Quase por acaso escrita por The Escapist


Capítulo 4
IV




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Benjamin se sentou à mesa para tomar café, mas em vez de se servir, ele escorou a cabeça na mão e começou a cochilar.

— Acorda, Benjamin! — Mônica o chamou, batendo com carinho no ombro dele. — O que houve? Por que não dormiu direito?

O garoto encolheu os ombros. O motivo por que não havia dormido era que passara a noite conversando com Eric ao telefone. Embora morassem no mesmo bairro, o tempo que passavam juntos já não parecia suficiente para tudo que tinham para dizer um ao outro, o que era um tanto curioso, pois Benjamin pensava que a maior parte do que conversavam era bobagens. Mas qualquer bobagem, quando dita pela pessoa certa, ganhava um significado diferente. Havia lido um pouco, mas como vinha acontecendo nas sessões anteriores, a leitura avançava devagar, pois Eric ficava reclamando e tirando onde de seu espanhol — estavam lendo Zafón no original —, interrompia para fazer comentários e pedia que ele repetisse os trechos de que mais gostava. Assim, levavam duas, três horas, na leitura de dez ou quinze páginas.

— Fiquei estudando até tarde.

— Hum. — Mônica colocou um prato com ovos mexidos na frente dele, se virou para pegar o café, então puxou a cadeira e se sentou diante do filho. — Pelo telefone, com o Eric? Ele não já terminou o ensino médio? — ela perguntou e acrescentou um sorriso tranquilizador. Ainda não estava dando bronca no filho. — Não precisa mentir sobre isso, Ben. O Eric é legal. Mas não é legal passar a noite toda acordado e não conseguir ir pra escola direito, ok? Vocês podem namorar em horários mais normais. Ou, se for muito importante e o pai dele não se incomodar, ele pode dormir aqui.

— Mãe! — Ben havia ficado uns segundos paralisado, apenas ouvindo a mãe, mas achou por bem interromper aquele fluxo de palavras. — A gente não tá namorando.

— Vocês passam o tempo inteiro juntos.

— Porque somos amigos.

Ben pensou que ela fosse continuar, mas sua mãe apenas deu de ombros e deixou o assunto morrer. Apesar de ter achado aquela conversa um pouco tensa e irritante, ele estava contente por vê-la tão bem e animada, apesar de ainda não ter conseguido um trabalho.

Mônica não foi a única a tirar conclusões sobre a natureza da relação entre ele e Eric. Camila também voltara a fazer comentários neste sentido, embora ela os fizesse de maneira evasiva, com aquele tom de insinuação e indireta. Ben fazia de conta que nem entendia. Ele havia decidido que nunca mais se apaixonaria e, ainda que não quisesse ser virgem a vida inteira, Eric era simplesmente legal demais para ser o tipo de amizade com bônus, além disso, ele mesmo havia dito que não aconteceria nada entre eles, o que levava Ben a pensar que o próprio Eric não sentia interesse nenhum por si.

Benjamin concluiu a leitura e fechou o livro, guardando-o na mochila logo em seguida. Estavam sentados num banquinho na orla. Eric adorava ficar ali no fim da tarde, sentindo a brisa no rosto e o vento nos cabelos.

— Qual o próximo que você quer ler? — Ben perguntou.

— Pensei em Albert Camus — Eric respondeu, afastando uma mecha de cabelo que lhe caía no rosto. — Como é o seu francês?

Ben deu uma risada.

— Nulo — admitiu, depois ficou um instante perdido no sorriso doce de Eric. Ele era tão bonito, com aqueles cabelos lisos rebeldes agitados pelo vento, as bochechas coradas, lábios generosos e avermelhados. Naquele momento, enquanto ele ria, dizendo que pediria ao pai que lesse L’étranger e pensaria em outra coisa para que pudesse ler consigo, Benjamin só conseguia se imaginar o beijando. — Posso te fazer uma pergunta? — interrompeu a fala dele, de repente.

Eric não respondeu de imediato, como se aquilo fizesse pouco sentido para ele. Abaixou a cabeça, como se quisesse pensar a respeito, ainda que Ben tivesse apenas pedido permissão perguntar algo. Era como se pudesse adivinhar o que viria a seguir, talvez porque aquilo fosse algo recorrente em sua vida. Depois de um instante de silêncio que se prolongou até parecer desconfortável, ele voltou a erguer o rosto da direção de Benjamin.

— Eu não nasci cego. Tinha seis quando fui diagnosticado com câncer, retinoblastoma; perdi a visão completamente dois anos depois. Não gosto de ser cego, acho que ninguém gosta, mas isso nunca foi uma questão de escolha. Sinto falta de enxergar o céu, as estrelas, as letras nas páginas dos livros, as placas na rua, os rostos das pessoas, tudo... tudo é mais fácil quando você consegue ver. Eu acho.

— Oh... — Ben balbuciou e, por um instante, não conseguiu dizer mais nada. Não foram as palavras de Eric que o deixaram sem reação, mas o tom com que ele as empregara. Havia algo de ressentimento na voz, como se estivesse decepcionado ou coisa parecida. — Na verdade, o que eu queria era te perguntar por que você disse que eu não poderia me apaixonar por você.

— Hm... — Eric baixou novamente a cabeça e ficou batendo com a ponta do pé no chão. Mais uma vez, houve aquele silêncio quase palpável entre eles. — Desculpe, acho que... É que você estava agindo de maneira normal comigo, e, de repente, fiquei com a sensação de que começaria a fazer como a maioria das pessoas.

— Como a maioria?

— Me tratar como um coitado, ter pena e querer saber como deve ser difícil a vida de um cego.

— Eric!

Benjamin sentiu o estômago revirar. Não achava que em algum momento tivesse sentido pena, ou pensando em Eric como alguém incapaz, porém, não podia negar que já tinha considerado muitas vezes que havia muitas dificuldades na vida de uma pessoa cega.

— As pessoas estão sempre perguntando quando e como fiquei cego, e não é que me importe de contar, mas isso não me define. Ser tratado com condescendência não ajuda em nada.

Primeiro Ben pensou em dizer que ele estava exagerando naquela reação, que não havia dito ou feito nada que o levasse a pensar daquele jeito, mas bastou se lembrar das primeiras palavras que dissera após saber que Eric era cego para perceber que ele não estava fazendo tempestade em copo d’água. Talvez fosse involuntário, mas até mesmo suas atitudes bem-intencionadas como quando pegava na mão dele para atravessar a rua ou pedia a comida por ele no restaurante deixavam margem para que ele se sentisse daquele jeito.

— Bom, esse assunto iria surgir em algum momento, pelo menos já ficamos livres dele — Eric tentou retomar o clima menos tenso.

— Sinto muito, Eric — Ben falou e segurou na mão de Eric. Primeiro eles ficaram com os dedos entrelaçados, ambos com a mão fria e suada ao mesmo tempo; depois de um instante, Eric ergueu a mão livre em direção ao rosto de Ben, deslizou seus dedos finos e delicados lentamente pela bochecha dele, sentindo um pouco a aspereza dos pelos que começavam a nascer ali. E continuou assim, esquadrinhando cada cantinho da face, como se com aquele gesto, pudesse apreender a imagem dele em seu cérebro. Parou nos lábios, então deixou o polegar contorná-los lentamente.

— Desculpe, Ben, quando disse que você não poderia se apaixonar por mim, só estava sendo engraçado; você não me conhecia e pessoas que não se conhecem não podem se apaixonar, certo?

— E o que você diria agora?

Eric pigarreou, engoliu em seco e recolheu as mãos, unindo-as no colo.

— Que as razões mudaram, mas você continua não podendo.

— E se já for tarde demais pra evitar?

— Diria que não é sua escolha mais inteligente — Eric respondeu, voltando a sorrir.

—Não é bem uma escolha. — Ben encolheu os ombros, um pouco desanimado. Será que estava esperando que Eric retribuísse aquela declaração ridícula e lhe dissesse que sentia o mesmo? Mas então ele voltou a sentir o toque de Eric, dessa vez, ele deslizou a mão direita por seu ombro, até chegar à nuca, massageando suavemente seu pescoço; enquanto a outra mão desenhava o contorno de seu rosto, demorando-se um instante mais logo na bochecha, como se quisesse sentir o calor de sua pele.

Quando eles se beijaram Ben sentiu como se pudesse ficar para sempre preso naquele beijo, na maciez e na quentura dos lábios de Eric, em seu abraço, nas mãos puxando-o para mais perto, nos dedos que se enroscavam em seus cabelos.

Infelizmente, foram interrompidos pelo toque do telefone de Eric, que se afastou de Benjamin resmungando um palavrão, enquanto pegava o aparelho no bolso.

— Oi, pai. Hum... Não... Só aqui na frente com o Ben. Não precisa, posso ir sozinho... Pai! São seis horas da tarde! Ok, tudo bem, pode vir. Nós estamos do lado do quiosque do Julião.

Ben se encolheu um pouco enquanto Eric discutia ao telefone com o pai. Não podia ouvir as palavras de Lucas, mas a julgar pelas respostas do filho dele, parecia que não estavam se entendendo muito bem. Aliás, era a primeira vez que via Eric se aborrecer com o pai. Quando ele desligou, respirou fundo.

— Espero que esteja preparado pra namorar meu pai — disse, o que fez Benjamin soltar um risinho nervoso. — Quer dizer, partindo do princípio que você queira namorar.

— Por que tá irritado com o seu pai? — Ben perguntou, dando a impressão de que estava se esquivando da questão de Eric.

— Porque ele fica me tratando feito criança. São seis horas da tarde e ele acha que eu não posso ficar na rua à noite. Como se isso fizesse alguma diferença pra mim. E, principalmente, porque ele interrompeu um beijo muito bom.

— Isso, pelo menos, é algo que a gente pode retomar — Benjamin declarou, e para ilustrar, voltou a beijar Eric. — Por sinal, sim, tô a fim de namorar seu pai.

Ainda ficaram por ali por cerca de vinte minutos, então o pai de Eric chegou, e Benjamin meio que entendeu a brincadeira de que o namoro o envolveria. Lucas o cumprimentou com a mesma simpatia de sempre e perguntou ao filho se podiam ir embora. Um pouco contrariado, Eric concordou e se despediu do novo namorado com um beijo, o que o deixou um pouco sem jeito, principalmente depois que ele reparou na sobrancelha arqueada de dr. Lucas. Benjamin teve a impressão de que o pai de Eric não aprovara aquele beijo, embora ele não tenha dito nada, e também o tenha cumprimentado com o “boa noite” normal. Talvez fosse apenas impressão sua, afinal, não estava acostumado a beijar garotos na frente dos pais, nem os seus nem os do outro garoto. Lucas ainda se ofereceu para levá-lo até sua casa, mas Ben agradeceu e disse que podia ir caminhando.

Quando chegou ao prédio, passou na caixa de correio e recolheu tudo que estava lá dentro. Havia alguns panfletos, e, principalmente, contas. Olhou de relance para os envelopes: água, luz, telefone, internet. Entrou em casa e deixou os papeis sobre a mesinha do centro.

— Mãe?

— Aqui! — A voz veio da cozinha. Ben foi até lá e a encontrou preparando o jantar.

— Chegaram algumas contas — avisou.

— Contas, contas, humpf. Não aguento mais — Mônica falou, mas quando notou o cenho franzido do garoto, tratou de relativizar. — Não precisa se preocupar, Ben, está tudo sob controle.

— Ok. — Ben assentiu, embora soubesse que o controle ao qual ela se referia era ter pedido grana emprestada ao seu avô, algo que Mônica detestava fazer. Já havia sugerido que abrisse mão de algumas coisas enquanto ela não conseguia trabalho; poderia deixar o inglês, a natação e ir para a escola de metrô, mas ela insistia em dizer que não mudaria sua rotina, que ele não podia ser penalizado pelos problemas que os pais haviam causado.

— Vai lá lavar essas mãos e vem jantar.

Benjamin obedeceu, aproveitando para trocar a roupa por um short velho e uma camiseta mais velha ainda. Quando já estava de volta e sentado à mesa, ficou pensando se deveria contar logo à mãe sobre o namoro ou talvez esperar mais um pouco.

— Em que planeta você tá, Ben? — Mônica perguntou e o garoto piscou várias vezes.

— Desculpa, estava distraído, mãe. Você falou alguma coisa?

— Perguntei onde você passou a tarde.

— Com o Eric.

— Hm, e vocês não estão mesmo namorando? — ela provocou, com uma arqueada de sobrancelha. Ben mexeu a comida de um lado para o outro no prato e engoliu em seco.

— A gente meio que tá, sim.

— Sabia, Benjamin, e você achando que podia esconder isso de mim, sua mãe, que te conhece como a palma da mão.

— Quando você perguntou antes, não estávamos.

— Ok, o importante é que o Eric é um garoto de sorte. Espero que ele faça por te merecer.

Ben sorriu, um pouco sem jeito. Ele pensava na questão mais em termos de ele merecer Eric, mas sentia-se grato pela consideração de sua mãe. Terminaram de jantar, Ben ajudou a arrumar a cozinha, depois foi para o quarto fazer as tarefas da escola. A lista de exercícios de matemática estava acumulada, porém, novamente, ele não deu conta de tudo, pois Eric telefonou para perguntar se ele tinha certeza que queria namorar sério. Primeiro Ben pensou que ele estivesse tirando onda com sua cara, mas pensando melhor, a pergunta fazia todo sentido. Eric o conhecera no momento exato em que ele dizia que nunca mais se apaixonaria. É claro que não havia planejado nada, mas estava bastante seguro, ou tão seguro quanto uma pessoa com dezesseis anos poderia estar, em todo caso.

No dia seguinte, ao chegar à escola e antes de se encontrar com Camila, Benjamin ponderou se deveria contar a ela, já que havia contado à mãe, a amiga não deveria ficar de fora. Contudo, pensava que talvez Eric quisesse fazer as honras, considerando a proximidade dele com Camila. Mas logo descobriu que suas ponderações eram desnecessárias. Assim que o viu, caminhando em direção a uma das mesinhas do pátio, Camila começou a dar pulinhos e bater palmas, entoando um refrão de “eu sabia”, o que o fez sentir vontade de cavar um buraco onde pudesse se esconder, não sabia que sua amiga podia ser tão escandalosa.

— Tá todo mundo olhando, Camy — observou, e de fato, muitos dos colegas que estavam pelo pátio viraram as cabeças para ver o que estava acontecendo. Mas Camila não parecia preocupada com isso. Geralmente, ela era uma pessoa tímida, mas quando a noticia era boa demais, não havia como se conter.

— Tô tão feliz por vocês — ela continuou, e para demonstrar que sua felicidade era genuína, aproveitou para abraçar o amigo e tascar um beijo na bochecha dele. — O Eric é um amor, você merece, Ben.

Por coincidência, nesse instante Felipe ia passando próximo à mesinha onde eles estavam sentados, e se virou para olhar o ex-namorado. Benjamin não achava que ele tivesse ouvido alguma parte da conversa que revelasse seu novo status de relacionamento, mas se surpreendeu que não iria se importar se ele soubesse. Na verdade, não sentiu nada quando Lipe o encarou. Claro, desde o término do namoro, vinha dizendo a si mesmo que tinha superado, mas só agora percebia que já não sentia vontade de chorar ao se lembrar do que ele havia feito.

— Com certeza você tá numa bem melhor — Camila disse, e Ben até se assustou. Ele não queria fazer comparações, até porque a história com Eric era muito recente, mas não pôde deixar de concordar.

A nomenclatura da relação não mudou muito a dinâmica dela. Foram adicionados beijos e mãos passeando por lugares mais ousados, porém, no resto do tempo, ainda era como antes: livros, caminhadas no calçadão, sorvete, altos papos pelo telefone. As coisas estavam caminhando bem, até que uma nuvem negra ameaçou o bom tempo da relação.

Benjamin estava em casa sozinho. Após quase desistir, Mônica conseguira um emprego como secretária numa escola de idiomas. Não era nem o cargo nem a remuneração que ela desejava, mas não possuindo nenhuma experiência, precisava começar por algum lugar, chegava a considerar sorte o que tinha conseguido. Agora, Ben estava começando a se virar sozinho. O garoto pensava, às vezes, que esse processo estava sendo mais difícil para a mãe do que para ele. Tinha chegado da escola e esquentado o almoço no micro-ondas. Lavara a pouca louça e deixara secando em cima da pia. Tinha dormido um cochilo antes de se sentar diante dos livros. Estava lendo sobre a Revolução Francesa quando ouviu o interfone. A recomendação de Mônica, desde que ele era criança, era para que não recebesse ninguém quando estivesse sozinho, mas ao atender e ser avisado pelo porteiro que era Lucas quem estava lá embaixo, pediu que ele subisse.

A visita do pai de Eric era um mistério que o deixou intrigado. Colocou um marcador de páginas dentro do livro e o fechou, depois foi abrir a porta.

— Oi, dr. Lucas — cumprimentou.

— Como vai, Benjamin?

— Tô bem. Ahm, o Eric não está aqui... — Ben adiantou a explicação antes mesmo da pergunta.

— Sim, eu sei, acabei de deixá-lo no psicólogo. Queria falar com você mesmo.

— Hm...

— Desculpe ter vindo sem avisar, são os poucos minutos antes de ter que voltar pro hospital.

— Ok. — Curioso, Benjamin fez um gesto para que Lucas entrasse e se sentasse no sofá.

Ele agradeceu e ocupou a poltrona, depois ficou um instante em silêncio, olhando para baixo, como se mirasse os próprios pés e estivesse ganhando tempo a fim de encontrar as palavras que precisava dizer. Então ele ergueu a cabeça e deu um pequeno sorriso.

— Espero que você não entenda mal o que eu vou te dizer, Benjamin. — O garoto apenas assentiu, embora não pudesse ter muita certeza quanto a sua reação a algo desconhecido. — Sua amizade com o Eric...

Amizade? Ben franziu a testa. Estavam namorando há mais de um mês, contudo, ele ainda não fora à casa de Eric, tampouco fora apresentado oficialmente. Será que Eric não tinha contado sobre o namoro ao pai, e se fosse o caso, por que não?

— O que eu tenho observado nos últimos dias é que vocês estão muito próximos.

— Acho que sim — Ben se obrigou a resmungar. Se Eric não tinha falado sobre o relacionamento deles com Lucas, talvez tivesse uma razão.

— Isso é ótimo, mesmo, eu acho ótimo que o Eric tenha amigos, mas... hm... às vezes meu filho se envolve demais, entende? — Ben fez que não. Até entendia, mas queria que Lucas dissesse tudo que estava pensando. — Talvez o Eric esteja encarando essa amizade de vocês como algo mais e eu acho que esse não é o momento pra que ele se envolva sentimentalmente com alguém.

Benjamin engoliu em seco, perguntando-se se devia dizer logo a Lucas que o envolvimento que ele temia já estava acontecendo, mas de alguma forma, não conseguiu falar nada, apenas abaixou a cabeça e ficou arranhando o braço do sofá com as unhas, sentindo-se, de repente, péssimo.

— Não é nada contra você, Benjamin, você é um ótimo garoto, tenho certeza. Também não quero que você pense que sou um monstro por pedir isso, mas tenho minhas razões. Você o vê com aquele jeito alegre, sempre de bom-humor, mas ele passou por uma fase muito ruim. Ele estava em um relacionamento, acabou se envolvendo demais, e de repente o garoto com quem ele estava se deu conta de que não podia lidar com as limitações do Eric.

Benjamin sentiu os olhos ardendo com as lágrimas que se formavam. Queria dizer que nunca machucaria Eric e que Lucas não poderia protegê-lo de tudo, aliás, o que ele estava fazendo era invadir a privacidade do filho, não tinha nada de proteção. Porém, mais uma vez, sua língua parecia pesar um quilo e seus lábios continuaram unidos, sem pronunciar uma única palavra. Lucas ainda falou, se explicou, argumentou e, finalmente, se desculpou mais uma vez antes de ir embora.

Depois que ficou sozinho, Ben se arrependeu de não ter falado nada. Que espécie de covarde ele era, afinal? Se não podia nem sequer defender o que sentia por Eric, como poderia continuar com ele depois de saber que o pai dele não aprovaria o relacionamento? Será que deveria se afastar um pouco, desistir do namoro e voltar à amizade? Será que devia ao menos contar a Eric sobre aquela visita ou seria melhor deixá-lo na ignorância? O mais curioso, Benjamin pensava, era que não estava com raiva de Lucas. Guardadas as devidas proporções, conseguia entender que ele estava mesmo preocupado com o filho e tentando protegê-lo, ainda que não concordasse com as atitudes. Não pôde evitar pensar em Eduardo. Será que em algum momento de sua vida seu pai se importaria a esse ponto com a sua felicidade? Duvidava. Durante o tempo que namorou Felipe, Eduardo não se dera ao trabalho nem sequer de aprender o nome dele.

Ficou ruminando aquilo consigo. Pensando que, se contasse a Eric assim que falasse com ele, ficaria parecendo um garoto chorão indo se queixar com ele; por outro lado, não dizer nada seria trair a confiança dele. Por fim, deixou para decidir quando se encontrassem, o que aconteceu logo no dia seguinte.

Como já estava acostumado, o encontrou no hall do prédio e os dois foram caminhar no calçadão, e depois de quinze minutos se sentaram no mesmo banquinho de sempre. Benjamin deixou Eric sozinho um instante e foi comprar água de coco.

— Tá tudo bem com você, Benjamin? — Eric perguntou depois do primeiro gole.

— Anham — Ben resmungou e por um instante parecia que Eric tinha acreditado.

— A pior coisa de ser cego é quando as pessoas acham que isso significa que eu sou burro — Eric disparou, sua voz soando irritada.

— Eric...

— Não, você tá todo estranho, não falou quase nada, e não é que tenha super audição nem nada parecido, mas você tá tão tenso que eu tô sentindo o peso da sua respiração. Ben, se você mudou de ideia e quer desistir de namorar, é só dizer.

— Não é isso.

— O que é, então? — o tom de voz era tão imperativo que Benjamin se assustou.

— Por que você não contou ao seu pai que a gente tá namorando? — devolveu com outra pergunta e viu Eric abrir e fechar a boca, contrariado.

— Como você sabe que não contei?

— Porque ele foi até minha casa pra me pedir, sutilmente, pra ser só seu amigo.

— Você tá de brincadeira, né? — Eric perguntou, mas era uma questão de retórica. — Não tô acreditando que meu pai fez isso. Caralho, ele passou muito dos limites. Desculpa, Ben, acho que o dr. Lucas tá perdendo a noção.

— Acho que não precisa ficar tão irritado — Ben tentou apaziguar os ânimos de Eric. Estava um pouco assombrado com a raiva dele. — Ele só...

— Só tá se metendo na minha vida e me tratando como se eu fosse um retardo. Só isso. O que ele te disse, exatamente? — exigiu saber, e ainda que não quisesse causar discórdia na família, Ben acabou contando tudo, ao que Eric ouvia e balançava a cabeça, respirando fundo e xingando baixinho. — Você não tem que “obedecer” ao meu pai, ok?

— Não quero que você brigue com ele por minha causa, está bem?

— Fica tranquilo, isso é muito maior do que você. Estava meio que de saco cheio com ele, é até bom ter um motivo pra brigar.

— Eric! — Benjamin choramingou. Não sabia se Eric estava falando sério ou não. — Pelo menos ele se importa com você.

— Se importar não dar a ele o direito de mandar na minha vida. Ele não pode escolher com quem eu namoro. Isso é ridículo.

— Tá bom, mas se acalma — Ben pediu, pegando na mão de Eric e a segurando entre as suas.

— Só se você me beijar — disse, já fazendo um biquinho cheio de charme. Ben deixou o coco vazio ao lado e atendeu aquele pedido.

Por alguns minutos, parecia que Eric havia mesmo se acalmado. Ficaram por ali, leram um pouco, depois voltaram a caminhar. Só quando o telefone começou a tocar, e Benjamin já sabia que era Lucas, percebeu que Eric ainda estava irritado.

— Não vai atender?

— Não.

— Eric!

— Tudo bem se a gente for pra sua casa? — o garoto desconversou e antes que Benjamin pudesse começar uma argumentação, ele emendou um beijo à pergunta. Mas não um beijo qualquer, foi algo cinematográfico, Ben pensou, com os sentidos atordoados. — Duas opções, atender o telefone e dizer ao meu pai que ele pode passar pra me pegar, ou ir pra sua casa e beijar muito.

— Beijar muito, sim. Por favor — Ben cedeu. Aquele Eric que ignorava os problemas e mentia para o pai era uma novidade estranha, uma nuance dele que o surpreendeu. — Mas você não quer pelo menos dizer pra onde vai?

— Ben, não se preocupa com o meu pai, eu resolvo tudo com ele quando chegar, ok?

Os dois foram caminhando lentamente pelo calçadão até chegarem ao apartamento de Benjamin. Ele abriu a porta e entrou, mas Eric continuou parado. Como era a primeira vez que ia à casa de Ben, não queria entrar tropeçando em tudo.

— Eh, Ben?

— Oh, desculpa. Ahm, minha mãe não tá, acho que a gente pode ir lá pro quarto — disse, e segurou na mão de Eric, guiando-o para dentro do apartamento.

— Oh, já tá querendo me levar pro quarto!

— Ahm, eh... hm... — Ben gaguejou, sem nem mesmo entender por que ficara nervoso. — Podemos ficar na sala, se você preferir.

— Acho a ideia do quarto melhor.

— Às vezes você me deixa meio confuso — Ben confessou, já andando pelo corredor, com Eric ao seu lado. Abriu a porta do quarto e soltou a mão dele. — A cama tá a três passos, senta aí — ofereceu. Guardou a mochila, e pediu licença um instante para ir ao banheiro. Quando voltou, Eric estava bem acomodado em sua cama, havia até tirado os sapatos, e se escorado nas almofadas.

— Por que eu te deixo confuso? — retomou a conversa.

— Não sei, às vezes não tem como saber se você tá falando sério ou brincando. Além disso, nunca tinha te visto tão irritado quanto hoje, nem sabia que você era capaz de...

— Sentir raiva? É mesmo surpreendente que eu tenha sentimentos como qualquer pessoa normal.

Dessa vez não foi necessário muito esforço para perceber o sarcasmo. Benjamin ainda abriu a boca para se desculpar, mas acabou não dizendo nada, às vezes se sentia ridículo por estar sempre se desculpando, o que significava que estava sempre dizendo a coisa errada.

— Olha, eu amo o meu pai, muito — Eric continuou. — Devo tudo a ele. Mas ele me sufoca com tanto cuidado. Eu conheci um cara na faculdade, ele era um pouco mais velho, vinte e um, e tal. Era monitor de uma disciplina lá, e às vezes eu estudava com ele, pra repor alguma coisa que não conseguia pegar na aula. Enfim. A gente começou a sair e foi indo tudo bem por um tempo. Mas ele gostava de sair, tipo, balada, barzinho e tal, e eu, humpf... enfim, um dia a gente foi numa festa, num lugar mais distante de casa, e eu tinha convencido meu pai de que podia voltar sozinho, porque tava contando que voltaria com o Bruno, só que ele conseguiu carona com uns amigos que moravam na mesma região, e eu morava bem do lado oposto da cidade. Eu não criei caso e disse que voltaria sozinho; daí tentei pegar um táxi e não tinha nenhum perto, a única pessoa que eu consegui que me ajudasse me deixou numa parada de ônibus e eu acabei pegando o ônibus errado, me perdi, e tive que ligar para o meu ir me buscar. Depois disso, ele começou a implicar com o Bruno e dizer que ele era irresponsável, que ele não se importava comigo. E o Bruno não achou muito legal, e disse, entre outras coisas que não estava preparado pra ser babá de um garoto cego. Isso foi ruim de ouvir, porque eu gostava dele, e saber que a pessoa por quem eu estava apaixonado não me considerava como um indivíduo além da minha deficiência não é lá muito agradável, sabe? Sim, eu fiquei mal por um tempo, mas não vou deixar de namorar um garoto que enxerga por causa da atitude de uma pessoa. Meu pai é exagerado, ele acha que sou frágil, que qualquer coisa pode me quebrar, ele até pensar que eu larguei a faculdade por causa do Bruno, o que não é verdade, só resolvi dar um tempo. Ben? — Eric parecia querer verificar se Benjamin ainda o escutava ou se talvez não tivesse caído no sono depois de um monólogo tão longo.

— Tô aqui.

— Te assustei?

— Não, não é isso. Tô só pensando no quanto esse Bruno é idiota. Tem que ser muito idiota pra abrir mão de um cara como você.

— Eu já penso por outra perspectiva: se ele não tivesse desistido de mim, eu não teria te conhecido. Acho que isso seria pior.

Para alguém que não pretendia se apaixonar mais nunca, Benjamin pensava que tinha fracassado muito nesse objetivo. Depois da decepção que tivera com Felipe, era estranho sentir aquele calor no peito, a ansiedade, a alegria que a simples presença de Eric ali causava.

Os dois voltaram a se beijar, dessa vez, com mais intensidade, com as mãos de Eric escorregando por dentro de sua camiseta, a respiração ofegante e o frio na barriga tomando forma física sob seu short.

Benjamin deixou escapar um gemido surpresa quando sentiu a mão de Eric entre suas pernas.

— Que interessante! — Eric falou, com um assobio. Ben não sabia se ficava constrangido ou lisonjeado. — Posso? — continuou, massageando-o por cima do tecido. — Ou você pode descrevê-lo pra mim.

— Hm... —Ben grunhiu. Já havia se acostumado a descrever as coisas para Eric, mas fazer isso com o próprio órgão sexual não lhe parecia nem um pouco atraente, nem sequer conseguia imaginar que palavras usaria para isso. Então começou a descer o short para deixar que Eric o tocasse e tirasse suas próprias conclusões, quando a porta do quarto foi aberta de repente, e a voz de Mônica se fez ouvir.

— ... tá em casa? Tô interfonando há mais de cinco minutos e você... — Ela parou assim que se deu conta de que o filho não estava sozinho. — Oh... Oh, meu Deus. — No segundo que registrou a roupa de Ben a meio caminho das coxas, tratou de fechar a porta.

— Caraca! — Apesar do susto, a “animação” de Benjamin não havia diminuído, mas ele voltou a subir o short e se levantou, só então reparou que Eric estava rindo. — Acho que perdi a piada.

— Queria muito ver sua cara.

Se pudesse, Ben pensou, ele veria um rosto completamente corado e uma expressão como que perdida. Por mais que tivesse uma relação boa com a mãe e Mônica fosse mente aberta, nenhum garoto está preparado para ser flagrado de calças arriadas, literalmente, por aquela que lhe deu a vida.

— Espero que ela seja de boas — Eric falou, passando a mão pelos cabelos para acalmá-los, depois se recostando na grande da cama.

— Ela é — afirmou, embora sem muita convicção. — Bom, vou lá saber o que ela queria e, enfim... fica aí.

— Não vou a lugar nenhum.

Benjamin saiu à procura de Mônica, mas não a encontrou de pronto. Demorou uns cinco minutos para que ela entrasse de novo no apartamento, carregando algumas sacolas, que o garoto logo se ofereceu para ajudar.

— Tem mais coisa no carro, vai lá pegar.

— Ok.

Foi até a garagem buscar o restante das sacolas e quando voltou, Mônica já estava arrumando as compras na geladeira. Ele começou a ajudá-la com isso também, retirando as coisas das sacolas e entregando-as à mãe.

— Mãe, desculpa por, hm, você sabe — pediu, um pouco sem jeito. Ao erguer a cabeça, Mônica reparou nas bochechas vermelhas dele e sorriu.

— Eu deveria ter batido antes de entrar, Ben, então sou eu quem te deve desculpas. — Ela se virou para guardar um pacote de biscoito no armário. — As coisas estão sérias entre vocês, então?

— Acho que sim.

— Ok, desde que vocês se cuidem, tudo bem. Fica tranquilo, não vou fazer nenhuma tempestade num copo d’água. É meio triste pensar que meu bebê cresceu tão rápido, mas é a vida. — Ela se aproximou para apertar a bochecha dele e beijá-lo na testa. — Vai ficar com o Eric, deixa que eu termino isso, daqui a pouco você me apresenta de uma maneira mais... hum... normal. — Ben devolveu o beijo, pensando, mais uma vez, em como era sortudo por tê-la como mãe.

Encontrou Eric no mesmo local, ouvindo alguma coisa no celular. Foi procurar seu próprio telefone e percebeu que havia algumas ligações perdidas, antes que tentasse adivinhar de quem era o número, o aparelho começou a tocar novamente.

— Se for um número com final 7489, não atenda, é meu pai. — Benjamin pensou em perguntar como Lucas teria seu telefone, mas essa nem era a questão.

— Tem certeza que é uma boa ideia ignorá-lo?

— Tenho, confia em mim, sei o que tô fazendo.

Benjamin silenciou o celular e o deixou em cima do criado-mudo.

— Minha mãe quer te conhecer.

Mônica e Eric se deram bem logo de cara. Diferentemente de Benjamin, Eric não era um garoto tímido e parecia nem se lembrar que, há poucos minutos, fora flagrado com a mão na massa. Cumprimentou a mãe do namorado com simpatia e num instante estava contando como a história de seus pais parecia o roteiro de Grey’s Anatomy, ao que Mônica reagiu com uma risada, dizendo que acompanhava a série há anos. Ele ficou sentado na cozinha, junto com Benjamin, enquanto ela terminava o jantar.

Já estavam sentados à mesa quando o telefone tocou e Mônica se levantou para atender. Os dois garotos estavam comendo e conversando e só prestaram atenção quando ela se identificou como mãe de Benjamin.

— Sim, ele está aqui. Tudo bem, não se preocupe. Só um instante. — Ela voltou a mesa e tocou no ombro de Eric. — É pra você.

— Fala sério — ele resmungou antes de pegar o telefone. — Oi pai... hm, desculpe, fiquei sem bateria... A gente estava meio ocupado... Tá bom, ok, pode vir daqui vinte ou trinta minutos. — Desligou e devolveu o aparelho a Mônica. — Desculpe, ele é um pouco controlador.

— Preocupação é o nome disso.

Depois do jantar, Ben e Eric ficaram sentados no sofá da sala, dividindo o mesmo fone para ouvir música até que Lucas ligou para avisar que havia chegado.

— Vou ter que ir — Eric murmurou, insatisfeito.

— Promete que não vai discutir com o seu pai?

— Não posso prometer algo assim, Benjamin, tudo vai depender de como ele vai se explicar.

Não muito convencido, Ben desceu para acompanha-lo até o carro. Cumprimentou Lucas um pouco sem jeito, como se quisesse se desculpar por ter feito exatamente o contrário do que ele havia pedido.

Assim que se despediu do namorado e entrou no carro, Eric ficou em completo silêncio. Ouviu seu pai comentar qualquer coisa sobre o trânsito e sobre ter realizado uma cirurgia difícil que havia durado mais de cinco horas, por isso estava muito cansado. Depois Lucas reclamou porque ele tinha ignorado os telefonemas e não avisara a ninguém para onde ia. A nada disso Eric respondeu. Quando chegaram em casa, Lucas abriu a porta do apartamento e deixou que o garoto entrasse primeiro.

— A Miriam ficou preocupada contigo. Eric, o que há de errado com você? — Lucas o confrontou. Havia sido paciente durante o trajeto até ali, mas ficava um pouco irritado quando seu filho agia com falta de educação.

— Não tem nada de errado comigo.

— Por que você está tão irritado?

Eric já estava a caminho do quarto quando tropeçou no sofá.

— Merda!

— Eric! Olha o palavreado! — Lucas já estava próximo, disposto guiá-lo, mas Eric puxou o braço de maneira brusca.

— Me deixa.

— Filho, o que está havendo com você? O que aconteceu?

Eric ficou ainda mais irritado por seu pai agir como se não soubesse de nada.

— Eu tô cansado de você controlando a minha vida, pai, é isso.

— Do que...

— Por que você acha que tem o direito de se meter no meu relacionamento com o Benjamin?

— Eu... — Lucas abriu e fechou a boca, sem conseguir pronunciar uma palavra; a raiva de Eric o deixara chocado. Sua relação com o filho sempre fora muito boa, e ainda que tivessem opiniões divergentes, costumavam resolver tudo na base de uma boa conversa. Aquela era a primeira vez que Eric erguia a voz para si, algo que o deixou desestabilizado, tanto que, por um instante, nem mesmo conseguiu entender do que ele estava falando. Só então se lembrou da conversa que tivera com Benjamin. — Eu quero te proteger, Eric.

— Proteger de quê, pai? Não sou criança, nem sou idiota.

— Nunca disse que você é idiota, garoto.

— Você tem que me deixar viver, não pode ficar me ligando o tempo todo, nem pode escolher com que eu namoro ou...

— Nós dois sabemos o que aconteceu da última vez que eu te “deixei viver”, não é? Você não é criança, mas tá agindo como se fosse. Eu quero o seu bem, quero sempre o melhor pra você. Sei que você não é idiota, nem incapaz, mas você tem limitações e você tem que aceitar isso.

— Que me impedem de ter um namorado?

— Você sabe que não é isso.

— O que sei, pai, é que eu não tô tentando dirigir um carro, ou querendo ser arquiteto, só quero ter um namorado. Por que é tão difícil pra você entender isso?

— Claro que você pode ter um namorado, só...

— Só que ele tem que ser cego igual a mim? — Eric gritou, deixando seu pai ainda mais estarrecido a ponto de nem sequer reagir. — Sei que você quer me proteger, mas deixa eu te contar uma coisa: não pode me proteger de tudo. Não pôde me proteger do câncer, nem pode me proteger das crueldades da vida. Será que você acha que ninguém nunca esbarrou em mim na rua e me mandou olhar por onde eu ando? Acha que meus coleguinhas não riam de mim na escola e me chamavam de ceguinho? Já ouvi milhares de vezes pessoas cochichando e me chamando de coitadinho.

Eric terminou de falar cansado, ofegante. Por um instante, Lucas não falou nada, ainda perplexo, abalado com a mágoa contida nas palavras. Depois, ele se aproximou do garoto e passou os braços em volta dos ombros dele. Eric resistiu um pouco, mas então se deixou abraçar e um segundo depois, estava soluçando.

— Me perdoa — Lucas murmurou, sentindo a garganta travada. Sua maior frustração pessoal e profissional era não ter diagnosticado o câncer do filho em tempo hábil. Todos os dias se perguntava se as coisas teriam sido diferentes se tivesse passado mais tempo com Eric quando ele era pequeno, em vez de deixá-lo na creche e só ir buscá-lo à noite. Talvez fosse por isso que se tornara tão protetor, mesmo sabendo que nada do que fizesse poderia mudar o passado. — Você tem razão de estar magoado, eu pisei bem feio na bola, não devia ter falado com o Benjamin, mas... não me peça pra não cuidar de você, Eric, isso eu nunca vou deixar de fazer, não importa quantos anos você tenha, e não é por você ser incapaz de cuidar de si próprio, não, é porque você é meu filho.

Eric fungou, com a cabeça apoiada no ombro do pai.

— Pode cuidar sem me sufocar?

— Posso tentar; inclusive, posso tentar também ser um sogro legal com o Benjamin.

— Obrigado.

— Mas se ele te magoar...

— Se ele me magoar você vai me deixar lidar com isso como qualquer garoto: enchendo a cara e ouvindo Evidências.


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