Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 2
Capítulo 1 - Tudo por causa de um sabão (parte 1)


Notas iniciais do capítulo

Infelizmente, estou repostando essa história, o que significa perder meus preciosos comentários, sobretudo da minha querida leitora Denise. Tudo porque eu senti que o primeiro capitulo de 8 mil palavras foi o maior erro dessa história, que deveria ser dividido em dois.



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Ítalo estava se arrumando para ir para a universidade. E pela terceira noite seguida estava usando a mesma camisa preta, tava até criando manchas brancas nas axilas. Ergueu-as e deu uma fungada em seguida, franzindo uma cara de nojo logo depois.

— Mas tem certeza que você vai estar ocupado nesse dia? – perguntou sua amiga, algo no tom dela parecia estranho.

Ele suspirou de forma comedida para Emília não ouvir do outro lado e respondeu:

— Como assim se eu tenho certeza, por acaso tenho cara de quem tem Alzheimer?

— Ai, seu grossa. – replicou ela. Mas novamente algo ali em seu tom havia mudado. Houve um ruído no forro de Ítalo, o fazendo olhar para cima um instante. – Ai, Ítalo, sério, foi mal, mas eu disse que você ia vir junto comigo para essa feira de orientação educacional.

— Grossa, é, como sabe? – indagou maliciosamente num tom que fosse possível ela imaginar a cara dele. – Brincadeira.... – Porém não deixou passar a escolha de grosso por grossa, detonando o nervosismo. Ele piscou os olhos. E se tocou do que ela disse depois.

— Minha nossa senhora do Chomsky. Você o que? – Questionou-a, atônito. Não tava acreditando no que ela fez. A articulação dele em público era demais irregular que ou ele podia sair bem ou travar literalmente.

Seu espanto fora tão grande que o gato acima saiu correndo para algum lugar, rosnando. E saiu preocupado do quarto, que por coincidência, foi no mesmo momento que seu pai havia saído do dele. Este estava com os óculos caídos sobre o nariz, analisando uma papelada nos braços, dirigindo-se, em seguida, a mesa para ver melhor. Ítalo o seguiu com o telefone no ouvido. Fabrício sentou-se do outro lado de onde seu filho, Ivan, estava, merendando nojentamente, observado por ítalo, um café puro com pão doce. Seu gato, Mika, estava em seu colo.

Como ele podia ser uma pessoa horrível, mas maravilhosa para cuidar de um gato? Se perguntou Ítalo, com uma cara enojada para o primogênito.

— Será que o senhor tem quatro reais? – Perguntou Ítalo, voltando a prestar atenção ao que a garota dizia.

— É, - Fabrício fazia que sim com a cabeça, mas para outra coisa, com o cenho franzido em resignação. Sua testa estava mais vermelha que o normal, mostrando o cansaço e perturbação com algo. – Vamos ter que cortar gastos. – fungou o nariz por causa do descongestionante. – É meus filhos, como diz o caboclo, ou a gente economiza energia ou vai ficar todo mundo no escuro – Depois de arrepiar os dois com essas constatação, deu atenção à Ítalo - Pra que quer quatro reais? – quis saber.

— Tenho. – respondeu Emília.

— Pra comprar sabão. – respondeu seu filho. – Não é com você, idiota. – dirigiu-se à amiga, irritado por ela quase o fazer se atrapalhar, depois olhou para o irmão sobre a coisa dos gastos. - É, se certas pessoas não mantivesse o ar condicionado ligado durante o dia... – comentou. Seu irmão não parecia ter noção de avisos. Se seu pai avisava que não tinha dinheiro pra comprar comida, o primogênito de quatro minutos pedia para comprar lanche para as piriguetes, como sua mãe mesmo chamava. Se seu pai não ligava o ar condicionado de dia para economizar, seu irmão ligava como se a vontade dele fosse um direito da realeza.

— Agora? – quis saber seu pai sobre o dinheiro, com óculos, olhando o celular, mesmo que ítalo estivesse arrumado para ir à universidade, como se mostrava que não era pra agora. – O que disse, ítalo? – completou depois do “Não é com você, idiota”.

— Quando eu voltar. – respondeu num hesitante tom dúbio, meio que estreitando os olhos pelo obviedade. Emilia esperava do outro lado da linha, percebendo a voz de Fabrício.

Seu irmão estreitou os olhos para ele.

— Podíamos cortar o café. – Respondeu ele o comentário que ítalo dirigiu indiretamente a ele.

Num reflexo, Ítalo jogou a direção de seu olhar para o irmão e semicerrou os olhos num olhar mortal.

— Ou cortar a Mika no meio para economizarmos comida, seu infeliz de uma fi..

— Eeee. – atalhou Fabrício, com os olhos esbugalhados para o filho, que fazia um muxoxo e tentava se recompor. – Vamo parar com briga.

— Mas menino, que isso? – Espantou-se Emilia do outro lado da linha.

Seu irmão pegou um garfo ali perto e brincou com o pão, resmungando baixinho.

— Quero saber se tu paga as contas, porra.

— Ah, não se mete! – retrucou com aspereza à amiga.

Seu pai o olhou finalmente, como se esse último comentário do filho fosse para ele. Ítalo arregalou os olhos e fez um gesto para o telefone. Mas o pai não engoliu muito, firmando um olhar sólido e autoritário por detrás dos óculos, que ítalo quase não conseguiu manter-se não intimidado.

— Deixa que quando eu for comprar a janta eu compro. – disse então Fabrício, com ar de ponto final, voltando a olhar os papéis. Essa declaração Ítalo fez questão de gravar palavra por palavra.

Com isso, virou o rosto para o irmão, não esquecendo do comentário deste.

— Eu não pago, tampouco tú com esse teu tráfico de drogas barato ai. Quem paga é nosso pai, que se mata pra pagar essa merda, então cala a boca. – disse isso, voltando sobre a questão do seu pai.

Sobre o sabão, Ítalo sabia com todas as forças que Fabrício ia esquecer.

— Ele vai esquecer. – Alegou sua amiga. Mas que enxerida. Depois Ítalo ouviu ela arquejar de espanto. Podia jurar que havia tapado a boca. – menino, teu irmão é traficante?

— O senhor não vai esquecer? – Inquiriu Ítalo. Depois fez uma careta sobre a pergunta da amiga.

Seu pai balançou a cabeça e ainda disse um “não” com os olhos presos na tela do WhatsApp. Mas o garoto perguntou mais duas vezes dando ênfase mostrando que tava sério. No entanto, seu pai lhe respondeu novamente um “não” bem convicto.

— Quem negócio é esse de tráfico de drogas, hein?

Ítalo virou o rosto para o lado e viu Márcia, sua mãe, cuja tinha uma aversão traumática por drogas, estava de braços cruzados, oscilando os olhos em todos.

Houve gargalhadas do outro lado da linha. Despediu-se de Emília antes que enlouquecesse, dizendo que a encontraria na Unifap e ainda teria uma conversinha com ela.

Ele soltou um suspiro, tinha acabado de tomar banho, mas sentiu o corpo quente de novo e transpirando pela intensidade daquela conversa.

Essa família o enlouquecia.

Ele guardou o telefone no bolso, sentindo o peito quase ter uma falha desse estresse, pegou uma xícara atrás de seu irmão e a garrafa no meio dos dois e a encheu com a mão quase tremida, bebendo e indo ao outro lado da cozinha logo em seguida. Ítalo deixou bem evidente seu suspiro nada contente quando começou a lavar sua xícara de café, encontrando uma pilha de louça de pratos e vasilha de gato. Fechou os olhos imediatamente, controlando a respiração e saiu dali antes que atirasse aquela vasilha no irmão, como fizera outras vezes quando não conseguia se controlar.

Era desse jeito, gêmeos fraternos que não sentiam sequer uma conexão. Não era só porque seu irmão fosse loiro, de olhos azuis esverdeados e de pele alva e ele tivesse a sua branca, mas com a típica melanina brasileira, com cabelos tão negros quantos os olhos. Mas eles nunca achavam que fossem irmãos, definitivamente diferentes, não se gostavam, não sentiam dores no corpo de um quando outro sentia como varias pessoas lhe enchiam a paciência perguntando. Nada.

E era isso que fazia Ítalo pensar que sangue não significava nada.

@0_o@

Na universidade, Jânio estava sentado nos bancos de frente para o corredor junto de seu amigo Leandro de um lado e seu primo Caíque de outro. Ele estava preocupado. Uma observação feita por seu amigo. Ele estava mais preocupado que o normal, não era da natureza dele sentir-se tão aflito e inquieto, nem parecia aquele mar sereno e plácido que sempre fora.

O estudante de filosofia não balançava os joelhos, nem algum outro membro do corpo, nada além de passar a mão pelos cabelos escuros, com tons de caramelo, assim como seus olhos, mas Leandro sentia a batida do coração dele e hormônios de preocupação exalando de seus poros. Por um minuto, percebeu que ele distraiu-se com uma mensagem quando seu bolso vibrou.

(18/05/18) Melissa: Oi amor, amanhã vou estar passando ai no seu apartamento. bjs.

Melissa era louca, concluiu Jânio. Quando a conheceu, não deixou de se encantar pela sua beleza, seu cabelos castanhos como o brilho de chocolate, seus lábios vermelhos amarronzados, vestida na maioria das vezes em vestidos acetinados fundindo-se com sua pele dourada e dando curvas de manequim à seu corpo. Mas então veio a selvageria, os maus olhados sempre que ele não estava à disposição de algo para ela, os escândalos que ela fazia com ele e sempre terminando em um sexo selvagem. Ela o deixava louco, o maltratava e depois o manipulava com o coito mais ardente de sua vida. E, Jânio, trouxa como sempre fora, respondeu:

(18/05/18) Jânio: Oi, amor, vou estar lhe esperando, ♥

Guardou o celular e sentiu o coração, antes tremido, agora empolgado, até mesmo sorriu acalorado, fazendo com que seu amigo Leandro, que estava o encarando a todo momento, desse uns tapinhas em sua costa e virasse sua atenção para qualquer outro canto.

Enquanto isso, observando ao redor aleatoriamente, esquecendo a preocupação que lhe afligia recentemente, fixou, como quem não quer nada, seu olhar em um garoto entrando meio enraivecido pelo corredor, mas agora, este, disfarçando a raiva, recolocando a alça e caminhando em direção aos bancos como quem dissesse para si mesmo que deveria deixar coisas ruins para trás e seguir em frente.

Mas esse rapaz chamou sua atenção pelo medalhão que usava no pescoço, que ia até o meio de seu peito. Era de bronze, onde havia um desenho de uma árvore verde musgo com uma lua cor de lazulita atrás. Um acessório muito belo, pensou, queria saber onde ele comprara.

Ergueu os olhos e encontrou com os do rapaz, que retribuía com uma ruga entre as sobrancelhas, mas este tratou de mirá-lo adiante e dobrar o corredor para o bloco de Letras, onde Jânio o seguiu com seus orbes claros. Depois voltou a olhar para frente, distraído.

Esse garoto precisa de sexo, pensou ele.

@0_o@

Ítalo estava já no ônibus, sentando-se finalmente em um dos bancos. Queria chegar o quanto antes na universidade para se livrar do alvoroço que sua família tinha a habilidade para, mas o tédio naquela noite foi horrível que só queria chegar no quarto, abrir algo para ler até pegar num sono. Não costumava se dar ao trabalho de apressar-se para conseguir assento já que a primeira parada do ônibus era a sua. Mas o bom era que o motorista, depois que deixava o veículo ligado, descia para falar um pouco com os colegas enquanto os universitários subiam.

Logo depois de um rapaz de boné com uma sacola com plantas, duas professoras suas subiram e quando Ítalo virou para trás, os bancos estavam sendo ocupados.

— Hã... senhoritas? - perguntou, mas elas não olharam para ele. As cutucou de leve então, e meio espantadas, olharam-no. Talvez espantadas pelo seu estranho costume de chamar qualquer mulher de senhorita.

Ítalo se levantou e saiu dali, gesticulando o lugar para elas.

— Obrigada. – Agradeceu a mais velha, trazendo sua bolsa para frente do corpo e andando de lado para se sentar. Ele sorriu, simpático, e segurou-se em um banco. Quando ia olhar para frente, mirou os olhos no corredor ao pegar o movimento de uma planta escorregando da sacola do garoto de boné. Ele franziu as sobrancelhas e apontou para as plantinhas verdes.

— Ei, rapaz, suas plan... - parou ao reparar direito, seus lábios parcialmente abertos. - ..tas. - completou e olhou para o garoto, que lhe retribuiu o olhar, e só assim se tocou que era o mesmo que lhe encarava mais cedo, que deixou Ítalo curioso e meio aborrecido de alguém lhe encarar. Odiava, dava vontade de tirar logo satisfações, ainda mais naquele dia em que ele estava com o capeta no coro, como o próprio pensava. Ele parecia irreconhecível, talvez, porque o boné escondia o pequeno tufo de cabelo.

Bem que achou bem estranho um cara como “aquele” de filosofia estar segurando uma sacola com “plantas”. O jeito bobo de Ítalo mais a mancada do rapaz fez alguns tiraram sarro e brincarem com isso.

Ítalo fechou a boca, quase trincando o maxilar. O rapaz assentiu e pegou. O letrado aprumou-se, trazendo seus dedos para o banco e olhando a frente, através das janelas. Apertou com os dedos o topo. Era escroto as pessoas rindo dele, como se fosse tão inocente. Oras, pensava, não era culpa sua de não reconhecer essas coisas logo de cara. Essas... plantinhas dos becks. Não gostava disso, mas não fazia escândalo.

Era normal esse tipo de coisa na universidade, e vez ou outra, Ítalo tirava graça com isso com as amigas.

E riu internamente de modo sardônico.

Esse becks mesmo.

@0_o@

No dia seguinte, na manhã de sábado, Ítalo foi ao banheiro com a cara amassada e de mijão adolescente, mesmo já com seus vinte anos. Quando saiu do banheiro, viu seu pai deitado numa rede e perguntou:

— O senhor comprou sabão? – Ítalo já tava cansado de fazer essa pergunta, e o tom dele deixava escapar essa impaciência já que ele esperava que a resposta fosse não. Pronto, agora ta virando rotina.

Pela cara do seu pai vincada no celular, dando não sem olhá-lo, sabia.

— Esqueci.

Ele encarou por alguns segundos seu pai no telefone.

— Eu vou almoçar, compra lá enquanto eu almoço. – foi a solução que o menino encontrou para não perder a cabeça.

Só disse isso e foi separar um pouco de frango cozido que parecia um zumbi de tão pálido e na geladeira procurar açaí que por acaso não tinha. Teve que comer o frango cozido com arroz, o que ele odiava porque apagava todo o seu apetite. Deu três mordidas e jogou o resto para a cachorra. Nesse tempo, seu pai ainda não tinha voltado.

Pegou seu cesto de roupas, foi para a área detrás da sua casa e começou a encher a máquina. Seu pai demorou um pouco, mas veio.

E não trouxe a porra do sabão.

Quando ítalo perguntou pelo sabão ele foi logo tateando os bolsos à procura da carteira, e o estendeu uma nota de dez reais, arrancando um som de desgosto do filho.

— Mas meu filho, vai ali um instante. – disse seu pai, mudando o tom da voz para um tom fino mostrando sua impaciência, como se o filho estivesse exagerando em algo.

Isso foi à gota d’água para Ítalo. Deixou bem evidente seu peito inflado e fechou a porta com “cuidado”.

Ele morava em um lugar que podia ser considerado o fim da cidade. Geralmente pegava a ladeira que subia, mas nesse dia ele decidiu seguir direto pela sua rua que dava para uma área de ponte. Alí em Santana essas áreas eram tipo as favelas, pelo menos era o que ele pensava.

Nesse momento, sua amiga ligou. Ele puxou seu celular e atendeu.

— Fala, sua escrota.

— Ai, olha o jeito que fala comigo. Pensei que tivesse me perdoado.

— Você só me pagou uma coxinha. Isso não significa que eu te perdoei. Poxa, no dia que eu tinha ido pra Unifap quando cancelaram as aulas, me senti um anfitrião de uma mansão apresentando o campus para aquelas mulheres da chapa, até elas me perguntarem qual a minha opinião sobre o funcionamento.

— E o que você disse, o que isso tem a ver?

— Tem a ver que eu fui pego de surpreso. Sabe como é, entro ali, estudo, vou na biblioteca quando necessário, vou à festas do campus marco zero e só. Mas eu nunca tinha reparado nos problemas, ai quando a mulher me perguntou, eu disse que não, tava tudo muito bem organizado, ainda mais por que tinha poucos cursos, que tava começando, que tava muito bem regularizado. – dizia.

— E...

— E... que enquanto eu falava, uma garota do sexto semestre de pedagogia do nada disse “Desculpa, mas eu não concordo com você.”. Sério, não sei da onde aquela mulher saiu, mas me senti envergonhado quando ela listou uma quantidade de problemas que passava despercebido por mim. Ah, mas qual é, como eu ia saber que o pessoal de química tava tendo problemas com os instrumentos de laboratório, ou que não tinha uma brinquedo-teca? E sobre o R.U, ok, ela tinha até razão, mas eu tava acostumado a lanchar vez ou outra ali e vocês viviam me oferecendo, como eu ia perceber os problemas desse jeito?

— Ah, bobão, eu tava te ligando justamente pra isso, pra gente acertar o que falaria ali, pra você não pagar esse papelão.

— Só não entendo por que justo à mim recorreu isso?

Nessa hora ela guinchou tão forte que o celular pulou de suas mãos como um peixe na terra.

— Você acha mesmo que era a primeira opção?!!!

Ele revirou os olhos. Mas teve que desligar, pois antes de ele dobrar para subir outra ladeira onde ficava o comércio, havia três pessoas o encarando, pelo olhar, as roupas e a aura de bandidagem emanando deles, sabia que eram da ponte.

Gostava muito de suas três amigas que conheceu na Universidade, mas tinha vezes que era sufocante três mulheres com seus insultos e razões pra cima dele.

Entrou no comércio de canto.

Não tinha a marca que ele gostava, a de embalagem roxa, que era mais cheirosa, e claro, a única que aguentava suas roupas. Teve que voltar em casa, pegar a bicicleta com o pneu seco. Nossa, parece que tudo a volta dele conspirava naquele dia, pensava.

Ótimo, o que mais pode dar errado?

Ele fechou os olhos enquanto subia a ladeira com sua Caloi enferrujada e caduca ao lado, desejando não ter dito tal coisa, que costumava trazer azar.

Teve que ir até a rua da parada de ônibus, três blocos depois, para achar aquela marca.

Entrou, já procurando desde a entrada a marca no fundo, e soltando um suspiro nasal de alivio por estar ali. Quase sorriu como se fosse uma filha vindo a vida. E voltou pelo mesmo corredor, dando de cara com a entrada que ofuscava as segundas orbes mais sensíveis de sua vida com o sol quente. Pagou e atravessou a entrada.

E Foi como atravessar o domo para fora da mentira, como se ali fora sentisse uma sensação verdadeira. E sabia o nome disso, só não sabia que podia sair tão forte como agora. Pressentimento.

E como um pastor alemão, parou de encarar o chão e endireitou-se, como se varias agulhas o espetasse para alertá-lo, e virou o rosto em direção à avenida onde os ônibus transitavam, deparando-se logo de cara com várias silhuetas, cotovelos investindo contra estômagos e rostos, socos de braços magros, que por parecerem ossos sólidos e rochosos, davam a sensação de dor aguda.

Era uma ladeira bem funda, formando um U, e todos estavam bem embaixo.

Olhou para as áreas próximas, e havia poucas pessoas parando para prestar atenção. Ele aproximou-se quase pelo automático com sua bicicleta lascada. Estava curiosamente tentando distinguir, e pareciam ser uns moleques playboys com uns meio roqueiros, meio rappers, meio... becks?

Aproximou-se mais ainda para ver melhor. Eram eles sim. Eram os becks. Pelo menos ele achava que fossem.

Ítalo balançou a cabeça, incrédulo do que estava vendo. Esperava de qualquer malako, não deles.

Os playboys eram bons em investir no soco, mas os becks tinham uma desenvoltura, uns desvios mais do que eficientes. Apenas um, de boné, que por distração, ficou em desvantagem. Acertaram ele que o fez cair de bunda no chão. Um carro passou logo por trás dele, fazendo Ítalo esbugalhar os olhos e dar um passo a frente. Mas que reflexo mais filho da puta foi esse do beck? Pensou ele.

Não tava conseguindo dar uma curva com a bike e ir para casa, não enquanto visse todos bem ali e aquela briga escrota terminasse. Talvez seja por isso que muitas pessoas, sejam para sair, trabalhar, ou com comida nas mãos, paravam e esperavam, seja um peixe assado ou seus litros de açaí com mortadela, com medo de se meterem, mas o lado humanitário fincando seus pés no chão, querendo o alívio. Ou talvez fossem um bando de curiosos.

Talvez Ítalo estivesse tendo um sentimento repentinamente humanitário.

Ele começava a ter uma respiração mais ansiosa, com os olhos fitos naquele garoto. Ele conseguiu, o beck, se levantou, e Ítalo soltou os pulmões. O playboy investiu o punho para o rosto dele, mas o beck teve tanta sorte que o boné saiu voando, atingido em vez do rosto quando desviou, revelando um tufozinho de cachos.

Não tinha mais dúvida de quem era.

Eles dois eram os únicos na área perigosa, já que onde os outros estavam havia cones interditando. E um sedã preto passou perto deles, dos dois afastados. Ítalo esbugalhou os olhos de novo. Os vizinhos e enxeridos exclamando seus espantos. Depois um pálio buzinou, zunindo no meio deles. Mas mesmo assim o playboy ainda ia em direção. E uma moto passou zunindo no meio, fazendo o beck dar um passo para trás e olhar para os lados, vendo que algum outro veículo descia.

Ítalo meneou sua cabeça de uma forma que sabia o que significava. Puxou os lábios para dentro, forçando aquele sentimento escroto e forte a acalmar. E entregou-se resignado.

— Porra! – e passou a andar com a bike a seu lado para frente. O pneu arrastando no chão, ele puto da vida consigo mesmo e com o maior nervosismo que podia ter.

— Porra, porra, porra. – xingava a si mesmo, como se fosse uma manivela que o mantivesse com a coragem, na verdade  não sabia o que era de fato, e montou a bicicleta. Começou a pedalar.

Enquanto isso, os dois lutavam como se fosse uma batalha dos deuses ali, não era um briga besta entre dois caras, estavam desviando de carros e motos e isso parecia aumentar a adrenalina em seus corpos para que lutassem sem medo de nada. E Ítalo inclinou o corpo para frente, tinha que deixar isso apoderar-se dele, pelo menos naquele instante. A bicicleta descia pela ladeira.

Mas as coisas não eram tão fáceis assim.

O beck, como previsto, caiu de bunda no asfalto, e o que vinha ali era um ônibus descendo do outro lado, e ítalo, com um medo inusitado, arregalou os olhos, com a bike sem controle naquela hora ali, os pneus demais secos e acabados, fazendo ele sentir curvas onde quer que passasse. E sentia que a qualquer momento a câmera ou qualquer outra coisa voasse para fora e ele se esfolasse todo.

Jânio estava de bunda no asfalto, com as mãos espalmadas ali, como se estivesse em dúvida se levantava ou não. Pelos deuses, aquele moleque ficou em estado de choque?

O playboy saiu dali da frente se juntando aos outros. O ônibus era rápido. Os moleques continuavam a se esmurrar.

Ítalo estava vindo na direção contrária e isso que pegou atenção do beck, fazendo ele se sentir um pouco livre do transe ou como se pensasse que outro ia se lascar.

Ítalo inspirou e soltou, pronto para gritar. E a mão direita desgarrada do guidão. Ouvia o som de zum, zum, zum da bicicleta.

— soooooooooobe!

Janio arregalou os olhos, estendendo sua mão para a esticada de ítalo. Isso não vai dar certo. Mas tentaram da mesma forma. O coração de ambos como se o vento passasse raspando lá dentro de seus peitos. Não souberam como aquilo foi possível. Mas ítalo o puxou, e por reflexo o beck se levantou e agarrou na garupa, pulando nele, escapando, o pé arrastando um segundo no asfalto, e pulando de novo, Ítalo sentindo um descontrole tão forte à medida que a buzina do ônibus se tornava ensurdecedora, além dos gritos estridentes de terror das pessoas, e ele fez uma careta de dor por forçar o tornozelo, também pelo equilibro e o pedal, sentindo como se algum deles fosse partir, sentindo a força do vento do veículo ao lado empurrando a roda traseira, passando por um triz perto deles, e Ítalo pedalando para cima da ladeira.

Tudo nele doía, os braços, as pernas e o cansaço danado. Pra fôlego não tinha mais espaço.  As mãos de Jânio apertavam seus ombros e ambos sabiam que tanto um quanto o outro estava lascado já que Janio se ferrou todo para subir.

E tudo foi ficando mais lento em contraste com adrenalina fervendo em seus corpos.

Ítalo parou ao chegar no topo, de frente para uma rua movimentada, e apoiou um pé no chão, enquanto o beck descia, meio que mancando com uns riscos na calça rasgada, mostrando umas feridas meio feias.

Depois de se recuperar um pouco, olhou para Jânio, franzindo as sobrancelhas ao deparar-se com sua expressão.

O beck lhe encarava de forma estranha. A cabeça inclinada para o lado, os olhos expressivos como se vissem uma criatura inusitada e fascinante. Ítalo apenas devolveu uma ruga entre os as sobrancelhas com a boca aberta, para melhor respirar.

Maconheiros são tão estranhos.

Jânio abriu a boca, travando qualquer frase com fascínio embutido. Fechou-a, demorando e perguntou:

— Mano, ta tudo bem?

Ofegante, olhando para o chão, encostando os cotovelos no guidão, pensou, eles tinham o costume de chamar qualquer um de mano.

— Ta. – soltou esbaforido. Qualquer um o cacete, salvei a vida dele.

Ergueu a cabeça, sentindo uma ardência dos infernos nos olhos, espremendo-os e tentando mantê-los abertos ao mesmo tempo. Tinha acabado de acordar e feito uma doidice dessas, agora sentia todo o peso.

— Porra! Meus olhos tão ardendo, minha canela parece um osso prestes a quebrar e tudo dói como se eu tivesse reumatismo. Quer saber? não, não to bem. – reclamou.

Olhou então para Jânio, que olhava para o meio da avenida e Ítalo, curioso, seguia a linha da mira dos seus olhos. Os grupos pareciam fazer uma trégua naquele momento, mesmo que desconfiados e escondendo nesse gesto o susto que tiveram. Dois garotos olhavam para cima, em direção a Jânio. Jânio ergueu os polegares como sinal de positivo. E os outros fizeram isso.

Sobre essa briga, Ítalo poderia perguntar o que aconteceu, como aconteceu, mas...

— Eu tenho que ir. – avisou.

Jânio o encarou assustado, piscando os olhos, e dançando com eles pelo chão, como se o que o rapaz que salvou sua vida tivesse dito algo tão confuso como um cálculo de química avançada.

Apenas assentiu.

— Mano, eu não sei..

Ítalo o cortou.

— Não precisa dizer nada.- e endireitou-se na bicicleta, e só assim olhou o estado. – porra! – exclamou, descendo da bike e se agachando para verificar melhor a situação dos pneus. Ele balançava a cabeça. Essa merda ta acabada, era um milagre não ter desmontado. Quer saber, pensou ele, milagre mesmo era eles terem saído vivos dessa. Olhando o estrago das brechas e da câmara piscando, lembrou quando tremeu quando Jânio pulou e fez de tudo para não cair, fez força para pedalar, sentindo como se sua canela fosse quebrar. Não fazia idéia como a corrente não rompera.

— Eu posso dar um jeito, conheço o cara da oficina. – prontificou-se o estudante de filosofia.

— A última coisa que quero é passar perto daquela oficina. – retrucou Ítalo de imediato, pois a oficina a qual Jânio se referia ficava na frente onde todos brigavam. - Mas não se preocupa, foda-se essa bicicleta, só quero chegar em casa e lavar minha roupa. – disse, e se ergueu, encarando-o. – Boa sorte aí. – estendeu a mão. – e sei que não é da minha conta, mas tenta não se meter mais em briga.

Jânio abriu a boca, caramba, ele se sentia um idiota por não conseguir falar as coisas direito. Mas também, acabara de ver a vida querendo dar tchau, e do nada, alguém a puxando de volta.

— Isso foi muito louco, mano. – disse, baixinho, olhando bem nos olhos dele. Sorriu. – Cara, isso foi muito louco, ta ligado? – e apertou sua mão, bem forte, como se agradecesse por toda sua alma. Ainda estava gelada devido ao susto.

Esse comentário e sorriso curioso permitiram que Ítalo soltava um riso nasal, olhando o asfalto por u momento, pensativo e assentindo.

— É... foi mesmo. – soltou a mão dele e segurou o guidão, seguindo seu caminho pela calçada da rua.


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