Livros e Cigarros escrita por Martíou Literário


Capítulo 10
Capítulo 9 - Provocar e ser provocado




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Ítalo coçou o nariz, acordou de manhã com essa inquietação e tinha vezes que coçava e só sentia arder mais ainda. Julieta observou aquele comportamento com desprezo.

Você não gosta dela?

Oh, não. Queria que ela pudesse me entender para eu poder manda-la esfregar aquela vagina imunda no quinto dos infernos.

Olha, você pode falar comigo, posso traduzir para você.

Ela fez uma careta para esse gesto receptivo dele.

Argh. Não sei como você consegue ver vantagem nisso. Não, espera, você é a única pessoa a quem posso dirigir palavras afrontosas, então até que tem alguma utilidade.

Houve gemidos, o ruído da cama como se entortasse as molas do colchão com o peso indo e vindo.

Jânio esteve tão empenhado em mostrar ser um colega de quarto suportável que bem podia incluir na lista conter gemidos escandalosos.

Ítalo olhou para a porta do quarto de seu colega, depois para ela.

Não, to de boa.

Ela revirou os olhos, ou tentou, e foi caminhar com seus movimentos desinibidos no andar até atravessar o quarto de seu dono. Depois saiu de lá.

Meu soberano solicita sua presença em seu quarto, humano.

Ele franziu as sobrancelhas com esse aviso, se levantando, confuso em como alguém que acabou se soltar oxitocina com a namorada inventa de o chamar assim, do nada e em como parecia duvidoso a forma como Julieta se referia a Jânio depois de falar pela milésima vez que ele tinha nome para a gata. Muita coisa veio na cabeça de Ítalo, sobretudo a que convidassem ele pra se juntar. Será? Ítalo tinha suas fantasias, não achava que recusasse.

Ele abriu a porta e arregalando os olhos, fechou-a pelo susto, ouvindo xingamentos abafados.

Ele ficou atrás da porta, se recuperando do susto. Sentiu-a abrir, fazendo-o tropeçar um pouco para trás, deparando-se com Melissa, que o olhou pelo momento, mas abaixou os olhos em seguida. Ele fez o mesmo.

Quando Ítalo entrou alí, sentiu um cheio de abacaxi azedo com outro de camarão meio passado da valida com perfume do boticário.

Mas que merda é essa?

Ele entendeu agora que o insulto de Julieta mais cedo era bem sério.

— O que foi? – perguntou Ítalo. – Por que me chamou?

Jânio piscou os olhos, meio atordoado.

— Eu. Não. Te chamei. – explicou.

— Mas... – fechou a boca. O que ele ia perguntar? “mas a Julieta disse isso e tal” – Eu pensei ter ouvido. – ele coçou atrás da orelha, envergonhado. – Olha cara, foi mal mesmo.

Os olhos de Jânio dançaram pelos lençóis que cobriam suas pernas.

— Ta tudo bem. Eu já tinha gozado mesmo

Ítalo assentiu, concordando e fechou a porta, mirando os olhos fuzilantes em Julieta.

Gata maldita. Fez isso só pra Melissa ir embora.

Ir embora e talvez não voltar mais.

Atrapalhou o sexo do seu dono.

Mas o salvei de um capeta.

Foi em vão. Porque ele gozou.

Ela rugiu.

Gata maldita, sempre conseguindo o que quer, não é muito diferente das outras mulheres.

Ela esboçou um sorriso sofisticado e virou se rosto novamente para a televisão.

Ui, foi eu sim que desmaiei como uma donzela por causa do meu amuletinho.

— Eu tava doente! – usou a própria voz para explicar-se.

Ítalo balançou a cabeça e saiu para visitar os pais.

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Os pais de Ítalo eram pessoas que o tiravam do sério, mas amava-os. No entanto, nem todo sangue como o seu significava algo para ele. Um exemplo disse era Ivan, seu irmão gêmeo.

Depois de descer a ladeira e dobrar para a direita onde ficava sua casa, viu seu irmão e mais um homem na frente da casa, conversando. O homem parecia desabafar todos os seus perrengues para Ivan, este com a cabeça abaixada e assentindo para tudo, como se entendesse.

Mas só quando Ítalo freou perto deles, de frente para o portão, que realmente entendeu o óbvio. Não era só o cara que estava com problema, como também a causa dele, Ivan.

— Poxa, cara, por que tu fizeste isso comigo? Sabe que tenho uma filha pra alimentar, tenho esposa, como é que vou entrar em casa e simplesmente aparecer sem nada.

— Não, não, super entendo. – Ítalo conteve a vontade de revirar os olhos. – Semana que vem eu tenho teu dinheiro.

— Como assim? Tú não vendeu? Pois é, cadê o dinheiro?

— Semana que vem, semana quem.

O homem balançou a cabeça quando Ítalo abriu o portão e ficou lá atrás para escutar o resto da conversa.

— Cara, tu já devia ter esse dinheiro, mano. – e sussurrou. – te dei um monte de pedra das boas, como tu me apronta uma dessas, mano? Fôlego, não é assim.

Ítalo balançou a cabeça, incrédulo, não estava acreditando no tamanho dessa audácia. Ivan não tinha limites.

Ele apareceu ali, de braços cruzados.

— Ta tudo bem por aqui?

Se perguntou quando os olhares de voltaram para ele se foi uma boa ideia. Nenhum dos dois apreciam intimidados. O cara, que parecia um pai de família, humilde e chorão simplesmente encarou Ítalo com a melhor cara de bandido que tinha.

Ítalo inspirou sem perceber.

O irmão o encarou de cima para baixo.

— Hein, ta tudo bem?

— Ta sim, ítalo, não te mete.

Ítalo arqueou uma das sobrancelhas.

Eu te flagro no crime e fala assim comigo.

Uma linha fina formou-se em sua boca, nada contente e saiu dali.

— Depois vamos conversar.

Primeiro sou desrespeitado por Julieta, agora por bandido também? Meu Deus, ninguém nesse mundo me respeita.

Quando viu que nenhum dos pais estavam presentes, jogou-se no sofá da sala e esperou.

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— Vem ca, - Ivan começou, sua voz reverberando desde a outra extremidade do corredor enquanto vinha. – Quero saber agora se eu tenho pai? – perguntou ao aparecer na sala, cruzando os braços de uma maneira que dava nojo para Ítalo, como um bandido do morro que via pela televisão.

Ítalo respirou fundo, achando fascinante como seu irmão tirava sua paciência como um dom.

— Pai tu tem. – sempre com Ivan ele usava o “tú” como se fosse exclusivo para sua brutalidade e raiva. – Se chama Fabrício e é um ótimo pai, não se esqueça disso. – se levantou e encarou o irmão, cruzando os braços da sua maneira. – Por que tú ta devendo aquele cara?

— Não te interessa não, tu não tem nada que ficar se metendo...

— Eu tenho que ficar me metendo sim, enquanto for nesta casa, eu me meto sim.

— Da um tempo...

— E tu vai parar de aprontar aqui na frente..

— Isso não é da tua conta, tú não tem nada que ficar se intrometendo.

— É, filho da mãe, isso porque não era tú que abria a porta pra pessoas te cobrando dinheiro, dizendo que o filho tava passando fome porque tú enganava.

— Tú não tem que se meter não.

— Eu me meto sim. Será que tú não consegue mesmo pensar uma única vez, cara.

— Quero ver quem é o homem que vai me impedir aqui? – disse, se achando todo. Ítalo estreitou os olhos enfurecidos para essa audácia. Além de admitir ainda era atrevido.

— Homem? Que homem?

Ivan continuava o encarando com aquela avidez ridícula e irritante nos olhos.

— Que homem é esse que engana outro homem inocente, ou nem tanto né, que homem é esse que quando aparece alguém na porta cobrar o dinheiro das drogas, sai correndo feito um covarde e se tranca no banheiro, ah, sem falar que quem atende os traficantes somos e teus pais que ainda ouvem pai de família dizendo que precisa alimentar os filhos e a esposa.

— Eu não to nem ai, não to nem ai se ele faz filho o problema dele.

Meu Deus, Ivan é gente de verdade?

Ítalo balançou a cabeça, mas do que incrédulo.

— Tú não ta nem ai, não é? Perfeito. Eu já acho que tu não tem mais jeito. Acho que o único jeito vai ser quando esses bandidos invadirem nossa casa e apontar uma arma pra cabeça d cada um de nós, borá ver se tu não toma jeito.

Isso fez Ivan ficar silêncio por um segundo, mas era Ivan.

— Não to nem ai, não tem que ficar se metendo nos meus problemas.

Ítalo berrou mais alto.

— Caralho, cara, o problema que tú transforma em nossos problemas, não ouviu o que eu disse?

Era difícil dialogar com Ivan. Quando Ítalo ia falar na calma, seu irmão o interpelava e Ítalo já disparava ouro insulto que jogava na cara. Vez ou outra tentava acabar com a briga, respirando fundo, fechando os olhos.

— Olha...

Mas Ivan já vinha logo intervendo. Ítalo tentava, tentava conversar, tentava conte a fúria, mas não dava. E quanto mais continha, mas crescia.

Era tão estranho ver seu irmão com alguma fúria ávida nos olhos. Só depois que ele percebeu isso porque estava demais distraído com o ódio despertando nele. O ódio era poderoso. Não dava medo, não dava hesitação, era ódio, era estímulo, impulso, era bom. Logo ele, que costumava ter paranoia do estresse, de isso lhe causar câncer, doenças variadas e envelhecimento precoce, mas não estava pensando naquilo naquele momento, era olho contra olho, chama contra faísca latindo. Era assim que Ítalo sentia, seu irmão poderia sentir isso ou não. Mas à medida que Ítalo estapeava o punho erguido de seu irmão quando este o ameaçava Ivan dava um passo para trás e Ítalo sem perceber, para frente. Não sabia se de alguma forma o intimidava, ele nem percebia, talvez em meia hora ou meses depois ele relembraria esse cena e percebesse, mas agora, com a raiva acendida nele, nada podia distraí-lo.

De alguma forma eles continuaram trocando farpas, o sangue fervendo nas veias, até Ítalo jogar um copo nele e fechar a porta em sua cara, fazendo o silêncio tocar conta em contraste com o corpo que tinha fumaça chiando dos poros.

Ítalo fechou os olhos.

— Azul... Saltitante... e do... Argh, o que to fazendo?

Sentiu que a sensação era ridícula. Aquela música não funcionava mais. Foi para a sala e ficou se acalmando, demorou quase uma hora. E ficou pensando em todas as falas que poderia falar para o irmão se ele não tirasse do sério.

— Argh, não, para de pensar nisso. – ele respirou fundo e jurava que ia soltar fogo pela boca. Era estranho, tudo nele se tornava a cada dia que passava mais estranho. Não podia negar. Tinha algo de errado acontecendo. Mas já havia sido domado.

Ítalo estava de pé, com o sentimento da raiva, aquele sentimento que ele sempre achou bom, coragem pra fazer tudo, coragem para fazer o irmão ter a lição que merecia naquele momento em que se dirigia para o quarto dele.

Ítalo chutou a porta causando um estrondo horrível e vendo aquela cara nojenta de Ivan de quem acabou de tomar susto. Levou as mãos a seu pescoço sem hesitar.

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Julieta puxava o fio do amuleto de Ítalo, ou Medalhão como o próprio vivia dizendo debaixo do sofá. Agora, sozinha, poderia ver mais uma vez melhor, ainda não acreditando que finalmente.

— O amuleto!

Ela olhou para cima, com o fio dentro dos dentes. Jânio a encarava com uma toalha na cintura e outro enxugando os cabelos.

Não to acreditando.

Ele se agachou e pegou o amuleto.

— Você achou! – os olhos dele brilhavam para aquilo. – Talvez assim meu colega de quarto pire menos.

Impossível.

Saiu dali com o amuleto nas mãos, se trocou e saiu às pressas do apartamento.

Julieta pulou para cima do sofá, frustrada e com raiva, não sabendo qual teria a próxima oportunidade de ter o amuleto em suas mãos. Queria observar mais de perto, morder, ver por si mesmo, pois se fosse verdadeiro, não poderia confiar em Ítalo. E teria que dar um jeito de fazer ele dar o fora dalí.

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O estudante de filosofia havia pegado um ônibus e parado há quatro quarteirões da casa de Ítalo, e foi nesse momento que o viu correr na outra calçada.

— Ítalo! – gritou.

Mas Ítalo não ouviu.

Ele piscou os olhos, curioso.

Saiu correndo igual um procurado pela polícia.

Jânio parou pra pensar um instante. Já havia corrido bastante. Não era demais drama correr atrás dele? Mas ai pensou, ele foi junto comigo para me ajudar com Melissa. E foi assim mesmo, como se esse fosse o motivo, mas ele queria sim correr atrás de Ítalo.

Ele foi parar numa rodovia quando percebeu que o perdera. Puta que pariu. Pra quem disse que não conseguia correr mal um metro, tem talento pra despistar a polícia, pensou.

E foi nesse momento, olhando de um lado para o outro, apenas carros passando, foi quando viu ao ver um carro passar, logo no Aquaville, havia garotos jogando futebol, garotas dançando perto dos instrumentos de malhação e num espaço distante, uma pessoa com movimentos radicais.

O sol estava derramando uma enxurrada de feixes de luzes contra a cara de Jânio, dificultando aqueles arcos de perna e braços no ar se serem vistos.

O crepúsculo passou em uma rapidez impressionante. E era isso que estava acontecendo.

A silhueta de uma pessoa fazendo movimentos de alguma luta. E no momento que ela chutou o ar, parou, como se quisesse se concentrar ali. E foi o momento que a luz o contornou de forma divina enquanto a perna se erguia e a cabeça ia para baixo. E pulou alto, com um chute.

E o sol se pôs.

As sobrancelhas de Jânio se ergueram.

Aquele foi o momento que viu algo a mais naquele garoto. Seu vigor, sua alma, e seu coração.

Logo depois que não havia um sol de matar na cara, Ítalo deixou-se deitar na grama, fechando os olhos por um momento, até sentir uma presença. Abriu-os e despencou o rosto para o lado, ainda cansado e respirando, encontrando uma cabeça com olhos no céu, olhos perdidos e vastos que pareciam o próprio céu.

— Me disseram mesmo.

Ítalo franziu as sobrancelhas,

— Sempre me diziam sobre aquele garoto reservado e fechado para o seu próprio ciclo de amigos, mas mesmo assim nem eles sabiam tudo dele. Alias, quero que tú me ensine alguns goles.

Ítalo voltou a encarar o seu azul sem a força do dia.

— Você não me é diferente. A diferença é que você não me surpreende muito.

Jânio levou as mãos para debaixo da cabeça.

— Porque tudo que tenho para impressionar está dentro da minha cabeça.

Aquilo não fez sentido na cabeça de Ítalo. E voltou a se recuperar, em silêncio.

— Nunca que eu ia imaginar que você tivesse problemas com a família.

— Como sabe que...? Tá, esquece. Mas me deixa adivinhar. Por que tenho esse meu jeito reservado.

Jânio riu.

— É sim. Mas também por que parece ser uma pessoa forte. Alguém com a mente muito bem trabalhada para suportar isso.

— Eu sei disso. Mas é todo o dia me irritando. Se eu tenho a chance de mudar, mudo, pois sou jovem e não quero passar vinte quatro horas me irritando. – houve um pausa repentina. – Mas talvez eu possa não ter tanto controle assim.

— Por isso ta morando comigo. Por que eu te entendo, senhor dono dos princípios da audácia.

Ítalo franziu as sobrancelhas em estranheza enquanto meio que sorria, acompanhando em seguida o colega de quarto numa leve gargalhada.

— Você me lembrou meu pai na minha última discussão. Oh, ítalo, você acha que é o dono da verdade, sabe de tudo.

Ele riu.

— Por que não conheceu o meu. – disse e imitou a mãe. - Meu filho, por que esses olhos mortiços?

E imitou a voz do pai em seguida.

— É por que ele não para de fumar, fuma até cagando.

Ele e Ítalo caíram na gargalhada.

Riram tanto que tiveram que ficar deitados ainda para se recuperar

— Não disse. A gente se entende.

— Eu sei – e virou o rosto para ele. – Tenho certeza que vamos nos dar bem.

Jânio virou o rosto e os olhos vastos e perdidos olharam para ele como se olhassem o céu. A seriedade o deixava sem graça. Mas esbanjou um carismático sorriso e volveu toda a sua atenção para as nuvens contornadas por tons violáceo. Ítalo acompanhou em olha-las também.

Jânio sabia. Não estava enganado quando o viu no simpósio e quis convencê-lo de alguma forma a se mudar com ele, não porque estava desesperado, que era o que achava, mas porque sentia que era alguém que valia a pena compartilhar o mesmo ambiente. Ele era a alma de serenidade que procurava.

— Você é um magnânimo, Jânio.

— Como assim, mano?

— É aquilo que eu mais valorizo em uma pessoa. É alguém generoso, com grandeza de alma. Eu sempre me senti cercado de mentiras, hipocrisia, traição e desprezo. Não se engana por achar que sou nariz arrebitado, o que eu mais valorizo é uma pessoa de verdade. E Magnânimo é forte, grande e de poder, e você merece esse título.

Ele riu, depois ficou sério.

— Valew.

Depois de um breve silêncio, Jânio voltou a perguntar.

— O que aconteceu mesmo?

Ítalo olhou-o, piscando os olhos.

— Tipo, como você sair correndo Hollydiosamente de casa.

— Bom, algo você adivinhou. Só que...

— Não precisa contar.

— Só que ainda to absorvendo. Foi uma briga e pela primeira vez na vida, acho que perdi o controle de verdade. – houve uma pausa. – Além se sentir ser domado por algo.

— O cérebro, quando quer, nos doma. É o maior inimigo do homem. – diz Jânio.

O problema é que não foi o cérebro.

Ítalo sentia-se leve, a capoeira fazia isso com leve, parecia que toda a raiva, angustia, preocupação ia embora pelos poros, mas agora era diferente, era conversar com Jânio e não ter que planejar palavras, não ter que repetir rituais, era alguém como ele, pelo menos em questões racionais, sentia-se bem ali.

— Agora vamos pro apartamento que logo vai dar a hora de ir pro Unifap.

Ítalo estava para se levantar quando soltou um espirro. E coçou o nariz, doendo.

— Caramba. Acho que peguei gripe de ontem.

— Ah. – Jânio enfiou a mão no bolso e mostrou algo que fez os olhos do colega mudarem completamente. - Seu amuleto.

Surpreso, Ítalo estendeu a mão e Jânio soltou o objeto.

— Meu medalhão. Como? Onde?

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Ítalo coçou tanto o nariz que acabou inflamando, qualquer vento causava irritação, e vestiu uma camisa larga, por que dessa forma podia tapar o nariz com a gola, o que acabou ficando meio engraçado diante dos colegas. E assim entrou na sua sala.

— Mano, por que tá assim? – perguntou Emília, esbugalhando um pouco os olhos ao vê-lo estranhamente com a mão sobre o nariz.

— É que eu peidei. – respondeu, simplista.

Elas começaram um mini alvoroço, e ele, se tremendo todinho, rindo. E começou a fazer que não com o dedo.

— Mentira. É que meu nariz arde com o vento, ta muito sensível. – explicou.

— Andou estuprando ele de novo. – acusou Jasmim, alternando sua atenção entre o amigo e o celular. Ela estava, como de costume, com seu blazer preto do trabalho. Caramba, todos chegaram cedo hoje, pensou ele.

Ele assentiu como se fosse uma resposta óbvia. Clara até arregalou os olhos.

— Eu queria tirar uma espinha dentro dele, e sempre tinha a impressão que ela continuava ali, então foi tirando e tirando e quando vi, tava sangrando. Além de ficar tirando o catarro entupido.

— Ew... – fizeram cara de nojo.

Nesse momento um homem bonito, mas esquisito, como se tivesse saído diretamente de uma página do Tumbler, que parecia uma boneca, chegou, e deu um beijinho na bochecha da Emília, entregando uma caixa com algo, saindo em seguida.

Ítalo o acompanhou com os olhos até o rapaz atravessar a porta.

— Meu deus. Ele parece o Ken. – comentou.

Clara estreitou seus olhos e abriu a boca, se matando de rir e tentando soltar um “não disse?” para a amiga.

— Então, Ítalo, já pensou no que eu te disse? - perguntou Emília.

Ele fez que mais ou menos com a cabeça, ainda com o nariz tapado, fazendo as meninas rirem.

— Na primeira semana ta indo até que bem. – disse.

Emília e Jasmim trocaram um olhar, confusas.

— Ah, é, vocês não sabiam que eu já tinha me mudado, não é?

— O que? – Jasmim, a mais dramática, bateu com a mão na mesa, boquiaberta. Emilia estava do mesmo jeito, enquanto Clara, no meio estava encolhida e assustada, mesmo que contendo um riso das duas.

— Me conta logo, anda. – Exigiu Jasmim, batendo as mãos contra a mesa.

Ele puxou uma cadeira e sentou-se de frente para as três.

— Faz uma semana, mas parece que faz um mês que to lá. A gente se da bem, e mesmo julgando ele, percebi que posso ser bem mais doido.

Jasmim balançou a cabeça, descontente.

— Ai, garoto, enigma numa hora dessas.

Ele revirou os olhos.

— Estamos vivendo em harmonia.

— Não disse? a mamãe aqui sabe. – disse Emilia, batendo no peito.

— É muito cedo pra falar por completo. Ah...

Ele as espantou.

— Eu esqueci de falar. – completou.

— O que foi? – quis saber Jasmim, debruçando na mesa, excitada por informação.

Depois de um suspiro pesado, ele respondeu.

— Ele tem um gato.

....

Depois da aula, Ítalo e as três foram se sentar nos bancos na ponta do corredor. O estudante de letras estava ouvindo uma conversa entre Jânio e seus colegas de filosofia, reparando gírias de Jânio como “muito louco”, “ta ligado”, “loucão” Às vezes com uma voz que parecia permanecer o fantasma da noia. Era incrível como ele se segurava para não ser tanto esse Jânio na frente dele.

Jânio estava sentado no banco de frente para o de onde ele se sentava com os pés no banco de concreto liso, de costas para os blocos, estava acompanhado dos dois garotos que viviam com ele, uma meio engomado e outro que parecia ter cara de delinquente. Leandro e Caíque, ainda se lembrava dos nomes.

Ítalo conversava com as três, mas tinha vezes que a conversa delas parecia algo que só as três entendiam, ele ficava de fora, pensando. Virou-se de frente para o banco de Jânio, vendo que o mesmo puxava os ombros de um lado para ao outro ao passo que os pés se moviam, ao ritmo de uma musica de rap. Leandro e Caíque produziam sons de bitbox. E foi nesse momento que Nicolai e alguns de seus colegas atravessavam o corredor, parando para ver aquilo, rindo indiscretamente.

Aos poucos, Jânio foi parando. Nicolai estava demais evidente, fazia questão que percebessem que ria. Jânio apenas o encarava, quase impassível, mas Ítalo conseguia ver, mesmo que muito no fundo, um olhar enraivecido. Já Caíque, não contia o dele, deixava evidente, saindo de cima do banco, ao mesmo tempo que Ítalo se levantou, os dois se encararam, depois encararam Nicolai. Este deu um passo para perto deles, fechando a boca e curvando apenas a linha em escárnio. E um clima pesado pairou com silêncio entre eles.

— Estavam rindo da gente? – exigiu Caíque.

Nesse momento, O russo fez cara de desentendido e apontou para si, franzindo as sobrancelhas.

— Eu, que isso, colega, estava só admirando.... hã... isso. – disse, se referindo a dança.

— Não, você esta rindo e provocando. – acusou Ítalo, indo direto ao ponto. As pálpebras não apreciam visíveis, mas a impressão eram de estarem abaixadas, mas era apenas seu olhar serio e quem não estava pra brincadeiras.

— Quem é você pra falar assim comigo, se enxerga, rapa?

— Eu me enxergo muito bem, aliás, o suficiente, já você eu tenho pena, vocês exageram mais do que tem, se iludem tanto que isso faz sua cabeça achar que pode desmerecer os outros.

— Eu tive uma ideia. – disse Leandro. – Por que vocês não mostram então pra gente quem pode fazer melhor.

Nicolai apenas desviou os olhos para ele. Depois riu.

— Ta bom.

Jânio meio que se surpreendeu com Ítalo, por ser direto e Ítalo meio chocado por Leandro em alguma tentativa de desafio ou humilhar eles

— Ta bom. – imitou Ítalo, não aguentando e curvando o canto da boca, arrancando um olhar serio de Nicolai. Pensar em dança de russos vinha a mulher do comercial da copa.

E com a intenção de imitar ela, principiou a balançar os cotovelos, depois os pés, tirando eles do chão e indo com os joelhos para cima o quanto podia, além de chutar os pés no ar recolhendo-os para baixo e chutando de novo. Nicolai o encarava com uma cara de ódio, choque e confusão em saber como Ítalo se equivocava, acertava e ridicularizava sua cultura. Em alguém momento, saindo de posição de cadeira, quase imitou uma dança frevo, causando risos breves em muitos. Mas que isso, ele ta tentando imitar uma dança Kalinka? Pensou o russo.

Ya znayu, smogu Proyavit' svoi napor
Za golom - gol, My posmotrim povtor
I veryu, khot' Moyo serdtse trepeshchet v grudi

Ele cantava pela segunda vez essa música como na original.

Ítalo olhou um instante para Jânio e os amigos dele pensando que eles iam se juntar, mas estavam demais chocados pra isso.

— Já podia começar não era, aposto que estou fazendo melhor que você. – disse ele com a voz afobada e divertido. Todos ao redor olhavam boquiaberto, menos Caíque, que ria maliciosamente. Os outros que se aproximavam não estavam acreditando que alguém estava, de alguma forma, praticando bullying com Nicolai. Era exatamente isso, ele riu do gosto dos outros e ítalo do dele.

— Braziliya, ty - vperedi! – finalizou Ítalo, numa posição final de Jazz.

Ítalo estava deixando o ar escapar pela boca aberta, se aproximando de Nicolai.

— E ai, é assim que vocês fazem? – perguntou, num tom suave e desafiador.

Nicolai o encarou por uns segundos antes de responder.

— Vou te mostrar como fazemos.

Mas Ítalo agarrou seu braço.

Jânio tava aprendendo cada vez mais o lado ousado de Ítalo.

— Não precisa, sei que dança bem. Mas espero que tenha aprendido o que é desmerecer os outros.

Nossa pensou Ítalo, já não bastava seu irmão ser injusto em querer humilhar os outros e não aprender a ser revidado, tinha que aturar um da sua universidade. Se depender dele, de jeito nenhum.

Depois que Nicolai foi embora, Ítalo se virou pata Leandro.

— Ta maluco? Vocês iam competir dança com ele, já viram ele dançando?

Caíque cruzou os braços.

— Já viu a gente dançando?

Leandro os puxou pelo ombro.

— Nós três éramos os melhores dançarinos em apresentações no ensino médio.

Ítalo arqueou as sobrancelhas.

— Ah, é, não me digam.

— Digo sim. Quer competir com a gente?

E riram. Ítalo fechou os olhos e balançou a cabeça. Erguendo as mãos em redenção.

Ela saiu dali e voltou para direção de suas amigas, já recolhidas novamente para perto dos bancos. Clara estava surpresa.

— O que andou acontecendo nessa semana de paralisação, parecem mais próximos do que nunca? – perguntou, estranhando muito aquilo tudo que acabara de ver.

E então muita coisa vem na cabeça de ítalo. A mudança, o bong, a procura por Melissa, o Aquaville. E riu.

— Muita coisa.


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