Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 11
Capítulo 10 - Mãos no futuro.




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Política. O que era política para Ítalo?

Ele não confiava nessa palavra. Esta, para o estudante de letras, simbolizava a corrupção e ilusão. Já havia se cansado dela na vida pessoal, na situação coletiva então nem se falava. Além de que não rolava de parar um instante para pensar direito no contexto da própria, já havia fixado todas as coisas ruins para esse termo.

Mas desde que se mudou, muitas faíscas da realidade haviam acendido em seu peito, e uma centelha persistente o despertou como andava acontecendo ultimamente.

Era quarta feira, dois dias depois de ter perdido o controle com o irmão, de ter feito algo que o fez pensar que era um monstro, o que poderia ter despertado nele. Logo descobriria o que andava acontecendo com ele, e quem iria lhe ajudar se chamava Emília. Naquele momento só ela podia.

Acompanhou, fungando o nariz dos últimos resquícios da gripe, que tava ocorrendo uma agitação estranha na Universidade. Geralmente os corredores naquela hora sempre eram calmos, e as salas sempre tinha um grupo ou outro conversando e excitado. Mas esses grupos estavam por todos os corredores.

Curioso, deixou seu material na sala e saiu para se juntar a alguns colegas enquanto suas amigas não chegavam. Mas mal se havia se aproximado, Katerine, sua colega baixinha, já chegou o interpelando, querendo saber que chapa ele iria votar. Ela e Caroline conversavam sobre a última, como era engraçado a amiga correndo para ninguém vê-la menstruada.

— Tipo, uma mulher normal, vai normal, tapando a bunda, ela sai quase correndo. – olhou para Ítalo, arregalando os olhos e soltando risinhos com Caroline. – E ai Ítalo, já sabe em quem vai votar?

Ele fungou o nariz antes de abrir a boca para responder, mas naquele momento, sua professora de teoria literária dois estava passando por ali e parou com eles um momento, com dois adesivos em cada um dos mamilos.

— Boa noite, gente, já votaram para a chapa? – perguntou, recebendo um não de todos. – Se ainda não sabem para quem votar, uma dica.  – e estalou o céu da boca enquanto apontava para os seios. – olhem para meios mamilos. – Ítalou virou o rosto por um momento, meio sem graça, mesmo que as bochechas mostravam-se cheias para explodir em alguma risada.

Ele franziu as sobrancelhas ao lembrar da pergunta da colega.

— Eu não sei ainda. Quando é? – perguntou à Katerine.

— Hoje! – exclamou ela.

Ele arregalou os olhos. E desviou-se por um momento quando um cara meio calvo tentava acompanhar uma loira rechonchuda interrogando-a sobre ela ter ou não autorização de tirar foto dos alunos. Ambos usavam camisas padronizadas diferentes. Concorrência.

— Hoje! – e sorriu. – Puts, ainda bem que esqueci meu documento com foto.

Outros colegas, com sorrisinhos maliciosos, pareciam concordar.

Ítalo riu e a meleca ali dentro espocou, mas por pouco não escorreu feio.

— Essa gripe não passou? – perguntou Katerine.

Ítalo fez que sim com a cabeça.

— Sim, mas esse resquício é uma praga que quer ficar pra servir de cicatriz.

— Tipo, a cicatriz de deus da guerra. – comentou Diego, chegando ali. Ele era amigo próximo de Katerine e Caroline, e às vezes meio bobo.

Elas olharam torto para ele.

Foi nesse pedaço da conversa que Jânio se aproximava erguendo uns panfletos em direção ao colega. Pegou a parte que o colega de quarto dissera que havia esquecido o documento e ainda agradecido por isso. Queria não culpa-lo, já que andava com muita coisa na cabeça, mas aquele sorrisinho contente dele não colaborava.

— É uma pena você não poder votar. Seria sua voz ganhando participação nas mudanças por aqui. – comentou Jânio.

Ítalo virou-se, meio abismado com aquilo, deparando-se com a mão estendida do colega com panfletos de uma chapa. Era a mesma que ele aprovara. Abaixou os olhos meio envergonhados.

— Você já votou? – perguntou, recebendo os papeis. Era uma quantidade absurda para uma pessoa só. Jânio ia convida-lo para distribuir caso as pessoas não soubessem para quem votar.

O beck balançou a cabeça, com um muxoxo fraco como se quisesse disfarçar o desapontamento.

Jânio estava decepcionado. No simpósio, viu um garoto completamente apaixonado pelo que estudava e como se fosse ter uma ideia capaz de mudar algo para todos. Mas Ítalo não parecia nem se importar. Será que é apenas um momento na vida em que a pessoa quer focar só nos problemas?

Mas em contrapartida, ítalo que admirava aquele fulgor do outro de se importar com o coletivo, com as pessoas, de ajudar um mendigo e pensar sempre em todos.

Jânio se despediu com um olhar que não passava de um vislumbre para o outro.

Ítalo abriu e fechou a boca diversas vezes, olhando para os panfletos depois para o colega. Correu até ele, parando do seu lado e divulgando a chapa para alguém. Jânio que estava para começar uma conversa com alguém, virou o rosto para o outro, e sorriu, voltando-se para a outra pessoa.

Mateus, seu colega, também distribuía panfletos da sua chapa. Ítalo parou um instante, curioso com aquela cena. Seu colega agarrou alguém pelo braço e arrastou para frente dele.

— Ola, tudo bem. Olha aqui está nossa chapa. – e entregou o papel para a moça, que educada como parecia, aceitou, fingindo interesse. – Se ainda não tem ninguém pra votar, recomendo nossa chapa. – Segurou no ombro da moça e olhou no fundo dos olhos dela. – Matilde. Esta universidade necessita de grupos de oração para iluminar a alma desses jovens. A todo o momento precisa estar os convidando para o caminho certo, por isso que uma de nossas propostas é trazer mais células para este Campus...

Jânio parou ao lado de Ítalo, assistindo aquela cena.

— A mãe dele deve rezar todos os dias pra ninguém fazer maldade com ele. – comentou Ítalo, fazendo o amigo rir. – Acredita que ele ainda fez divulgação dos grupos de igreja precedidos por Hashtag?

Ítalo balançou a cabeça. Isso iria dar encrenca, e ele queria estar com um balde de pipoca quando isso acontecer.

— Como você sabe meu nome? – perguntou a moça.

Mateus paralisou, e simplesmente ignorou depois de assusta-la com esse detalhe. Ele balançou a cabeça, e pegou nos dois ombros dela, olhos incisivos. Ela moveu a cabeça com receoso e lentidão para a mão dele em seu ombro e o encarou como se fosse a coisa mais repugnante do mundo.

— Escute bem, Matilde, sei seu nome, por que eles. – fez um gesto apontando para a orelha e o alto. – Acham que você é a escolhida. Vamos evangelizar, todos precisam de nós, vamos, vamos, vamos, seja minha parceira, minha companheira, minha namorada, mãe dos meus filhos. – falava à medida que aproximava o rosto oleoso e vermelho para perto dela.

Ela soltou um guincho antes de desvencilhar-se dele, saindo correndo em seguida.

— Eu ainda te amo, Matilde. – ele gritou

Jânio tapou a boca, contendo rir. Deu uns tapinhas na costa na costa de Ítalo.

— Ta certo, agora vamos continuar, vamos.. – abriu entre aspas. – Evangelizar essa gente.

Ítalo riu e assentiu, virando-se para uma parede. Ela havia se empolgado na coisa toda, e distribuía empolgado para todos, até mesmo nas paredes. Balançava a cabeça. Se Clara visse isso, ia surtar, já que ela era católica também, pensou batendo com o adesivo na parede.

Mas uma mão segurou seu pulso.

Ítalo olhou aquela mão ousada e grande lhe segurando, depois para o braço, arqueando as sobrancelhas, e depois para a pessoa, relaxando-os com tédio. Deu um puxão.

— Não sabe que é proibido adesivar a chapa na parede? – perguntou Nicolai, com ar de satisfação. Ele usava um chapéu estranho aos olhos de Ítalo, como se fosse os próprios cabelos espetados e o couro cabeludo tufado, mas aparentemente confortável.

— Não sabe que o que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta. – Respondeu Ítalo, com a mesma calma.

O russo deu um risinho sarcástico, olhando-o dos pés a cabeça, e deu nos ombros.

— Então tá. Mas fique sabendo que isto está a pena de desclassificação.

Ítalo engoliu em seco.

— Se está ou não, isso é problema meu. Agora rala daqui.

Nicolai virou-se, rindo com desdém.

Ítalo inflou o peito e puxou o adesivo da parede. E enquanto embolava, viu Nicolai entregar um panfleto para uma mulher.

Concorrência.

Mas claro. Ítalo balançou a cabeça, desaprovando isso.

Jânio parou ao seu lado, olhando do estudante de filosofia que um dia foi seu veterano para o colega de quarto.

— Algum problema aqui? – perguntou.

Fuzilando ainda as costas de Nicolai, Ítalo negou com a cabeça. Não queria dar enxame aquele detalhe, podia parar em maus ouvidos e prejudicar a chapa que seu amigo estava defendendo.

Depois que terminou de falar com dois garotos, Nicolai virou-se, se deparando com os dois ali.

— Quer dizer que os defensores da pátria estão se juntando, é?

Nem da pátria eu gosto.

— Por que me olha assim, por acaso vai fazer alguma coisa? – e sorriu, com deboche, pronunciando um nome com cada ênfase em cada silaba. – demolidor. – e riu. Arregalou os olhos e arredondou a boca como se estivesse espantando, erguendo as mãos em redenção. – Oh, meu deus, vai me demolir.

Jânio franziu as sobrancelhas em confusão, não sabendo qual era essa de demolidor, era a segunda vez que ouvia alguém se dirigindo a Ítalo dessa maneira. O mesmo não parecia puto, mas relaxava as pálpebras de tédio ou ouvir esse nome, como se ridicularizasse.

— Qual é o seu nome? Não lembro, mas isso não é da sua conta, tá. – soltou esse “tá” com um sorriso que quase fez parecer que fosse habitual. O russo continuou o encarando, com desinteresse. - A propósito. Gostei do seu chapéu.

Nicolai sorriu sutilmente de canto e agradeceu, já saindo de perto.

— Tem uma eficiência imaculável em esconder esse seu topete ridículo. –Finalizou Jânio.

Nicolai parou ali. Nesse momento Ítalo percebeu que ele tinha as costas bem trabalhadas e sólidas pela camisa social. Mas foi só uma observação, isso não metia medo algum em Ítalo. O estudante de filosofia virou a cabeça parcialmente para o lado, e voltou a seguir seu caminho.

Ítalo e Jânio, que estavam com os maxilares trincados, começaram a rir depois que o rival havia desaparecido.

— Eu gostei. – Emília disse.

Viraram para ela que estava sentada no meio da mesa perto da parede, com Clara sentada no banco à sua esquerda e do outro lado Jasmim em pé, de braços cruzados.

Ítalo sorriu. Sempre achou que elas formassem um trio perfeito. Não era a toa que havia feito uma poesia dedicada à elas “As três mosqueteiras e um mosqueteiro revoltado”.

— Claro que você gosta, você ama um turn down for what.

Ela deu um sorriso amarelo. Olhou Jânio por um segundo e segurou o braço de Ítalo, se afastando dali um instante enquanto o estudante de filosofia conversava com as amigas de Ítalo.

— Pelo visto estão se dando bem. Acho que me deve créditos.

Ele ergueu as sobrancelhas para aquela ousadia e ar escroto de interesseira.

— Mais ou menos, tem que ter um desconto para a gata cretina dele.

Emília beliscou seu braço.

— Não fala o que não sabe, tenho uma e é um amor. – disse, semicerrando os olhos para o amigo. Depois olhou com cobiça para Jânio. - Quem sabe eu e ele não podíamos passear com nossos gatos juntos.

Ítalo piscou os olhos diversas vezes não crendo naquilo. Mas tinha uma ideia

— Ah, sei como você pode me compensar.

— Compensar, eu é que...

— É o que? Você que trouxe Jânio até mim? Não, mas eu posso mesmo fazer com que vocês tenham esse passeio bizarro de gato como se fossem cachorros.

— Ai, esse comentário parece machista se fosse trocar os substantivos.

Ele deu nos ombros, meio que não entendendo.

— Quer ou não quer? – agora ele quem a segurava.

— Claro que quero. – disse, se soltando.

Ele deu um sorrisinho.

— Então, a parada é o seguinte. Preciso consultar o búzios com a irmã do seu avô.

Ela arqueou uma das sobrancelhas.

— como é que é? Você não vai me fazer pedir isso à ela.

— Por favor, isso é importante pra mim.

— Não sabia que você acreditava nessas coisas.

— Nesse momento, você sabe, sabe mesmo que coisas estranhas andam acontecendo comigo, depois daquele terremoto.

— Ai, sério, foi só um terremoto, por que tudo nesse mundo, até o fim do mundo, seria sobre você?

— Não é isso.

— É sim.

— Argh de ser teimosa. Por favor.

— Não. Sabe como minha família é. Ítalo, pelo amor de deus, eu venho de quatro origens completamente diferentes, tento ao máximo ser impassível, já não basta cada um me puxar pra um lado. Não dá.

As origens de Emília era algo tão inacreditável. Dos avós paternos delas uma é uma mulher irlandesa rica que se casou com um homem negro tentando a vida depois da abolição do avô. E o avô materno era indigenista que amou uma linda índia. O pai dela tinha uma pele oliva com sardas, parecia como se tivesse vindo das florestas de um conto de fadas da sua mistura, a mãe era linda com seus traços indígenas, já Emilia puxou mais o pai, não tem muitas características da mãe. Apesar dela carregar essas quatro origens com muito peso e pressão nas veias, muito coisa por conta disso ela escondia, querendo ser única, ser Emília, dona de si mesmo e com seus próprias princípios, sempre andando determinada e convincente de si. Ítalo admirava muito ela por isso. Às vezes simplesmente fazia jus ao nome, e como a própria personagem de Montero Lobato, empurrava um polegar de língua pra fora pra quem a importunasse.

— Entendo, entendo, mas é só dizer que eu to interessado, não você.

— Sei não.

— Qual é. Não é você que quer consulta-los, sou eu, por favor, muito coisa estranha anda acontecendo comigo, vai. – olhou profundamente nos olhos delas. Ela fez bico, revirando em seguida.

— Ai, ta. Olha, sinceramente, colocar as mãos no futuro deve ser muito escroto, não sei se é uma boa ideia, vai que você esteja exagerando e acabe descobrindo outra coisa.

— Nossa. – começou, vibrando desprezo na voz. - Você mesma que é disso não sabe, e por mãos no futuro é o caso da votação é o que estamos fazendo, isso é diferente, as únicas mãos serão da sua tia avó que ira jogar os búzios.

Katerine e Caroline estavam por perto, ainda conversando sobre como Katerine corria quando tava menstruada. Foi quando disfarçaram.

— Gosto de causar sim. – começou a disfarçar Emilia, retomando a primeira conversa. -  Mas em casa é diferente, prefiro ficar na minha e fingir que to concordando por que assim meus pais largam do meu pé mais fácil. – disse, com o lábio superior franzido, aproximando-se do amigo e pegando os panfletos. – Agora deixa eu ajudar vocês, que pelo menos aquele topete de Dimmy Neutron tinha razão em alguma coisa. Se tem charme. – deu nos ombros. – use-o.

Ítalo teve certa impressão de que ela quis impressionar Jânio naquele momento. E parece que isso foi confirmado quando olhou para Clara, que tinha um fantasma de sorriso no rosto.

Ítalo aproximou-se do ouvido de Jânio e disse:

— Pede pra elas te ajudarem.

— Pede tu, é amigo delas.

— Mas tu é desconhecido e bonito. E elas já te crusharam pra porra.

Ítalo não queria ser traíra com elas, e quis ajudar o amigo sim, mas já queria se livrar daqueles panfletos.

Os olhos de Jânio ganharam um certo brilho.

— Garotas, vocês não vão fazer nada agora, né?

Ítalo não se segurou e riu, achando engraçado e ao mesmo tempo impressionado como tava tirando proveito dos amigos naquele dia. No entanto, o catarro desceu com um estalo, fazendo-o tapar o nariz com o braço, olhando para todos para ver se pegaram aquela cena escrota. Saiu às pressas dalí em direção ao banheiro, correndo meio engraçado.

Katerine parou de discutir com a amiga, cruzando os braços e olhando observadora pra Ítalo seguindo seu caminho ao banheiro.

— Viu, é desse jeito que você corre quando está menstruada.


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