzira através de suas expressões. E a troca de olhares foi pior, porque Ítalo estava cada vez mais de fora quando aquela coincidência veio à tona.

— Quem é Marília? – perguntou Ítalo.

— Foi uma colega da faculdade de seu pai. – respondeu Márcia, já se levantando da mesa. – Meninos, se nos dêem licença, vamos nos aquietar com a comida na cama. – disse, soltando uma risada descontraída, evitando disfarçadamente a curiosidade do filho.

— Pois é, vai passar aquele filme da Record agora, não quero perder.

De boca cheia, e olhos como de marsupiais, Ítalo reclamou.

— Calma ai, ainda nem vi vocês discutirem da existência de deuses gregos.

— O único deus que acredito é do cristianismo. – retrucou Fabrício, com algum tom sábio e mais uma vez apontando o dedo para cima, como Platão na prova do Enem. Empilhou a louça da mesa, levando a pia, enquanto Márcia voltava com um pano molhado e limpava a superfície.

— Eu também. – concordou Janio, admirado com a pose de Fabrício. Era quase como Ítalo admirando a fumaça

Não demorou muito, os pais de Ítalo se despediram, com seus semblantes sorridentes e receptivos de volta. Disseram para ambos ficarem a vontade e que em algum tempo poderiam marcar outro almoço. Seja lá o que os pais de Ítalo tinham com Marília, iriam tratar Janio independente de qualquer diferença com a mãe dele.

No quarto do letrado, Jânio olhava tudo com sob um olhar curioso de Ítalo, como se Jânio procurasse algo. Então Ítalo notou. Jânio querendo ler alguém. Isso era inesperado, mas interessante, pensou o Letrado. Mais interessante ainda ao observar que o filosofo mirava os olhos por cada detalhe, empenhado e com esmero, como se ajudasse. As pessoas achando que Ítalo fosse penetrável, se minuciosamente. Que engraçado, pensou ele. Como se ler ele fosse condicional.

— Quer dizer que é ateu? – perguntou Janio, sem desviar os olhos ao redor.

— Não acredito, nem desacredito. Desde pequeno, meu avo sempre falou que os deuses gregos eram reais.

Janio pareceu surpreso, mesmo não contorcendo tanto o rosto como Ítalo, tudo se resumia mais ao quanto seus olhos resplandeciam a cada informação captada.

— Ta zuando?

— Isso não é nada. – reforçou Ítalo.

Janio voltou a observar ao redor.

— Não costumo fazer isso, decifrar as pessoas, mas mesmo olhando ao redor, não consigo. Bem que dizem, você é um mistério. – Jânio quebrou o silêncio, corroborando o que Ítalo deduzira.

— É porque está procurando da maneira errada. – explicou Ítalo. - Apenas com os olhos. - riu inalado, se deitando ali em seguida.

No chão.

Jânio só fez observá-lo. Ítalo encarava o teto. O beck tentou procurar algo para o teto, mas talvez só visse mais de baixo e se agachou. Olhou para Ítalo e depois para cima, ainda não vendo nada. Entregou-e a ideia do outro e deitou-se a olhar. Assim, era ele deitado com a cabeça para a janela e ítalo para a porta. Não conseguia ver nada, mas teve uma sensação ali. Duas na verdade. Uma de querer relaxar e pensar, como se estivesse no cume de uma montanha e olhasse o horizonte como se sentisse uma presença extra do mundo e de ter um momento.

— Tú, uma vez, disse que lavar louça era sua máquina de ideias, mas aposto que essa é a melhor.

— Talvez. É um hábito.

— E por que mirar o teto?

— Sempre faço isso depois de fazer algo, como arrumar a casa, então eu simplesmente me deito no chão. Acho que todo mundo já fez ou faz isso, mas eu...

— Parece fazer do modo especial.

Jânio sentia o chão duro e gelado na cabeça, porém gostoso nos braços. Mas logo distraiu-se dessas sensações. Sentia-se como uma raiz, preso ao chão como se fosse muito mais além das lajotas, mas ao todo chão do mundo, como se fosse possível estar ali e em qualquer canto da terra, uma espécie de conexão de buraco de minhoca. Ouvia o som do cachorro, de choro de criança em outra casa, da geladeira fechando e suas partes se prendendo, de talheres, sussurros. Deitado ali dava a sensação de tudo parecer mais rápido, sono, relaxamento, despreocupação, respiração, como se pudesse ter as melhores sensações, como uma droga natural e abstrata. Seria legal ver Melissa sentada em cima dele dali de baixo ou ver uma fumaça sair de sua boca.

 Deve ser legal fumar aqui. – comentou Jânio.

Ítalo imaginou facilmente essa cena de forma agradável, sobretudo da fumaça subir em espirais. Sorriu com o resultado.

Houve passos e sombras passaram pelo vão da porta. Ítalo disse que era seu pai passando, ainda mais quando tirava carne do dente, e depois sentiu o rastejar de seu irmão.

Era como se os sentidos de ítalo fosse sua câmera, mesmo entre paredes, tinha a habilidade de distinguir o que estava acontecendo em qualquer canto da sua casa. Como se viver ali, recluso, como ele diz que vivia, apurasse seus sentidos, como o personagem demolidor.

Jânio arregalou os olhos e arquejou.

— Demolidor! – olhou para Ítalo, surpreso e eufórico. Ítalo o olhou também, com as sobrancelhas franzidas pelo susto, mas sorriu e riu, voltando a olhar para cima.

— Parabéns. – disse. – Sim, esse é o porquê do meu apelido.

Agora tudo parecia fazer sentido, sobretudo a maneira como Nicolai ousava insultá-lo e porque Ítalo parecia ter vontade e revirar os olhos com isso. Suas amigas inventaram esse apelido pelo jeito enigmático e pelas suas habilidades, e muitas vezes o chamavam de psicopata por isso ou de Ítalo o estranho, isso explicava o deboche e zombaria de Nicolai. E Jânio gargalhou pra valer, tanto que os joelhos erguiam e colocava a mão na barriga. Ítalo balançava a cabeça, mas acompanhava na risada por ser contagiosa, e ainda bem que só descobriu agora, porque se não poderia rir no momento que em Nicolai o zombou, seria horrível. Jânio riu mirando os olhos no teto, parando aos poucos e com o olhar plácido ali, lembrando o harmonioso almoço que teve horas atrás.

— Obrigado pelo convite. Seus pais são legais. – O beck ergueu o punho para Ítalo bater, o qual este encarou por uns segundos, não hesitante, mas curioso e ergueu o seu para bater no dele.

Ítalo não falou nada. Ponderou sobre esse comentário junto com a cena recente de sua mãe. Eram, pensou, eles tinham seus jeitos, mas eram. Mas Jânio sabia disso, não afirmava com ingenuidade, e isso fez Ítalo pensar nos pais dele. Virou a cabeça para ver sua expressão tranquila fitando o teto.

— Falando nisso, nunca cheguei a conhecer seus pais. Porque não convidamos eles para um almoço?

A curiosidade só atingiu Ítalo naquele momento, ainda mais depois de descobrir que seus pais conheceram a mãe de Janio. Queria saber se Janio e mãe eram parecidos mesmo. Além de que algo dizia que eles pareciam ser pessoas interessantes. Jânio parecia pensativo sobre essa ideia.

— Se der. – foi sua resposta.

Depois ficaram em silêncio por uns minutos. Os dois estavam numa verdadeira situação de descontração. E pensavam só uma coisa sobre esse silêncio relaxante. Era grandioso.

Sem chateações, preocupações, compromisso e estresse.

Jânio virou o rosto para o lado, Ítalo estava com as mãos sobre o peito, como um morto, enquanto ele próprio, quando voltou a olhar o teto, cruzou as suas debaixo da cabeça.

Janio levantou o tronco, se sentando, e apoiando os antebraços nos joelhos.

— Seria estranho.

Ítalo franziu as sobrancelhas.

— Por quê?

— Não sei. Sua família, você tem seus conflitos, mas são uma família. Já a minha...

Ítalo piscou os olhos, intrigado.

Janio soltou um suspiro pesado e cansado, se levantando.

Ambos de pé, Jânio surpreendeu-se quando perguntou por um quadro do lado do quarto e Ítalo dizer que quem pintou foi seu pai.

— Caraca! – disse, parecendo chocado pela quarta vez. – teu pai é um artista!

Ítalo meio que ria achando exagero dele. Era um quadro bonito sim, mas estava meio acostumado a vê-lo. E não sabia porque havia esquecido ele. Depois dessa observação, Jânio passou a apontar e ver com mais clareza outras coisas, como marcas de mão na parede, de cera de ouvido, de meleca, respingo de café, de tinta de impressora, de nomes escritos por dedos que se podia ver em certo ângulo contra a luz, de marcas de adesivos.

Ítalo pensou sobre algo, e olhou Jânio que lhe encarou de volta, como se pensasse em algo parecido. Volveram seus olhos para o quadro e se entreolharam, com um sorriso arteiro.
...

— Aqui. – disse Jânio, segurando o quadro de um lado e Ítalo fazia o mesmo de outro. – Cara, como eu amo o rio amazonas, sério, essa é uma das coisas pela qual eu digo que somos sortudos por sermos brasileiros.

O quadro estava na posição perfeita, na parede, em cima da televisão, de frente para o sofá.

Então se sentaram ali para ter a melhor visão, comentaram sobre isso e riram por achar terem criado uma piada interna sobre ângulo ao se esforçarem para simplesmente posicionar um quadro.

Colocaram o mousse sobre a mesa e uma colher estava em cada mão.

— Sabe o que ficaria bom? – perguntou Ítalo.

— O que? – quis saber Janio, de boca cheia, encarando-o por um segundo.

Os olhos dele da cor do rio brilhantes como o reflexo de um por do sol. Ítalo ficou muito curioso como aqueles olhos poderiam receber olhar enegrecido de sua mãe.

— Biscoitos.

— Verdade. – concordou Janio, com uma veemência nos olhos, que não eram a euforia da nicotina, mas sim de sua própria bondade.

Essas coincidências. Ítalo pensou no que dona Ellen disse. Isso o fazia nutrir cada vez mais certeza que Janio era a segunda alma pura de quem ela falava.

Janio, Janio, que surpresas ainda posso esperar de você?, pensou, estreitando os olhos divertidamente para aquele ser que comia confortavelmente, como um felino distraído.

Ítalo se levantou e direcionou-se para a porta para comprar o biscoito.

— Já volto. – disse, antes de bater a porta.
...

Quando ítalo chegou, flagrou uma cena de Jânio em grande ansiedade. Algo totalmente fora do comum daquele corriqueiro mar sereno que ele era. Quando Ítalo fechou a porta foi que o filósofo parou de alternar entre sentar e se levantar e andar de um lado para o outro. Ele se levantou no mesmo instante que havia se sentado e parou em pé, encarando seu colega de quarto, apavorado.

— Ítalo, mano, me desculpa, cara.

Ítalo franziu as sobrancelhas, estranhando aquilo. Se aproximou devagar, receoso e desconfiado.

— Por que caralhos você está se desculpando, beck? – perguntou, quase entre dentes.

Janio começou a ficar com a voz fina e a chorar. Repetia incessantemente “me desculpa” à medida que ia se sentando no sofá e cobria a cara com as mãos. A única coisa que Ítalo podia fazer enquanto esperava por uma resposta era tomar conta de sua respiração.

— Janio. – chamou Ítalo. E tentou tirar as mãos da cara dele, mas o estudante de filosofia permanecia irredutível. De pé de novo, sentiu agonia de ver aquele marmanjo com cara de culpa de quem fez merda e não saber lidar com isso.

Ítalo suspirou, nervoso, foi na cozinha tomar água, imaginando por um momento que o beck estivesse sob efeito de alguma droga que Ítalo não tinha conhecimento que o beck escondia. Voltou da cozinha com um copo na mão.

Juro por pelos deuses gregos, se você estiver sob efeito de drogas, jogo essa água na tua cara.

— Fala logo, porque caralhos ta se desculpando antes que eu aceite que você está de fato drogado. – cuspiu essa palavras, com um tom ameaçador e raivoso na voz, antes de tomar um gole da água pra ver se aliviava seu nervosismo.

— Os agiotas levaram seu notebook.

O estudante de letras se engasgou com a água, se acabando em tosse.

— Meu notebook? – gritou. Além dos trabalhos da faculdade, era onde armazenava os álbuns de foto e, principalmente, suas histórias, seus projetos. Tudo lá.

Os batimentos de seu coração estavam mais para tremores, encarando Janio na mesma crise consigo mesmo, mas mesmo os olhos do letrado sobre o beck, Ítalo pensava em outra coisa.

Que de fato as surpresas de Jânio para sua vida não paravam.


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