Equidistante escrita por Gaia


Capítulo 5
Arrependimento não mata




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(O silêncio do outono)

Alec odiava atrasos. Todo o ponto de marcar horário era para não acontecer desencontros. Qual era a lógica de alguém chegar depois do combinado? Além de deixar a pessoa esperando, era completamente contra-produtivo. Magnus estava quase 20 minutos atrasado e ele já estava cansado de ficar parado na frente da padaria, olhando para os lados na expectativa de vê-lo virando a esquina. Não sabia se odiava mais a ansiedade que tomava seu corpo a cada pessoa que  aparecia ou os olhares julgadores de todos que passavam e o viam ali parado.

Ele podia ter ido embora. E se fosse qualquer outra pessoa, teria ido, mas a verdade é que fazia tempo que não sentia essa curiosidade e necessidade de desvendar alguém. Os olhos de Magnus ainda o assombravam, impedindo-o de mover um músculo se quer para longe dali, pelo menos não até vê-lo e dar uma chance a qualquer coisa que fosse aquilo.

Quando já parecia ter passado horas, ele finalmente ouviu:

“Alexander! Desculpe, eu…”

Alec virou-se para encará-lo e o que viu o fez esquecer de todo o pequeno ressentimento que estava crescendo lentamente dentro de si por causa do atraso. Magnus vestia uma roupa que parecia ter sido tirada de um catálogo de revista de moda e seus cabelos negros estavam arrumados de forma casual. Os olhos mágicos, como ele resolveu chamar, estavam mais brilhantes que nunca, o encarando profundamente de forma quase intrusa.

“Tudo bem.” Ele se forçou a dizer, quando percebeu que o silêncio já tinha se prolongado demais.

“Onde vamos jantar?” Magnus desviou o olhar, fazendo Alec voltar a respirar normalmente. “Eu sei um japonês legal na Quinta.”

“Eu não gosto de comida japonesa.” Ele respondeu diretamente, sem saber como ser de outra forma.

“Claro que não.” Magnus murmurou com um sorrisinho e Alec não soube dizer se ele estava sendo sarcástico ou apenas provocando-o como sempre fazia. “Pizza?”

Alec se contentou com um aceno de cabeça, tentando parar de olhar para os lábios de Magnus, que pareciam especialmente tentadores. Agradeceu mentalmente por terem que ir andando para o restaurante, já que assim poderia ficar olhando para frente, sem ter a obrigação de encarar a beleza de Magnus e perder o fôlego, as palavras ou a compostura.

Enquanto andavam por Nova York, Alec não pôde deixar de notar que o tempo da cidade estava surpreendentemente bom. O outono estava se fazendo presente pela brisa gelada que acariciava seu rosto e pelas folhas secas que caiam em consequência. E o único som que ouviam por trás do assobio do vento eram os de seus passos e murmúrios urbanos indecifráveis.

Mas quanto mais o silêncio reinava, mais ele parava para pensar o quão absurda toda aquela situação era. Ele não chamava estranhos para sair. Na verdade, ele não chamava ninguém para sair em anos. O seu trabalho e família eram a sua prioridade, não sentia necessidade de mais. E o romance, mesmo legítimo, parecia-lhe perda tempo.

Era Jace quem gostava dessas coisas, quem tinha uma extrema facilidade em se conectar com os outros, em fazer qualquer um gostar dele. Com um charme incomparável, era só ele abrir um sorriso para que qualquer pessoa caísse aos seus pés, querendo agradá-lo. Mas não Alec. Alec sempre ficava atrás, apenas observando o irmão fazer a sua mágica, satisfeito por sua posição passiva.

Talvez por isso, ele não teve muita prática com situações sociais, porque sempre tivera Jace para esses momentos. Mas agora ele estava sozinho e teria que descobrir como lidar com isso, tentava pensar em como agradar as pessoas sendo ele mesmo, se era ao menos possível. Ele não era interessante como Jace, não era tão bonito, tão charmoso ou engraçado. Como iria entreter alguém como Magnus, que parecia ser alguém extremamente extrovertido, impulsivo e charmoso de sua própria maneira?

Ele ficou o caminho todo se torturando com esse pensamento e quando os dois finalmente sentaram e sentiram a pressão de realmente se conhecer, Alec percebeu que não tinha nada a ver com Magnus Bane.

“No que você trabalha?” Magnus perguntou depois de explicar como entrou para o ramo da gastronomia. Alec não queria dizer, seu ofício, em comparação, não era nem um pouco interessante e só expunha a sua personalidade ordeira ainda mais.

“Eu trabalho na promotoria pública. ”

“Ah, promotor. Com todo aquele glamour de defender os interesses da sociedade e certificar de que os crimes contra a ordem social sejam resolvidos. Quem diria que estou saindo com um verdadeiros herói moderno.” Alec não soube dizer se Magnus estava sendo sarcástico ou não.

“Na verdade, eu treino promotores novatos e estagiários. Nunca gostei muito do tribunal.”

Ele tentou ler a expressão de Magnus, mas não conseguiu. Será que ele acreditava na justiça? Alec queria perguntar, mas até ele sabia que uma discussão política não era o ideal para um primeiro encontro.

Eles conversaram sobre família, amigos e relações. Falaram sobre sonhos e suas carreiras, mas qualquer assunto que começavam era rapidamente esgotado e o modo de vida de ambos não podia ser mais diferente. Magnus era um artista, se deixava levar pela emoção e criatividade, dependia disso para o seu sucesso. Era espontâneo, extrovertido, sociável. E não gostava de festas, era a festa. Ele até bebia e comia coisas que Alec nunca experimentaria. Viveu e vivia uma vida de aventuras, experimentos, espontaneidade.

Magnus contava histórias de aventuras que Alec nunca nem sonharia em ter. Tudo o que Alec podia oferecer eram conhecimentos triviais artísticos ou históricos sobre os lugares mencionados, os quais só sabia por ter lido e visto muitos documentários, não por ter visitado nenhum deles. Oferecia sua fascinação e curiosidade, mas nada interessante, nenhuma piada, nenhuma aventura. Jace saberia como entrete-lo, era o que constantemente pensava.

Era fascinante e assustador ao mesmo tempo. Como olhar em um espelho mas não se reconhecer, porque mostraria tudo ao inverso, seu total oposto.

Magnus era absolutamente cativante e Alec só conseguia se sentir como se nunca pudesse alcança-lo, mesmo se tentasse, mesmo se mudasse toda a essência de seu ser. Ele ainda continuar sendo desinteressante, ordinário, normal. Sem nada a oferecer. 

Por cada pedaço de pizza que comia, Alec pensava que aquele encontro sempre esteve fadado ao fracasso. Que não deveria ter sido tolo o suficiente para achar que a luxúria e curiosidade eram o suficiente para manter um encontro interessante. Sentiu como se o universo estivesse facilitando a sua vida, impedindo-o de mudar sua ideia sobre o amor para preservá-lo de futuros incômodos irracionais. 

Talvez, de forma insuportavelmente previsível, o encontro realmente tenha sido uma péssima ideia.

(O barulho da tempestade)

Magnus já teve inúmeros encontros ruins. Perdeu a conta de quantas vezes teve que inventar alguma desculpa para sair de situações constrangedoras. Então era dizer muito que aquele encontro na noite de outono estava entre os cinco piores. Não aconteceu nada de errado especificamente. Ele só realmente não tinha nada a ver com Alexander que, apesar de ser perfeitamente agradável, era inseguro, ordeiro e pragmático. Palavras que nunca poderiam ser usadas para descrever nem um fio de cabelo de Magnus.

A única coisa que compartilhavam era o irônico fato que ambos queriam muito que tivessem algo em comum. E que estavam realmente atraídos um pelo outro por alguma razão que nenhum deles entendia.

Por alguma razão, ele não ligou para Catarina. De forma quase masoquista, resolveu aguentar aquele encontro até o fim, como se fosse uma lição para ele parar de se deixar levar por rostinhos bonitos. Quando finalmente pediram para o garçom encerrar, eles já tinham esgotados faz tempo todos os começos de conversa convencionais possíveis e decidiram dividir a conta igualmente. Desconfortáveis, os dois levantaram e seguiram para a porta juntos e Magnus ficou muito ciente de seu próprio corpo de repente. Não sabia o que fazer com os braços e nem para onde direcionar o olhar.

“Isso foi…” Ele tentou.

“Interessante.” Alec completou. Ele gostava do seu jeito direto e como ele não maquiava as palavras, mas não era o suficiente. Magnus não se surpreendeu ao notar que ele nem se deu ao trabalho de mentir dizendo que queria vê-lo novamente.

Estava pensando em um jeito não terrível de se despedir quando começou a chover. Era como se Nova York estivesse respondendo à atmosfera que eles criaram. Em instantes, a chuva virou uma tempestade e o vento levava a água até embaixo do toldo da pizzaria, forçando-os a entrar novamente.

Devia ter ligado para Catarina quando tive chance, foi tudo o que Magnus conseguiu pensar.

“Eu moro aqui perto, podemos ir para minha casa até a tempestade passar.” Ele se forçou a oferecer, pensando no tanto que isso ia agregar ao seu karma.

“Sério?” Alec respondeu, realmente surpreso com a oferta. Magnus sabia que ele não queria aquilo tanto quanto ele, mas não tinha escolha, a pizzaria ia fechar e ele não podia deixar Alec com a tarefa impossível de achar um táxi no meio de uma tempestade em Nova York.

“Sim, vamos.” Ele abriu o guarda-chuva e eles foram para o seu loft em silêncio. A tempestade fazia todo o barulho por eles, suficiente para que nem se preocuparam em fingir que queriam conversar.

Eles chegaram encharcados e, mais uma vez, sua irritante decência o fez oferecer sua secadora.

“Você pode colocar essa muda de roupa, enquanto as suas secam.” Magnus entregou-as dobradas para Alec, que pairava desconfortável na sala de estar, analisando cada mínimo detalhe do loft. Ele sabia que sua casa era interessantes, fazia questão de expor todas as raridades que colecionava de suas viagens e ele amava brincar com cores extravagantes e moveis curiosos.

“Obrigada. Você realmente não precisava fazer tudo isso.” Alec disse, agora encarando-o. Magnus tentou ao máximo focar em seus olhos, em vez de tentar traçar os seus músculos por trás da blusa molhada.

“Não sou um crápula, Alec. O banheiro é ali.” Magnus apontou e foi para o seu quarto, se secar também. Ele mandou uma mensagem para Catarina que dizia tudo que ela precisava saber: “Desastre” e foi para a cozinha. Cozinhar sempre o acalmava, era a sua verdadeira catarse.

Com sua destreza de chefe, ele manuseava as massas quase como se estivesse esculpindo uma obra de arte renascentista. Todo o processo o fazia sentir-se realmente em casa, desde o cheiro até a última migalha no chão. Imerso em sua paixão, ele não notou Alec o observando. Foi só quando colocou a massa no forno, que o viu ali parado, como se estivesse hipnotizado, irritadamente lindo mesmo com cabelos molhados e usando roupas que não eram suas.

“Você é muito bom.” Foi o que ele disse da forma mais adorável que Magnus já ouvira. E já tinha ouvido isso muitas vezes.

“Você ainda nem experimentou, talvez eu seja péssimo.” Quase como por impulso, ele piscou e sorriu, como se estivesse na padaria provocando-o novamente e não no fim de um encontro terrível.

“Dá para saber que não. Pelo… Hmm… Jeito que você moveu as mãos.”

“Você entende de confeitaria?”

“Não, mas eu reconheço arte.” Alec respondeu simplesmente e Magnus piscou, atônito.

Talvez fosse isso que tinham em comum afinal, o que tinha os atraído de uma forma quase mística, sem nenhuma explicação lógica. A apreciação da arte - em qualquer forma. Magnus lembrou da conversa na pizzaria e pensou que talvez não fossem tão opostos assim, talvez ele só focou nas partes erradas.

Talvez o que os atraía fosse a fascinação pelo novo, segurança de seus gostos, determinação para alcançar os objetivos e indiferença ao medo da rejeição. Talvez fosse o cuidado e apreço pela família e amigos, a lealdade aos mais próximos. E mais do que tudo, a paixão efervescente pelas coisas, até um pelo outro tão de repente, tão magicamente.

Talvez fora isso tudo que o fez chamar Alec Lightwood para ir até o seu loft, não o karma ou a decência.

Então, no mesmo instante que percebeu o grande erro que tinha cometido com seus julgamentos prévios, ignorou qualquer pensamento racional que ameaçava surgir, puxou Alec pela camisa e o beijou.

Para a sua surpresa, Alec não recuou, apenas ficou parado como uma estátua, completamente surpreso. Mas Magnus não retraiu, ele precisava convencê-lo de tudo que tinha descoberto. Que eles combinavam do jeito mais imprevisível possível.

Antes que ele pudesse mudar de ideia, Alec retribuiu e o beijo intensificou-se mais rápido do que ambos esperavam. Tudo o que tinham passado até então pareceu uma neblina distante, nada mais importava além do ali e agora e aquele beijo. Um beijo, que não era para ser nada do que isso, e acabou se tornando um testamento de que a paixão não fazia sentido.

Magnus acariciou as costas largas de Alec, o puxando para perto, enquanto Alec pousava uma mão em seu pescoço e a outra em seu ombro. Logo, estavam perto o suficiente para sentir o corpo do outro e não pararam. Magnus puxou o cós da calça jeans de Alec e aproveitou a necessidade de ar para beijar seu pescoço. Delicadamente, ele subiu, encostando os lábios atrás da orelha, fazendo Alec gemer de olhos fechados, apertando os ombros de Magnus com uma força desesperada, como se estivesse se segurando para não cair.

A tempestade piorava lá fora e os doces estavam começando a passar do ponto, mas eles não ligavam. Estava completamente absortos naquele momento, apenas sentindo um ao outro, finalmente aproveitando aquele milagre que o destino tinha oferecido.

Então, tão rapidamente quanto se aproximou, Magnus se afastou, tinha que ser mais inteligente que isso. Sabia bem que isso gritava perigo de todos os ângulos possíveis. Mas foi só recuperar seu ar e abrir os olhos para que o arrependimento batesse imediatamente, o forçando a fazer o que ele estava evitando esse tempo todo: pensar. Então, sob o olhar de zombaria de suas relações fracassadas, ele já estava analisando tudo que aquilo significava. E percebeu, para o seu desespero, que significava mais do que deveria, cedo demais.

Talvez, de forma insuportavelmente previsível, o encontro realmente tenha sido uma péssima ideia.


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Notas finais do capítulo

Oi, não era pra esse capítulo ficar tão grande, mas eu fui descrevendo as coisas e cá estamos.

Foi muito difícil achar uma profissão pro Alec, eu não queria policial, porque zzz, então né. E sim, óbvio que eu coloquei inseguranças com Jace e primeiro beijo enlouquecedor. 13012 anos escrevendo fics e eu ainda não sei descrever beijos.

E É MUITO DIFÍCIL ESCREVER CASAL DO MESMO GÊNERO, MEU JESUS. E tem uma frase que eu roubei literalmente da Cassandra, no shame, vamos ver se vocês percebem qual é, risos.

Beijocas :*