Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 15
Capítulo 14 - O mistério do medalhão




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No passar de alguns dias, algumas coisas aconteceram. Julieta deixou de falar frequentemente com Ítalo, sobretudo quando ele perguntava certas coisas pra ela. Por mais estranho que fosse, isso o incomodava. As mensagens do desconhecido deram uma pausa. Jânio e Ítalo pareciam descobrir mais sobre si mesmos nesse dias de convivência, como o fato de Ítalo não gostar de fumar, mas de fascinar com fumaça saindo em novelos da boca de Jânio. Jânio não gostava de café, mas sempre que entrava no apartamento e via o colega com um livro aberto e uma caneca da bebida, parecia ser algo agradável. E ele gostava do agradável. Além de certos comportamentos estranhos de Ítalo. Ele era demais preocupado com as coisas, sempre olhava pra ver se o gás não estava aberto, sempre abria os olhos vez ou outra antes de fechar de certeza como se pudesse haver algo de errado ou olhando várias vezes a porta pra ver se esta trancada. Ele sabia que estava, mas olhava de novo e de novo.

Era tarde de domingo e Ítalo e Jânio estavam no Aquaville. Jânio queria que o seu colega de quarto lhe ensinasse alguns movimentos de capoeira. Depois que ítalo ensinou para ele a tesoura, não parava de fazer ele cair de bunda no chão em surpresa.

Estavam agora sentados à sombra de um poste no gramado, olhando o horizonte, em silencio. Havia muitos garotos jogando futebol num campinho improvisado, crianças brincando com os instrumentos de Academia, uma mulher com vários filhos e um bebê no colo fazendo um piquenique, e em direção à rodovia, havia dois pais com um bebezinho que vivia saindo correndo e se jogando num montinho, rindo em seguida. Ao longe, havia um garoto pendurado na placa do Aquaville Tucunaré. Esse garoto se balançava e girava o corpo num mortal.

— O que significa Tucunaré? – perguntou Jânio com seus olhos perdidos na enorme Placa.

Ítalo voltou seu rosto para lá novamente.

— Não sei. Deve ser um nome de origem Tupi. Ah, vivemos no Amapá, tudo quanto é nome vem do Tupi quase.

Ele bebeu um gole de água, com os olhos ainda fitos no nome.

— Se eu não estou enganado é um nome de peixe. Mas sabe por que o nome é assim?

— Não sei. Tucunaré. Só separando talvez para descobrir. Sabe outro nome que tem Tucu?

Ele estava ainda com os olhos pensativos em direção ao nome, mas o comentário foi o suficiente para fazê-lo se engasgar numa risada. Ele deu nos ombros.

— Tucuju. – respondeu.

— E o que significa Tucuju?

— Algo a ver com povo. – explicou, meio incerto e meio sem importância.

— Mas algum que tenha Tucu? – perguntou novamente Ítalo, terminando num riso.

Ele voltou a rir.

— Ai, cara, é.... Tucumã?

O garotinho estava se saindo bem.

— Que significa... ?

— Uma fruta ou algo assim.

Eles ficaram em silêncio.

— E as coisas com a Melissa? – perguntou ítalo.

— Vão bem. Ela só queria um pouco mais de atenção. É que eu estava preocupado com as despesas, e... ela também é um pouco dramática, mas gosto dela. – disse, meio que dando nos ombros. Ítalo apertou um pouco os olhos para esse comentário. Jânio estaria se conformando com isso ou pensava que gostava? Ítalo se surpreendeu no dia que eles correram na chuva atrás dela, mas Jânio reconciliar com a garota, mas não era como se a amasse, era como se... se estivesse com medo de não achar mais ninguém.

Ele sorriu.

— Então pode ter sido um pouco em vão a saída de casa já que tem ela. – brincou Ítalo.

O outro sorriu sutilmente pela piada interna entre eles.

— E tu? Não é possível que não tenha nenhuma garota por ai. E aquelas garotas que vivem contigo? As que vivem contigo e a Clara.

Ele virou a cara, olhando para além. Hum. Jânio pareceu lembrar só o nome da Clara. Não deixou despercebido que os dois possuiam uma certa amizade depois da quase overdose do beck.

— São só amigas. – esclareceu. - Admito que às vezes é sufocante ter tantas amigas mulheres. Mas... são ótimas aliadas. Eu pensei que estava indo bem ontem em fazer pesquisas. Mas percebi que elas são melhor ainda. - Ítalo estudou o sábado todo para o resumo expandido. E ficou pensando depois de descobrir como fazer tudo. Parecia ter achado a resposta, mas com suas amigas era bem melhor, mais produtivo e rematado. - Emilia é uma ótima pesquisadora, e metralha as informações com tanta rapidez, fôlego e desenvoltura quanto o personagem Sheldon Cooper, era namoradeira, mas sabia levar à sério os estudos. Já a Clara, era ótima em discurso, era muito boa em fazer as considerações finais. E eu, as pessoas sempre diziam que minha perseverança tinha que ser estudada.

O outro apenas assentia. Não passou despercebido por Ítalo que ele sorriu carinhosamente ao ouvir o nome de Clara.

— Eu não duvido muito. – e sorriu, meio tímido, brincando com o mato. – e amigos homens? Tú não tem?

— Ah sim. – comentou, regando com a cabeça. - Eu... era tipo um nerd. – e riu. – não me dava muito com as pessoas. Era inúteis e fúteis. O único amigo que sempre tive de verdade é meu avô. - Ele esticou as pernas, mas relaxadamente e ficou picando os matos do lado. - depois que entrei na faculdade as conheci. Quando eu era criança a coisa toda era meio complicada. Eu era difícil com amizades e no meu aniversário meu tio saiu e foi pegar todas as crianças das mulheres do bordel para brincarem comigo. Ainda os vejo ate hoje, claro que não seguiram o caminho das mães.

A junção desses comentários atiçaram uma lembrança no Letrado.

— Teve uma vez, quando eu tinha uns doze anos, havia ganhado título de namorado da garota mais linda da escola. – comentou. – Mas, não tinha beijos ou pegação, eu não sabia muito o que era isso, mas ah, era um rapazinho bem apaixonado. – ele continuava a deixar os olhos soltos pelo horizonte enquanto contava para o outro, que ouvia atentamente. – Eu sempre fui considerado um carinha maduro, certinho, e esperto. Mas quando a conheci e me “envolvi” com ela, admito, fiquei demais besta. – Jânio estalou um riso, seguido de Ítalo. – Eu saia no sol quente pra ir na lan house só pra pesquisar uma letra de música pra ela, sabe, daquelas coisas de garota, Isa tkm, Mister Biba e tal. – Jânio gargalhou, mas o outro continuou a história. – E contava as moedas que tinha no bolso só pra comprar um Risolé pra ela. Carregava sua mochila, emprestava meu celular pra ela ouvir as músicas do Justin, de bandas de garotas, essas coisas. E... era assim, um completo idiota.

Ele parou, virando o rosto para Jânio que parecia divertido com aquele relato. E continuou.

— Isso foi na sexta série. Se passou esse ano, e chegou à sétima. Eu ainda era afim dela, mas... digamos que fui percebendo com o ser humano realmente era. Como era... a realidade.

Jânio ficou bem curioso nessa parte.

— Sétima série foi um ano muito empolgante pra mim. Pois tive a oportunidade de escrever um livro. Eu lembro vagamente da história. – ele forçou os olhos, como se esforçasse para lembrar. – O mistério do medalhão. – e assentiu. – Sim, era isso sim.

— Quer dizer que já havia escrito antes? – perguntou Jânio, com um gesto curioso nos lábios abertos, mostrando estar realmente surpreso. – Então desde criança.

Jânio esta ávido de querer conhecer mais dessa história.

— Sim. Eu quase havia esquecido disso, lembrei por causa dessa nossa conversa. Mas continuando. A história tem um teor clichêzinha. – e riu disso. – Começa com uma mulher parindo o filho em uma cabana. Havia um rio por perto. E como ela sabia que a perseguiriam, colocou seu bebê, o amuleto e uma carta e deixou que o rio o levasse.

— Espera ai. – Jânio o interrompeu. – Ela tinha acabado de parir, e já saiu correndo como uma caçadora de criaturas sobrenaturais.

Ítalo soltou um ar pela noção de ridículo.

— Tá, eu sei. Eu tinha treze anos e tava começando com essa coisa toda. Deixei minha mente fluir numa congruência toda cagada, mas era importante, ok.

Jânio ergueu as mãos em forma de redenção.

— E o que aconteceu com o bebê?

— Uma freira o encontrou.

Jânio bateu com as mãos no gramado.

— Eu falei, tinha um cunho bem clichê. Então, ela o levou para o orfanato. Ela leu a carta dele e ficou assombrado com o que viu. Passaram-se os anos, o garoto criou amizade com uma menina de lá. Não lembro o nome dos personagens. Mas era ele, essa menina e um garoto implicante. Um dia, ele foi adotado, parece que pela mãe dele, não me pergunta, que não me lembro. E a mãe dele o apoiou em tudo e sabia também de tudo, mas, nossa, pelo que lembro ela havia meio que escondido dele, para protegê-lo.

Já adultos, a amiga do orfanato dele foi morar com ele e com a mãe dele. E chega o dia do mundo entrar em colapso. Começam as chances de haver terremotos e tsunamis. E o único jeito era se ele pegar esse amuleto e incrustar em uma forma no pão de açúcar.

Houve um silêncio, pois Jânio espremeu os olhos.

— Só pode tá brincando.

— E tá. Eles estavam num helicóptero. E ele estava pronto para fazer isso. Mas algo deu errado, e ele desmaiou. Então, sua namorada o socorreu. E ela mesma encaixou o medalhão no pão de açúcar. Fim de história.

— Pera. Mas o que essa história tem a ver com a que tu tava contando.

— Tem a ver que era algo que fiz com muito paixão, mas toda a minha felicidade foi arruinado por essa garota.

Jânio rapidamente pegou seu cigarro, empolgado.

— Continue, pequeno gafanhoto. – e acendeu.

— A professora de português pediu para que a turma fizesse dupla. E eu, todo apaixonado, não perdi a chance de fazer dupla com ela. Mas já fui me decepcionando quando sempre que tentava combinar um dia para escrever a história com ela, ela tinha algo para fazer. E até mesmo disse que não tinha tempo de fazer isso e ia pedir para a tia fazer. Já imagina como fiquei indignado. Então, como sabia que eu que tinha talento para isso mesmo, comecei a escrever a história.

Nesse momento uma bola rolou para perto dele. Ítalo a encarou, com um olhar meio traumatizado.

— É.. chuta ela. – pediu.

Jânio, sem problema algum, fez isso.

— Tem medo de bola? – perguntou, voltando a se sentar e enfiar o cigarro entre os lábios.

Ítalo voltou a olhar o horizonte.

— Tenho o pé torto. – Admitiu, envergonhado,

Jânio riu entre os dentes.

— Continua.

Nesse momento o céu retumbou. E as nuvens se formavam, cinzas e sólidas contras os feixes de fim de tarde. Mas eles ainda estavam seguros.

— E chegou o dia. – retomou Ítalo. - Entrei pelos corredores da escola e estava uma agitação que pela primeira vez senti que era eu, como se estivesse me apresentando em uma daquelas apresentações de dança de festa junina ou de eventos culturais. Era meu momento. Havia uma mesa com alguns livros prontos e crianças correndo pra lá e pra cá. Eu fui para a minha sala que era a última e a encontrei. Ela já começava a dar um jeito de fazer a capa, e como se não reconhecesse que não havia feito nada da história, ousou reclamar que eu não estava a ajudando. No final a capa ficou uma merda, uma merda toda de EVA.

E depois disso colocamos o meu livro para a exposição, depois dessa nem a pau digo que era nosso.

E já era fim do dia. Eu estava encostado nas grades do fundo da escola, pensativo, com o sentimento de missão cumprida, mesmo meio frustrante. Sabe, a porra da capa.

E as pessoas, depois disso, rasgaram tudo. Deixaram os livros jogados. Havia uns que na exposição já estavam sem capa mesmo. Muita gente só fez por obrigação.

E então, uma página pousou sobre meu pé. Olhei com indiferença para aquele pedaço de papel. E até olhei a escrita da pessoa. E foi nesse momento que alarmei. Desencostei da grade e me agachei, segurando aquilo com meus dedos e lendo mais atentamente aquele trecho. Eu conhecia aquilo.

Me levantei e foi andando em direção à saída. E a cada passo ia pegando um papel.

Quando saí, havia muitos dos meus colegas na entrada e muitas retalhos no chão. Ela estava ali, rindo com raiva, rasgando um livro. Mas aí percebi que era o meu livro.

Ítalo riu, meio irônico.

— Nem pensei. Metralhei um monte de filhos da puta pra ela. Como uma vitrola falante. Chorei, xinguei e berrei.

E tudo se calou quando ela me tapa na cara. Todo mundo ficou me encarando. Era vergonhoso. E olhei com choque para ela, que me olhava com aquela adolescente irritante, irracional, infantil e desprezível.

Ela era minha amiga, e eu não deixei de ser besta de um dia para o outro. A perdoei, mas não esqueci direito. Oitava série foi muito tranquila pra mim, ficava cada vez mais na minha e aprendi ate a contrariar ela, a todos na verdade. Passei a dar um foda-se para quem me irritasse, e não deixei mais ninguém me fazer de idiota.

— Puxa. – Jânio disse assoprou expirais no ar.

Nesse momento o céu retumbou mais forte e pingos caiam dele.

Os dois se levantaram e já caminhavam pelo trecho ao lado da autoestrada.

— E ouve outras garotas depois disso?

— Ouve. Mas eu já era alguém que conhecia o mundo. No entanto. A outra garota depois dessa era uma pessoa incrível. Mas depois de um tempo, percebei que não podíamos dar certo. – disse, quase gritando pelo som cada vez mais forte da chuva.

— Mas Jânio, o negócio é que é chato depender dos outros, sabe. É difícil contar realmente com alguém ou essas pessoas te levarem à serio. Elas podem não entender nossos sonhos. E é algo que não posso deixar ninguém interferir ou me definir. Bom, agora é diferente, porque não espero mais ninguém me levar à sério.

Jânio assentiu, olhando para a lama abaixo, e ergueu os olhos, brilhando como ouro pelos últimos feixes de luz restantes, que foram cobertas pelas nuvens carregadas. Ele parecia entender, Ítalo pensou. Ele levava a sério.

Jânio era a exceção.

Então, atiravam-se até eles riscos fortes e turvos. E eles corriam insanamente pela lama e longo caminho sob a torrente queda d´água.


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