Quase por acaso escrita por The Escapist


Capítulo 3
III




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/762994/chapter/3

Eles disseram que nada mudaria em sua vida, mas Benjamin nem chegara a acreditar nisso. Continuaria morando no mesmo apartamento e frequentando a mesma escola, contudo, estava ali, arrumando a mochila para ir para a casa do pai. Teria que ficar com ele durante os fins de semana e as férias de julho; os feriados seriam alternados, um com Eduardo, outro com Mônica, assim como o Natal e seu aniversário. O lado bom, pensava, era que isso duraria apenas um ano e meio, então seria maior de idade e poderia fazer o que bem entendesse.

Ainda estava terminando de colocar o notebook e os fones de ouvido na mochila quando ouviu a voz alterada de seu pai, reclamando porque Mônica havia trocado as fechaduras do apartamento. O garoto respirou fundo, terminou de fechar o zíper da bolsa, pegou a outra que já estava pronta com suas roupas, e saiu do quarto.

— É sério, Mônica, sempre soube que você tinha defeitos, mas você tem se mostrado pior do que encomenda.

Ainda ouviu Eduardo, mas assim que notou sua presença, seu pai se calou e tentou amenizar a expressão irritada que tinha no rosto. Cumprimentou-o primeiro com um aperto de mão, depois com um abraço desajeitado.

— Podemos ir, se você quiser — Benjamin falou, sentindo-se sufocado pelo clima pesado que havia na sala.

— Ok, vamos, sim. — Eduardo ainda encarou a ex-mulher por um segundo antes de sair sem se despedir.

Ben ficou um instante parado, sem saber o que fazer. Claro que amava o pai e queria ficar com ele também, porém, sentia como se estivesse machucando Mônica ainda mais ao fazer isso. Como se pudesse adivinhar o conflito que estava acontecendo no coração do filho, ela o abraçou.

— Tudo bem, querido. Comporte-se e, apesar de tudo, obedeça ao seu pai — ela acrescentou com um pequeno sorriso e um rolar de olhos. — Te amo.

— Te amo, mamãe.

Quando saiu, Eduardo já havia descido e só foi encontrá-lo no hall, reclamando que além de trocar as fechaduras, Mônica o havia proibido de estacionar na garagem do prédio, por isso tinha deixado o carro na rua.

— Estacionar aqui na frente é um absurdo, esses flanelinhas vagabundos querem vinte reais pra olhar o carro. Absurdo.

O garoto não disse nada, apenas seguiu o pai por alguns metros até chegarem ao local onde o carro estava estacionado. Eduardo realmente retirou uma nota de vinte reais da carteira e entregou ao flanelinha, o que rendeu assunto por vários minutos, quando já estavam no trânsito. A reclamação que começou por causa do que ele chamava de exploração dos “pastoradores” de carro, foi evoluindo até chegar ao fato de ter “perdido” o apartamento para Mônica e a todas as despesas que teria dali para frente, tendo que pagar aluguel e ainda arcar com todas as contas do filho. Benjamin suspirou, impaciente.

— Não será por muito tempo, pai. Logo, logo você não vai mais ter que me sustentar, talvez até possa comprar outro apartamento — disse, sem economizar no sarcasmo.

— Ben, não é... Não foi isso que eu quis dizer, filho — Eduardo gaguejou. Para uma pessoa que falava tanto, ele usava as palavras de uma maneira meio troncha. — Cuidar de você é minha obrigação, essa não é a questão, o problema é a sua mãe...

— Não quero ouvir — interrompeu, e quando Eduardo fez menção de continuar falando, o garoto balançou a cabeça, veementemente. — É sério, se quiser que eu fique com você o fim de semana todo, não começa a falar dela, ok?

Ben sabia que não havia realmente margem para negociar naquele assunto. Ainda assim, viu seu pai, mesmo contrafeito, concordar com aqueles termos.

Apesar de toda a lamentação de Eduardo dá a entender que o divórcio o deixara na penúria, a história não era bem assim. O apartamento onde ele estava morando não era uma cobertura tão grande quanto o que deixara, mas era bem localizado e havia bastante espaço, incluindo um quarto para o filho passar os fins de semana e outro para o bebê que nasceria dentro de alguns meses.

Foi a primeira vez que Benjamin se encontrou com a namorada do pai, embora aquele relacionamento já durasse mais de dois anos. Era difícil não olhar para Sílvia com certo pré-julgamento. Durante algumas das muitas brigas dos pais, ouvira Mônica usar palavras pouco elogiosas para se referir a ela. Além disso, não evitava o pensamento de que ela fora culpada, pelo menos em parte, pelos problemas de Eduardo e Mônica. Depois de ser apresentado e cumprimentá-la com educação, mas com certo distanciamento, foi para o novo quarto, uma vez que ainda não se sentia à vontade o bastante para fazer companhia ao casal. Só saiu mesmo para jantar, depois voltou e ficou usando o computador até tarde, ora jogando, ora conversando com Camila.

Quando acordou na manhã seguinte e se dirigiu à cozinha para tomar café, encontrou uma cena no mínimo peculiar. Seu pai estava usando um avental e cozinhando o que pareciam ser panquecas. Sílvia assessorava o trabalho dele e ambos trocavam carinhos entre uma tarefa e outra. O garoto se sentiu ainda mais intruso naquela nova casa, perguntando-se por que seu pai tinha que ser tão diferente ali do que costumava ser com eles, com Mônica.

— Desculpe, não queria atrapalhar vocês — balbuciou, depois de tropeçar na perna de uma cadeira e ser notado pelo casal.

— Não tá atrapalhando, senta aí pra tomar café — Eduardo falou.

Benjamin queria mesmo sair dali, mas sentia fome, por isso acabou se sentando, no entanto, recusou as panquecas, que apesar de todo o amor envolvido na preparação tinham uma aparência horrível. Em vez disso, comeu apenas uma fatia de torrada integral com geleia, e um copo de suco.

Durante todo o dia, foi como se estivesse conhecendo outro homem, não o pai com quem estava habituado. Em casa, Eduardo era calado, sisudo, reclamava de tudo com resmungos e fazia pouco caso dos problemas de Mônica, os quais sempre chamara de futilidades. Ali, com Sílvia, ele era carinhoso, atencioso, bem-humorado, e até lavava a louça do almoço. Contudo, essa atitude em vez de melhorar a imagem que Benjamin tinha dele, apenas o fez se sentir ainda mais decepcionado. Não conseguia entender por que ele ficara tantos anos casado com sua mãe quando era evidente que não a amava.

No domingo, Eduardo os levou para almoçar em um restaurante chique, e Ben não pôde deixar de pensar que, para alguém que estava sufocado com tantas despesas, seu pai não conseguia abrir mão de certas mordomias.

Não poderia dizer que gostou do primeiro fim de semana fora de sua casa, convivendo com a nova família de Eduardo, porém as coisas não foram tão ruins quanto esperava.

— Pelo menos acabaram as brigas — comentava com Camila. Estavam sentados no pátio, antes da aula.

— E como está sua mãe?

— Melhor, eu acho. Está tentando encontrar emprego, mas não é tão fácil. E você fez o que no fim de semana que nem sequer respondeu minhas mensagens? — Ben cobrou com um tom de brincadeira para que Camila não pensasse que ele estava tendo um ataquezinho de ciúmes.

— Fui pra casa da minha vó e acabei esquecendo o celular, fiquei com preguiça de ir buscar, e também ficar sem telefone dois dias não mata ninguém, né? Basicamente, fiquei com o Eric o tempo todo, a gente saiu pra comer pizza, vimos um filme...

— O Eric... como... hum...

Camila deu uma risadinha diante do embaraço do amigo querendo perguntar como era possível que Eric visse um filme.

— Eric faz tudo que eu e você fazemos, Ben, só que com algumas adaptações.

Benjamin assentiu, sentindo-se um pouco bobo. Claro que ele sabia que pessoas com deficiência podiam ter vidas relativamente normais, por isso, não entendia porque agia como se fosse um idiota quando Camila falava sobre Eric. Sua amiga sempre o acalmava, dizendo-lhe que a reação dele era normal, comum à maioria das pessoas. Ela também dizia que ele deveria sair com Eric qualquer dia, insistindo na certeza de que eles se dariam super bem.

Camila estava certa. Benjamin aceitou sair com ela e Eric a primeira vez porque estava entediado na casa do pai e não tinha saco para ficar ouvindo Sílvia e Eduardo escolhendo o nome do bebê.

— Acho que você tá com ciúmes — Eric dizia, depois de um gole no refrigerante. Estavam na praça de alimentação do shopping, felizes da vida após saborear um hambúrguer com batata-frita.

— Talvez. — Ben deu de ombros. — Será que eu sou muito infantil por não gostar dela?

— Não, é assim mesmo. Quando meu pai se casou com a Miriam, eu a detestava, e toda a família.

— Ei! — Camila deu um soquinho de leve no ombro dele. — Você nunca detestou a minha vó, palhaço.

Eric deu uma risadinha.

— Tô tentando estabelecer uma relação de empatia com o Ben, Mila. Mas ok, é impossível detestar a Miriam. O que tô querendo dizer é que com o tempo, você se acostuma a ter duas casas, e tudo isso.

— Parece que nós viramos mesmo um grupo de apoio para filhos de pais separados — Camila observou, depois pegou o copo de refrigerante e tomou mais um gole.

Benjamin sorriu, sentindo-se, de repente, muito grato por ter aqueles amigos. Tudo bem que Eric fosse uma amizade recente, mas ficava imaginando como seria passar por aquele momento sozinho, sem ter com quem desabafar e a ideia era aterrorizante.

Aos poucos, Eric foi se tornando uma presença constante entre ele e Camila, mesmo quando eles se reuniam para estudar, e o ciúmes que sentira no começo já lhe parecia bastante ridículo. Percebia que não apenas Camila podia ter mais de um amigo, como ele também estava ganhando com isso, porque sua amiga estava certa desde o começo, ele e Eric estavam se dando muito bem. Descobriu, que além dos pais separados, tinham várias coisas em comum, como o gosto musical, livros e aversão total a futebol.

— Olha, eu posso ir embora se vocês preferirem mais privacidade — Camila falou, rolando os olhos, enquanto os dois amigos estavam envolvidos numa conversa muito interessante sobre uvas-passa, que parecia ser o único ponto de discórdia entre eles. Eric não conseguia aceitar que Ben não gostasse.

— Quê?

— Vocês estão me ignorando há um tempão já, gente — ela se queixou. Ben encolheu os ombros, sem ter como se defender da acusação. — Parecem até um casalzinho.

— Camila! Que ideia ridícula é essa? — Eric disparou e Ben não sabia se ele achava aquela proposição absurda mesmo ou se estava apenas exagerando. Às vezes era difícil identificar se Eric estava sendo sarcástico ou falando a sério, a linha entre uma coisa e outra era muito tênue.

— Daqui a pouco vocês começam a se beijar aqui, e por fujoshi que eu seja, não quero ser uma vela.

De repente, Benjamin queria enfiar a cabeça em algum buraco. Aquele tipo de brincadeira sempre fora comum entre ele e Camila, era normal que contassem um ao outro sobre as pessoas de quem gostavam, com quem ficavam e até seus amores platônicos. E que ela tivesse a mesma atitude com Eric também estava ok, porque embora não tivesse tanta intimidade ainda com ele, Ben conseguia entender que a relação era a mesma que ela mantinha consigo. O problema foi perceber que o próprio Eric não parecia confortável com a brincadeira.

— Apesar da decisão do Benjamin aqui de dar pra qualquer um, eu e ele, não vai rolar — declarou e falava tão a sério que Ben se encolheu.

— Cara, você ainda se lembra disso? — resmungou.

— Sempre lembrarei, meu caro. E você sabe que não pode se apaixonar por mim, não é?

— Por que não?

Aquele momento de silêncio foi se instalando no grupo e crescendo até se tornar incômodo. Benjamin nem sabia de onde a pergunta viera, apenas deixara que as palavras saíssem de sua boca, como se tivessem vida própria. Talvez fosse seu orgulho, autoestima ou qualquer coisa que o valha se manifestando, mas ouvir outro garoto dizer que ele não podia se apaixonar não soava muito bem.

— Ué — Eric quebrou o silêncio e era a primeira vez desde que o conhecera que Ben via certa confusão na expressão do rosto dele, o que se tornou mais claro quando ele moveu a mão e bateu num dos copos de refrigerante, fazendo a bebida se derramar na mesa e escorrer para o chão. — Desculpa — ele pediu e talvez o pedido servisse tanto para o refrigerante derramado quanto para o que tinha dito antes.

— Tudo bem — Benjamin emendou, e quando ele pegou o copo caído para recoloca-lo de pé, acabou roçando na mão de Eric. Um toque simples, mas que naquele momento pareceu durar uma eternidade e significar mais do que um acidente.

Camila se recostou na cadeira e balançou a cabeça, incrédula. Eles estavam fazendo de novo, agindo como se ela nem estivesse ali, e o pior era que nem se davam conta do clima que estava rolando.

Achou por bem deixar quieto. Não queria aborrecer Eric nem constranger Ben, então quando eles finalmente percebessem o que estava acontecendo, ela poderia jogar bem na cara dos dois que tinha avisado.

Mas eles demoraram a perceber. Mesmo quando começaram a se encontrar, independentemente da companhia de Camila, ou passar horas ao telefone conversando sobre bobagens ou ainda se sentar no quiosque da praia e tomar água de coco, sentindo a brisa no rosto. Tudo aquilo continuava sendo coisas de amigos.

— Posso te pedir um favor? — Eric começou, cheio de cerimônias. Estavam sentados no banquinho na orla, o cabelo um pouco comprido dele todo bagunçado pelo vento, caindo o tempo todo em seu rosto.

— Claro.

— Geralmente, pediria isso a Camila, mas... — Eric encolheu os ombros, como se não conseguisse achar uma justificativa plausível para pedir aquele favor a Benjamin e não a Camila. — É que eu comprei um livro novo. El laberinto de los espíritus. E, ahm, ele é físico... hm, não, deixa pra lá.

Benjamin estava certo de nunca ter visto Eric dar tantas voltas para dizer alguma coisa. Sabia que Camila costumava ler para ele, assim como o pai dele, mas Eric não ficava dependendo de ninguém para isso, havia audiolivros ou e-books, que ele podia ler com o auxilio do leitor de tela do tablet. Talvez ele só quisesse passar mais tempo consigo, ou gostasse do som de sua voz, ou — uma hipótese meio maluca — estivesse tentando convidá-lo para sair. De qualquer forma, com exceção da segunda, as outras possibilidades agradavam bastante Benjamin. E ele adorava Zafón.

— Quando você quer começar?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Quase por acaso" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.