Quase por acaso escrita por The Escapist


Capítulo 2
II




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A guerra entre Eduardo e Mônica não dava sinais de um fim próximo. Ele havia saído do apartamento, ainda que não concordasse em abrir mão do imóvel. Mônica chegara a sugerir que o vendessem e dividissem o dinheiro, contudo, ela também sugeriu que recebesse uma parte maior, que deveria incluir o que seria seu e de Benjamin, o que apenas enfureceu Eduardo, que preferiu levar a questão adiante na justiça. Estava certo de que ganharia a guarda do filho e não teria que pagar nem um centavo de pensão à ex-esposa.

Benjamin não queria escolher um lado, mas era impossível permanecer imparcial quando condenava a maior parte das ações do pai e não quisesse ir morar com ele. Sabia que, tão logo o divórcio fosse oficializado, ele assumiria o relacionamento com a outra mulher, e o garoto não gostaria de viver sob o mesmo teto que a madrasta.

Quanto à sua própria vida sentimental, pensava que estava levando até bem, apesar da vontade de chorar cada vez que via Lipe, especialmente depois de saber que aquela não fora, de fato, a primeira vez que ele o traíra e que a amizade dele com tantas garotas não era totalmente desprovida de interesse. Felipe tinha tentado conversar, pedir perdão, até reatar, mas do que isso adiantaria? Mais cedo ou mais tarde, ele voltaria a traí-lo. Algumas pessoas viam a ideia de poliamor numa boa, mas Benjamin ainda não estava preparado para isso. Além do mais, tinha decidido que não iria mais namorar ninguém sério, nem se apaixonar.

— Você fala como se fosse uma questão de escolha — Camila observou e ele deu de ombros.

— Pode não ser, mas vai ter que ser. Não quero colocar todas as minhas esperanças em um relacionamento e terminar como a minha mãe, amargurado e me apegando a coisas materiais.

Tinham acabado de chegar ao apartamento de Camila e ela demorou um pouco procurando as chaves na bagunça que era sua mochila.

— Então você não vai mais namorar? — continuou, enquanto abria a porta. — Quer dizer que vai morrer virgem, é isso? — provocou, aproveitando a onda de bom humor do amigo. Benjamin não parecia tão bem há semanas, ele até sorriu.

— Não vou morrer virgem, apenas não vou me apaixonar, é diferente. Talvez eu dê pro primeiro cara que encontrar pela frente.

— Sinto muito, mas eu não fico com pessoas que não conheço — uma voz suave falou, com um tom jocoso e sarcástico.

Benjamin sentiu as bochechas vermelhas e queria cavar um buraco para se enfiar dentro. Tinham acabado de entrar e julgara que estavam sozinhos, jamais esperava dar de cara com alguém os esperando na sala. Olhou para Camila, esperando que ela dissesse alguma coisa, e a percebeu tão surpresa quanto ele mesmo.

— Eric! O que você tá fazendo aqui? — ela correu para o dono da voz, abraçando-o e dando soquinhos no peito dele. Era um rapaz alto, de ombros largos, cabelos loiros, e um rosto bonito, Benjamin não pôde deixar de reparar, apesar de ter desviado o olhar dele rápido.

— Visitando, ué, te avisei que vinha.

— Não avisou que seria hoje, né? Como você entrou?

— Sua mãe abriu pra mim, depois ela disse que precisava ir comprar comida porque não tinha nada para jantar, e ela quer que eu fique, eu disse que não precisava se incomodar, mas você a conhece melhor do que, né?

— Aham.

Benjamin não soube evitar se sentir um pouco enciumado por ver a maneira carinhosa como Camila sorria para o outro garoto. Não era o tipo de ciúme que teria de um namorado, por exemplo, era de amigo mesmo.

— Oh, deixa eu apresentar vocês. Eric, esse é o Benjamin, meu amigo. Ben, esse é meu tio, Eric.

— Tio? — Benjamin deixou escapar a surpresa. O rapaz ali parecia ter a mesma idade que eles, não tinha cara de tio.

— Bom, mais ou menos tio. Meu pai é filho da madrasta dele, o que os torna meio meio irmãos. Eu te falei dele algumas vezes, não lembra?

 Benjamin balançou a cabeça, sentindo-se envergonhado por esquecer os detalhes sobre a vida de sua melhor amiga. Recebia tanta atenção de Camila e não conseguia devolver da mesma maneira.

— Seu amigo tá bem ou ele desmaiou com a minha beleza estonteante? — Eric perguntou, divertido. — Eu pelo menos já ouvi falar muito de você, Benjamin — acrescentou, com um sorriso.

Benjamin sorriu também, sem jeito e estendeu a mão. Porém, a recolheu quando notou que Eric não parecia interessado em apertá-la. O tio de Camila deu um passo para trás e se sentou no sofá.

— Fica com o Eric um pouco que eu vou trocar de roupa, ok? — Camila disse ao amigo, que apenas assentiu, sem ter outra alternativa, pelo menos não uma que não o fizesse parecer mal-educado.

Sentou-se na pontinha do sofá diante do que Eric estava, então ficou olhando para os próprios pés, como se observar o nó dos cadarços de seus tênis fosse algo muito interessante.

— E aí, essa decisão de dar pro primeiro que aparecer, é sério? — Eric perguntou, como se estivesse retomando uma conversa, o que de certa forma, era o caso. Benjamin tossiu, fazendo-o rir. — Desculpe por ter escutado a conversa de vocês.

— Não, tudo bem. Eu... ahm... Falei por falar. Não é sério, quer dizer... É complicado. Desculpe, não quero falar sobre isso.

— Ok.

Pelo cantinho do olho, Benjamin viu Eric tamborilar com os dedos no braço do sofá. Os dois ficaram ali, em silêncio, até Camila voltar e se sentar junto do “tio”.

— Então, quanto tempo você vai ficar? — ela perguntou.

— Advinha?

— Fala sério, Eric! — A garota lançou os dois braços em volta do pescoço do rapaz, apertando-o num abraço de urso. — Juro que você vai ficar? Como assim?

— O papai aceitou o trabalho de volta aqui e eu decidi dar um tempo da faculdade, pelo menos por esse semestre, não tô a fim de passar por todo o processo de adaptação a uma nova escola, de novo.

— Nossa, que difícil — Benjamin alfinetou, fazendo pouco caso e sem disfarçar a ironia. No entanto, Eric pareceu não perceber nada.

— Mas acho que vai ser legal.

— Claro que vai ser legal, a gente vai poder sair juntos.

— Claro, claro, tudo que uma garota quer é sair por aí com o tio à tira colo.

— Se for um tio gato, sim.

Por alguns minutos, Benjamin se sentiu novamente excluído da conversa. Eric e Camila pareciam ter muita coisa para se atualizarem, incluindo piadas internas sobre as reuniões da família cheia de remendos a qual pertenciam. Eles conversavam e davam risadas, como se estivessem sozinhos.

— Camy, acho melhor eu ir, a gente estuda outro dia — disse, depois de alguns minutos se sentindo como um intruso.

— Não, fica. Aproveita pra jantar com a gente. Minha mãe deve fazer lasanha porque o Eric adora e ela o bajula.

— Ela não me bajula! — Eric se defendeu. Nesse mesmo instante, a porta se abriu e a mãe de Camila, Lúcia, entrou, carregando várias sacolas, que a filha logo correu para ajudar. Eric, no entanto, continuou sentado no mesmo local e Benjamin achou isso bastante estranho, embora ele mesmo também não tenha se disposto a ajudar com as compras.

— Como vai, Benjamin? — Lúcia o cumprimentou depois de guardar as coisas. — Como estão as coisas em casa, filho? — O garoto encolheu os ombros. — Espero que você esteja bem com tudo isso. Tenho certeza de que, apesar de tudo, seus pais querem o melhor para você.

— Eu sei.

— Eles sempre querem — Eric resmungou, com o mesmo tom sarcástico da primeira frase que ele dissera.

— E não é? — Lúcia retomou. — Vocês três já podem formar um grupo de apoio ou algo assim — ela sugeriu, com uma risada. Benjamin não entendeu bem a proposta, mas gostava do humor de Lúcia, dava para ver bem a quem Camila havia saído.

— Os pais do Eric também são separados — Camila explicou, diante da dúvida estampada no rosto do amigo.

— Bom, vou preparar o jantar, vocês não pensem em ir a lugar algum, ok?

— Pode deixar — Eric assegurou. — Eu gostei dessa ideia de grupo de apoio. Poderia economizar a grana do psicólogo pra morar sozinho.

— Seu pai nunca vai te deixar morar sozinho — Camila fez questão de lembrá-lo.

— Um garoto pode sonhar. Ei, Ben, seus pais já falaram sobre o psicólogo?

— Na... não...

— Ok, logo eles terão a ideia. É sempre assim, eles bagunçam nossa cabeça, depois nos mandam pra outra pessoa tentar consertar. Por mais amigável que seja a separação, sempre muda alguma coisa pra gente.

Benjamin passou a maior parte do tempo quieto, falando pouco, enquanto Camila e Eric conversavam com bastante desenvoltura, transitando com facilidade entre um assunto e outro. Eric parecia legal, sim, era divertido e inteligente, apesar de o humor dele parecer um pouco forçado; porém, não pôde evitar se sentir um tanto intimidado com a presença do outro rapaz. Talvez fosse de novo uma questão de ciúmes de sua amiga, ou apenas uma antipatia gratuita, não saberia dizer, a questão era que não estava muito à vontade na presença dele, e a sugestão de Camila de que eles poderiam sair todos juntos não lhe agradou.

— Mila, posso ir ao banheiro? — Ouviu Eric dizer.

— Claro, lembra onde é?

— Acho melhor você me levar.

— Tá bom.

Benjamin observou, de cenho franzido, quando Camila se pôs de pé quase num pulo e pegou a mão de Eric, depois o guiou em direção ao corredor que levava ao banheiro. Aquilo lhe soou como uma desculpa para que ficassem sozinhos, e não conseguia entender porque Camila mentiria sobre a natureza de sua relação com Eric, uma vez que eles agiam mais como duas pessoas que estavam afim uma da outra do que como tio e sobrinha.

— Ei, tá tudo bem? — a garota perguntou, ao voltar e se sentar ao lado do amigo.

— Sim — disse, sem muita segurança. — Tem certeza que não quer que eu vá embora?

— Tenho. Desculpa, sei que a gente ia estudar, mas é que o Eric...

— Você gosta mesmo dele, não é?

— Sim. A gente meio que cresceu juntos, até meus dez anos, mais ou menos. Depois o pai dele foi trabalhar em São Paulo e a gente acabou se afastando.

— Mas você gosta dele?

Camila franziu o cenho, encarando o amigo sem entender direito o que ele queria dizer. Quando finalmente compreendeu, deu uma risadinha.

— Não! Ele é meu amigo e nós somos quase parentes.

— Desculpa, Camy, isso nem é da minha conta — Benjamin acabou soando mais abusado do que pretendia, o que acendeu uma luz de alerta no cérebro da garota.

— Por que você tá implicando com ele? Tá com ciúmes, Benjamin? — O garoto fez uma cara emburrada, incapaz de negar aquela acusação. — Deixa de ser lerdo, cara. Posso ter mais de um amigo, não é?

Quando ela fixou em si os grandes olhos castanhos, enquanto mordia o lábio inferior, Benjamin se sentiu um amigo horrível.

— Desculpa, Camila. Desculpa — pediu, balançando a cabeça, sem conseguir encontrar as palavras adequadas para exprimir os sentimentos. — Em minha defesa, ele parece não ter ido com a minha cara também — argumentou.

— Quê? Claro que ele gostou de você.

— Não parece muito, porque ele virou a cara toda vez que eu falei qualquer coisa, sem falar que ele não quis apertar minha mão quando nós chegamos. Ok, deixa pra lá, isso não é nada — abanou o ar com a mão ao perceber a perplexidade no rosto de Camila.

— Ben, você não percebeu?

— Não percebi o quê?

— O Eric é cego.

Benjamin piscou várias vezes, aturdido, se perguntando como um ser humano poderia passar tanta vergonha num período de tempo tão curto. Essa sensação apenas se intensificou quando percebeu que Eric estava voltando à sala e, provavelmente, ouvira parte de sua conversa com Camila. Claro que não havia percebido. Eric estava usando óculos escuros, mas isso não queria dizer nada, ele poderia ser só uma pessoa excêntrica que gosta de usar óculos de sol dentro de casa e à noite.

— Ah, Mila! Você contou a ele? — o tom dele pretendia ser dramático, mas o sorriso no rosto o denunciou, o que não impediu Benjamin de se sentir mais envergonhado.

— Sinto muito — gaguejou.

— Por que você sente? — Eric estendeu a mão, que Camila pegou e o ajudou a retornar ao seu lugar. — Tudo bem, cara, você não tem obrigação de saber, e não é como se eu andasse com um aviso na testa também.

— É que você não parece... hm...

— Oh, e qual é a aparência de um cego? — Dessa vez, ele virou o rosto bem em sua direção, e ainda que ele não pudesse vê-lo, Benjamin abaixou a cabeça. Como se não bastante a bola fora que tinha dado, ainda teve que fazer um comentário estereotipado e preconceituoso. Será que ainda conseguiria ser mais ridículo do que aquilo?

— Crianças, vamos jantar? — A voz de Lúcia emergiu da cozinha, quebrando o silêncio constrangedor que se instalara entre os adolescentes.

Os três foram para a mesa e com a presença da mãe de Camila, a conversa retomou um clima mais divertido. Eric continuou agindo normalmente, conversando e rindo, bem-humorado, sem a menor mostra de ter se incomodado com o que Benjamin havia dito.

Benjamin também gostaria de ter continuado a agir normalmente, porém, vez por outra, se pegou observando, mais atento, os movimentos de Eric, que pareciam tão naturais para alguém com uma deficiência que era inacreditável. Ele se serviu sozinho e quando terminou de comer, levou o prato para a pia apenas seguindo as orientações de Camila. Teria até lavado a louça se Lúcia não o tivesse enxotado da pia com o guardanapo.

Já era mais de nove horas quando Benjamin decidiu ir embora. Apesar de ter avisado à mãe que chegaria um pouco mais tarde, não queria exagerar e deixá-la preocupada. Enquanto ele se despedia de Camila e de Lúcia, Eric também resolveu que era sua hora, seu pai já o estava esperando lá embaixo.

— Será que seu pai daria uma carona ao Ben? Ele mora lá no seu bairro — Camila propôs, enquanto acompanhava os dois garotos até a porta.

— Não é necessário — Benjamin se apressou em dizer. Não queria incomodar Eric e o pai.

— Não é incômodo, acho que ele não se importa.

Camila se despediu de Benjamin com um high five e de Eric com um abraço, cobrando dele promessas de que saíssem juntos em breve porque ainda tinham muito assunto para colocar em dias. Depois das despedidas, os dois entraram no elevador e foram até o térreo sem trocar palavras.

— Benjamin, você pode me ajudar a chegar à calçada? — Eric pediu quando ouviu o som das portas do elevador se abrindo. — É só me deixar colocar a mão no seu ombro.

— Ok.

Porém, assim que eles alcançaram o saguão, um homem alto, de cabelos grisalhos, todo vestido de branco, veio caminhando em direção aos dois e se ocupou de guiar Eric até a saída.

— Estou aqui há vinte minutos, Eric — o homem disse. Apesar da expressão séria no rosto, a voz dele tinha um tom suave.

— Desculpa, você conhece a Lúcia, ela insistiu em fazer o jantar, e tal. E você poderia ter subido pra falar com ela, né?

— Sim, se você não ficasse dizendo que estava descendo.

Eric deu um sorriso.

— Ah, Benjamin, esse cara mal-educado e mal-encarado é meu pai. Pai, será que a gente pode dar uma carona pro Ben?

O pai de Eric se virou para o outro rapaz, deu um pequeno sorriso e se desculpou por tê-lo ignorado, a questão era que seu filho o tirava do sério, explicou, depois disse que sim, não havia problemas em dar uma carona ao amigo de Eric.

Benjamin não sabia se estava mais sem jeito para aceitar ou recusar a carona. Por fim, descobriu que eles não apenas moravam no mesmo bairro, mas também em ruas muito próximas, de modo que levá-lo não alteraria em nada a rota, por isso aceitou.

O trajeto até seu prédio durou trinta minutos e durante esse curto período de tempo, não pôde deixar de sentir uma pontada de inveja da relação de Eric com o pai. Pensando nas raras vezes que Eduardo o levara à escola e os dois mantinham-se calados o tempo todo, se ele falava alguma coisa, era para reclamar do trânsito e dizer que iria se atrasar. Não conversavam nada além do trivial, seu pai perguntava como tinha sido a aula com a emoção de quem diz “me passa a manteiga”. Ali, com aquelas duas pessoas que acabara de conhecer, as coisas pareciam totalmente o oposto. Eles retomavam conversas, tinham piadas particulares e quando Lucas fazia uma pergunta ao filho, não era por obrigação, mas por interesse genuíno. Às vezes, se perguntava se fora o fato de ser gay que o afastara tanto do pai. Eduardo nunca o renegara por isso, mas talvez ele fosse um desses pais que nutrem o desejo idiota de ter um filho “macho”. Se fosse o caso, era um problema para o qual não havia solução.

— Viu, até o Ben ficou entediado com a sua conversa, velho.

A voz de Eric o trouxe de volta de seus devaneios. Benjamin abriu e fechou a boca, mas não disse nada. Tinha até suspirado enquanto conjecturava sobre a própria vida, e nem sequer escutara os últimos momentos da conversa, mas devia ter ficado tempo demais calado, o suficiente para parecer indelicado.

— Desculpe, me distrai.

— Não se preocupe. Aqui está bom pra você? — Lucas perguntou, após parar o carro junto ao meio fio, bem em frente ao seu prédio.

— Tá ótimo, obrigado. Foi ótimo de conhecer, Eric.

— Igualmente.

Dessa vez, Eric se virou para trás e estendeu a mão, que Benjamin apertou antes de descer do carro. Ainda ficou um instante na calçada, observando o veículo se afastar, então entrou e foi caminhando lentamente até o elevador.

Quando abriu a porta, Mônica apareceu apenas para checar se era ele e se estava tudo bem, depois ela lhe deu boa noite e voltou para o quarto. Também queria saber se ela estava bem, porém, acabou não perguntando nada. Sua mãe não havia melhorado desde que Eduardo deixara o apartamento de vez, ela continuava triste e falando pouco, e a busca por trabalho não estava ajudando em nada, uma vez que ainda não conseguira nem sequer uma entrevista.

Benjamin se sentia um pouco egoísta, porque apenas estar ali não lhe parecia suficiente, queria que houvesse algo mais que pudesse fazer por Mônica.

De manhã, a encontrou na cozinha, terminando de preparar o café. Ela parecia um pouco mais animada; pelo menos estava arrumada e não tinha os olhos inchados.

— Bom dia — cumprimentou. — Quer ajuda?

— Bom dia, meu amor. Não, já tô terminando, pode sentar.

— Mãe, cê sabe que eu posso fazer meu café, se você quiser dormir um pouco mais.

Ela sorriu, enquanto colocava o prato de omelete sobre a mesa e corria para a geladeira para pegar o suco.

— Sei, Ben, mas cuidar de você é o que tenho feito nos últimos dezesseis anos. Aparentemente, é a única coisa que eu sei fazer.

— Sinto muito, mãe — balbuciou, mesmo achando que aquela era a coisa mais vazia que poderia dizer.

Depois de servir a comida do filho, Mônica se sentou também para comer.

— Sabia que o mercado era hostil com pessoas sem experiência, mas tá sendo pior do que esperava. Se não conseguir um trabalho logo, talvez tenha que vender o carro.

— Meu pai...

— Seu pai vai continuar pagando suas despesas. Mas, ao contrário do que ele anda dizendo, não quero que ele me banque. — Ela parou de falar e bateu com a mão na testa. — Desculpa, Ben, não devia ficar falando essas coisas contigo, mas você é a única pessoa com quem eu posso conversar. Enfim, não quero mesmo viver às custas do seu pai, acho que em dezesseis anos aprendi minha lição. Bom, mas deixa isso pra lá. — Ela desconversou, e ficou mexendo nos ovos, no entanto, não voltou a comer nada.

Terminaram o café da manhã, Benjamin foi pegar a mochila e encontrou a mãe no hall, à espera do elevador.

— Ei, como estão as coisas com o Felipe? Ele não tem aparecido — ela comentou, enquanto mantinha os olhos fixos no painel, onde os números iam mudando. Benjamin se deu conta de que ainda não tivera a oportunidade de contar à mãe sobre o fim do namoro, o que era curioso, uma vez que Eduardo fora o primeiro para quem dera a notícia. Além disso, achava estranho que Mônica não tivesse percebido ainda, o que só mostrava que ela continuava concentrada na própria dor.

— A gente terminou.

— O que aconteceu?

— A gente meio que percebeu que havia certa incompatibilidade de interesses — resumiu assim a questão, sem querer trazer mais preocupações para a mãe, pensava que a última coisa de que Mônica precisava era de saber que ele estava sofrendo por um motivo tão semelhante ao que a machucara tanto.

— Sinto muito.

— Acho que foi melhor assim, mãe — disse, e talvez quisesse dizer o mesmo para ela.

Graças ao congestionamento, quase chegou atrasado à aula, de modo que não teve tempo de conversar com Camila antes de entrar na sala. Como o primeiro tempo era de matemática, também não conversaram durante a aula. Só no intervalo, quando foram até a lanchonete, ele aproveitou para se desculpar pela maneira como tinha agido com relação a Eric.

— Relaxa, Ben, não foi nada.

— Não, mas eu fui meio idiota.

Camila deu uma risadinha e voltou a afirmar que ele não precisava se preocupar, que Eric era bem tranquilo e já estava acostumado a todo tipo de reação que as pessoas tinham à sua cegueira.

— Aliás, eu vou até a casa dele hoje, se você quiser, pode ir, conhecê-lo melhor. Tenho certeza que vocês podem ser dar muito bem, o Eric é muito legal.

Benjamin ainda estava considerando a proposta, se perguntando se gostaria de conhecer Eric melhor, quando Camila o viu fechar a cara e quase esmagar a latinha de refrigerante que tinha nas mãos. Ela virou o rosto e viu Felipe se aproximando.

— Será que a gente pode conversar? — ele falou, dirigindo-se claramente a Ben, porém, não recebeu nenhuma resposta além do silencio. — Fala sério, Ben, você vai continuar me ignorando?

Em vez de responder a Felipe, Benjamin falou com Camila.

— Tudo bem, acho que sair com o Eric é uma ótima ideia.

Camila balançou a cabeça, quase sem reconhecer o amigo. Que Benjamin ainda estivesse magoado com Lipe, conseguia entender, mas que ele fosse capaz de usar alguém para fazer ciúmes, era mais difícil.

Apesar de ser ignorado sem nenhuma cerimônia, Felipe não se abateu. Ele puxou a cadeira ao lado de Camila e se sentou.

— A gente vai conversar, agora. Você não pode terminar comigo assim, de repente, sem nem me dar uma chance de me explicar. Você tá over reacting.

— Primeiro, para de ser otário e fala em português que a gente não tá num episódio de Gossip Girl. Segundo, posso terminar com você a hora que eu quiser. Terceiro, você me traiu, e isso meio que dispensa explicações.

Felipe ficou dois segundos sem conseguir falar nada, mas logo encontrou uma réplica adequada. Camila aproveitou para se esgueirar e sair de fininho, deixando os dois discutindo sozinhos.

— Só porque eu fiquei com outra pessoa, não quer dizer que não goste de você, Ben.

— Você acha mesmo que isso muda alguma coisa? — Balançou a cabeça, forçando seu cérebro a pensar em qualquer coisa que não fossem os lábios de Felipe, ali tão perto. Era horrível pensar que apesar de estar com muita raiva dele, ainda poderia beijá-lo por horas e horas.

— A gente nunca falou sobre exclusividade nesse namoro.

— Porque isso está implícito na ideia de um relacionamento.

— Acho que você é muito apegado a essas estruturas antigas de relacionamento.

— Tem razão, Lipe, é por isso que você pode sair com dez pessoas diferentes e eu não serei uma delas. Aliás, não entendo por que você tá tendo todo esse trabalho quando é óbvio que não se importa tanto assim com meus sentimentos.

— Eu estaria aqui me explicando se não me importasse?

Benjamin respirou fundo.

— O que você quer, afinal?

— Ficar de bem com você. Ser seu amigo.

Ben encolheu os ombros. Ainda que uma pequena parte de si ainda o desejasse, a mágoa parecia maior do que isso. Além do medo de se deixar levar e se machucar outra vez. Uma vez ouvira alguém dizer que confiança era como um cristal, uma vez quebrada, não tinha como ser recuperada. Embora também tivesse aprendido que todo mundo merecia uma segunda chance, não se sentia com disposição para conceder tal prerrogativa a Felipe.

— Não quero ser seu amigo, Lipe — murmurou antes de se levantar e dar as costas ao ex-namorado.


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