O Conto da Piedade escrita por Glasya


Capítulo 3
Capítulo II — A Queda




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A queda não foi nada bonita; o corpo da humana se arrastou na terra e colidiu com várias pedras antes de finalmente atingir o solo. Por reflexo, ela estendeu os braços na tentativa inútil de amortecer o impacto, e tão logo o vazio da caverna foi preenchido pelo eco do estalar de um osso se quebrando seguido por vários gritos e um choro desesperado.

A dor era praticamente insuportável, fazia sua cabeça girar a ponto de achar que iria desmaiar a qualquer momento. A escuridão impedia que enxergasse meio palmo à frente dos olhos, e a baixa temperatura do solo úmido debaixo de seu corpo parecia acentuar a dor. Além de seus próprios soluços, o único som a ser ouvido na caverna era o de um fraco porém constante gotejar de água em algo sólido.

Sobressaltou-se com uma voz feminina que vinha de seu bolso — por um milagre, o antigo celular ainda estava inteiro e provavelmente os impactos consecutivos o fizeram discar para algum número salvo.

— Q-quem…? — A dor era intensa demais para que ela formulasse frases complexas.

A voz do outro lado da linha falava ininterruptamente, mas a dor e a má qualidade da ligação tornava impossível compreender o que era dito.

— Argh… Meu braço… Dói muito… — A humana pressiona seu braço quebrado contra o corpo, mas a dor parece apenas piorar a cada instante.

A voz ao telefone perguntava algo, provavelmente sua localização, mas estava escuro demais para dar uma descrição precisa do local.

— Eu não sei… Tá tão escuro… — O celular desligou sozinho. Estava sem bateria.

— Eita! Eu já vi muitas quedas ruins na minha vida, mas a sua foi simplesmente uma CATÁSTROFE. — Uma flor acabava de brotar do chão, e abria suas pétalas amarelas próximo à jovem.

Com a visão um pouco ajustada à escuridão, a humana podia ver que havia caído sobre um tapete de flores amarelas iguais àquela que lhe falava, mas nenhuma delas parecia ter uma consciência. Por um instante, achou que estava vendo coisas, delirando por causa da dor, até ouvir a flor falar novamente:

— Olá! Eu sou Flowey! Flowey, a flor! Eu sei que você não pode me ver, mas vamo’ lá… — Flowey estreita os olhos, encarando a jovem. — Uau. Você se parece um bocado com o último humano que caiu aqui. A diferença é que ele não acabou todo fudido, hahahaha…

— Vai à merda… — A humana tentou se levantar, mas suas pernas estavam fracas e machucadas pelas pedras.

— Tsc, tsc, tsc. Que feio. Tão novinha, já xingando? Alguém lá em cima ficaria muito desapontado se te visse agora. ‘Peraí! — A planta se retesa em surpresa. — Você pode me ouvir? E me ver?!

A humana decidiu ignorar a flor, que sorria em uma estranha satisfação, e resolve gritar por ajuda. Mas ninguém veio.

— Não adianta, essa parte das ruínas ‘tá abandonada. Ninguém vem aqui desde que aquele humano estúpido foi embora.

Finalmente conseguindo se pôr de pé, a humana andava a passos curtos, escorada na parede de pedra, mesmo não sabendo exatamente pra onde ir. Ao ver que a humana se afastava, a flor desabrochou na sua frente outra vez.

— Qual seu plano? Andar por aí em círculos, arrastando os pés pela caverna esperando chegar em algum lugar?

— Alguma idéia melhor? — A garota suspira. A dor já lhe trazia incômodo o suficiente, não precisava de uma flor falante.

— Claro que não. VOCÊ é a humana caída aqui, é você quem tem que ter as boas idéias. Eu não posso fazer seu trabalho por você.

— Me deixa em paz… Vai fazer fotossíntese em algum lugar, sei lá, só some daqui!

— Hahahaha! — Riu a flor. — Mas que abusada! Isso vai ser hilário! Nah, você não se parece nada com Frisk, aquele cuzão. Você tem muito mais culhões!

— “Frisk”? Olha como fala do meu pai! E como uma flor falante conhece ele?!

— “Pai”? Nossa, aquele energúmeno era MESMO um cara? Agora sim, ‘tô chocado. — O ar condescendente de Flowey começava a fazer o sangue da jovem ferver.

— Como você conhece o meu pai? — Indagou a garota, o mais duramente que a dor lhe permitia.

— Sério que ele nunca te falou sobre mim? Nunca, nunca, nunquinha?

— NÃO.

— Ha! Por que ainda ‘tô surpreso? Já era de se esperar. O covarde fugiu em pânico assim que me viu, porque era um fracote.

— Hum, é mesmo? — A humana revirou os olhos.

A flor fazia uma careta estranha; seus pequenos lábios se contorciam no que talvez devesse ser um sorriso maléfico, e seus olhos se arregalavam em uma tentativa de parecerem ameaçadores. Talvez achasse a expressão assustadora se não estivesse em uma pequena flor fofa.

— Mas o que que é isso? — Mesmo com dor, rir daquela situação foi inevitável.

— ‘Tá rindo DE QUÊ? — Perguntou Flowey, indignado.

— De você tentando parecer malvada. Pra mim só parece mais irritante… Uma pena, você tinha tudo pra ser fofinha.

— É O QUÊ?! — A flor estava furiosa. — Eu não estou “tentando parecer” nada! Eu poderia te matar agora mesmo se eu quisesse! E EU SOU HOMEM!

— Hahahaha! Ai, sério? — Fez uma pausa na risada. — Flores têm gênero?

— Sei lá se flores têm gênero, MAS EU TENHO!

O ressoar de passos pesados e apressados interrompeu a conversa. Uma enorme silhueta se destacava na escuridão do local, correndo em sua direção. A humana deu um passo inseguro para trás, colando suas costas contra a rocha úmida, tentando conter um grito de pavor ao ver o monstro se aproximar, ofegante. A menina se acalma um pouco ao ver a criatura se ajoelhar e estender as grandes patas enfaixadas para ela, mas ainda assim se encolheu, com medo.

— Sério isso? Você tá com medo DELA, e não de MIM? — A frustração da flor pareceu atingir seu limite. — Tá de sacanagem com a minha cara ou você é só MUITO BURRA?

Não estava simplesmente com medo, estava em pânico, paralisada. Aquilo não era uma flor falante, era um animal branco enorme, que facilmente media mais de dois metros de altura, com patas maiores que a sua cabeça. Usava trajes longos na cor roxa, com um símbolo desenhado no peito: três triângulos brancos encimados por um círculo alado da mesma cor.

Não conseguia tirar seus olhos dos da criatura, que não parecia ver ou ouvir Flowey, ou ao menos não lhe prestara atenção. Esta última seria pouco provável, uma vez que a flor fazia questão de se fazer notar. E por aqueles breves momentos de tensão e medo que lhe pareceram uma eternidade, só conseguia se perguntar se aquela seria a sua última visão.

 


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Notas finais do capítulo

É, eu faço um capítulo estupidamente maior que o outro, perdoa a esquizofrenia literária e não desiste de mim kkkkkk



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