Assassin's Creed: Colony escrita por Danilo Alex


Capítulo 8
Quid pro quo


Notas iniciais do capítulo

Perdoem a demora!

Pretendo compensá-los com esse capítulo que é maiorzinho e um pouco mais cheio de ação.
Boa leitura!!!



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Ser um bom esgrimista exige muito além de destreza ao empunhar uma lâmina. Envolve atenção, estratégia, perspicácia.

Um espadachim experiente esquadrinha o ambiente à sua volta, bem como seu inimigo, antes mesmo de sacar sua espada. Estuda o terreno e o clima com os olhos, imaginando formas de usá-los contra os adversários.

Aquele que faz isso é o que tem mais chances de sair vitorioso.

Felizmente, tanto Ezio quanto Ettore eram esgrimistas bem acima da média, experimentados em combates de vários tipos e em vários lugares. Duelistas exímios na prática e na teoria.

Hábeis e elegantes.

Ali, naquela tarde, confinados naquele fim de mundo e encurralados por tantos inimigos, eles, porém, não tinham tempo para elegância. Deixaram de lado os floreios e a esgrima fascinante, enfeitada.

Precisaram ser rápidos. Certeiros. Mortais.

Somente assim continuariam vivos.

E foi exatamente o que a dupla de Assassinos emboscados fez.

Encararam destemidamente a tempestade de lâminas inimigas que se precipitou em sua direção. Calcularam com frieza cada movimento. Anteciparam habilidosamente a maioria dos golpes.

Nem uma vez sequer arrastaram os pés; ao contrário, pareciam deslizar com leveza e agilidade, ditando o ritmo do duelo.

Apoiavam os calcanhares inteiramente no solo para energizar a estocada seguinte, tornando suas investidas praticamente indefensáveis.

Mostravam-se cuidadosos na ofensiva e ainda muito mais precavidos na defesa. Não subestimavam seus adversários. Jamais abriam ou baixavam a guarda.

Moviam os pés à medida que atacavam.

Inclinavam-se ao golpear.

Recuavam.

Pareciam bailar com o perigo, e nessa dança macabra precisavam estar perfeitamente sincronizados. Errar, ainda que minimamente a coreografia, significava morte certa.

  Atacavam. Bloqueavam. Contra-atacavam. Esquivavam-se com agilidade.

Um cobria a retaguarda do outro.

Pareciam incansáveis. Invencíveis.

Seus rostos tranquilos transbordavam confiança.

Cada golpe desferido por suas espadas convertia-se no mesmo instante em uma sentença de morte para algum dos ladrões que, ao morrerem, iam se amontoando, atrapalhando os companheiros sobreviventes.

Além de movimentos práticos no lugar de elaborados, ali também não havia espaço para a honra. A luta, extremamente desigual, era travada unicamente por sobrevivência.

Desse modo, Ezio e Ettore chutaram virilhas, empurraram com o ombro, jogaram areia nos olhos de seus numerosos inimigos. Além disso, sempre se movendo, puseram-se de costas para o sol, fazendo os oponentes lutarem tendo a luz do dia a ofuscar seu campo de visão, o que os tornava mais suscetíveis a golpes fatais.

Em alguns momentos, a tensão e o risco eram tão grandes que os dois Assassinos tinham a impressão de que mesmo toda a sua perícia na esgrima seria incapaz de superar a vantagem numérica de seus carrascos.

Mas ao final de longos minutos, ambos concluíram a penosa tarefa de defender suas vidas. Completamente esgotados e suados, as peças de armadura cobertas de arranhões, diversas pequenas escoriações espalhadas pelo corpo, as respirações pesadas e a pulsação acelerada, as espadas tintas de escarlate, contemplaram vitoriosos a infinidade de corpos mutilados, dispostos a seu redor.

Apenas Vincenzo, o pérfido, restava milagrosamente de pé, pálido e perplexo, seus olhos ainda incapazes de acreditar no que acabara de testemunhar. 

— Porco traditore! — furioso Ezio apontava sua lâmina gotejante de sangue para o Ladrão — Vou estripá-lo como a um animal!

O traiçoeiro estava sem saídas, não tinha para onde fugir.

Entretanto, antes que Ezio pudesse alcançá-lo e concluir seu intento homicida, um cavalo muito veloz e bem equipado surgiu a galope para bloquear seu caminho justo a tempo, interpondo-se entre ele e o Ladrão desleal. Tratava-se de um belíssimo corcel branco, montado por um cavaleiro de armadura completa e longa capa esvoaçante.

Um brilho de reconhecimento raiou nos olhos verdes de Ettore quando divisou o homem sobre a sela. O brilho então deu lugar a chispas mortais e o rapaz rangeu os dentes de ira.

O recém-chegado, a despeito do peso de sua armadura, apeou agilmente de sua majestosa montaria antes de sacar a espada.

E não era outro senão Cérberus, o odioso Cavaleiro Templário que assassinara seu amigo e irmão de armas Stefano Michele tempos antes na Piazza della Signoria, na cidade de Florença.

Embora a onda de ódio interior fosse tamanha, a ponto de fazê-lo tremer, Ettore quase riu de satisfação. O destino tinha sua própria sabedoria. Não podia ser coincidência o fato daquele miserável estar em Roma.

Aproveitando a oportunidade, Vincenzo escapou correndo.

— Vá atrás daquele verme, Mentore. — pediu Ettore sem tirar os olhos de seu maior rival. — Não permita que o rato se safe.

Ante o olhar interrogativo e cheio de significados que o mestre lhe dirigiu, Ettore completou:

— Como você sabe, este bastardo e eu temos uma história. Assuntos inacabados. Pode ir, maestro. Lidarei com ele.

Ezio assentiu respeitosamente.

— Cuide-se. — foi só o que disse antes de se afastar correndo, escalar um muro e voar sobre os telhados com agilidade felina. Ao perseguir Vincenzo de modo implacável, o lendário Mestre Assassino surpreendentemente aparentava ter o fôlego e a velocidade de um moço de vinte anos de idade.

Cérberus nem tentou impedi-lo. Mesmo que quisesse, sabia que não seria capaz. Por isso, preferiu focar no rapaz que estava diante de si, aparentemente sem medo nenhum.

Ettore encarava o adversário com a espada em riste.

— Sua fisionomia me parece familiar. — comentou o Templário erguendo a sobrancelha espessa com sarcasmo — E esse modo como me olha... Diga-me: matei alguém que você amava? Um irmão querido? Um amigo? Um namorado talvez?

— Um irmão de armas. — rosnou o jovem encapuzado, sua voz tão fria e cortante quanto o sabre que empunhava.

— Um irmão de armas. — repetiu Cérberus, zombeteiro. — Não pode ser mais específico? Vocês Assassinos são como baratas: não importa quantos eu esmague, sempre vão se multiplicar e sair aos milhares dos bueiros. Uma verdadeira praga. Já exterminei tantos que seria impossível lembrar. Portanto, se fizer a gentileza de refrescar minha memória, prometo ser misericordioso e conceder a você uma morte rápida, praticamente indolor.

— Florença. Piazza della Signoria. Uma tarde, há algum tempo. — sibilou Ettore, chamas de vingança tremeluzindo em seus olhos verdes.

— Agora me lembro, finalmente. — o Cavaleiro Templário deu uma risada curta e esganiçada, exatamente como o latido de um cão vadio — Seu fratellino tinha destreza com a espada. Fez-me suar um pouco a camisa antes de se sacrificar para que você fugisse. Um gesto corajoso, mas inútil. Afinal, aqui estamos mais uma vez, não é? Recordo-me de você correndo feito um rato, escalando paredes para sumir de nossa vista, covardemente deixando para trás o corpo daquele que provavelmente foi um dos únicos amigos que teve nesse mundo. Lamentável! Vocês se consideram muito superiores, mas ao que parece sua laia desconhece conceitos simples, tais como honra, lealdade.

Ettore respirou fundo, procurando controlar-se. Sabia o que Cérberus pretendia com aquela conversa.

Estava mexendo com sua cabeça, buscando pontos fracos em seu psicológico para diminuir seu moral, tentando desestabilizá-lo emocionalmente.

O jovem Assassino já vira outros adversários fazendo o mesmo. Era um truque inteligente e eficaz que todo espadachim experiente realizava, tão perigoso quanto o próprio ato de cruzar lâminas. Com um esforço espartano, Ettore conseguiu manter o sangue-frio.

Tinha que preservar o autocontrole porque, caso cedesse, a luta estaria perdida antes mesmo de começar. Cérberus tinha a língua tão afiada quanto sua espada, e isso curiosamente fez com que Ettore se lembrasse de Machiavelli.

É certo que na pessoa de Ezio Auditore da Firenze se concentrava o grande ídolo de Ettore, sua maior inspiração para servir ao Credo.

Todavia, afinal de contas, Machiavelli também o instruíra durante seu treinamento, e com certeza havia igualmente muito a aprender com ele.

Ettore visualizou mentalmente a imagem do Assassino de vestes indefectivelmente negras e personalidade invariavelmente mordaz.

Naquela situação, o que Niccolò diria?

Se estivesse no lugar de Ettore, o que ele faria?

Então, o jovem Sparviero recordou-se de uma frase característica de Machiavelli. Ele a repetia sempre, fosse nos campos de treinamento, fosse no dia a dia.

Seja racional.

Ettore ouviu as palavras ecoando em seu cérebro com clareza impressionante, como se Niccolò estivesse ao seu lado, instruindo-o durante os poucos segundos que antecediam o combate.

Sim, racionalidade seria a chave ali.

Separar as emoções, guardando-as em alguma outra parte de seu espírito.

Blindar a mente contra as investidas psicológicas do inimigo.

Deixar-se guiar majoritariamente pelo guerreiro racional interior.

Impedir que os sentimentos interferissem em sua concentração e julgamento.

Se fizesse isso, aumentaria consideravelmente as chances de vencer.

— Você não é muito do tipo conversador, heim? — a voz odiosa e carregada de deboche de Cérberus trouxe o jovem Assassino de volta à realidade.

— Quer que eu diga algo? — devolveu Ettore, altivo — Assim seja. Alegra-me saber que não se esqueceu de meu rosto, porque será a última coisa que você verá nesse mundo.

Os olhos ferinos do Templário se arregalaram quase imperceptivelmente. Não foi capaz de disfarçar completamente sua surpresa. Instantes depois, um cínico sorriso homicida desenhou-se em seus lábios.

— Palavras ousadas, ragazzo! Mas saiba que um discurso inflamado significa pouco se não estiver acompanhado de uma mão hábil na espada.

Ettore não disse nada. Nem se moveu. Continuou parado, lâmina em punho, aguardando.

Molto bene. — Cérberus deu de ombros antes de revolutear sua magnífica espada — Vamos ver então como você se sai sem seus irmãos por perto para defendê-lo.

Ato contínuo à sua frase, o Templário desferiu, à baixa altura, um golpe abrangente em meia-lua, com a espada cortando o ar horizontalmente da esquerda para a direita.

Os instintos afiados de Ettore o salvaram.

Se, antecipando a manobra, ele não tivesse se esquivado ligeiro para trás, a lâmina do inimigo teria separado as duas pernas de seu corpo, exatamente na altura dos joelhos.

Sem intimidar-se, ergueu rápido sua espada e respondeu com uma estocada direta ascendente, buscando a garganta do adversário.

Cérberus moveu habilmente o braço para virar sua lâmina e aparar bem a tempo a investida.

Os duelistas posicionaram-se novamente, estudando-se mutuamente em silêncio.

O Cavaleiro Templário portava uma majestosa espada de cabo incrustado que, embora longa, não parecia ser tão pesada quanto uma Montante, a arma típica da cavalaria. Maleável, podia ser empunhada tanto com uma quanto com duas mãos (as chamadas espadas de mão-e-meia). Provavelmente era um tipo predecessor da espada que pouco tempo mais tarde seria chamada de Bastarda pelos franceses.

Era forjada em aço de qualidade pelas mãos hábeis de ferreiros fieis à Causa Templária, com cabo estendido para apoio confortável das duas mãos, e lâmina ideal para golpes perfurantes, capazes de romper cotas de malha e estocar pontos fracos de armadura.  Uma arma versátil e elegante, a qual exigia habilidade para ser manuseada de modo eficaz.

Avaliando a situação, o equipamento e o estilo que o adversário escolhera para iniciar a luta, Ettore percebeu que o outro investia na técnica, mas principalmente em golpes longos e poderosos, empunhando sua lâmina com ambas as mãos para maximizar a força dos ataques. Estava claro que pretendia decidir a luta em pouco tempo, por meio de golpes largos e possantes, usando a lâmina reta e comprida como vantagem.

 Diante disso, a princípio o Assassino optou por manter-se longe, apostando na esquiva. Esperava dessa maneira, simultaneamente, cansar o oponente e encontrar brechas para atacar.

Cérberus, por sua vez, estudou a tática de seu jovem oponente. Ele definitivamente tinha destreza. Mesmo portando um equipamento tão simples como a espada comum que empunhava, uma arma básica concedida aos Assassinos quando ingressavam na Ordem, caso o Templário se descuidasse, poderia acabar se vendo em apuros até o fim da luta.

A forma como segurava sua espada, a elegância ao se mover em combate, a perícia em se esquivar, o modo como avaliava o adversário, a confiança em atacar, o modo de encarar seu oponente. Tudo isso indicava ser Ettore um duelista experiente e talentoso.

Somados a esses atributos, havia ainda a chama ávida do desejo de vingança em seus olhos verdes, portas de entrada de um espírito inquebrantável.

Cérberus viu ali um inimigo potencialmente perigoso e decidiu agir com cautela.

O jovem Assassino era mais baixo e bem menos corpulento que o Templário, mas já se mostrara extremamente ágil.

Parecia lutar por instinto.

Como sua espada era mais leve e simples, forjada em dois gumes afiados e uma ponta, servindo tanto para cortar quanto para perfurar, Cérberus teve certeza de que o garoto apostaria na velocidade e técnica. Sua espada permitia movimentos velozes e repletos de destreza, a ponto de defender investidas com eficácia, permitir contragolpes ligeiros e furar bloqueios com maior facilidade.

Os inimigos se encaravam.

Ettore esticou o braço até o limite de onde se sentia confortável. Apontou a espada para a garganta do Templário, mantendo uma distância segura entre ambos. Se quisessem ter alguma chance de ferir o adversário, teriam que romper esse espaço estabelecido a fim de ter contato.

E Ettore foi quem tomou a iniciativa.

Deslizando os pés, avançou com desenvoltura, atacando da direita para a esquerda. Cérberus se defendeu rapidamente, preparando-se para as investidas seguintes, que não tardaram a vir. Três ataques consecutivos e versáteis, os quais obrigaram o cavaleiro a se esticar todo ao se defender.

Depois de atacar, Ettore esquivou-se com perfeição também por três vezes seguidas, sentindo a lâmina inimiga passar perigosamente perto, rente ao seu corpo.

Não se descuidava, nem tirava os olhos do desafiante. Nada de girar ou fazer movimentos elaborados demais e desnecessários.

Jamais perdia o equilíbrio. Nunca vacilava e, se recuava, era somente para se esquivar de algum golpe, um segundo antes de contra-atacar avançando.

 Vibrava com a explosão de adrenalina a circular por seu corpo.

Sentia os músculos trabalhando poderosamente e com perfeição, a despeito de estarem fatigados pela batalha titânica de ainda há pouco contra três dezenas de adversários.

Fintando astuciosamente o bloqueio experiente de Cérberus, manejou sua espada de modo a estocar sua coxa, arrancando-lhe um grito de surpresa e dor.

Tomado por fúria, o Templário investiu intempestivamente, o que só fez com que fosse ferido novamente, dessa vez na altura do antebraço, exatamente na junção da manopla com a armadura.

Suava.

Abriu a guarda por um milésimo apenas e sentiu um impacto seco contra sua couraça, bem no centro do peito. A lâmina do Assassino não o transfixou, mas o golpe serviu para desnorteá-lo.

Cérberus cambaleou então e, para não cair, apoiou-se na longa espada, ficando meio agachado, vulnerável.

Ettore avançou com determinação para finalizá-lo, mas percebeu tarde demais o truque. Antes que tivesse chance de abater seu oponente, viu a mão do outro varrer o solo velozmente para atirar com precisão um punhado de areia contra seus olhos.

Momentaneamente ofuscado pela manobra, o Assassino defendeu por instinto o primeiro golpe. Esquivou-se então do segundo. Porém, não pôde fazer nada quando sentiu o deslocamento de ar à sua direita, denunciando a movimentação adversária.

Conforme se movia, tentando se livrar da investida, a lâmina Templária o alcançou de raspão por trás, desenhando verticalmente um risco vermelho na brancura de sua túnica.

Ettore arregalou os olhos embaixo de seu capuz quando sentiu o calor de algo líquido a empapar suas costas.

Diante da compreensão de seu ferimento, o qual felizmente não fora tão profundo como seu autor planejara, o jovem Assassino arfou de dor.

Correndo o braço à sua direita de modo automático, respondeu com um golpe bem colocado embora pouco preciso, confiando na premissa de que a melhor defesa é sempre o ataque.

Funcionou porque, surpreendido, o Templário viu-se forçado a recuar para bloquear.

Esses poucos segundos foram tempo mais que suficiente para Ettore recobrar a visão e posicionar-se, pronto a recomeçar a luta.

— Isso é o melhor que consegue? — questionou sorrindo ao apontar a espada para Cérberus.

Um esgar furioso de indignação contraiu as faces do oponente.

Ainda que procurasse não demonstrar, o Cavaleiro estava claramente se esgotando naquele embate. Precisava conclui-lo logo.

A movimentação frequente com sua longa espada, mesmo que não fosse tão pesada, se mostrava exaustiva.

Tinha diversos cortes nas pernas, nas coxas e nos pulsos, pelos quais sangrava. As lacerações não eram profundas. Porém, a perda de sangue, pequena e constante, aos poucos minava suas forças.

Seu rosto já apresentava certa palidez, e ele não parecia mais tão convicto da vitória fácil que esperava no começo.

Estreitou os olhos como uma serpente prestes a dar o bote, planejando seu movimento seguinte.

Deu então um passo largo adiante, fingindo que ia atacar pela direita, mas desferindo o golpe pelo lado oposto.

Ettore já tinha começado a se esquivar quando se deu conta da manobra, quase sendo apanhado de surpresa. Teve que virar com velocidade a lâmina a qual, já danificada pelas possantes investidas anteriores, não resistiu ao impacto, partindo-se ao meio.

Vendo sua arma arruinada e percebendo-se em perigo, temporariamente à mercê do inimigo, saltar rápido para trás salvou sua vida, embora não o tenha livrado totalmente de uma eficiente cutilada horizontal, que lacerou seu peito, produzindo uma ferida mediana.

Sentindo o calor do sangue a encharcar sua túnica agora na altura do tórax, o jovem Assassino fuzilou o outro com os olhos.

Conhecia mil e uma maneiras de vencer e matar um inimigo mesmo estando desarmado.

No entanto, decidiu que aquela luta terminaria em sangue e aço.

Atirando a espada quebrada a um canto, colocando-se em guarda, aproximou-se do rival.

Perder a espada o obrigou a mudar de estratégia: antes ele se mantinha longe, a fim de cansar o outro. Agora ele lutava perto o bastante para que Cérberus não conseguisse manusear sua lâmina com precisão.

O Cavaleiro Templário não entendeu muito bem a razão de o Assassino passar a enfrentá-lo de mãos nuas. Todavia, continuou combatendo com fúria.

Ettore bailava ao redor dele, desviando-se com frieza dos golpes que o buscavam, encaixando um soco poderoso sempre que era possível.

Tinha estudado os padrões do outro. Os movimentos aos quais ele mais recorria. A posição mais frequente do braço armado, o lado que geralmente descia a espada ao atacar.

Em dado momento, quando Cérberus abaixou ao estocar, o Assassino encontrou uma brecha para agir.

Deu um passo para o lado.

Esperou que a mão armada do adversário avançasse, esquivou-se com um gesto fluído e só então contraiu a musculatura de seu pulso esquerdo.

Tudo aconteceu num piscar de olhos.

Um clique seco.

A lâmina oculta saltou rebrilhando.

Com precisão cirúrgica, Ettore realizou um movimento quase imperceptível a olhos humanos e cortou os tendões do punho do inimigo, inutilizando imediatamente sua destra.

Com um brado horrendo de agonia, Cérberus deixou cair a espada, sobre a qual sua musculatura não tinha mais controle. Segurou pateticamente o pulso ensanguentado. 

Ettore investiu contra ele, pronto para aniquilá-lo, mas o Templário o afastou brutalmente com um pontapé. Era duro na queda. Não se entregaria tão facilmente. Parecia um leão ferido acuado.

Com o sangue a gotejar de seu punho direito inutilizado, o homem recuou dois passos para contemplar seu oponente com desprezo.

— Preste bastante atenção no que vou dizer agora. — o Templário se livrou primeiro da capa, sem tirar os olhos de Ettore — Você não vai me matar. Está me entendendo? NÃO PODE ME VENCER!

Ao falar, a voz do Cavaleiro era fria e sibilante.

Seus olhos estavam injetados e seu rosto transformara-se numa máscara desfigurada de ódio. O próprio retrato da loucura.

— Não compreendo a razão de tamanha raiva. — retrucou Ettore, perturbadoramente sereno — Você matou meu melhor amigo, bastardo. Quid pro quo. Só estou retribuindo o “favor”.

— Já derramei o sangue de incontáveis Mestres Assassinos, todos extremamente experientes e perigosos. — o Cavaleiro estava desafivelando o cinturão, pouco antes de se livrar também do peitoral da armadura — Então não será um garoto fedendo a leite, um mero Assassino, que porá fim à minha vida.

Ao despir-se de sua armadura, Cérberus estava compenetrado. Dava a impressão de falar mais consigo mesmo do que com Ettore propriamente. Jazia confinado em seu próprio mundo: o dos homens que simplesmente não aceitam a derrota.

Ettore sabia exatamente o que o outro planejava; desfazia-se da armadura a qual, apesar de protegê-lo, reduzia sua mobilidade devido ao peso e formato das peças.

Permanecendo somente com a cota de malha e algumas peças protetoras feitas de couro, o Cavaleiro Templário usou a mão esquerda para empunhar uma belíssima Cinquedea.

A Cinquedea (do italiano “cinco dedos”) era o nome dado a uma adaga grande (ou espada curta), chamada assim justamente pela largura de sua lâmina, que era de cinco dedos – aproximadamente dez centímetros. Ágil e dotada de uma base resistente que podia ser artisticamente trabalhada, essa arma era uma das mais populares e mortais da época.

Empunhando a adaga, Cérberus posicionou-se meio de perfil para Ettore, mantendo a mão inutilizada e ensanguentada atrás de si.

O Assassino já esperava por algo assim. Contava, inclusive, que o Templário fosse ambidestro, mas percebeu que não era o caso. Cérberus era destro e, embora manejasse a adaga habilidosamente com a mão esquerda, nem se comparava à perícia demonstrada ao lutar com sua mão boa.

Encaminhando-se para o final, o confronto se tornava ainda mais letal, uma vez que a luta decisiva agora se daria por proximidade. Mais do que antes, não permitiria erros.

O espectro da morte deveria estar em algum lugar ao redor, aproximando-se a passos lentos, arrastando solenemente sua enorme foice.

O Templário segurava a adaga de forma invertida, não como quem maneja uma espada, mas como quem está prestes a entrar numa briga de facas. Posicionou a lâmina para baixo, adquirindo assim maior liberdade e amplitude de movimentos, especialmente na hora de apunhalar.

Com a folha de aço na horizontal, Cérberus investiu rugindo.

A lâmina oculta de Ettore ainda estava se projetando do bracelete esquerdo, e foi com ela que o rapaz travou o primeiro golpe. Após tilintar no encontro do metal contra o metal, que gerou pequenas faíscas, a Cinquedea girou velozmente, descrevendo um arco mortal em direção ao coração do Assassino.

Movendo o pulso, Ettore desviou a lâmina adversária para o lado e se adiantou, usando o ombro para repelir Cérberus.

O Templário tropeçou nos cadáveres dos ladrões espalhados e quase caiu, recompondo-se em seguida, bem a tempo de aparar a lâmina oculta a centímetros de seu rosto.

Ettore avançou, estocando reto mais uma vez com a lâmina, mirando o estômago do oponente, que se esquivou, dando um passo largo para a direita, desferindo um golpe poderosíssimo descendente.

O Assassino ainda escapou de boa parte da estocada, evitando que a lâmina afiada de cinquenta e sete centímetros de comprimento se enterrasse em sua primeira vértebra, bem na base da nuca. Se atingisse o alvo, o golpe seria mortal.

No entanto, para livrar o pescoço da punhalada, ele rangeu os dentes quando a adaga cravou fundo em seu ombro, dilacerando sua omoplata. Um uivo doloroso brotou de sua garganta. O sangue quente fluiu do novo e cruel ferimento.

Dando-se conta de que Cérberus retirara a lâmina de sua carne e estava prestes a repetir o golpe, alvejando dessa vez sua nuca ou enfiando-lhe a adaga até o cabo ornado exatamente entre suas costelas, Ettore se jogou agilmente para frente, rolando pelo chão forrado de corpos e parando metros adiante, meio ajoelhado.

Resfolegava.

Sangue e suor pingavam de seu corpo.

Aparentava exaustão.

Estava acabado. 

Pela posição que assumira, provavelmente resignara-se a seu destino.

Assemelhava-se a uma ovelha prestes a ser abatida.

Sem demora, Cérberus, extremamente ferido, cambaleou até o adversário, tomado pela ira e pela ânsia de vê-lo morto.

Alcançando-o, levantou a Cinquedea, mirando as costas do jovem Assassino.

Começou a desferir o golpe de misericórdia, abaixando-se, o braço levantado.

E então entrou em choque.

No último instante, Ettore se erguera rapidamente e estocara sua axila, a qual Cérberus expusera ao golpear de cima para baixo. Erro de amador, causado por seu orgulho. No momento crucial fora descuidado. A axila fica totalmente desprotegida por qualquer tipo de armadura.

E justamente por ali passam vasos sanguíneos essenciais.

A compreensão entrou em si tão dolorosamente quanto o frio do aço.

Arregalou os olhos.

Sentiu uma fisgada excruciante quando a lâmina oculta perfurou suas carnes e girou, dilacerando artérias e veias, atravessando costelas, procurando o coração avidamente.

Ettore olhava dentro de seus olhos enquanto o apunhalava mortalmente. Pareciam dois amigos abraçados.

O sangue jorrava fartamente da ferida fatal.

As pernas de Cérberus vacilaram, mas Ettore o amparou, ajudando o moribundo a se deitar de costas.

— Não pode ser... — foi a última coisa que o lendário Cavaleiro Templário italiano conseguiu dizer.

Requiescat in pace, pezzo di merda! — rugiu Ettore entre dentes, dessa vez afundando com raiva a lâmina tinta de sangue no pescoço do inimigo.

Estava tudo terminado.

Ainda teve a consideração de fechar os olhos vidrados do morto.

Só então se deu conta do cansaço e da fraqueza que o dominavam.

Com as vistas ligeiramente turvas, virou a cabeça ao ouvir um tropel, apenas para contemplar Ezio se aproximando a galope em um esplêndido cavalo de pelo castanho.

 — Os líderes dos Cento Occhi estão todos mortos. — reportou, lacônica, a voz de barítono do Mestre — Arranquei de Vincenzo a informação de que estariam praticando equitação nas arenas do Circo Massimo.  Os rastreei até lá e dei seu sangue de beber para minha lâmina.

Ettore assentiu. Lembrou-se então de algo:

— E quanto a Vincenzo?

O semblante de Ezio se tornou sombrio.

— Não tem mais que se preocupar com ele. Foi para onde todos os traidores deveriam ir.

Ettore voltou a assentir, dessa vez com um ar grave.

— Que descanse em paz então.

— Que descanse em paz. — repetiu o Mestre Assassino sem nenhuma emoção ou convicção.

Olharam em volta com ar de enfado.

— Parece que o trabalho aqui está terminado também. — comentou Ezio dedicando um olhar curioso ao cadáver de Cérberus circundado por uma imensa poça de sangue e estendido junto ao dos Ladrões dos Cento Occhi.

— Sim, mentore. Agora o espírito de Stefano Michele pode finalmente descansar. Tivemos nossa vingança.

— A vingança é importante, mas não é tudo. — advertiu o Mestre, professoral. — Com o tempo você aprenderá isso. Agora recolha a espada do Templário morto. Vamos expô-la em local de destaque de nosso esconderijo, para que todos saibam que nosso irmão foi vingado. Tenho certeza de que se alegrarão com a notícia.

Sí, maestro. Também pretendo levar a Cinquedea dele como meu espólio de guerra. Será um troféu muito útil.

Ezio concordou:

Va bene, figlio. Faça isso logo e vamos para casa. Precisamos cuidar desses seus ferimentos.

Cinco minutos depois galoparam de volta, deixando para trás aquele remoto campo de morte em algum canto esquecido de Roma.

Em pouco tempo os corpos atrairiam abutres.


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Notas finais do capítulo

Traditore: traidor.

Por favor deixem um review para eu saber o que acharam da vingança de Ettore.

Nos vemos em quinze dias!!!



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