Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 17
Capítulo 16 - Família à distância




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Latidos de Hot vale, martelos, crianças.

Latidos de Hot vale, martelos, crianças.

Latidos de Hot vale, martelos, crianças.

Sino de picolé.

Ítalo abriu os olhos. O cochilo já havia sido bom, de qualquer forma, mas não estava acostumado tanto com barulhos sociais, apenas com seu ar condicionado barulhento, que, porém, sobrepujava outros.

Virou-se de barriga para cima, no silêncio de seu apartamento e nos indistintos sons da rua.

Ontem era o dia de monitoramento do resumo expandido e a monitora classificou o trabalho deles como “excelente”. Por dentro ele se sentiu bem gabola. Mas agora ia deixar um pouco nas mãos das garotas agora que ele adiantara boa parte. E ficou o dia todo no apartamento na maior preguiça.

E quase no final da tarde, resolverá fazer uma visita a seus pais. Podia gostar do seu próprio canto, mas não significava que não sentia falta e que não queria saber se tava tudo bem na sua ex casa.

E havia chegado numa ótima hora. Seu pai já estava coando um café e sua mãe estava na área de trás, deitada na rede e com a mão na testa e olhos fechados. Estava ainda com roupas que costumava vestir quando ia dar aulas e parecia com dor de cabeça, mas ele esperava que só fosse cansaço mesmo. Serviu-se de um pouco de café e pegou uma tapioca que seu pai acabara de fazer, sentando na escadinha que dava para o pátio, olhando os anhingas e buritizeiros além do muro.

E deliciou-se em silêncio. Sentiu o olhar de sua mãe nele, o observando. Ele sabia que muita gente parecia achar curioso como a calma dele era enigmática quando comia, como naquele momento em que perdia os olhos na natureza e nos pensamentos.

— Ítalo – sua mãe o chamou, com um tom de curiosidade no ar –, a Jasmim está casada?

Ele franziu as sobrancelhas.

— Não, ela... só está namorando mesmo.

— Então ela ama mesmo o cara?

— Não. É que ela é mais do gosta mesmo.

Ela sorriu.

— Jasmim é safadinha, isso sim.

Ele riu. Ela era mesmo, mas ele não ia admitir isso para a mãe.

— Não. Não é isso. É porque os caras que já ficaram com ela se mostraram outra... como é que eu digo... outra face, digamos assim. E é isso, ela só teve azar mesmo.

— hum. E tu?

Tava demorando.

— E tú meu filho, não tem nenhuma menina, algum... ? Ítalo. – cruzou os braços, com quase um fantasma de riso surgindo no canto da boca. – Meu filho, tu sabe o que é amor? Tú não ama a Jasmim?

Márcia sempre ficou de olho na amizade dos dois, sempre percebeu uma cumplicidade poderosa e invejosa entre eles. E sempre achou que algo mais tinha ai e não tinha como tirar isso da cabeça dela.

— Mas por que tu não fala? Olha, a gente só consegue o amor se agarrar.

Ele riu entre o gole do café, quase o cuspindo.

— Mãe, eu não a amo. Só amizade mesmo.

Seu pai chegou e sentou-se na outra rede.

— É. Tua mãe, eu tinha que enfiar a unha nela e a língua na boca pra só assim ela ver o que tava perdendo.

Minha nossa senhora. Eu podia dormir sem ter ouvido isso.

Depois de muito tempo, ela voltou a pousar a cabeça na rede, pensativa.

— Égua, Ítalo, assim não consigo neto nunca.

Tá bom. Tinha vezes que ela sempre tentava arrancar um riso dele, mas conseguia sempre nessas doidices.

— Mãe, tenho vinte anos. A senhora tem pouco mais de quarenta. Que maluquice. Credo! – disse isso e deu nos ombros em seguida. - Com uns trinta talvez eu tenha.

— Mas eu vou ter uns cinquenta, vou tá velha.

— Mas ulha, tem velha com 70 e se contenta que viu o neto nascer.

— Menino, tu não ousa esperar todo esse tempo. – disse, voltando a erguer a cabeça da rede, com um olhar de aviso.

— Se não o esperma vence. – declarou seu pai.

Ítalo fechou os olhos ao beber o café, parando de imediato.

— E mais. Imagine se quando eu for ter, digamos aos 30, e descubra que for estéril. - ela se espantou com essa. - Mas ai fica tudo bem. Por que a senhora sempre quis ter um neto negro, não é, pois é. Posso adotar uma criança negra. – disse, referindo-se a parte da família de sua mãe que entrava em contraste com a do pai. Mas mesmo Ítalo puxando os cabelos pretos da mãe, a melanina da família dela não chegou tanto nele.

Ela fez uma careta.

Ih, que foi, imaginei que fosse gostar da ideia.

— Ah não, mas quero do meu sangue. Égua, meu filho, ficar criando filho dos outros.

Ele não se aguentou, riu com os ombros tremendo.

— Mas se ítalo for estéril, o irmão também pode. – brincou Fabrício.

— Epa. – disse Ivan, se sentando ao lado e ítalo. – Bora colocar minha gata de fora.

O pai, risonho, fez uma cara séria.

— Estamos falando da sua filha.

— Da outra. - esclareceu Márcia.

— Ah sim. - Aliviou-se Ivan.

Talita, que estava dando banho na cadela, cerrou seus olhos para o pai e espirrou água nele, fazendo a gata sair correndo dali.

Tá legal. Até que ele não tava tão insuportável, pensou Ítalo em relação ao irmão. De vez em quando mesmo.

Mas voltando ao assunto.

— Meu filho. Acho que tu te conforma, não é? – concluiu sua mãe. - Tipo, tu não sonha em crescer, como luxo, casa.

— Não, Amor, tu não vê que ele sempre quis um apartamento? Por que acha que ele ta num? Gosta de lugar quieto.

— Ah meu filho, mas pode acontecer algo, um incêndio.

— Pode acontecer com a maldição da sua boca. – retrucou o filho.

Ela semicerrou os olhos para ele igual a neta.

— Condomínio é seguro, é controlado quem entra e quem sai. – tentou assegurar ele.

— Ah sim, mas esses, assim, com rua.

— Não, com prédio mesmo. Mas tem porteiro, que controla.

Ela pareceu mais tranquila.

— Mas, tipo, tu te conforma.

Ele já entendeu.

— Tenho projetos literários. Isso é o que quero e no que quero crescer.- Sua mãe sempre tirando péssimas conclusões dele. E ele odeia por ela achar que ele sempre se conforma. Mas não sabia se era culpa dela ou dele que não se abria muito. Mas poxa, era chato ter que dar satisfações da sua vida que ele não achava necessário só pra pessoa não tirar péssimas conclusões.

— Mas hoje em dia é assim. Nos Estados unidos eles são treinados desde crianças a serem individualistas, já pra cá pro Brasil, o que tem de nego de trinta anos que chora pra não sair da casa da mãe. – comentou Fabrício.

Sua mãe não sabia muito dele e ele não sabia o porquê, talvez porque quisesse um dia surpreender todos.

Márcia que estava aproveitando para saber a vida amorosa do filho, não dispensou a brecha pra saber sobre a vida de adulto. E pediu para chamar Jânio para um almoço qualquer dia desses.

Saiu dali, contente. Até que foi bem a visita. E sua mãe sempre falava uma coisa na qual ele sempre concordava. Família, gostava sim, mas à distância. Talvez sempre fosse assim, sempre cada um construísse assim a vida na mente, mas não significasse que a família seria abandonada, era sim uma fase de medo dos pais e agora eles podiam sentir que ele não abandonaria.

Mas que surpresas viriam, ah seriam.

— Ei, escuta. – disse Ivan, um pouco alto.

Ítalo virou o rosto, o vendo surgir do final do corredor com um cigarro na boca. Ele estava audacioso, geralmente Márcia o proibia de fazer isso na casa.

— Veio alguém atrás de ti. – disse, erguendo a cabeça e jogando a fumaça pelo ar na frente deles, como se quisesse jogar na cara de Ítalo se não fosse a distancia.

Isso fez sua expressão paralisar em assombro, mesmo que seu corpo terminasse de se virar para o irmão.

— Quem? – perguntou, com as sobrancelhas franzidas.

Ivan deu nos ombros.

— Ele falou que não era pra dizer quando eu disse que tú não morava mais aqui. Mas tem alguém atrás de você.

Ivan estava se vingando, Ítalo sentia isso. O primogênito sabia de algo. Além de saber das paranóias do irmão. Nesse exato momento, com o queixo meio erguido, ele ria, como se achasse graça de algo. Ria para a cara seria e pensativa do irmão, para suas sobrancelhas apreensivas, e as marcas de aflição sólidas no rosto.

O coração dele já não estava mais no automático, fazendo Ítalo sentir todo o peso desse órgão contra dele, bombeando como se fosse na sua cara, em um ringue, e ele ítalo erguia os punhos para se defender, mas era bombeado a cada instante.

O letrado encontrou-se respirando rápido e nervoso. Trincou o rosto quando viu o irmão dar um sorrisinho e saiu batendo o pé de casa.

Quando ítalo chegou no apartamento, foi direito para o quarto de Jânio e o pegou investindo como um animal em Melissa. Ele arquejou e fechou a porta, segundos depois Jânio saiu, perguntando o que era, e Ítalo, se sentindo a pior pessoa do mundo disse que os pais dele queriam que Jânio fosse almoçar lá.

Jânio suspirou, fechando o robe.

— Juro que um dia vai ser minha vez de te pegar nos 50 tons. – e fechou a porta do seu quarto.

Ítalo continuava a encarar a porta, com medo, paranóico e em transe.

— Quem diabos estava atrás dele?


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