Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 18
Capítulo 17 - frequência Cardíaca




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Nas últimas duas semanas, as vidas de Jânio e Ítalo podiam ser comparadas a uma freqüência cardíaca, em uma normal e vezes a base de taquicardia.

Em duas semanas de convívio, Jânio e Ítalo interceptaram suas vidas em um cotidiano que tinha uma parte tranquilizadora quando se encontravam convivendo e outra onde o medo e tapas da realidade afligiam seus batimentos cardíacos sempre que cada um tomava seu rumo no dia a dia.

Sendo assim, parte de Jânio se via em paz sempre que chegava no apartamento e encontrava o colega de quarto em paz, desfrutando sua independência em sossego. Permitia alguns momentos de dialogo e descontração que o fazia bem em meio aos problemas que andava enfrentando nas ultimas semanas.

Jânio abriu a porta de seu apartamento, deparando-se com um Ítalo descontraído no sofá da sala, cuja voz seduzia com palavras estrangeiras o silêncio corriqueiro do ambiente. O estudante de filosofia ainda estava absorvendo saber que qualquer ruído que seu colega emitia era harmonioso.

— Aí sim, que bom não te encontrar dormindo mas sim... cantando. – disse enquanto entrava, num olhar com mistura de estranheza e divertimento, e fechou a porta atrás de si.

Ítalo estava deitado, a cabeça apoiada no encosto do sofá, com o tornozelo direito em cima do joelho esquerdo erguido. Ele olhou para Jânio por um segundo, volvendo seus olhos para a revista em seguida, soltando um riso nasal.

— É uma música.... especial. – comentou.

Jânio deu um sorrisinho malicioso.

— Posso saber quem é ela? – perguntou, deixando a pasta na mesa e se sentando no sofá.

Ligou a televisão sob uma leve gargalhada de seu colega de quarto que se ajeitou no sofá para se sentar.

— Não é ela. É ele.

Jânio o encarou por dois segundos, desviou os olhos pensativos para o chão e deu um aceno de cabeça duvidoso.

— E... quem é? É da faculdade?

Ítalo fez um muxoxo. E franziu o nariz, em negação.

— Não. Ele mora em um asilo, tem setenta e três anos.

Jânio tentou conter a reação, mas o queixo caiu antes mesmo que ele pudesse assimilar direito. Fechou-o e assentiu rapidamente assim que se tocou, saindo cômico aos olhos do letrado.

Foi então que Ítalo gargalhou mais alto, jogando um pouco a cabeça para trás.

— É meu avô. Não é nada disso que cê ta pensando não. Deixa eu te explicar. Eu e meu avô somos muitos apegados. E gostávamos muitos de assistir Dragon Ball. Eu amava falar inglês naquele tempo. Por isso pesquisei essa música de abertura. E vivíamos cantando juntos.

Jânio sorriu, lembrando do avo de Ítalo quando o visitou junto com Ítalo.

— Isso é legal, sua relação com Adalberto, é muito bacana isso. – disse-, olhando para a mesa depois, onde havia um notebook aberto.

— Pode pesquisar umas coisas do trabalho pra mim? – pediu, puxando sua pasta.

— Pesquisa ai, vou aqui no banheiro um instante. – ítalo se levantou, indo para o banheiro logo à frente.

Depois de pesquisar o que queria, ia mandar para o e-mail dele, mas a internet começou a falhar, então resolveu guardar nos favoritos. Não tinha o costume de fazer isso, mas viu que Ítalo usava e muito.

Tirou as meias fedidas e sentiu uma poeira nos pés, se arrependendo de as ter tirado.

Era curioso a forma que Ítalo administrava seu notebook, como se fosse uma empresa, cheio de anotações em algumas pastas que Jânio não ousou abrir por não querer parecer enxerido, mas os favoritos..., não era como se fosse tão enxerido. Podia descobrir alguma coisa de Ítalo por ali.

Havia marcado palavras de dicionário

Depoimentos de portadores de problemas psiquiátricos

Dez personagens de séries que apresentam transtornos...

Teoria: A Aria sofre de transtorno dissoativo de ident...

SIGAA – Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas...

Questões da nova PNAB – 2018, Integração Sensorial – O que é?

Para que serve o gengibre?

Pesquisa mostra livros censurados durante a ditadura

A ditadura e os livros, “Onde começam queimando os livros” – Trabalho sujo

Motorista x buracos

As 5 principais desculpas para quem foi pego jogando lixo

Amapá, minha terra amada, Praça da fonte nova –Plaza

Consumidor Pensativo A Pessoa Está Vestindo A Obscuridade

Japonês – Wikilivros

Partículas Japonesas - Significados e Exemplos - Japonês de Anime

LFSAG - LaboratoriodiFoneticaSperimentale 'Arturo Genre'

A lista seguia em questões de linguística, moda masculina, literatura e alguns problemas psicológicos. Este foi o mais estranho, mas o que o deixou boquiaberto foi a pesquisa de teor erótico, sobre literatura erótica, como Cinquenta tons de cinza, sobre como usar certos instrumentos e para que serviam, e sobre fantasias.

Quando ouviu o barulho da descarga e da porta do banheiro se abrindo, ele fechou imediatamente os favoritos e retornou para a página anterior.

Sensação de culpa e curiosidade o agitou, lhe fazendo transpirar e sentir mais calor.

— Obrigado, mano. – agradeceu, pegando sua pasta e saindo dali direto para seu quarto. Ítalo que estava entrando na sala nesse momento, sustentou sua mira em Jânio até este fechar a porta de seu quarto, curioso pela sua pressa. Deu nos ombros e franziu a cara ao sentir uma poeira nos pés.

Jânio tirou a blusa com a quentura, abriu a janela para arejar um pouco o ambiente e se deitou, olhando o teto, enquanto fumava.

Ítalo foi à cozinha beber um pouco de água e sentia até farinha no chão. Essa casa precisa de uma varrida, pensou ele. Começou com a cozinha, depois a sala, recolhendo qualquer resquício de sujeira na pá e jogando numa sacola. Ele bateu na porta de Jânio.

— Serviço de quarto?

— Abre, mano. – respondeu o outro do outro lado.

Ítalo abriu a porta, colocando a cabeça para dentro.

— Aceita uma varrida de graça, por conta da casa? – perguntou, com um sorriso deslavado.

Jânio estava deitado sem camisa, bem à vontade com um cigarro na mão, olhando para o teto, como se estivesse relaxadamente perdido em reflexões. Em uma caixinha em cima do criado mudo tocava uma musica de rap. Jânio sendo Jânio, sem saber o porquê. Ítalo achou isso engraçado. Jânio sorriu com a oferta, sem tirar os olhos do teto.

— Valeu. – agradeceu antecipadamente, dando permissão para seu colega de quarto entrar.

O quarto de Jânio tinha uma bela aparência. As paredes eram pretas, mas com umas simples moldura branca, incluindo a porta e a janela. O chão tinha uma cor creme com um tapete listrado na frente. Logo de frente para a cama, tinha um guarda-roupa, que entre ambos moveis Julieta estava enrolada, dormindo. Na parede logo a frente, onde estava encostada a cama de Jânio e o guarda roupa, havia pôsteres, mas atrás de Ítalo, na parede da porta, acima de uma mesa de estudos com materiais do beck, tinha um desenho feito a base de um giz especial, de uma cidade com ondulações de fumaça. No espaço entre a lateral a cama e essa parede, tinha um tapete branco que recebia luz direto da janela.

— Puxa. – soltou a admiração com está penúltima parte.

Enquanto varria, Jânio continuava a vontade. A janela de seu quarto estava aberta, e vez ou outra batia um vento gostoso dali.

— Sabe, você varrendo o meu quarto e uma música tocando, parece minha mãe na forma masculina moderna.

Ítalo pensou sobre isso.

— Nem me fale, até meu irmão quando ia fazer faxina inventava de tocar aquelas musicas do passado, melody, forró. Deus. Me sentia uma criança autista tapando os ouvidos.

Jânio riu, quase se engasgando. Riu mesmo, depois parou, se recuperando, balançando a cabeça.

— E tu, não?

— Às vezes, quando eu arrumava meu quarto, botava uma musica do meu gosto.

— Olha, fique a vontade.

Ítalo parou um instante, se apoiando na vassoura e o encarou.

— Você não se importa?

Ele balançou a cabeça.

Ítalo foi até a sala deixando tocar guns’n’roses.

— Ta brincando? Meu colega de quarto é responsável, organizado e ainda arruma a casa escutando música de bom gosto? Olha, desse jeito, até eu vou arrumar.

E levantou-se.

Mas tava brincando, riu em seguida, voltando a deitar-se, fitando o teto e soprando a fumaça habilmente.

— Cê lembra que sábado tem almoço na minha casa, certo?

— Pode crê.

Ítalo soltou um riso pelo nariz. Não sabia o porquê, mas achava as gírias engraçadas. Enquanto isso, Jânio soltava mais uma vez a fumaça pela boca, com seus olhos brilhando reflexo de alguma curiosidade.

— Sua família é como seu avo?

— Não mesmo. Eles são suficientemente uma média para amá-los e querê-los longe.

Jânio riu.

— Sei como é. Mas com Adalberto...?

— Se ele morasse com a família, acredito que as coisas seriam diferentes.

— Ainda acredita que poderia querer sair de casa?

— Sim, e levaria ele junto.

Jânio riu. Ítalo respondeu de forma tão decidida que pareceu até engraçado.

— Maneiro, cara, maneiro. Quer dizer que você e Adalberto eram uma dupla? – quis saber o filósofo, lembrando de Ítalo cantando a musica Dragon balls.

— Sim. – respondeu Ítalo com um sorriso, rememorando a infância.

— Vocês faziam composições também?

— Sim.

— E qual sua preferida?

Ítalo riu.

— Minha preferida foi quando ele compôs uma breve música enquanto passeávamos pelo mar.

— Gosto do mar, Ítalo.

— Eu também vovô. Mas por que você gosta?

— Porque me lembra você, sereno, puro, mas com suas ondas selvagens.

Ítalo soltou um risinho.

— Mas o mar me acalma, vovô.

O avo soltou uma risada calorosa.

— Serio? Então vamos fazer o seguinte. Vou compor uma música para você se lembrar do mar quando voltarmos para o Brasil.

Os dois encararam o mar agitado, assim como o vento em seus cabelos.

— Sinto seu mar

Sinto seu cheiro

Sinto seu aroma

O envolver de sua cooor

Azul, saltitante e do mar

Cantava Adalberto em uma voz vibrante.

— Sinto seu mar

Sinto seu cheiro

Sinto seu aroma

O envolver de sua cooor

Azul, saltitante e do mar

Azul, saltitante e do mar

— Saltitante?

Ítalo riu.

— O saltitante ele se referia a mim. Eu sempre fui uma criança quieta, mas perto dele era outra história. – respondeu Ítalo, tomando cuidado e varrendo com certa delicadeza uma área onde Julieta dormia.

Jânio assentiu.

— Bem louco. Loucão mano.

Ítalo riu, balançando a cabeça e voltou a varrer.

Após algum tempo, mesmo estando sereno como um rio, sentiu seu coração acelerado.

Botou a mão sobre o peito para caso não fosse um delírio.

— É normal o coração bater tão forte quando estamos super calmos?

— É taquicardia. Deve ser pelo consumo excessivo de café. Já aconteceu comigo. Vai passar,relaxa.

Ítalo ficou parado estranhando aquilo. Mas de fato passou, ainda com bastante calma.

O outro desviou por um momento os olhos para Ítalo. Este estava concentrado com a arrumação. Jânio olhava para ele como se quisesse ver um garoto com gostos peculiares. Será que ele gostava de açoitar mulheres no ato sexual ou o beck interpretará mal? Queria perguntar, mas ai teria que deixar evidente que bisbilhotou seus favoritos.

Mas talvez não fosse grande coisa para se questionar quem era ele. Mas então veio a noite do bong, a visita à casa de idosos, o medalhão. Simplesmente veio, como se quisesse incitar Jânio a continuar a se questionar.

Devo mesmo perguntar “Quem é você, Ítalo?”

Era muito curioso, porque Jânio tinha uma vida de preocupação quando não estava descontraído com o letrado daquela forma. Uma vida com riscos, para ser mais exato.

E Ítalo?

Logo quando Ítalo terminou de varrer, fechou a porta do quarto, mas abriu de novo como se tivesse esquecido de algo, com uma pergunta que deixou Jânio confuso.

— Por acaso você tem roupas brancas?

 

A vida de Jânio estava dividida em uma freqüência cardíaca normal e vezes taquicardia, seja pelo cigarro ou estresse de uma perigosa dívida.

Assim como Ítalo também tinha uma freqüência cardíaca dividida entre normal e taquicardia seja pelo café ou pelo descomunal e misterioso aflorar da sua vida adulta.

Houve batidas na sua porta e isso tomou coragem para ele se levantar, visto que depois de varrer a casa, Ítalo se arrumou para ir para a universidade e Jânio estava enrolando fazia tempo.

Quando abriu e se deparou com a visita, foi a hora da taquicardia da aflição de sua vida retornar.

...

— Vamos lá gente, olha só. – começou o professor, chamando a atenção de todos para si, escrevendo uma data e alguns pontos de sua explicação no quadro. – No dia vinte e seis de junho, nós teremos nossa última avaliação equivalendo dez pontos. Além disso, ela será coletiva. Estamos trabalhando lá com a turma de pedagogia essa questão da educação ambiental. Mandei um material para vocês, pois precisam entender essa discussão. Dessa forma, nós vamos contar com essa participação de vocês, tá? Ok. – ele tapou a caneta. – Então, o que é educação ambiental? Como é que tá sendo construído? Bom, o primeiro ponto vai ser a leitura desse material. Segundo ponto, nós estamos organizando um cronograma. Inicialmente, às 18:30, nós teremos uma palestra para todo mundo, ministrada por uma doutora Queila Master. Tá, e ai pessoal, a partir dai, às 19:20 precisamente, nós vamos desenvolver outra atividade que será essa nossa avaliação. Nós temos que planejar o que iremos oferecer nesse dia. Professor, só um evento, uma programação. Pode até ser, mas quero todo mundo no evento, na organização.

A vice-representante de turma levantou a mão.

— Essa oficina que o senhor fala, como é que ela pode ser?

— Como eu disse, é uma percepção que vocês terão na leitura do material. – ele respondeu. - Deu pra entender gente?

— Deu. – respondeu a representante pela turma.

— Beleza, mas a gente tem que começar a discutir. Nós vamos dividir agora quatro grupos. E cada grupo vai trazer uma proposta. – dizia anotando no quadro. – Bem, e nós, coletivamente, vamos decidir o que fazer. Além disso, a gente pode unificar a proposta, talvez. Lá pelo colegiado, vou atribuir atividade complementar a vocês, cargo horária, tanto para vocês quanto para os participantes, então a gente já tem motivação também. Bom, segunda feira nós vamos fechar. Vamos então dividir ai esse quatro grupos.

Então começou um burburinho, arrastar de mesas e cadeiras.

— Eu preciso dos nomes também. Máximo seis pessoas. – acrescentou.

Ítalo anotou os nomes em um pedaço de papel e entregou, assim como os outros. Ele, suas três amigas, Bianca e mais uma garota que chegou naquele semestre com eles, a Mariana.

Naquele dia, Ítalo e Emília estavam com vestes unicamente brancas (cuja a dele Jânio quem o emprestou) o que chamou muito a atenção da faculdade. Aquilo deixou o letrado visivelmente desconfortável, sem saber o que o povo pensava, que eles fossem casar, ou fazer algum ritual, ou qualquer outra coisa misteriosa.

O grupo discutia entre si alguma ideia. Pensaram em oficina, simpósio, seminário, filme e até mesmo em um projeto para melhorar o campus.

— Poderíamos pegar alguma base do simpósio, certo? – disse Ítalo, olhando nos olhos de cada uma.  – Íamos colocar um slide lá, falando tipo uma proposta. – elas o ouviram em silêncio. – Ai depois a gente passava pro debate, em que os convidados registrariam alguma ideia, também, quem sabe.

Elas ficaram em silencio, para depois espocaram em risos.

— A proposta é boa, claro, mas... – Mariana estalou os dedos. – quem iria lá pra frente?

— Isso. – concordou Clara.

— Eu toparia, claro. – falou ele, pois meio ambiente para ele era algo que levava a sério, porque sempre gostava que as coisas fossem preservadas, desde sua casa até o mundo.

— Essa ideia da oficina é simples e mais fácil. – disse Mariana.

Clara se esgueirou para perto de Ítalo, aproveitando o breve silencio que surgiu entre o grupo para matar sua curiosidade.

— Agora que a gente parou um pouco sobre o verde, vamos focar sobre o branco. Você e Emília estão indo para algum lual e não me chamaram?

Ítalo soltou um suspiro, cruzando os braços e perdurando olhos distantes e adiante por alguns segundos antes de revelar.

— Não quero chamar atenção, então que fique entre nós. Mas pedi para Emília me levar ao terreiro da avó para consultar os búzios.

— Primeiro, você já chamou atenção, segundo, por que quer consultar os búzios?

Ele engoliu em seco. Sinceramente, ainda bem que foi Clara quem perguntou e não Jasmim. Pois aquela parecia ter situações um tanto complicadas e estranhas como as de Ítalo.

— Anda acontecendo coisas estranhas, Clara. Eu sinto. Fenômenos, delírios que acho que não são delírios, além de... – além de poder ler pensamentos de felinos, pensou. – além de outras coisas que não posso falar.

Ela massageou seu braço com pesar.

— Tudo bem, amigo. Mas quando quiser revelar, vou estar aqui para te escutar.

Ele suspirou, cansado e com o pulmão pesado pelos fatos de sua vida.

— Logo, logo, talvez.

Clara desviou os olhos para Emília por um momento, linda no vestido branco, mas incomodada por seus conflitos internos.

— Me admira Emília ter cedido fazer isso, mesmo sendo nossa amiga.

— Bom, tive que convencer. Ela andou vendo de perto como eu andava. – ele suscitou um silencio por alguns segundos. – Além disso, ela sabe que a avó pode me ajudar. Sempre confiou no poder da avó naquele terreiro. As coisas espirituais que a coroa dela tem parece que é potente. Se for mesmo, após saber o que ta acontecendo, vou pedir, mas nem que seja por um milhão, para essa mulher tirar de mim essa espécie de maldição.

Clara ficou cabisbaixa por um momento, com alguma preocupação diante do amigo.

— Pena que as coisas não são assim, amigo.

Ele balançou a cabeça, com teimosia.

— Veremos.

— Olha só gente! – chamou o professor, fazendo todos virarem-se novamente para ele. – Nessa primeira aula é pra vocês pensarem na proposta. A ideia no dia vinte e seis é fazermos algo de qualidade mesmo, pensado, organizado. Não precisa ser grande. Prestem atenção. Quanto mais viável, melhor. Não adianta inventar algo gigantesco que a gente não consiga dar conta. Lembrando que não temos tanto tempo assim. Temos quase três semanas pra ter tudo pronto. Vocês terão que conseguir o material. Nessa participação de vocês vai ser avaliação. Depois de vermos ai a proposta que interrompi – riu. – vamos pensar no tempo, numero de participantes, na divulgação. Não queremos nos limitar no campus, podemos convidar pessoas de universidade publica ou privada – ele ergueu os polegares no sinal positivo. – beleza pura?

Em algum momento o professor perdurou os olhos em Clara, mas desviando disfarçadamente.

E começou de novo as vozes espalhadas pela sala. As meninas de seu grupo já falavam do que ofereceriam para deixar os convidados mais a vontade, sobre fazer pipoca, café, bolo, suco, enquanto Ítalo pensava em cada um trazer uma garrafa de café e pote de biscoitos. Mas a mulherada ou ignorava ou ria de suas ideias.

Que escroto.

Ainda, falaram sobre trazer tapetes para o clima de cinema ficar melhor, já que resolverem se inclinar mais para isso. Para cada um trazer almofadas. Ítalo tentou, depois, persuadi-as sobre sua ideia, sobre pegar fotos de lugares arborizados, como praças e calçadas, que parecessem esfriar mais o clima e ainda sombrearem as ruas.

— É porque as praças de Macapá, pelo menos que eu vi, são tudo cheia de árvores, por onde anda, tem. E as daqui o que vejo é puro concreto quase, não é?

Elas concordaram.

— Pois é, ainda a gente coloca isso nos slides e aborda uma comparação. A gente pode colocar esses pontos ai.

— Olha, ai na praça da bandeira, tem muito concreto.

— Na bandeira? – perguntou ele, espantado.

As outras concordaram com Mariana.

— Não, mas isso não sobrepõe o fato da praça da bandeira ser gramada. – tentou argumentar ele.

— Quando eu penso nela eu penso mais em piso, concreto, né. – afirmou Mariana.

— Eu também. – disse Clara.

— Ai tipo, poderíamos passar um filme relacionado a isso. Ai, depois comentamos certos pontos falando mais. – acrescentou Emília.

— Olha, bem legal. – disse Clara.

— Agora só falta pensar num filme que sustente isso.

Mariana e Clara até se empolgaram com questão de projeto de fazer uma pequena praça no Campus Santana, um lugar para o pessoal descansar, podendo até mesmo ser bancos de garrafa peti. Ítalo gostou, mas elas estavam viajando na batatinha, demais. Logo até riram lembrando da realidade. Porém de qualquer forma, pensaram na ideia de trazerem plantas para enfeitar a sala.

Bianca entrou no meio, fazendo com que Emília e Jasmim se inclinassem um pouco para ítalo, aproveitando que as meninas decidiam algo entre si.

— Ei, demolidor, ta nervoso?

— Na verdade, estou preocupado também.

— Com o que? – quis saber Emília.

— Preocupado com meus pais acharem Jânio alguém ruim de se viver.

— Não sabia que se importava tanto.

— Até o momento que eles pediram para levar o beck pra almoçar lá em casa.

— Mas o que você acha dele? – Clara já estava atenta a conversa.

— Olha, a cada dia, vou conhecendo mais do Jânio, não é chato, é legal. Harmonizável, mas sabe, esses manias dele pode ser mal vista pelos meus pais.

Clara suspirou.

— Eles vão gostar dele. – tentou reanimar Clara.

— E ai, gente, já saiu algo? – perguntou o professor, sorridente.

— Ta quase. – disseram Clara e Ítalo em uníssono.

Discutiram um pouco mais a ideia e consultaram o professor em seguida que tava indo de grupo em grupo para tirar duvidas. O professor gostou muito mesmo da ideia de construir uma mini praça, porque é um lugar público deles e amou as garotas terem interesse disso. Ítalo foi o último dali a pensar assim. Porque, apesar da boa ideia, teria que ter alguém pra trocar as coisas, limpar, e óbvio, seriam eles para os outros usarem. Mas... estaria fazendo algo bom, pensou, para ele mesmo e para os outros, algo que ele não chegou a pensar muito.

Ai, ai, a luta pra relembrar a importância do coletivismo não é fácil.

— Aí, a gente pensou, não pra agora, né, de fazer uma pracinha.

— Aqui na frente? – perguntou o professor com os olhos interessados. Ítalo se espantou já que a frente era espaço da garagem.

— E a gente pode arborizar, plantar. Trazer mudinhas. – acrescentando Mariana, soltando risinhos sobre o final da própria frase.

— Em algum lugar, porque espaço é o que não falta. Ai a gente usaria matérias recicláveis, como bancos de garrafa peti.

O professor estava debruçado na mesa, mexendo os ombros de um lado para o outro, interessado nessa ideia. Era magro, de rosto quadrado, cabelo penteado para o lado e usava óculos. Era simpático e tinha cara de pessoa limpa e cuidadosa. E não passou despercebido a admiração dele por Clara.

Clara tinha um certo destaque entre amigos e professores pela sua autenticidade em determinar-se em algum projeto, pois era bem visível a força de seu coração maternal e familiar. Era algo que satisfazia todos e sempre era bem sensata em suas opiniões.

— Que bom que vocês pensem nisso. É até bom, porque o campus é publico, mas parecido que tão distante, privado, como se não fosse nosso. E, acreditem, que inclusive, a coordenação do campus já tinha mencionado algo nesse sentido, só que não foi pra frente. Essa proposta de vocês, pode ser que a gente dê continuidade, porque a educação ambiental é permanente, vocês vão ver. Não é uma ação simples, mas ela é continua. – enfatizou.

— Também não precisa ficar esperando pela coordenação, a gente tem que se reunir também. – disse Clara, cuja a determinação parecia acentuar seu olhar soturno, deixando-a mais sólida e forte do que parecia. Isso era sempre admirado por Ítalo. E o professor aprumou-se, com os olhos brilhando, apontando o dedo com entusiasmo na direção dela.

— É esse o protagonismo que quero de vocês. Sabe que dia cinco foi o dia mundial do meio ambiente. Cês viram se alguém discutiu alguma coisa? – depois do balançar de cabeça deles, perguntou: - não é preocupante? E isso é importante, levar além da sala. Tá meninas? Opa. E Ítalo. Vou socializar agora.

O professor foi para frente e disse:

— Olha só, nós iniciamos hoje a construção das propostas já. Até nosso grupo já mencionou a necessidade de bem material. E ai vamos realizar essa construção na próxima quinta. Gente, precisamos logo pra encaminhar a questão de divulgação, materiais, enfim, o que acontece. Ainda tem que ver o espaço que será disponibilizado para nosso evento. Temos essa sala, a de pedagogia e o auditório. Qualquer outra questão de espaço, já sabem, coordenação. Bom, gente bonita, gente civilizada, gente de bem, se tudo der certo, vamos finalizar na penúltima semana. Agora, começando pelo grupo da Serena, o que vocês tem a mostrar para nós?

...

O que separava Jânio de seu cobrador era uma taça de vinho.

Jânio tentava manter controle de seus batimentos cardíacos. Mas aquele homem a sua frente tinha poder sobre isso na forma que conversava.

O cabelo dele era pouco menor que de Ítalo, mas ondulado e penteado para trás. A simples camisa pólo amarelo e dourado ganhava vigor com o relógio e cordão de ouro. A forma apaziguadora com que conversava era até tranqüilizadora, mas fazia parte de todo o sistema, de seu jogo. Encarava fixo o olhar em Jânio, enquanto o estudante de filosofia encarava os próprios dedos entrelaçados sobre a mesa, aflito.

Assim como os sonetos tinham suas estruturas de dois quartetos e dois tercetos, os avisos do cobrador não eram diretos, tinha sua estrutura. Três frases asseguradoras e uma onde as verdadeiras cores de perigo se manifestavam.

— Pois bem, Jânio, eu disse em nosso ultimo telefonema que um dia eu voltaria para lembrá-lo das regras.

— Mas eu ainda não tenho esse dinheiro, cara. – afirmou Jânio mais uma vez, suplicante.

Ele riu.

— Jânio, Jânio.  Da ultima vez sabe o que aconteceu? Você foi quase morto por um ônibus. – reforçou, trazendo a lembrança de sua quase morte e Ítalo o salvando. Frase 1.

Salvou da morte.

Estava o salvando de uma dívida.

Mas não poderá salva-lo mais uma vez.

— Eu sei, desculpa. Caíque não devia ter se descontrolado. Me da um prazo.

— Não vamos dar um prazo. Só digo pra ser logo. Pode ser? – frase 2. O “pode ser?” era tão convidativo, que aliviava o nervosismo.

— Vou conseguir, disso te garanto, mas... – engoliu em seco. – só preciso que me de mais tempo.

— Ora, Jânio. – o homem riu, como se fossem grandes amigos. - Sua família é rica. – frase 3. Era como se o cobrador estivesse o ajudando dando essa ideia.

O estudante de filosofia balançou a cabeça.

— Esquece eles. – de forma segura, reforçou. - Eu acabei de encontrar uma solução. Mas preciso de mais tempo.

 O cobrador se levantou, dando um ar a mais a sua única frase onde a onda verdadeira de perigo se manifestava.

— Eu já disso, sem prazo. Vamos fazer duas visitas, uma te dará prejuízo, a outra, fatal. É assim que trabalhamos. Essas são as regras.

Ergueu a taça, tomou o ultimo gole e foi e foi embora.

...

Todos estavam em silêncio no carro. Na última vez que pegou carona com algum parente de Emília, era o irmão dela e ele era bastante comunicativo. Mas era o pai dela quem dirigia. Um cara mais taciturno. Ítalo estava nervoso. Ela estava tensa.

A verdade era que Ítalo estava tendo uma sensação de desconforto. Era ele fazendo suas escolhas e sentindo uma ânsia esquisita diante disso. Estava tão acostumado com seus pais tomando essas atitudes, que quando era ele, um medo lhe assombrava em forma de frio, e lhe roçava a pele como se uma criatura com uma lança estivesse o cutucando a todo o momento.

Para se distrair, ele deixou-se levar por divagações a respeito da beleza rara do pai de Emília. A mistura irlandesa e africana era mágica. Parecia vir de um outro mundo, como aquela pele oliva recebia as sardas ou seus cabelos afros em tons ruivos.

Falando nisso, Isso tudo era realmente muito novo para Ítalo. As religiões das quatro ascendências de Emília, Umbanda, Wicca, Xamãnica e Cristã.

Emília chegou perto do ouvido de seu amigo, a fim de iniciar alguma conversa para amenizar o animo de ambos.

— Sabe por que chamamos de terreiro? – disse ela, chamando atenção dele, fazendo com que virasse o rosto e deixasse evidente diante dela certo receio em seus olhos pelo desconhecido.

Ela sorriu e afastou o rosto, mantendo uma distancia confortável e continuou.

— Você, óbvio, já deve ter notado que a palavra vem de terra. Mas além disso, significa um espaço amplo de terra batida. – Ela deu nos ombros. – pelo menos era como era a maioria. Hoje em dia podem ser em grandes salões. Mas independentes de terra ou piso revestido, é um lugar onde os médiuns praticam seu culto com os pés no chão. – Sorriu pelo nariz, encarando o nada a sua frente, enquanto ele ainda mantinha os olhos atentos nela. – Sabe por que? – e virou o rosto para encará-lo. – É um caminho de sentir a conexão com o chão e nossas próprias raízes. – falou, em um tom baixo e cauteloso, segurando um sorriso.

Os olhos de Ítalo ficaram petrificados à medida que seus lábios partiam-se com um desgrudar lento. Lembrou-se de seus momentos de deitar-se no chão de sua casa de forma desgarrada e refletir, sentindo o piso, como se sentisse conectado por todo o mundo. E foi no momento que foram tomados pela escuridão.

Ítalo segredou a sua amiga seu assombro. O carro entrou em uma alameda ao oeste de Santana, chegando em um terreiro cercado de algumas casas. Primeiro tiveram que atravessar um trecho todo escuro, que por um momento, como se alguém tivesse apagado as luzes, perguntou-se “O que estava acontecendo?”. Para então ser surpreendido por uma luz, que estendeu-se por sua vista, revelando um mundo branco, com indistintas cores tomando formas a medida que o carro adentrava cada mais naquele recinto.

O terreiro da avó de Emília apresentou-se surpreendente para os olhos fascinados de Ítalo.

Ao descer do carro com aquelas vestes brancas, Ítalo sentiu-se mais confortável do que quando chegou na faculdade. A verdade era que ele nunca usava branco, suas roupas eram sempre escuras, mas foi o que Emília exigiu para aquela ocasião.

Antes de tudo, Emília mostrou rapidamente como funcionava as coisas ali. Pois ele teve sua atenção chamada logo quando viu São Jorge em frente de um painel junto com outras estatuetas. Ela apontou também para o Bambu posto ali perto para ajudar na proteção e sobre o Zé pilintra, que Ítalo apontou dizendo achar esquisita aquela santa, pois parecia um boto bem malandro.

O pai dela riu, ela suspirou e explicou para ele.

— Ele tira energias negativas, ações perversas que provem do preconceito e traz purificação da alma de quem precisa.

A direita havia um cubículo que tinha seu acesso coberto por uma cortina.

— Essa é a casa dos Exus. Logo que alguém entra, as pombas giras, espíritos que trabalham aqui, fazem a leitura para saber o que a pessoa veio buscar aqui.

Emília e Ítalo trocaram um olhar estranho em relação a isso.

— Você disse espíritos? – perguntou Ítalo, curioso por esse detalhe, além de querer desviar de certa estranheza.

— Sim, são espíritos em evolução. Eles falharam e agora estão aqui para ajudar. – e ela apontou para imagens deles nas paredes do cubículo ao lado da entrada.

— Não é bem assim, minha filha. Eu explico, Ítalo. Alguns optaram por estar aqui com o propósito de aprender com a gente ao mesmo tempo que nos ensinam. Outros estão pagando alguma divida, algum erro em momento de ira.

Ítalo assentiu com fascínio por aquele detalhe sobre os espíritos. Emília guiou ele por um espaço grande onde se costuma colocar as cadeiras, que era a assistência. Se questionou sobre uma bandeira enorme esticada pela parede esquerda, o que foi explicado depois que significava que os espaço agregava todo tipo de individuo, seja de classes sociais distintas, orientação sexual, entre outros.

Além disso, ali todas as pessoas eram uniformizadas, e se for até para visitas, como Ítalo e Emília, era exigido vestes brancas. E tinha também uma cantina ali para eles se manterem, visto que eles não cobravam pelo trabalho espiritual. Ítalo arregalou os olhos por um momento lembrando que durante a viagem se perguntava se os vinte reais no bolso de trás eram suficientes.

Ele bufou, muito mal acostumado a ver as consultas de tarot em live no facebook.

Em seguida, foram para o outro lado de uma pequena mureta, onde se localizava o terreiro.

Ítalo viu um altar que chamou atenção por uma santa que lembrava muito virgem Maria, porém negra, assim como outros santos católicos, e acima, uns desconhecidos para ele. O curioso eram que estavam organizados como uma pirâmide. Os católicos em baixo e os desconhecidos por Ítalo, acima.

O pai de Emília pediu que eles tirassem os sapatos. E explicou aquilo que Emília disse no carro, que aquele ato se dava para eles poderem descarregar as energias na terra e se sentirem mais leves.

Ítalo sentiu, de fato, a leveza. Talvez até mesmo Emília, mesmo revestida de teimosia.

Mas Ítalo não. Ele entregou-se aquele momento em que sentiu-se despir-se de suas armaduras, de suas vestes pretas para aquelas brancas, de ter os pés fixos ao solo, quase como quando de deitava no chão para reflexão.

Inspirou, sentindo um ar gélido e nutritivo roçar as narinas.

— Esse Altar que você está vendo, Ítalo, é o conga.

Ele apontou em uma pequena plataforma na base do conga em que deve-se bater a cabeça 3 vezes. Mas ítalo viu que não era literalmente quando viu o pai de Emília encostar a testa três vezes na borda.

Ele disse que era para encostar o chacra.

— Tipo Naruto? – perguntou para si, mas arregalando os olhos ao se deparar que disse em voz alta.

Emília fechou os olhos e respirou fundo audivelmente atrás dele. O pai dela notou que não foi de propósito e riu.

— Você entrega seu chacra para a energia viva aqui. Então quando você curva, está puxando energia positiva para dentro de você.

Ítalo queria até testar, mas hesitou quando o pai de sua amiga disse que está se diminuindo a algo grande. Então Ítalo sentiu um pouco mais de seriedade, se controlando de sua empolgação momentânea.

 Sem querer, Ítalo perguntou para Emília se ela não iria repetir os gestos do pai. Mas ela mudou de assunto. Ele sabia que ela podia sentir aquele lugar como ele sentiu, mas não queria se entregar, ceder tão seriamente, se diminuir tão seriamente como seu pai fazia.

Mesmo que fosse simbolismo.

Se diminuir para que o sagrado cresça em si.

Para saciar mais a curiosidade de Ítalo, o pai da letrada explicou melhor sobre a organização daquele altar, mostrando a deliberalidade de posicionar os santos católicos debaixo dos orixás africanos. Deu exemplo de Oxum, que era milhares de anos mais antiga que nossa senhora da aparecida.

Além disso, mostrou os cantos, tendo uma importância parecida com o conga antes de se digerissem para o principal destino daquela visita.

— É tranqüilo. – explicou Emília em meio a uma conversa com Ítalo sobre seus 4 avós, enquanto eles iam até a avó da mesma para fazer a consulta. - Eles até que se dão bem. O negócio são os pais da minha mãe, que ficam chamando todas as religiões, das quais sou descendente, de heresia. É um saco isso.

Eles foram até a cozinha, onde os sons eram os mais indistintos possíveis, e foi arrumada uma mesa de toalha branca com um círculo de fio-de-contas. Os olhos de Ítalo miraram em uma mulher de costas, vestida em trajes brancos e um tanto caracterizada.

— Boa noite, Dona Ellen.

Ela virou-se, encontrando o amigo de sua sobrinha neta todo tímido e educado. O recebeu com um sorriso e rodeou a mesa, segurando suas mãos.

— Oi, querido, quanto tempo. – oscilou entre os dois olhos dele em seguida, despertada por alguma curiosidade. – Está tudo bem? Me parece preocupado. – abriu outro sorriso. - Está nervoso?

Ele sorriu timidamente.

— Na verdade, to sim. – revelou com a voz baixa.

Ela soltou um vento de riso pelo nariz.

— É normal. Muitos ficam. Mas se você realmente quiser que eu jogue os búzios, estou aqui para ajudar você. – e apertou as mãos dele calidamente.

Ellen era uma mulher deslumbrante a seus olhos. Sua pele reluzia como a cerâmica mais brilhante, em uma cor de café que parecia trazer aromas agradáveis para o letrado.

— Comecemos?

Ele assentiu.

— Muito bem, sente-se.

Do outro lado da mesa, ela perguntou.

— Então meu filho, é sobre uma pessoa?

Ítalo se mexeu inquietamente sobre o assento.

— Na verdade, eu não tenho um alvo específico. – respondeu, com certa hesitação, desviando até o olhar. Em seguida, mordiscou o lábio inferior de forma pensativa. - É como se fosse uma mistura de fenômenos que estivessem me atormentando e me dando algum sinal.

— Que fenômenos são esses? – questionou a mulher.

Ítalo mordeu os lábios, hesitante e envergonhado em falar exatamente como estava em sua cabeça. Seria muita exposição. Não queria ser julgado como louco.

— Meu filho, meu trabalho aqui não é te julgar. Então fale.

Ele respirou fundo.

— Eu sinto como se estivesse... descobrindo um novo mundo. Ok, eu tenho que revelar que coisas estranhas já aconteceram. Mas só agora que ando sentindo as perturbações. – revelou. Após algum momento em silencio, se tocando que ela o escutava atenciosamente e respeitosamente, continuou. - Ás vezes sinto que tenho a ira de um animal e que possa investir atitudes selvagens com quem passa pelo meu caminho. Sei que pode pensar que é normal, mas eu sinto algo a mais. Sinto manifestações a mais.

— Que manifestações?

— Uma vez, tive um surto. Um desentendimento com meu pai que acabamos soltando tudo que estava preso um com outro. Então aconteceu um tremor depois disso. E... por favor? Peço que não me julgue, mas eu sinto que isso foi uma manifestação dessa... dessa selvageria, dessa coisa dentro de mim.

Ela assentiu com a cabeça, observando a exaltação crescendo cada vez mais na voz dele. Olhou para a Emília, preocupada sobre as tais manifestações.

A tia-avó de Emília juntou todos os búzios sobre as mãos em côncavas, sem cerimônias, rezou e saudou todos os orixás, arremessando sobre aquela mesa previamente preparada. Caídos, eles pareciam adotar alguma configuração.

Ela repetiu, e durante isso, parecia meditar ou algo parecido, Ítalo não soube distinguir. Talvez estava perguntando para alguma divindade o que estava acontecendo.

Ele, por algum motivo, estava nervoso. Mas tentou se tranquilizar. Por que estou nervoso mesmo? Ninguém vai me matar, não tenho que fazer apresentação em algum palco ou um seminário. Mas então aconteceu. E se lembrou. Estava nervoso por saber que tinha realmente algo de errado. Aquela mulher não deu uma resposta, sentiu a resposta, e ele tinha medo de saber.

Ellen quem parecia preocupada dessa vez.

Muitos mais do que quando ele chegou.

Seus olhos liam aquilo, aquela configuração, de uma forma como se eles, os búzios, virassem palavras e figuras.

— Nossa. – ela mesma parecia intrigada com o que acabara de obter, como se não esperasse que o que ele disse de fato revelasse uma resposta. – Ítalo, você falou sobre manifestações, fenômenos, sinais, mas tem certeza que isso não está ligado a nenhuma pessoa?

O silencio que pairou após aquele questionamento preocupante deu ênfase as batidas do coração do letrado. Não estava acelerado, estava forte, como se estivesse maior e mais sólido, tanto que seu peito quase doía.

Ítalo levou a mão em direção a este, mas segurou seu medalhão a procura de conforto.

— Como assim? – perguntou, engolindo um fluxo de saliva logo em seguida.

Os olhos dela passaram mais uma vez sobre os búzios, lendo sem parar, varias vezes pelos mesmos lugares, querendo ter cada vez mais segurança da certeza.

— Vejo pessoas, conexões, muito fortes. Vejo obstáculos. Vejo lugares colossais.

Ele se espantou com aquilo. Obstáculos? Lugares colossais?

— Como um novo mundo? – A pergunta saiu quase como um sussurro, mais de seu olhar vidrado para o remoto anos-luz além dali que da sua boca. Era como se ele já esperasse em algum cantinho dos confins de sua intuição que fosse algo além dos olhos mundanos. – Distante da vida mundana?

Só queria ter certeza que não estivesse delirando.

Ela ergueu a cabeça para ele, deixando-o temeroso com o olhar assombrado. E em comparação ao olhar de segurança que lhe transmitia de início, pareceu encará-lo com tanto espanto como quem se depara com a morte, afetando sobre ela uma voz tremula e rouca pelo temor junto do brilho borbulhante de seus olhos.

— Exatamente. – confirmou, atingindo em Ítalo sua dose de taquicardia.


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