Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Esse prólogo é muito importante, pois conterá pistas de tudo que vai acontecer na série. Bastam desvendar, ha ha ha.

(revisado dia 28/08/18)



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Música: The sound of silence (original version from 1964)

Um universitário de letras estava deitado no chão de sua cozinha, olhando o teto, refletindo se já não era hora de tomar seu rumo. Deitar-se no chão dessa forma era um dos melhores momentos de conexão que Ítalo tinha, como se fosse uma árvore enraizada ao solo. Quem olhasse dali de cima, seja um anjo, um espírito ou um inseto, veria as pontas de seus cabelos pretos de cinco meses e meio espalhadas pelo chão e seus olhos, de íris raras e negras, debaixo de sobrancelhas grossas e arqueadas, perdidos e ao mesmo tempo tranquilos em pensamentos.

Um desses pensamentos era sobre um acordo com um garoto da universidade. Iria dividir um apartamento com um desconhecido praticamente. Assim, do nada. E tinha motivos para ter receio dele, mas mais ainda de continuar morando naquela casa.

Um suspiro pesado escapou dele.

Deitar-se no chão daquela maneira desgarrada era um hábito dele. Sempre depois de praticar capoeira, despencava o corpo na grama e passava a assistir as nuvens transitando o firmamento, ou depois de arrumar a casa, como naquele exato momento, caia deitado no piso de lajotas e descansava.

Tudo no silêncio da natureza.

Naquela casa, todos eram de licenciatura, sua mãe de pedagogia, seu pai de sociologia, seu irmão de história e ele de letras. E talvez isso contribuísse para suas personalidades e para os conflitos existentes alí. Era horrível, sobretudo seu pai, quando falava algo com bases teóricas, Ítalo apenas via um sociólogo, não um pai, e pior quando se juntava com o irmão de Ítalo, falando sobre política. Ítalo odiava política, sabia que tinha alguma importância, mas nunca se aprofundara nisso.

Momentos em que ele implorava por silêncio.

Sua avó materna implicava com isso, sobre a profissão dos quatro. Na última vez que ítalo a visitara, há dois anos, ele contara sobre querer ser escritor. Ele havia completado dezoito anos naquele tempo, e por isso, ela sabia que ele tinha planos, e queria saber quais eram. Respondeu com orgulho e um sorriso feliz que queria ser escritor. No momento em que ela ia abrir a boca, o neto logo acrescentou que tinha um plano B, claro, que era ser professor. Foi surpreendente por ela não esboçar nenhuma reação. E isso foi explicado quando ela ainda achava que ele tinha um plano C. Ele fez uma cara de confuso, repetindo a pergunta dela. E então, veio, ela bateu com a mão cheia de manchas e rugas na testa, balançando a cabeça, e exclamando um palavrão, em seguida lamentou de maneira áspera que seu neto seria pobre, mais um desencaminhado. Foi tudo que a Juíza da família disse.

Não era à toa que fazia tanto tempo que ele não a visitava. Da mesma forma, era sua família que andava difícil de suportar, e ainda queria se mudar com alguém que mal conhecia. Poderia ser pior. E é impressionante como ela era tão diferente do seu avô paterno, seu melhor amigo. O ruim era que seu avô não morava com eles, e sim em um asilo, como ítalo apelidava. Mas ele apoiava Ítalo em ser escritor.

Ser escritor. Ninguém sabia que isso o salvou de uma depressão, pelo menos era o que ele pensava que isso estava se apoderando dele. Depois do ensino médio, frustrou-se por não entrar na universidade de seus sonhos, mas nesses três anos de tormento na sala de aula, ele começou a rascunhar seu caderno e depois, depois de suas frustrações, de terminar o colégio, decidiu tomar uma atitude, e começou a criar seu próprio mundo, algo que só ele entendia e pela qual transbordava de paixão. Travado uma batalha entre a depressão e a paixão, conseguiu lidar com aqueles sentimentos ruins, encontrando na escrita sua essência. Um ano e meio depois da escola, com uma paixão crescendo dentro dele, conseguiu uma vaga no campus da sua cidade, depois de tentar pela última vez sem esperanças.

Ainda com os orbes negros fitos no teto, segurou seu medalhão como se lhe passasse algum conforto. Era de bronze, onde tinha uma árvore e uma lua atrás dela. Era de seu avô.

Mesmo depois de ter encontrado algo pela qual suspirava e enchia seu peito de uma coisa fascinante e inefável, e depois de ter entrado em uma universidade, tinha que aprender a ser menos isolado, pois estava acabando com ele. Ítalo vivia em seu quarto, sentindo as luzes azuladas e tristes filtrando pela sua janela. Em um dia no meio de 2017, ele saiu dali, e sentou-se no sofá da sala, assistindo o começo da reprise de senhora do destino, foi tão simples, simplesmente para um lugar onde podia ver árvores pela janela e uma luz de vida. A partir dai tentou conviver melhor com as pessoas, pois sabia que ele precisava disso. Foi aprendendo aos poucas a lidar com a agressão que a vida lhe fez depois de sair da adolescência, pois sair dela é uma batalha. E as cores do medalhão passarem a significar a transição do azul martirizante para o verde iluminador.

Ítalo não sabia dizer se sua vida era difícil ou não no momento. Porque ele não trabalhava, mas queria muito, era sustentado pelos pais, e isso o deixava mal, e cursava Letras, sentindo-se encaminhado. Seus pais tinham mil coisas para fazer para conseguir dinheiro para eles terem luz, água e comida. Além disso, ele falava telepaticamente com gatos, não sabia o porquê, mas foi ficando cada vez mais forte à medida que eles caiam do seu forro.

Era algo que ele não achava necessário contar, talvez um dia, quando alguma situação o obrigasse a isso. Já pensou em contar à seu avô sobre ele se comunicar com os felinos, pois seria o único, talvez, a não chamá-lo de louco. No entanto, quando Ítalo perguntou, uma vez ao visitá-lo, o que o avô acharia de pessoas que conversavam com animais, o resultado foi o contrário e assustador. Os olhos de seu avô brilharam como se algo ali o temesse, e como se tivesse o conhecimento disso. Ítalo resolveu não tocar mais no assunto.

Era contraditório, sua ambição pela paz e o tumulto que o cercava, que sempre em algum momento mudava sua vida. Como quando uma bomba explodiu perto dele em um antigo zoológico e o fez ficar meio surdo do ouvido direito. Foi um dia estranho e sempre que se lembrava, parecia ter sido um sonho. Seu avô sorrindo para ele e um brilho alaranjado atrás seguido de um estrondo. Ítalo conseguiu se livrar de parte do barulho quando seu avô o abraçou por proteção, mas ainda ficou surdo. E quando seu avô descobriu ele, eles estavam há quilômetros de distância do zoológico. Não sabia o que acontecera direito. Ele sentia que podia acontecer mais coisa, andou se preparando então. Já que podia estar se preparando para outros tumultos, podia arriscar viver com esse garoto.

Esse garoto. Havia quase o esquecido. Estava ali deitado no chão e refletindo por causa dele. Por seus costumes, suas diferenças, estereótipos. Ele parecia ser calmo e fácil de lidar, mas entre eles dois, um era estampado por livros e o outro, cigarros. Essa diferença o deixava pensativo. Parecia que o garoto representava muito de errado.

Mas ai ele pensou, estaria ele implicando na ideia de que livros e cigarros pudessem representar o rumo certo e o rumo errado na vida? Será que havia algo além disso? Será que ele estaria sendo tão ignorante quanto a isso? Será que havia um certo contexto por trás dessas duas palavrinhas?

Podia ter seus problemas com a família, mas e se ele se mudasse e tivesse problemas com isso?

Ele soltou um suspiro, balançando a cabeça para si mesmo e pensando: Mas que audácia!

Gostava da família, mas era difícil viver em harmonia com eles, queria começar logo sua carreira na vida, mostrar um dia à sua avó que ela estava errada em chamá-lo de “desencaminhado” e que o avô fez certo em apoiá-lo. E tudo começaria arriscando a morar com um garoto de filosofia, provavelmente maconheiro, chamado Jânio.

Era seu ultimo dia limpando aquela casa, até mesmo seu último momento de deitar-se no chão e refletir encarando o teto. Tudo começou uma semana atrás, principiando com um pacote de sabão. Saber que foi isso que mudou sua vida era estranho. Mas não reclamava, serviu de impulso para o melhor acontecer.


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Notas finais do capítulo

Gente, espero que tenham sentido o que senti!
Me digam o que acharam e a sensação ao ler esse prólogo, isso é muito importante pra mim. Abraços, e nos vemos na quinta.



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