As Joias do Carrasco escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 13
Uma noite calma.


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo antes do ano acabar! Considerem um presente de Natal ♥
2020 foi péssimo para todo mundo, menos para essa fic que nunca viu 5 capítulos em um único ano hehe
(Perdoa qualquer erro, metade do cap foi meio na correria hoje)



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Se aquilo era diversão, Calisto não estava interessada.

Tudo, desde as roupas que vestia até as pessoas que era obrigada a cumprimentar, pareciam contribuir para sua indisposição. Que tipo de festa era aquela, afinal? Havia música, mas quase ninguém dançava. Certo que a música era suave e parada demais para o que Calisto conhecia como dança, mas ainda assim, ela tinha testemunhado alguns funcionários se balançando ao ritmo da melodia no corredor que ligava o salão à cozinha, no pouco tempo livre que tinham. Enquanto isso, os convidados só faziam conversar. Em outras circunstâncias, isso não a incomodaria, mas, assim que caiu sob a vista do Pretor, ele a agarrou pelo braço e guiou pelo salão, apresentando-a para pessoas que ela não conhecia e nem queria conhecer.

"Você é a campanha eleitoral dele." Agora entendia o que Astra tinha falado. Não por acaso tinha recebido aquelas roupas para usar no baile. Um vestido aberto, decote baixo, sem mangas, deixando à mostra não apenas todas as cicatrizes adquiridas ao longo dos anos, mas também a Joia do Espírito em seu torso, como o pingente largo de um colar sem cordão algum. Nenhuma das pessoas que conhecera estava realmente interessada em seu nome ou seu rosto, apenas olhavam encantados para a joia perdida 25 anos antes e encaravam Rower com admiração por ter sido o Pretor que conseguiu recuperá-la.  Aliás, Calisto se sentiu tola por pensar que poderia ser de outro modo. Mesmo Vermont, que se tornara um verdadeiro amigo em tão pouco tempo, às vezes a olhava com curiosidade, como um artigo raro. Calisto sempre notava e fazia questão de demonstrar seu desagrado, ao que ele pelo menos tinha a decência de se desculpar. Aquelas pessoas na festa não faziam nem isso, não percebiam o quanto a deixavam desconfortável, ou, pior, se viam no direito de agir daquela forma. A seus olhos, ela era realmente um artigo raro e nada mais. Calisto não era nem mesmo parte da conversa. Rower a queria perto, mas apenas quando necessário. No resto do tempo, ele e os outros trocavam opiniões sobre assuntos administrativos que ela não compreendia, então apenas observava o resto do salão e se perguntava se aquelas festas costumavam durar muito. Nem uma hora se passara, mas ela já estava cansada.

Os demais pareciam estar se divertindo. Astra e Alessa estavam perto das mesas, conversando e rindo bastante. Tony estava com um pequeno grupo que Calisto reconheceu das missões, sempre simpático, apesar de ser o mais calado entre eles. Killian passou por eles, cumprimentando-os e seguindo seu caminho com duas taças nas mãos. Dos outros, estranhamente eram os Magni que pareciam menos à vontade, apesar daquele ambiente ser mais familiar a eles que aos outros. Estavam em uma das mesas mais afastadas, apenas os dois, conversando baixinho de mão dadas. Pensando bem, eles sempre pareceram mais reclusos, deslocados mesmo em seu próprio ambiente. Em algum lugar Calisto pensou ter visto Sybeal, mas logo perdeu de vista a mulher baixinha entre os demais.

Calisto olhou mais uma vez para o Pretor, entretido com uma senhora idosa da família Lafayette muito elegante, ao contrário da neta Rowena, cuja aparência, apesar de bem vestida, não inspirava dignidade como a da senhora, e desviou o rosto para a entrada do salão, pensando que preferiria estar em qualquer outro lugar.

"O que ele vai fazer contra mim? Eu não sou a Joia do Espírito?" O pensamento a irritou, e Calisto percebeu que mentia para si mesma. Era como eles a viam, mas ela não era apenas isso, de forma alguma. Mesmo assim, não mudou de ideia. Afastou-se do Pretor sem nem fazer questão de avisá-lo.

.

 

Vermont não disfarçou o olhar zombeteiro quando abriu a porta de seu quarto.

— Uma festa chique para as cinco grandes famílias e você dá um jeito de preparar uma entrega?

— Cala a boca — respondeu Calisto, estreitando os olhos e entregando o prato cheio das variadas opções de aperitivos.

— Não me entenda mal, eu agradeço! — afirmou, pegando o prato sem demora e abrindo caminho. — Entra aí, o jantar está servido!

O quarto era pequeno e modesto, tão vazio quanto o de Calisto, como se ele ainda não tivesse se acostumado com o lugar ou não se importasse o bastante para torná-lo mais pessoal. Os únicos objetos que pareciam não pertencer ao quadro eram os livros espalhados, um inclusive aberto sobre o chão, que Vermont estava lendo antes de Calisto bater à porta. Ele se sentou no chão apoiando as costas na cama, sendo imitado por Calisto, e, colocando o prato entre eles, dividiram a comida entre uma conversa sem pretensões.

— Então, qual o problema da festa? Por que você está aqui?

— Aquilo não é uma festa — escarneceu.

— Como assim, a noite na companhia do Pretor não está sendo agradável? — Vermont perguntou, mantendo a seriedade apenas o suficiente para completar a frase, mas ele mesmo começou a rir da pergunta sarcástica.

— O Pretor é mais um guia do que uma companhia. E, como um guia, ele é um saco.

Dessa vez, Vermont não riu.

— Você ainda está pensando naquela ameaça, não é? Por isso aceitou ir com ele.

— Claro que ainda penso, mas não foi por isso que aceitei. Eu apenas não vi porque não aceitar. Se eu estivesse assim tão preocupada, não teria saído de lá.

Vermont não respondeu. Ele imaginava, conhecendo Rower e vendo Calisto vestida para a festa — como uma andarilha tentando, sem sucesso, se passar por uma cidadã de Aurora —, que o objetivo do Pretor era exibir a Joia do Espírito. A pouca estima que tinha pelo Pretor diminuía a cada dia. Antes que pensasse em algo para mudar de assunto, Calisto tomou a frente.

— Mas e você, o que estava fazendo? Soube que você não poderia ir na festa porque é uma pessoa muito perigosa. — Seu olhar divertido enfatizou o comentário irônico e, dessa vez, Vermont não conseguiu evitar rir.

— Só estava lendo — respondeu, levantando a capa do livro para Calisto. — Hamlet. Não é muito meu estilo, mas não temos muitos livros...

Vermont não gostava de ler roteiros, mas sempre foi um pouco curioso com as histórias mais famosas. Estava lendo apenas para saber o que aconteceria, diferente de Tiberius Magni, cujo nome preenchia quase toda a página de registro de empréstimos na última folha. O Magni realmente devia gostar da peça, pois havia emprestado o livro três vezes apenas no último ano. "Será que foi tão difícil para ele entender a história da primeira vez?" comentou para a funcionária da biblioteca em uma tentativa de piada, mas recebeu apenas uma careta impaciente. Piadas à custa do Senhor Magni tinham um público difícil. Apesar das outras grandes famílias não o respeitarem tanto assim, o povo estimava Tiberius Magni.

Conversaram por mais alguns minutos, antes que Calisto decidisse voltar e deixar Vermont livre para terminar suas leituras. Mas não foi o que aconteceu. Logo que Calisto deixou seu quarto, passos correram apressados e uma mão magra se interpôs, impedindo-o de fechar a porta. A última pessoa que Vermont esperava ver em seu quarto.

— O que está fazendo aqui...?

A frase morreu no meio do caminho, mergulhando o quarto em um silêncio frio. Rowena Lafayette o encarava com o ódio que Vermont se acostumara a receber, mas algo estava diferente. Dessa vez, ela não conseguiu sustentar aquele olhar, e toda a raiva ruiu dando lugar a uma profunda mágoa. Rowena entrou, sem se importar em fechar a porta, e tentou esconder uma lágrima antes de perguntar:

— Foi você, Luc? — A pergunta era um fio de voz e Vermont sentiu cheiro de álcool. Apesar disso, seu olhar era sério e preocupado. De alguma forma, ela sabia a verdade que todos ignoravam. Porém, pelo modo ansioso com que apertava as mãos e a mania de desviar o olhar, ela ainda hesitava em acreditar. Então ela se aproximou, segurando-o pelos pulsos e o encarando com avidez. — Você não tem que me dizer quem foi... Eu só preciso saber que não foi você!

— Você não devia estar aqui, Rowena...

— Você matou o Evan ou não?! — Ela gritou, seus dedos apertando com força os braços de Vermont com o retorno da raiva. Não era suficiente para machucar, mas Vermont se soltou em uma tentativa de acalmar os ânimos de Rowena. Tudo o que ele não precisava era mais um desentendimento com aquela família.

Outra pessoa, porém, interrompeu o interrogatório.

— Garota, eu acho melhor você se afastar. — O tom sério e calmo era inconfundível, e Vermont corrigiu mentalmente seu primeiro pensamento ao ver Rowena. Porque a dra. Marie, sua mãe, parada no vão da porta analisando-os com as sobrancelhas retas e olhos críticos, era realmente a última pessoa que esperava ver ali.

Vermont suspirou, começando a se irritar. Por que as pessoas que passaram meses fingindo que ele não existia de repente estavam em sua porta? "Ótimo... O baile é no meu quarto e esqueceram de me avisar." A noite, que tinha tudo para ser perfeita, agora estava praticamente irrecuperável. Tudo que ele queria era ficar sozinho e ler Hamlet!

Porém, como uma noite de paz era pedir demais, Marie Vermont entrou, encarando Rowena como uma tutora presa a um pupilo sem comprometimento. Diante da jovem, Marie se aprumou, a decepção evidente em seu rosto misturando-se ao olhar de superioridade. Vermont havia crescido sob aquele olhar.

— Por que não volta para aquela futilidade de festa em vez de importunar os outros, senhorita? Pegar mais alguns copos de seja lá o que estão servindo, já que seu objetivo é claramente encher a cara até não conseguir mais se manter de pé.

— Mãe... — Vermont tentou interromper, porém, Marie nem sequer olhou em sua direção, apenas ergueu a mão em reprimenda, como costumava fazer sempre que seu filho cometia o descuido de falar fora de hora, como se ele ainda fosse uma criança.

Rowena tinha os braços cruzados em volta do corpo e ouvia Marie com um misto de raiva e constrangimento.

— Eu tenho o direito de saber...

— Então deixe que eu responda sua "dúvidas" — escarneceu, com um ligeiro sorriso frio que logo voltou a neutralidade habitual, mas ela falava rápido, como se há muito desejasse jogar a verdade ao vento. — Não. Meu filho não matou o merda do seu irmão. Tenho minhas dúvidas quanto ao resto da sua família, mas eu sei que você não é burra, Rowena. E eu juro, não teria me incomodado se Luc realmente...

— Mãe! — Vermont levantou a voz, firme, dessa vez interrompendo Marie de fato. — Pare com isso! Eu não preciso que responda nada por mim.

Marie ergueu as mãos, rendendo-se, mas não parecia arrependida. Afastou-se apenas o suficiente para que Vermont tomasse a frente, observando-os casualmente por sobre o ombro.

— Rowena... — hesitou. Como começar a se explicar? Ela ainda encarava Marie, atônita, as mãos tremendo, e Vermont ficou de frente para ela forçando-a a encará-lo, temendo que Rowena avançasse contra a doutora. Sobre isso, ele não podia julgá-la. Marie causava essa sensação em todos.

— Por que você mentiu? Você era meu amigo... Nosso amigo...

Rowena não tentava mais conter as lágrimas. Orgulhosa como era, devia estar muito magoada para se permitir chorar na frente de outras pessoas. Marie estalou a língua, murmurando algum comentário cáustico que irritou mesmo a ele. Vermont estava a ponto de sair da frente e deixar Rowena se resolver com a doutora, mas uma parte sensata de sua mente resistiu aos efeitos da presença de sua mãe.

— Rowena... — tentou novamente, atrevendo-se a colocar as mãos em seus ombros. Ela não se afastou, estava cansada. Estava cansada há meses, e só queria poder deixar tudo para trás, mas não conseguia. Ainda não. Vermont continuou, sua voz era apenas um sussurro. Mesmo assim, Rowena não o interrompeu. — Eu não posso dizer quem matou o Evan porque, na verdade, eu não a conheço. — Ele resistiu ao impulso de engolir em seco ao lembrar da cena. — Evan era meu melhor amigo, Rowena... Eu o amava como você. Por isso, nós dois nos recusamos a enxergar... que ele não era uma boa pessoa...

— Cale a boca... — Rowena murmurou, tentando se afastar, mas Vermont não deixou. Aquilo precisava terminar. Tanto ele quanto Rowena vinham se destruindo desde então, e precisavam parar.

— Nós sempre ignoramos as pequenas coisas. Porque eram apenas piadas... Porque Evan era assim mesmo... Porque ele não estava machucando ninguém. A gente percebia que ele agia diferente com outras pessoas, mas isso nunca chamou nossa atenção. — Vermont percebeu que mesmo sua mãe prestava atenção no que ele falava. Era a primeira vez que ele explicava claramente o que havia acontecido. Desde o dia em que fora preso, ele só abrira a boca para declarar sua culpa e nada mais. — Mas pequenas coisas levam à coisas maiores. O que quer que Evan tenha tentado fazer... — falou, preferindo não dar nome aos atos, temendo que Rowena recuasse ainda mais, — aquela garota estava apenas se defendendo. Mas eu e você sabemos que seus pais jamais teriam deixado ela sair disso.

— Você devia ter me contado! Simplesmente tomou o lugar dela e deixou uma assassina livre?!

— Eu não pensei... Não pensei sobre nada, na verdade. Eu só fiz, e eu sei que você entende o porquê.

Vermont lembrava do frio em seu estômago e do suor em suas mãos ao entrar naquela sala após ouvir o grito. E do terror ao ver seu melhor amigo no chão e a poça de sangue que crescia a cada segundo ao seu redor. O pânico nos olhos da garota, que, sabendo que estaria condenada se a encontrassem, também tentou atacá-lo. E da revoltosa compreensão ao ver as marcas no rosto e no pescoço dela. A voz que mandou a garota correr não era a dele, embora saísse de sua boca. A mão que tomou a faca caída no chão não seguia seu comando. Ele decidira tudo em um segundo. Porque Vermont sabia. Mesmo com todas as provas, a garota não escaparia da fúria dos pais de Evan. E nem ele, mas não estava pensando nisso no momento.

Vermont teria ficado ali por mais tempo, perturbado pela imagem do amigo morto, mas uma voz lhe despertou de seu torpor: a sua própria. Um sussurro fraco chamava seu nome, mas aquela voz era com certeza a dele. Vermont a seguiu mecanicamente, sem entender o que estava acontecendo, até parar diante do salão das Joias e perceber que uma delas estava lhe chamando. Nada daquilo fazia o menor sentido. Mas não precisou pensar por muito tempo. Tinha atravessado o Palácio da Fênix até o salão com uma faca ensanguentada em mãos e uma aparência letárgica, até que os soldados o pararam.

— Você era meu amigo e me deixou acreditar em todo esse teatro... — Rowena murmurou, magoada.

— Me desculpe... por mentir.

Pelo resto, ele não se desculparia. Então Vermont fez algo que pensou que nunca poderia fazer novamente. Hesitante, ele puxou Rowena para um abraço consolador. Ela não o afastou e, relutante, apoiou a cabeça contra seu peito, o que parecia um bom sinal. Obviamente as coisas não voltariam ao que eram, talvez nunca recuperassem a amizade que tinham, mas talvez ambos ainda pudessem ter uma relação que não fosse definida por rancor.

— Eu acho que deveria ir... — Ela murmurou, cansada. Vermont a soltou e, sem outra palavra, apenas um olhar cheio de dúvidas, Rowena se retirou.

Vermont permaneceu em silêncio. Não era paz que sentia, nem de longe, mas um certo alívio.

— Bem, isso foi esclarecedor — disse a dra. Marie. — Muita estupidez da sua parte, a propósito. Assumir o assassinato.

Vermont fechou os olhos, tentando manter a sensação esperançosa por uns segundos a mais antes de se virar para a mãe e, então, perder completamente sua quase paz.

— Você é uma pessoa terrível.

— Já ouvi isso vezes o suficiente para não me incomodar mais.

— O que está fazendo aqui?!

Marie encarou o filho sem demonstrar mágoa alguma pela rispidez. Tudo o que Vermont via quando olhava para a mãe era uma constante expressão de aborrecimento.

— Não sabia que precisava de motivo...

— Você passou meses fingindo que eu não existia e quer que eu acredite que veio apenas porque deu saudade? — Vermont gritou. — Por que está aqui?! E por que veio justo agora? Não devia ter dito nada daquilo para a Rowena!

— Você acha que ela não conhecia o próprio irmão, Luc? Não seja ingênuo.

— Você não devia...!

— Garoto, olhe como fala — interrompeu Marie, em seu tom contido e perigoso. — Como pode me acusar de não me importar quando eu evitei que você fosse executado?

— Eu não vou... — começou, sentindo-se a ponto de gritar novamente, mas conteve-se. — Eu agradeço por isso, mas não vou agir como se fôssemos amigos só porque uma vez você fez algo por mim.

— Uma vez? Tudo sempre foi por você, Luc, acorda. Eu salvei sua vida, isso não é um favor qualquer. Não mereço ao menos uma conversa com você?

— Não é um favor qualquer, mas também não deve ter sido muito difícil, sabemos que é você quem realmente manda na cidade, e, sinceramente, eu espero tão pouco de você, mãe, que pensei que me matariam e você nem notaria! E agora quer conversar? Agora eu sou o ruim? Estou vivendo aqui há meses, você mora nesse mesmo nível e nunca se importou em aparecer e toda vez que eu tentei ir até você... — Vermont se interrompeu, percebendo pelo rosto de Marie que tudo o que falava não serviria de nada. Marie não escuta nada que seja contra ela. Podia assistir atentamente ao discurso amargurado do filho, mas, ao final, descartaria tudo como se não valesse a pena nem ao menos perder tempo ouvindo. Marie nunca estava errada, não aceitava estar. Vermont conseguiria apenas sentir cada vez mais raiva. Já devia ter aprendido que não se discute com Marie. — Você pode sair.

— Está sendo infantil.

— Saia! — gritou, e, por um milagre, Marie não retrucou. Apoiou-se com a bengala e levantou-se da cama, sem nunca abandonar o olhar crítico que tanto gostava de lançar sobre Vermont.

Assim que ela saiu, Vermont se certificou de trancar a porta. Não queria mais ninguém ali aquela noite. Pelas duas últimas visitas, poderia dizer sem relutância que aquele fora o pior dia da sua vida. E isso é bastante coisa, considerando que nos últimos meses havia sido preso, ameaçado de morte, atacado por criaturas mitológicas e árvores animadas, além de ter caído de um penhasco. Só esperava que o final da noite pudesse ser calmo.

Que engano.

.

 

— Onde você estava? — O Pretor perguntou, fazendo Calisto se virar em sua direção.

— Com o Vermont — respondeu, indiferente.

Um lance de desprezo passou pelo rosto de Rower, mas ela não soube presumir se era pela menção de Vermont ou por ela ter saído da festa para encontrá-lo.

— Eu só pedi uma coisa, você só tinha que ficar aqui. Não sabe fazer nem isso?

A irritação por trás daquelas palavras realmente surpreendeu Calisto. O que podia ter feito de tão errado? Ainda assim, toda a raiva do Pretor já havia desaparecido de seu rosto quando ele se virou para responder um de seus conhecidos, e ambos se afastaram deixando-a sozinha.

Calisto cruzou os braços na frente do corpo, desconfortável. Era um pouco estranho, pois não se importava com o que Rower pensava dela, mas ao mesmo tempo, tudo naquele dia a deixava mal e insegura. Por que isso estava acontecendo era um mistério. Talvez fosse o receio causado pela descoberta das pessoas do Desconhecido, e o fato de não saber se era capaz de enfrentá-las.

Ainda perdida em pensamentos, aproximou-se de Astra e Alessa pois não estava disposta a ficar sozinha.

Assim que a viu, Astra chamou, sorrindo e puxando-a para perto. Alessa esvaziava uma taça de champanhe enquanto ouvia Killian.

— Então você veio com alguém?

— Allie, é muito irritante que você sempre ache que eu estou sozinho — respondeu, mas parecia estar brincando. Killian olhou para alguém no meio das pessoas e fez um gesto mostrando onde estava.

— "Allie"? — Astra perguntou, provocando Alessa.

— Um apelido estúpido de quando éramos crianças, mas ele só me chama assim quando fica sem graça!

Agora era ele quem estava bebendo, provavelmente para evitar responder a acusação. Então Sybeal abriu caminho pelo salão e se aproximou, entrelaçando o braço no dele.

— Ok, Killian, eu ameacei os músicos e escolhi a música seguinte. Finalmente eles vão tocar algo que dá para dançar.

— Não acredito... — Alessa murmurou, e Sybeal percebeu que tinha chegado no meio de uma conversa.

— Do que estavam falando?

— De como Alessa sempre erra seus palpites. — Killian provocou, pondo o braço ao redor de seu par, que deu um sorriso cúmplice ao entender. Astra cutucou Alessa de lado, estendendo a mão aberta como se esperasse receber algo.

— Agora?

— Se não for agora, você vai me passar a perna.

Alessa revirou os olhos, pegando uma nota do bolso e passando para Astra. Quando Killian e Sybeal se afastaram para dançar, Astra lançou um olhar irônico para seu par.

— Eu tinha certeza que eles iam se pegar.

— Eles só vieram juntos ao baila, Astra. Eu não estou tão convencida, talvez ainda consiga meu dinheiro de volta.

— Sim, é claro. Eles só "vieram juntos". Sem segundas intenções, que nem a gente.

Alessa estreitou os olhos, insatisfeita com a suposição de que não havia segundas intenções em seu convite, mas Astra segurou o riso, sabendo que aquilo a provocaria.

— Imagina o que Liam diria se estivesse aqui... — Astra comentou, subitamente, ainda observando Killian e Sybeal. — Killian era o melhor amigo dele, mas aposto que ele o ameaçaria sobre magoar a irmãzinha.

— Você não conhecia ele assim tão bem. Ele daria um tapinha no ombro de Killian e desejaria boa sorte para lidar com a Sybeal. — respondeu Alessa, com um sorriso melancólico, que logo substituiu pela surpresa ao ver o casal trocar um beijo no meio da dança. — Ok, eu com certeza perdi meu dinheiro.

A risada de Astra acompanhou um olhar insinuante quando estendeu a mão na direção do salão.

— Deveríamos seguir o exemplo deles. Você quer dançar?

— Entre outras coisas... — respondeu, mas aceitou a mão e as duas foram para o salão.

Calisto, que as acompanhava em silêncio, se viu sozinha novamente. Apesar de sequer prestar atenção na conversa, o clima despretensioso das duas ajudou seu humor, e ficar sozinha fez sua mente voltar a se ocupar com receios sem nome.

— Minha nossa, Calisto, tente não se divertir tanto. — Ao seu lado, Tony brincou, percebendo sua indisposição. Tinha se aproximado da mesa para pegar uma das taças, e Calisto imitou o gesto, servindo-se também. — Qual o problema?

— Por que todo mundo fica perguntando isso? Não tem nenhum problema — respondeu, levando o champanhe à boca, a testa franzida em leve aborrecimento. Percebendo que estava novamente exagerando sua reação contra as pessoas erradas, Calisto balançou a cabeça. — Desculpe...

— É o Rower?

Calisto bufou.

— Não, não é o Rower. Você e Vermont realmente precisam parar de me perguntar sobre isso. Ele com certeza não é minha maior preocupação agora.

Tony assentiu ouvindo a defensiva.

— Então... É o Rower — concluiu.

— Pensei que festas não fossem para falar dos problemas.

— Isso é uma festa? Pela sua cara, pensei que fosse um enterro.

— Não parece estar sendo muito melhor para você.

— Essas festas de gente chique nunca são muito interessantes, mas a comida compensa aparecer.

— Nessa parte eu concordo — respondeu, pensando na comida que dividira com Vermont. Apesar de ter conseguido se distrair por alguns minutos, sua mente sempre voltava à questão das missões. Teve receio de incomodar Tony trazendo aquele assunto no meio do baile, mas mesmo assim comentou, em voz baixa: — Killian falou que a mulher do Desconhecido voltou.

— Eu soube.

— É tão frustrante não saber o que está acontecendo. Você disse que ela nos ajudou contra o golem, mas depois ela nos atacou.

— Também não entendi. Vamos tentar perguntar da próxima vez que encontrarmos ela, e torcer para que tenha menos tiros e raízes possuídas.

— Torcer também para que o próximo encontro demore um pouco para acontecer — respondeu.

Nem de brincadeira Calisto estava ansiosa para reencontrar Driya depois da última missão. Com o olhar perdido em direção aos convidados, Calisto ergueu a taça para finalizar a bebida. Porém, o cristal mal tocou-lhe os lábios e ela vacilou com uma súbita vertigem, o frio em suas veias era um alerta agourento. A taça estilhaçou a seus pés com um som agudo, despejando o resto da bebida sobre o chão.

— Calisto? Você está bem?

— Rower... — Calisto olhou ao redor, atônita.

— Ele está ali. O que houve?

Calisto não respondeu, atravessando o salão chamando pelo Pretor. Pela urgência na voz dela, Tony a seguiu.

— Rower! — Calisto agarrou o braço dele. — Pare a festa. Agora!

O Pretor conversava com o Dr. Montgomery e sua irmã, e não pareceu feliz com a interrupção.

— Do que está falando?

— Um portal se abriu!

Mesmo Rower não podia negar a gravidade daquela afirmação, e o desagrado em seu olhar deu lugar à preocupação.

— Tem certeza? Onde?

O chão tremeu com a perturbação próxima de uma abertura no tecido entre os mundos, fazendo as luzes piscarem repetidamente e os músicos pararem de tocar, enquanto os presentes começavam a se preocupar. Calisto encarou Rower com seriedade.

— Aqui.


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Notas finais do capítulo

Capítulo dedicado a resolver as tretas do Vermont pq tava me travando demais, não aguentava mais y.y É isto, vamos seguir em frente. Tô louca para fazer os Portadores e o pessoal do Desconhecido interagirem logo, mas ainda falta um pouco...
Feliz Natal ♥