As Joias do Carrasco escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 12
A calmaria antes da tempestade.


Notas iniciais do capítulo

Correndo pra postar ainda hoje porque *surprise* é meu aniversário! Boa leitura, corrijo os erros depois.
Também gostaria de agradecer ao The Mando, por estar sempre lendo, comentando e cobrando atualização. Com certeza eu já teria desistido da fic sem você XD Obrigada!
Edit: Na pressa eu esqueci de falar. A fic agora tem uma playlist. Atualmente tem 15 músicas, três para cada um dos seguintes personagens: Calisto, Astra, Tony, Khlyen e Driya. (Os Magni e Yasune foram esquecidos no churrasco). Depois de Allies or Enemies (a última da Driya), adicionarei músicas que me lembram da história ou dos personagens, mas sem ordem. Link: https://open.spotify.com/playlist/3QLlq3S65x9v1PUiQSamNx?si=8fRWtIoPRFqrWbGext8M3Q



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A expedição de pesquisa da dra. Walker ficou marcada para quase uma semana depois.

Uma semana que Alessa passou remoendo sua decisão. Sabia que era a escolha certa não permitir que Erin se arriscasse, mas isso não diminuía o receio que sentia em tomar o lugar dela.

Com certeza não ajudou ter ao seu redor todos os envolvidos na expedição repetindo exaustivamente o quanto aquilo era loucura.

— Essa ideia não é boa nem um pouco... — Killian murmurou.

— Você não devia fazer isso! — disse Stella.

— É muito cedo para um teste desses. Erin, diz para ela! — Sybeal argumentou.

— Você não precisa fazer isso... — A médica repetiu, nem um pouco à vontade com a condição da general.

Todos estavam em seus trajes completos, exceto Alessa, que podia ver seu rosto refletido no capacete de Erin, e mesmo o reflexo parecia questionar sua decisão. Os Portadores também estavam presentes, exceto Calisto, que não seria muito útil nessa missão: não envolvia fechar portal algum e eles se separariam em dois grupos, inutilizando os poderes da Joia do Espírito.

— Tudo o que eu não preciso agora é esse monte de dúvidas — reclamou, tentando se mostrar confiante. — Um pouco de segurança seria bom.

— Eu seguramente digo que isso parece um pouco extremo... — Vermont comentou com os outros, mas a general ouviu e o encarou com aborrecimento.

— Eu só chamei dois de vocês, Portadores. O primeiro grupo não pode ter nenhuma joia por perto para não afetar as leituras que Sybeal vai coletar. Não tem nenhum portal aberto nem nada disso, então não precisam vir todos juntos. Tiberius, eu nem sei porque está aqui... — Alessa falou, deixando claro que ainda não entendia porque ele insistia em ir junto em toda missão, não sendo um usuário de magia como Catarina.

— Então você só quer dois Portadores dessa vez? — Tony perguntou.

— Isso, vocês podem decidir...

— Então é isso. Tchau! — Vermont falou, dando as costas e voltando para dentro do Palácio da Fênix sem se importar com os olhares de julgamento. Já que essa missão era opcional, ele estava bem tranquilo em deixar passar a "oportunidade".

Como Tiberius não estava nas graças de Alessa aqueles dias (ainda por causa do desentendimento da mulher do Desconhecido) e tinha sido cortado daquele grupo, Catarina também se retirou, restando para Tony e Astra a responsabilidade.

Antes de qualquer outra coisa, Erin a questionou novamente.

— Você tem certeza, Alessa?

"É claro que não!" diriam seus pensamentos, se pudessem gritar em pânico. Mas de forma alguma permitiria que outra pessoa fizesse isso. Muito menos Erin. Se algo acontecesse com Alessa, tinha soldados suficientes em Aurora para assumir seu lugar. Já uma médica... A dra. Walker era importante demais para que Alessa arriscasse. Apesar dos receios, a general apenas sorriu para Erin, performando uma certeza que não tinha.

— Você quer comprovar sua hipótese, não? Bom, esse é o único jeito desse teste acontecer: eu vou ou ninguém vai. — Erin assentiu, apreensiva. Já tinha verificado seus equipamentos médicos três vezes em menos de uma hora. Se Alessa não a conhecesse, pensaria que ela estava arrependida de ter insistido tanto. A general se viu no dever de acalmar a médica, o que era um pouco estranho, já que era o contrário que deveria estar acontecendo. — Não há razão para se preocupar. Eu confio na sua pesquisa. Você tem certeza de que não há risco, já que estava disposta a arriscar a própria vida para comprová-la.

— Nem toda a certeza do mundo me deixaria confortável arriscando a vida de outra pessoa. Acho que nisso somos bastante parecidas... — Erin murmurou, se afastando para checar os equipamentos uma quarta vez.

— Grupo A, preparar para saída!

Dito isso, Killian e Sybeal foram para um dos veículos, seguidos por seis soldados. Como Tony e Astra estariam no segundo veículo, Alessa fez questão de colocar mais soldados no primeiro, equilibrando a divisão. Apenas dois soldados ficaram para trás, além de Alessa. O grupo A sairia na frente, pois a ideia era que Sybeal fizesse leituras do nível de radiação sem a presença das joias. Alguns minutos depois, Alessa mandou o grupo B se preparar também.

— General, aquele é o Pretor se aproximando? — Tony alertou Alessa, que não pareceu achar a notícia muito boa. O Pretor trazia uma expressão irritada, e ela sabia que às vezes ele não separava muito bem o pessoal do profissional. Alessa não gostava quando as pessoas pensavam que seu posto era por causa do seu pai.

— Todos para o carro! Vamos ver se a gente sai antes dele chegar aqui...

Mas, apesar da comoção de sua equipe, não conseguiram sair antes.

— O que você pensa que está fazendo?!

O Pretor berrou, quase correndo até ela. Alessa suspirou. Só mais um minuto e teria escapado do sermão. Com um gesto, indicou aos demais para entrarem no veículo.

— Estamos nos preparando para a experiência que o senhor autorizou.

— Eu não autorizei isso, Walker não me disse que seria você! Pare com isso agora mesmo ou mande outra pessoa.

— Pai, você teria deixado Erin ir. Esse teste vai acontecer, mas eu não posso pedir que outra pessoa faça isso.

O Pretor segurou seu braço, impedindo-lhe de se juntar aos outros, e Alessa estreitou os olhos para o gesto.

— Eu mudei de ideia. A experiência de Walker está cancelada. Mande os outros voltarem.

Alessa soltou-se com delicadeza, mas respondeu:

— Desculpe, Pretor, mas eu acho que sua decisão está sendo arbitrária, então devo ignorá-la.

— Alessa!

— Voltamos em algumas horas! — avisou, entrando no carro e ignorando prontamente todos os olhares na sua direção, em parte pela quase cena entre ela e o pai, em parte pelo fato de que logo sairiam de Aurora para o venenoso mundo exterior.

— Aqui. — Erin lhe entregou o coração do ahuízotl e os fragmentos do golem, que Alessa guardou no bolso interno do casaco.

Cética por natureza, o peso das pedras sobre seu peito não era nada reconfortante. Olhou na direção de Astra, a única outra pessoa sem traje de proteção no veículo e se perguntou como ela conseguiu acreditar tão fácil em Calisto a ponto de sair de Aurora apenas com a Joia do Fogo a protegê-la. Calisto tinha crescido lá fora, não tinha medo algum pois seu povo de alguma forma havia se adaptado, mas Astra era de Aurora. Por enquanto, era a única Portadora de Aurora a abolir o uso das roupas especiais. A general discutira contra essa ideia, mas, agora, achava-a extremamente corajosa.

— Ponto de controle 100 metros à frente, general — informou Veracruz, no volante, após alguns arrastados minutos de silêncio.

No interior, entre Erin e Astra, a general assentiu com apreensão.

— Ponto de controle? — À sua frente, Tony perguntou.

— Significa que depois desse ponto, se as pedras não forem efetivas contra a radiação... — Erin engoliu em seco, olhando de relance para Alessa, que fingiu não perceber — não teremos tempo suficiente para voltar.

Astra segurou sua mão, atraindo a atenção de Alessa para o gesto.

— Você não deve se preocupar.

— Não estou preocupada — respondeu, mas sabia que ela não se deixaria enganar.

— Vai dar certo, Alessa — falou, com tanta confiança que ela quis acreditar. — Eu arranjei um vestido lindo para o baile, então não se atreva a morrer antes de me ver nele.

O argumento inesperado arrancou uma risada espontânea da general.

— Isso com certeza é um bom incentivo! Preciso colocar um lembrete: "Não morrer antes de sábado à noite."

 

O primeiro veículo vivenciava uma pequena discussão, embora bastante trivial. Killian mantinha os olhos fixos na estrada, que, obviamente, estava vazia. Considerando, porém, o grau de estranheza e imprevisibilidade ao qual se submetiam toda vez que deixavam a cidade, Killian não se importava de estar um pouco mais atento.

Em contraste a seu lado, Sybeal estava recostada no assento, cantarolando baixinho uma música com as pernas estiradas sobre o painel, as botas arranhando de leve na lateral.

— Posso dirigir na volta?

Killian respondeu com uma risada. Então percebeu que Sybeal não tinha contado uma piada.

— Não mesmo, Sy.

— Ugh, não me chame assim... E pra sua informação, eu sei dirigir! — Sybeal se fez de ofendida.

— Não, você sabe pilotar. Se isso fosse um rali, eu lhe entregaria as chaves com o maior prazer, mas precisamos de alguém que não dirige como se não tivesse motivos pra viver.

Sybeal revirou os olhos para a resposta, com um sorriso cínico, recolhendo as pernas e ajeitando-se no assento.

— E você é devagar como minha avó...

— Pelo menos eu lembro de desviar quando... — Olhando novamente para a estrada, Killian freou o carro repentinamente, os pneus protestando contra o asfalto desgastado. Instintivamente pôs o braço na frente de Sybeal para que o impulso não a jogasse contra o painel, enquanto apoiava-se no volante também para se proteger da inércia.

— ... quando encontra obstáculos imaginários? — Sybeal zombou, examinando a estrada vazia enquanto folgava o cinto de segurança que quase tinha lhe enforcado. Um dos infortúnios de ser da sua estatura, cintos de segurança não são programados para pessoas de 1,46 m de altura.

Um dos soldados atrás deles também reclamou, em tom jocoso.

— Deixa o volante com a garota, Redfield!

Killian não o respondeu, observando atentamente algo do lado de fora. Sybeal ficou curiosa, tanto que nem se importou em ter sido tratada por "a garota". Seguiu o olhar do motorista na direção da floresta à beira da pista, mas não viu nada suspeito.

— Não está mais lá... — explicou, sem tirar os olhos das árvores, murmurando como se tivesse visto uma assombração.

— Quem?

Então Killian saiu de seu transe, virando-se para Sybeal.

Ela.

Sybeal hesitou por alguns segundos, absorvendo o significado das palavras. Se havia algo lá fora, estava escondido pelas árvores.

— Então ela voltou...? Por quê?

— Não sei, mas acho que não fomos notados. Reese, contate a general.

 

— Algum problema, doutora? — Killian perguntou, ao perceber Erin rodeando Alessa com seus equipamentos, ao que a general respondeu com um sorriso descontraído.

— Ela está assim o caminho inteiro.

— Eu sou cautelosa, general Rower! Mas não, nenhum problema até agora, o que é ótimo.

— É ótimo por causa da sua "descoberta científica" ou é ótimo porque eu não morri?

— Não são eventos separados — respondeu, comparando os resultados de suas leituras com os de Sybeal. — Mas posso dizer que você não se arriscou à toa... Em breve eu poderei trazer informações bem interessantes.

Apesar do rápido vislumbre de Driya no caminho, Killian tinha certeza de que não tinham sido percebidos por ela e garantiu isso à general, cuja única ordem fora a de que o grupo A, ao qual ele pertencia, deveria esperar na Velha Cidade para que os dois grupos voltassem juntos. Estar ali, tão pouco tempo depois daquela missão, deixava a todos um pouco ansiosos e alertas. Exceto Alessa, porque não ser vítima de um sofrível envenenamento por radiação era realmente uma sensação de alívio entorpecente.

— Que bom, doutora. Se já terminamos, é melhor voltarmos logo. Parece que hoje teremos um dia tranquilo, mas não precisamos ficar aqui dando sopa pra o azar.

Inimaginável. Saíram e voltaram para a Cidade Aurora sem maiores problemas. Antes do meio da tarde, já estavam de volta à segurança de seus lares.

 

~*~

 

O cheiro da comida denunciava para Catarina que ela estava escondida ali há mais tempo do que pretendia. Não era sua intenção, mas a carga da verdade não dita pesava em seus ombros curvados. Tantas coisas podiam ter sido diferentes, mas o medo de tomar uma decisão lhe decretou o silêncio, e, então, a decisão havia sido tirada dela. Em um momento, seu maior sonho esteve ao alcance de suas mãos, antes de desaparecer cruelmente na forma de um frio relatório médico.

Catarina lamentou que Erin não estava na cidade. A médica alertara tantas vezes, mas tinha certeza de que ela a consolaria como a boa amiga que era. Até lá, Catarina não poderia suportar sozinha, e nem queria. Tudo acontecera pelo medo de falar a verdade, principalmente por não saber o que Tiberius pensaria, mas ela não permitiria que esse medo durasse mais um dia.

Tiberius estava preparando o almoço dos dois na cozinha, mesmo que de roupas sociais como se a qualquer momento precisasse sair à trabalho, com exceção do paletó estendido perto da entrada. Catarina apertava as mãos, inquieta, pensando no que diria. Esperava soar calma, apesar de tudo, e suportar as palavras com tranquilidade. Porém, bastou apenas que Tiberius olhasse em sua direção, percebendo sua ansiedade, para que suas barreiras desarmassem.

— Aconteceu algo, Cat? — A pergunta foi a gota d'água. Ao contrário do que tinha planejado, Catarina não disse uma palavra, apenas desabou em lágrimas. Tiberius soltou imediatamente o que estava fazendo e se aproximou, segurando-a pelos ombros com preocupação e ternura, sem saber o que provocava o choro. — Cat... O que houve?

Ela passou a mão pelo rosto, como se pudesse parar com o pranto apenas por limpar as lágrimas. Não aconteceu. Tiberius pôs o braço em volta dela e a guiou até o sofá onde se sentaram, com  cuidado e afeição raros para o papel que costumava desempenhar. Durante os anos ele havia se esforçado para não sair do personagem que tinha construído para si mesmo, o maldito robô Magni, como a general tinha lhe chamado em tom não tão gentil. Mas Catarina era a chave para seu verdadeiro eu, sem máscara, sem fingimento. Naquele pequeno mundo imaginário, onde apenas eles dois existiam, Tiberius era um homem devoto à sua família, mesmo nos pequenos detalhes. Ele deixaria o mundo lá fora ruir apenas para ficar ao lado de Catarina, abraçando-a enquanto ela chorava em seu ombro. Não havia nada mais importante do que isso.

— Eu escondi algo de você... — murmurou, quando conseguiu se acalmar um pouco, mas ainda estava chorando.

— Algo bom ou algo ruim? — brincou, tentando ao menos fazê-la sorrir um pouco. Péssima ideia. Ele não era divertido.

— Eu... eu... — gaguejou, hesitando. Catarina apertava o tecido do vestido tentando disfarçar as mãos tremendo. Tiberius esperou em silêncio, paciente e preocupado. Quando ela conseguiu falar, a voz era um sussurro quase inaudível. — ... eu estava grávida.

Tiberius piscou, surpreso. Um misto de emoções imperscrutáveis se mostrou, entre elas a expectativa da notícia, para, então, dar lugar à compreensão da infelicidade. Catarina estava grávida. Em poucos segundos Tiberius havia imaginado todo um futuro que, logo descobriu, não aconteceria.

— O que...

— Eu devia ter lhe contado antes... — Catarina interrompeu, abalada. — Eu queria ter contado antes, mas... mas... 

Tiberius estendeu a mão e alisou seu rosto com delicadeza, e Catarina a apertou com um sorriso triste, como se quisesse garantir que ele estava ali e não desapareceria.

— Qual é o problema, Cat?

A pergunta suave e livre de acusação lhe deu forças. Aquele era Tiberius, o homem mais compreensivo e justo que ela já conhecera. Seus receios eram enganosos, tinham que ser. Respirando fundo, Catarina decidiu contar tudo.

— Eu não contei antes pois... essa não é a única coisa que você não sabe. Eu não queria começar essa fase das nossas vidas sem que você soubesse de tudo. Sobre aquela noite, 12 anos atrás... — Como esperado, Catarina sentiu Tiberius se retesar, sua postura tornando-se tensa em reação a um assunto tão delicado. Ele fez menção de soltá-la, sem se afastar, apenas para ouvir mais atentamente, porém Catarina não permitiu. Se ele soltasse sua mão, talvez não conseguisse terminar de falar. — Você precisa saber que eu... bom, nós...

— Catarina, não precisamos falar disso.

— Precisamos! Precisamos sim.

— Eu já sei, Cat — falou, colocando a mão em cima da dela em um gesto reconfortante. — Não precisamos voltar a isso, especialmente agora.

Tiberius falava como se fosse para o bem dela, mas também era doloroso para ele lembrar da noite em que seus pais haviam sido assassinados. Executados. A palavra não importava, a realidade era a mesma.

— Você sabe? — Ela perguntou, hesitante. Como podia ser verdade? Talvez estivessem conversando sobre assuntos diferentes. — O que você sabe, Tiberius?

Ele desviou os olhos por um instante e deu um suspiro curto, pela primeira vez parecendo impaciente. Realmente não gostava de lembrar.

— Eu não sou cego, Cat. Um boato surge sobre os meus pais transportarem pessoas para dentro dos muros, alguns dias depois eles estão discutindo com os seus pais e os Pretorianos entram à mando do Pretor Vauxhall e executam todos por traição. — Ele fez uma pausa, antes de concluir: — Você vem dos andarilhos. Eu sei disso. Não precisamos falar sobre isso como se você ou sua família tivessem culpa de algo.

Tiberius não entendia porque Catarina estava se torturando com aquele assunto. Ele sabia de tudo, por isso tinha oferecido a Joia do Ar para ela, impedindo assim que a jovem "intrusa" também fosse executada junto aos outros. Mas Catarina meneou a cabeça, melancólica.

— Seus pais nos deixaram entrar, é verdade... Eles eram pessoas decentes. Sempre tentavam ajudar os andarilhos sem que a cidade percebesse, principalmente aqueles que traziam crianças. Mas eles eram discretos, nunca traziam muitas pessoas de uma vez. Os meus pais e alguns outros... Nós queríamos algo maior. Uma mudança de verdade. Os Magni não sabiam, mas... — Pelo olhar de Tiberius, ele começava a entender o que Catarina queria dizer.

— Seus pais queriam uma revolta — concluiu. Os pais de Tiberius não sabiam, mas, por estarem ligados a eles, também haviam sido responsabilizados. Catarina assentiu.

— Não sabemos como eles foram descobertos, mas acho que isso não importa. Eu não queria começar nada com você sem tirar isso à limpo antes, mas eu estava tão... — Ela deixou a frase no ar, sem encarar Tiberius. Não sabia descrever seus sentimentos. Estava com medo? Envergonhada? Nada parecia certo. Não temia a reação de Tiberius, pois ele era a pessoa mais confiável que conhecia, mas sentia em sua alma que o segredo ameaçava a relação que tinham construído com tanto esforço. Sim, sentia-se envergonhada por seus pais terem traído os Magni, que tanto os ajudaram, mas também conseguia compreender porque tinham feito aquilo.

Tiberius estava silencioso como de costume, mas não parecia um bom sinal. Tiberius era assim com as outras pessoas, não com Catarina. Ela levou sua mão até a dele, que recuou instintivamente, não por rudeza, apenas não esperava o gesto.

— Desculpe... — disse ele, percebendo o olhar preocupado de Catarina. Seus medos estavam se tornando reais? Será que o segredo conseguiria mudar a forma como Tiberius a via? — Eu só estava pensando...

Catarina podia imaginar. Do jeito que Tiberius era, ele deveria ter se agarrado a um detalhe da história para evitar lembrar do quadro completo. Catarina entendia muito bem. Não era fácil se recuperar do que tinha acontecido às suas famílias.

— Você não tem pelo que se desculpar.

— Muito menos você, Cat. — Ele apertou sua mão, um pequeno gesto cheio de significado. Como tudo em Tiberius. Catarina ouviu com alívio, sentindo um peso de anos desaparecer aos poucos. — Você era uma criança ainda mais nova do que eu. Eu lamento que tenha vivido com tanta culpa todos esses anos.

— Eu queria ter falado antes...

— Você não me deve nada — murmurou, afastando com o dedo uma mecha de cabelo dourado de seu rosto. Uma lágrima escapou, deslizando pela face, que Tiberius limpou com um gesto leve, alisando o rosto de Catarina. — A única verdade no mundo, Cat, é que não há nada que possa mudar o que eu sinto por você.

— Desculpe... — soluçou, abaixando a cabeça. — Eu sinto que sempre tiro as coisas preciosas de você...

— Você é a única preciosidade na minha vida.

Tiberius passou o braço em volta de Catarina e a puxou mais para perto, recostando-se no sofá de modo que ficassem meio deitados juntos. Partia seu coração saber que Catarina se sentia dessa forma. Nada do que acontecera era culpa dela, fosse o acontecido com suas famílias ou o recente aborto espontâneo, embora soubesse que luto e culpa eram reações comuns ao último. Nem mesmo a Joia do Ar havia sido tirada dele, Tiberius escolhera desistir dela, montar aquela farsa e convencer a todos que ela era a Portadora.

Tiberius reagia bem, mas é claro que a nova informação o afetara. Ao contrário do que Catarina temia, no entanto, saber a peça que faltava quase lhe trazia alívio. Sim, seus pais haviam sofrido uma injustiça, mas, ao ver o quebra-cabeças completo, era como se finalmente pudesse parar de olhar aquela imagem em busca de respostas.

Ele fora sincero em cada palavra. Catarina e Tiberius estariam sozinhos em toda a Cidade Aurora se não tivessem um ao outro. Se não pudessem confiar algo ao outro, não confiariam a ninguém. O que trazia uma preocupação muito maior para Tiberius do que os crimes do passado: se a pesquisa da dra. Walker estivesse certa e fosse seguro para os Portadores deixar a cidade sem proteção, precisava arranjar um modo de proteger Catarina sem revelar a verdade sobre a quem a Joia do Ar pertencia.

Os minutos se passaram quase sem serem notados, como geralmente acontecia quando estavam sozinhos. A tranquilidade que traziam juntos era capaz de suspender a passagem do tempo. Catarina se moveu apenas o suficiente para encará-lo.

— Você não tem que sair para a reunião?

— Não tenho... — Ele se ajeitou, dando mais espaço para ela no sofá, ambos assumindo posições mais confortáveis. — Não se preocupe.

Adormeceram nos braços um do outro.

 

~*~

 

Era o começo da tarde de sábado e a Cidadela estava mais agitada que o normal, devido a aproximação da festa. Seria apenas à noite, mas o tempo que tinham não parecia o bastante para tudo que deveria ser feito. Os funcionários se encarregavam dos últimos preparativos e os convidados resolviam as questões de seu comparecimento. Mas nem todos se ocupavam dessa forma. Na ala hospitalar, Killian e Stella aguardavam a liberação de Mitchell, que finalmente poderia retornar para sua alocação.

— Vocês não deviam estar se preparando para a festa em vez de estarem aqui? — perguntou, apenas fingindo irritação, enquanto movia manualmente as pernas para fora da cama, olhando com desconfiança para a cadeira de rodas posicionada logo ao lado.

— Meu par foi proibido de me acompanhar por ordens médicas. — Stella deu de ombros, aproximando-se com um sorriso divertido. — Quem precisa de bailes? Vamos passar a noite assistindo filmes! Podemos esperar pelo do ano que vem.

— Eu já disse que você devia ir, amor.

— Pff, eu prefiro os filmes. Essas festas chiques são tão chatas.

— Verdade. A gente só vai pela comida — Killian brincou.

— Então você vai?

— Sim, mas eu dei sorte, meu par não se incomoda se eu me atrasar ou chegar um pouco desarrumado.

Os dois ajudaram Mitchell a sair da cama para a cadeira de rodas, apoiando-o com um braço sobre os ombros de cada um. Ainda não estava nem perto de se recuperar, mas com certeza não estava mais tão frágil. O movimento no máximo causou algumas pontadas de dor no abdome operado, que ele conseguiu disfarçar bem.

— Antes que eu esqueça, Killian... — falou, já na cadeira empurrada pelo amigo, com Stella acompanhando os dois ao lado.

— Sim?

— Da próxima vez que eu correr atrás de uma alienígena de outra dimensão, por favor, atire em mim.

— Eu vou me lembrar disso.

Em um dos níveis subterrâneos da Cidadela, Vermont estava deitado com um livro aberto, ao lado de uma pilha de outros livros, seu maior passatempo já que não saía tanto de seu quarto. Não era um jeito ruim de passar uma noite de festa. Mesmo se tivesse sido convidado, provavelmente não iria ao baile. Isso ele herdara da mãe. A dra. Marie também não perderia seu tempo com tanta futilidade, como diria ela, com um gesto de escárnio. Os Magni tinham pensado em não aparecer, mas, depois de muito insistir que estava bem, Catarina convenceu Tiberius a comparecer. Ambos se arrumavam em seu elegante apartamento. Tony usava uma das habitações vazias da Cidadela, já que seria bastante incômodo cruzar a cidade inteira vestido para o evento. Era comum em celebrações que quarto fossem cedidos à ele e Astra para que não precisassem se deslocar da Cidade Baixa. Dra. Walker havia sido convidada, mas seus estudos a entretinham tanto que ela perdera a noção da hora e agora já não havia tempo, então continuou no laboratório de química.

Por fim, alguém batia insistentemente na porta do quarto de Calisto.

— Finalmente! — Astra falou, quando ela abriu a porta e agarrou seu pulso com um sorriso animado. — Vem!

— Aonde?

— Vamos nos arrumar no apartamento da Alessa. Não se preocupe, ela não se incomoda que você venha. Eu acho...

— Mas eu...

Antes que pudesse terminar, uma funcionária parou as duas, salvando Calisto de ser arrastada por Astra durante todo o caminho até onde Alessa vivia. Ela entregou à Calisto um pacote embrulhado com um vestido e um par de sapatos e saiu.

— Mas o que é isso?

— Deve ser do Pretor.

Astra quase engasgou.

— O Pretor é o seu par?! Por que não vai com o Vermont? Ah, esquece, lembrei... Ou então o Tony, acho que ele estava sem par. Talvez o Redfield. Qualquer um! Por que não falou comigo antes? Seu par devia ser alguém que você goste ou, no mínimo, seja uma companhia tolerável...

— Pelo que eu entendi, foi mais uma imposição do que um convite. Eu também não entendi o motivo dele me pedir isso.

— Ah, eu entendo. Você é a campanha eleitoral dele. Mas que seja! Não precisa ficar com ele o tempo todo, isso não vai estragar essa noite. Garanto que ainda vai ser superdivertido.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado ♥