Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 12
Capítulo 11 - Conter




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Ítalo estava a caminho da casa do pai. Depois de mais uma troca de xingamentos com Julieta, na qual ela ganhou com um “Seu sangue ruim.”, deu-se por vencido, tomou seu café tranquilamente e decidiu ver como as coisas iam na casa dos pais. Havia mal entrado quando Fabrício já tava de saída para fazer algo, pedindo ainda por cima para o filho lavar a louça. Pensei que iam tentar me assustar menos depois que me mudei. Mas o letrado condescendeu ao pedido assim que notou o jeito atrapalhado de seu progenitor.

Ofegante, seu pai chegou quando ele já estava terminando se ensaboar tudo.

— Por que o senhor tá assim já? Parece até que tava carregando granito. – disse Ítalo, começando a retirar o sabão enquanto Fabrício tirava a camisa à procura de alivio pelo calor e sufoco, encostando-se no balcão em seguida. Descansado, quase colocava a língua pra fora como um cão com sede. Olhou para Ítalo, arqueando as sobrancelhas.

— Granito? Eu tava carregando caixa de som. E tú, seu corno, seu maluco, vê se cuida de imprimir logo esse boleto pra eu pagar que tua mãe me perguntou e eu tive que mentir. – desabafou, aproveitando que tava perto do balcão para servir-se de um pouco de café.

Batendo nessa tecla de novo, seu Fabrício.

— O senhor tem que parar com essas suas mentiras, sabe que eu não gosto disso. Mentiras só pioram as coisas. – repreendeu Ítalo, fechando a torneira e atravessando a cozinha para pegar um guardanapo nas gavetas, voltando e enxugando a louça enxaguada.

Seu pai bebia o café olhando para a parede.

— É, mas eu tive que fazer, isso da um jeito. – retrucou mais manso.

— É, mas isso pode piorar as coisas. – continuou Ítalo, irredutível em sua opinião.

— Pois é, já devia ter imprimido isso. – Fabrício pousou a xícara ali como se quisesse fugir do assunto.

Assim que terminou a louça, pegou o notebook do seu pai, acessou a conta e puxou o boleto, se dirigindo à área de trás de sua casa e o entregando. Só esperava que passar nesse concurso valesse a pena. Parecia ser tudo que as pessoas tinham no momento.

— Aqui.

— Ah, sim, me da aqui. Que tua mãe, tú sabe.

— Mas a mamãe, o senhor sabe como ela é cheia de equívocos e precipitada.

Fabrício forçou um pouco os olhos para visualizar o papel e balançou a cabeça num manso “não”

— Não, não, meu filho, ela só fica preocupada.

— É, eu sei, mas isso não é justificativa pra ela acusar sem ter provas. Sei que dói, mas o senhor tem que jogar umas verdades de vez em quando. E sobre ela ser preocupada, o senhor, seu Fabrício tem um pouco de mérito nisso, que fica mentindo para ela, e ela tem o direito de ficar desconfiada.

Depois de ter descido a escada, com um pano na cintura, Fabrício foi para a cozinha e voltou para o pátio da frente com uma xícara de café, se sentando ao lado do filho.

— Meu filho, segunda, eu e sua mãe conversamos com o Ivan e descobrimos que vocês tiveram uma briga. – começou o professor, com uma voz cautelosa como sempre costumava iniciar suas conversas. – Meu filho, tenta se dar bem com ele. Poxa, vocês são irmãos...

— Para. – disse Ítalo, com tom de ordem. Seu pai havia parado logo que o filho ergueu a mão. – Não vou aturar vocês repetirem essa conversa. Já a tivemos e pensei que havia deixado claro minha inflexibilidade diante desse assunto. Sabe que não tolerarei mais essas conversas, vocês vivem com a ideia de repeti-las, o que não vai adiantar nada do que me irritar, e repetições só aceito com intenções, disfarçados de sinônimos para remeter o que já foi dito em algum texto. Fora disso, dispenso, descarto, amasso e piso.

Fabrício balançou a cabeça, com uma linha fina em desaprovação nos lábios como se tivessem tirado sua vaga do estacionamento. Resolveu deixar de lado essa conversa e terminar de limpar o forro. Tinha sua autoridade ali, mas conhecia aquele como ninguém, nem apanhando cederia a tal conversa. Resolveu mudar de assunto depois que terminou de limpar.

— Então, senhor Ítalo, não é porque tú moras em outro lugar que não tem mais que ver a família. – Fabrício trocou de assunto, um pouco suado por ter limpado o forro. Sentou numa das cadeiras do pátio novamente e começou a esfriar uma xicrinha de café.

— O que, pai, do que o senhor está falando? – perguntou, desentendido.

— Do seu avô. – resmungou, sugando um gole. Seu olhar era distante.

Ítalo ficou um tempo o olhando de boca aberta, mas tocou-se e levou a mão à testa.

— Ai, droga, tanta coisa, que... e não me olha assim. – repreendeu quando seu pai já volvia seu olho aguçado por problema ao filho, doido para objurga-lo.

Fabrício fez cara que não sabia de nada. Claro, se tratando do vovô.

Ítalo voltou para seu apartamento. Seus pais eram tão bem estudados, mas parecia que o cérebro deles não queria arranjar espaço para eles aprenderem novas coisas. Sua mãe, precipitada e equivocada, o que acabava iniciando discussões, e seu pai mente muitas vezes para resolver problemas, o que pode causar mais ainda. Ainda bem que eles se amavam o suficiente para que isso não corrompesse o casamento, porque se não a coisa toda só ia ficar cada vez mais insuportável.

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Ítalo e Jânio estavam a caminho de um asilo. No momento em que Ítalo contou sobre o avô, Jânio ficou cabisbaixo, mas o letrado tratou de explicar que não era por que eles queriam. O estudante de filosofia viu que Ítalo, mesmo parecendo gostar do avô, um certo incomodo e tristeza refletia em seu olhos escuros. Por isso, ofereceu-se para acompanha-lo.

Era silencioso aquele lugar, onde se ouvia o som do ventilador, talheres indistintamente e das árvores, vez ou outra, interceptando com os ruídos acolhedores da tarde.

Seguiram um corredor aberto, com vista para jardins e do outro lado, dependências. Viraram para uma que dava para a entrada de uma sala. Ítalo acelerou um pouco os passos e entrou primeiro. Jânio o viu desaparecer, e quando aproximou-se, Ítalo estava de joelhos, tomando bênção do avô.

Os cabelos brancos já foram loiros um dia. Os olhos dele era sólidos como rochas que se formavam com o tempo, parecendo tremeluzir os acontecimentos do passado. Eram azuis e penetrantemente incisivos. Mas fora rapidamente tomados pela atenção do neto, passando a sorrir, como um danado. Ítalo parecia lhe encher de certos impropérios carinhosos à medida que se levantava e colocava mãos as na cintura.

Não se sabia o porquê, mas o avô de Ítalo usava um enorme manto sobre os ombros, era vermelho e parecia se mover como água. Jânio aguçou os olhos, maravilhado e intrigado ao mesmo tempo.

— Eu tava perdido em pensamentos. Assim como você. - e olhou para o outro.

— Boa tarde. – saudou Jânio.

Ele estava ali vendo aqueles dois na intimidade, que sentiu-se meio retraído, mas aprumou-se mais à disposição quando os olhos do avô de seu colega se dirigiram à ele. Adalberto lhe recebeu com um sorriso caloroso.

— Você é amigo de Ítalo? – olhou para Ítalo depois para ele. – Nunca vi ele com nenhum amigo, a não ser as garotas com quem ele sempre anda. Deve saber como ele vive com os olhos avoados.

Jânio sorriu timidamente.

— É verdade.

Com esse apoio de Jânio, Adalberto jogou um olhar sábio e presunçoso para o neto, arrancando um revirar de olhos do mesmo.

Só depois de olhar mais uma vez para o manto que ele prestou atenção no que estava pendurado no pescoço de Adalberto. Era um medalhão. Um sol coberto por ramificações de fumaça. Jânio ficou boquiaberto. Era como o medalhão de Ítalo.

— A diferença vovô, é que eu perco minhas reflexões com banalidades, com coisas que gosto, quando não to com interesse em alguma conversa, mas eu sei onde seus olhos se perdem.

— No farfalhar nas copas. – respondeu Alberto num tom brincalhão. Jânio acompanhou com um riso travado.

Os olhos observadores e curiosos do de filosofia iam de um para o outro.

— Puuuxa.! – soltou, sem querer.

— O que foi? – perguntou Ítalo, fazendo o amigo arquear as sobrancelhas em percepção.

— Ah, nada. é que. Vocês... se parecem bastante.

Adalberto sorriu carinhosamente para Jânio. Ergueu os olhos para o neto.

— Eu não sei nem como é possível Fabrício ser seu pai e meu filho. – e encarou Jânio. – parece que agora meu neto vai ter uma figura máscula para se espelhar.

Ítalo estreitou os olhos para ele. Mas puxou um canto dos lábios levemente. Sobre seu pai ele concordava. Ele suspirou. E se agachou, pegando as mãos do avô.

— Ninguém nesse mundo é capaz de me compreender mais do que o senhor, vovô. O senhor sempre foi meu melhor amigo, nunca precisei mais de ninguém além do senhor.

Dessa vez foi ele que rodou os olhos, como se estivesse ouvindo papo de velho.

— Que isso moleque, você tem muita coisa pela frente. Devemos dar chance às pessoas. Aposto que até com Jânio você ainda é desconfiado. Alias, estou impressionado por estar tentando morar com outra pessoa de novo.

Ítalo continuou o encarando, preso numa resposta. Jânio ficou pensativo sobre a revelação que Adalberto acabara de fazer.

— Jânio é um cara legal, apesar de pouco diferentes, nos parecemos em muita coisa. - declarou, virado para o mesmo que lhe respondeu com um sorriso gentil.

O avô bateu com as mãos sobre as costas do neto.

— Mas você sabe que nunca vou sair daqui, certo?

O neto desviou o olhar, descontente. E levantou-se, indo até o corredor, encarando os jardins.

Enquanto isso Jânio e Adalberto se davam muito bem. Este contou o momento parecido com esses de manifestações e ele era ativo nisso. Ítalo não era muito disso.

— Ainda bem que ele não veio. Com aquela historia de novo de bom filho que quer levar o pai para morar com ele. – comentou Adalberto depois de um breve silêncio de suas histórias para Jânio, querendo chamar atenção do neto.

Ítalo, quando olhava para os lados, como se avistasse algo nos corredores, parecia mostrar-se embicado e com trejeitos um tanto preocupantes.

— E por que o senhor não vai? – perguntou Jânio, se sentando no chão e ouvindo o velho homem. Ítalo riu mesmo sarcástico. Fumantes e seus costumes de colocar a bunda em qualquer lugar. E para o avô, virando-se para o jardim novamente.

— Pra que viver nessa sociedade? Pra mim não da mais. Desisti.

— Era só não sair de casa. – replicou o neto.

Adalberto mostrou os dentes num sorriso orgulhoso para ele.

— Por isso que gosto das suas visitas, sábio gafanhoto. – ítalo revirou os olhos, aproveitando que estava de costas. – fala comigo de igual para igual, tem postura, tem timbre. Pena que se limita a ficar muito na sua.

— Como eu disse, é só não sair de casa. Ela é grande. E não desvia como meu pai. – Ítalo também queria muito que o avô saísse dali, mas ele era ele todo o momento, ao contrário do jeito de Fabrício, tratando o outro como cristal. Depois de tanta luta na vida para conseguir direitos para todos, Adalberto sempre odiou que o tratassem como um velho frágil.

— Eu não desvio como seu pai. – comentou, quase não contendo estar ofendido. – e o motivo de não ir para sua casa é justo por que ele está lá. Assim como esse é o seu motivo também.

Ítalo apertou os lábios para dentro da boca. Certo, já não bastava Julieta lhe vencer, seu avô também. Jânio impressionava-se como o avô conseguia fazer Ítalo exibir um bico de enfado.

— Vai para a minha. – brincou Jânio.

O velho soltou uma risada acalorada e gostosa.

— Gostei do seu amigo. Por que não trouxe ele aqui antes?

O neto o ignorou, começando a desviar sua atenção dos jardins para os corredores, como se procurasse algo. Adalberto não deixou de lado esse comportamento. Não parecia chateado com o que o avô dissera, mas uma angustia parecia ter subido e transbordado, agora impossível de conter.

Jânio parecia bem interessado nos relatos do mais velho.

Ítalo olhou de um lado para o outro e saiu. Voltou na mesma posição com um copo de café.

Jânio olhou para trás e para o velho, puxando um maço por hábito, sempre puxava no vibrar da emoção. Era demais empolgante conversar com aquele homem.

— E vocês? Vieram á pé? Tava sem gasolina? – brincou.

— É, vô. Gostamos de fazer alguma coisa.

— Se foi uma indireta para os caminhoneiros. Eles estão numa manifestação bem justa.

— De fato. São bem mais criativos. Pelos menos parte deles.

— A outra parte a burrice é grande querendo a intervenção militar. – disse Jânio.

Jânio viu. Os olhos de Adalberto voltaram a ser uma rocha azul brilhante e sólida, como uma pedra preciosa. Isso fez o estudante de filosofia enfiar o maço de novo.

Ítalo finalmente virou o rosto para encarar seu velho. Mas não com um olhar afim de censura-lo. As irias incisivas do avô fizeram seus pulmões retesarem. Mesmo ele parecendo controlar.

A empatia de Ítalo era forte. Sempre parecendo sentir o que os outros sentiam e por isso ele sempre se cobrava, não reclamando até onde podia dos obstáculos.

— Hãaa. – Exclamou Jânio, sentindo o clima ruim, e espalmando uma mão no chão para se levantar. – Que tal darmos um passeio? – já estava posicionado atrás das cadeiras de rodas de Adalberto.

Por um momento, Adalberto parou de pensar naquele comentário para pensar em quanto era interessante aquele novo amigo do neto. Usava uma mini argola em uma das orelhas que o deixava elegante, calças sutilmente rasgadas e uma camisa preta sem mangas, mostrando tatuagens nos braços e antebraços. Mas gentil como uma mãe. Adalberto só não entendia que sensação era aquela com Jânio, como se já o conhecesse.

Eles saíram para passear com o velho. Jânio e Ítalo querendo revisar em empurrar a cadeira de Adalberto.

Pararam debaixo de uma árvore, onde dava pra ver o lugar todo. Parecia ser um ótimo ambiente para conversarem.

Jânio levantou-se e foi até Ítalo para pegar seu copo e saiu para encher mais café.

Adalberto acompanhou Jânio com os olhos até o jovem sumir por um dos corredores, voltou sua atenção ao neto depois de ouvi-lo expelindo ar. Mesmo de costas, Ítalo parecia sentir Jânio sumir de vista, como se almejasse por isso, patenteando a sensação de Adalberto.

— Vovô. - começou o jovem estudante, hesitante, cabisbaixo e envergonhado. Quando Jânio sumiu de vista foi como se Ítalo tivesse prendido toda a dor crescendo nele, jogando a cabeça contra o colo do avô, respirando como estivesse prestes a chorar. - A canção não funciona mais.

Adalberto estava espantado com aquilo, seu neto, o bom e jovem Ítalo quem sempre o procurou em péssimos momentos estava ali. Isso explicava a aflição dele quando olhava para os corredores, até chegar ao ponto de tentar o café. Pousou a mão sobre os fios longos dele, ainda sem saber o que fazer. Ítalo sempre teve o que um garoto precisava, pais que amavam, presentes e presenteando-o com o necessário. E ele cresceu maduro, respeitoso, obediente, mas com seus próprios princípios desde cedo, já discordando de hábitos e atitudes dos pais. E eles muito vezes o aborrecia. Mas não era isso. Algo de errado acontecia com seu neto.

Ele passou a mão pelos fios negros. Tão escuros e brilhosos como centelhas negras.

— Talvez porque não precise mais dela. – sussurrou. – ô meu filho, tenho medo que seja algo que você não quer soltar.

Ítalo franziu as sobrancelhas.

Já é a segunda vez que me dizem isso. Primeiro foi Jânio.

Sobre a música, Ítalo pensou, vou usar sim.


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