O Conto da Piedade escrita por Glasya


Capítulo 7
Capítulo VI — Seguindo em Frente




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No dia seguinte, Chara acordou bem cedo. Mesmo em sua confortável cama nova, o sono de Chara nunca era realmente calmo; há anos era assombrada por pesadelos que lhe tiravam toda a energia que deveria recuperar durante a noite. Lavou o rosto e rumou para a cozinha, onde Toriel já preparava o café ao som de uma suave música.

— Bom dia, meu bem! Eu não esperava que levantasse tão cedo… Vou preparar algo pra você.

— Eu nunca precisei dormir muito. — A menina retribuiu o sorriso de Toriel. Não comentaria nada a respeito dos pesadelos, já havia se mostrado louca o suficiente. — Por que sempre para de dançar quando eu chego?

— Ora, não quero fazer papel de ridícula. — Toriel disse, timidamente. Se virou de costas para a garota, separando ingredientes para o preparo do café da manhã de Chara.

— Você não é ridícula. Pelo contrário, dança bem… Só precisa melhorar a base. Tenta ficar com os pés alinhados aos ombros…

A menina se levantou para demonstrar, e ambas acabaram por ensaiar alguns breves passos. Toriel observava com admiração os movimentos da humana, ora leves e graciosos, ora ágeis e rápidos.

— Você dança muito bem! — Aplaudiu a cabra, sorrindo. — Será que um dia chego nesse nível?

— Hã? Ah, que nada, minha irmã andou me ensinando mas eu nem sou tão boa. Você me supera fácil.

— Olha essa falsa modéstia… — Toriel ri, voltando-se para sua culinária novamente.

— Não é falsa modéstia, é verdade… Ah, não precisa preparar nada, de manhã eu só tomo café mesmo.

— Crianças bebem café hoje em dia? Os tempos mudaram mesmo… — Toriel serviu a ambas o café, e aumentou um pouco o volume da música.

— Obrigada, “vovó cabra”. — Chara pegou sua xícara e soprou o líquido antes de beber.

— “Vovó”... Que audácia, eu não sou tão velha assim! — Toriel deu outro de seus risinhos nervosos. — Saiba que se meu filho estivesse vivo, ele seria só um pouco mais velho que você!

Toriel ficou em silêncio ao perceber o que acabara de falar; ela não conseguia acreditar que simplesmente falara da morte de seu filho em uma conversa casual. Chara ainda falava alegremente, mas o som não chegava aos seus ouvidos. Era como se mundo ao seu redor tivesse parado, e naquele momento só existia ela e sua culpa. “Como eu pude trair a memória dele dessa forma…?” — A culpa batia com força em seu coração, e seus golpes o quebravam em mil pedaços. — “Todos os seus filhos estão mortos, e você dá risinhos sobre isso?”

— Toriel? — As mãos de Chara gentilmente tocam as suas sobre a mesa.

— Meus filhos morreram ambos na mesma noite… E foi como se o mundo de repente desmoronasse à minha volta. Eu me senti… Quebrada… Como se uma parte de mim tivesse morrido com eles. — As lágrimas rolavam pelo rosto de Toriel, ensopando o colo de seu vestido. — Me sentia só, mesmo rodeada de pessoas dispostas a cuidar de mim. E apesar de me sentir sozinha, ao mesmo tempo eu não queria falar com ninguém, ver ninguém. Tudo me parecia tão estranho e fora do lugar… Eu não conseguia entender como o mundo poderia ser tão injusto… Eu preferia que me arrancassem um membro a ter um de meus filhos tirados de mim dessa forma…

— Eu sei como é perder alguém que amamos. — A menina pôs-se a enxugar as lágrimas da cabra com as mangas do vestido. — Eu perdi minha mãe quando ainda era um bebê. Perdi meus amigos na guerra, e o meu pai também. Não sei o que houve com a minha irmã, mas por mais que eu queira acreditar que ela está viva, eu sei que as chances são pequenas. Eu sei que às vezes, quando pensamos nessas pessoas que perdemos, a gente começa a achar que seria melhor se tivéssemos ido no lugar deles… Mas com certeza se tivéssemos ido eles pensariam a exata mesma coisa… Eles não iam gostar de nos ver assim. Eles iriam querer que fôssemos felizes, que seguíssemos em frente.

— Eu sinto muito. Nenhuma criança deveria passar por isso, querida. Nenhuma. — Toriel a abraçou com firmeza contra o peito, quase tirando-lhe o ar. — Tão nova, e já tão sábia…

— Eu só repeti o que minha irmã costumava me dizer… E o que ela me disse antes de a gente se separar. Ela me disse: “siga sempre em frente, não importa o que aconteça, porque qualquer coisa à nossa frente é melhor do que aquilo que deixamos pra trás”. Eu meio que tô tentando seguir esse conselho…

— Sua irmã era muito sábia, e você certamente herdou isso dela. — Toriel acariciou gentilmente o cabelo da garota, beijando o alto de sua cabeça. Aquelas palavras aqueceram seu coração de um modo que poucas outras já conseguiram. — Você é uma menina muito especial, Chara…

 


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