O Conto da Piedade escrita por Glasya


Capítulo 20
Capítulo XIX — A Lança da Justiça


Notas iniciais do capítulo

Após quase um mês sem poder escrever (entre falta de internet e crises depressivas), finalmente editei e postei o capítulo. Desculpa, vou tentar não deixar mais a história cair em hiatos tão grandes... Sei que é decepcionante, especialmente por um capítulo tão curto. Acreditem, eu também me frustro muito quando não posso ou não consigo escrever...



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Alguns dias se passaram desde que Chara chegou ao palácio. Agora quase completamente curada, a jovem passava a maior parte do tempo com o rei nos belíssimos jardins do palácio, tomando chá e ouvindo-o tocar piano¹. Diferente de Toriel, Asgore parecia bastante à vontade para falar de sua vida antes da tragédia que acometeu sua família, especialmente sobre seu casamento com Toriel. Mesmo tantos anos após a fuga de sua esposa, Asgore não fazia questão de esconder o quanto ainda a amava. Se culpar parecia ser uma constante na vida do rei, e pedir desculpas excessivamente era quase um vício.

Asgore não podia estar mais feliz pela companhia; fazia muito tempo desde que o bode tivera com quem conversar, e era um ótimo ouvinte. Escutava atenciosamente às histórias que a jovem contava sobre sua vida na superfície e sua convivência com o pai e a meia-irmã. Quanto mais as semelhanças entre a humana e sua filha se tornavam evidentes, mais Asgore se apegava à ela, e mais difícil lhe parecia a ideia de devolvê-la à Toriel.

Uma promessa era uma promessa, no entanto. E o rei havia prometido que a levaria de volta às ruínas assim que ela se recuperasse completamente, e assim o faria. Pensou em tentar mantê-la no castelo enganando-a sobre seu estado de saúde, mas sabia que nunca daria certo; a menina não era idiota, e mais cedo ou mais tarde iria começar a questioná-lo sobre isso, e não desejava perder sua confiança justo agora que começava a conquistá-la.

— Outra ideia estúpida… — O rei bebeu um grande gole de seu chá. Havia passado mais uma noite em claro e agora sentava-se em seu jardim, assistindo as luzes artificiais do reator principal do subsolo se ascenderem para demarcar o início de um novo dia. Aquele era o único Sol que os monstros viam há mais de mil anos.

Uma súbita corrente de ar carregou um cheiro conhecido às suas narinas: cheiro de fúria, atravessada pela mágoa. Uma fúria bem conhecida, por sinal; ele tomou outro gole de chá, desta vez acabando com o conteúdo da xícara, e a depositou no braço da cadeira ao seu lado.

Respirou fundo ao ouvir o som dos pesados passos de armadura no corredor, e aguardou pacientemente enquanto os guardas da porta eram nocauteados, ainda fora de seu campo de visão.

A porta se abriu com um estrondo, e um guarda entrou voando por ela, indo parar do outro lado do jardim, inconsciente. De pé no centro da passagem estava Undyne, com o elmo fechado e sua lança apoiada sobre um dos ombros.

— REI ASGORE! EU VIM PRA-

— Eu sei o que você veio fazer. — Asgore cruzou os dedos sobre a barriga, despreocupado. — Vá em frente.

— HOJE SERÁ O SEU- ‘Péra, o que?

— Sabia que chá de flor dourada fica melhor com vodka? — Asgore se levantou, ajeitando o cinto ao redor da cintura.

— PERDEU A NOÇÃO, VELHO? EU VIM AQUI PRA TE MATAR!

— Eu sei. Já disse pra andar logo com isso.

Asgore encarou sua pupila. Algo nos olhos do rei fez Undyne recuar alguns passos. Parecia uma vontade genuína de morrer.

— Você… Só pode estar bêbado…

— Não tô, não. Eu parei. Sabe, Alphys era minha fornecedora, mas como vocês resolveram que queriam me matar, então não tenho mais onde arrumar bebida.

— Ha! Eu não vou bater em um monstro bêbado! Eu ainda tenho honra! Eu volto quando você estiver sóbrio, velho.

— Eu estou sóbrio. Você só está arrumando uma desculpa para fugir de mim.

— FUGIR DE VOCÊ?! ATÉ PARECE! Te derrubei uma vez, posso fazer de novo, e de olhos fechados!

— Então o que tá esperando?

— GRRR! Você é TÃO…! Quer saber, que se foda! Você quer lutar, então VAMOS LUTAR!

A amazona entrou em guarda, girando sua lança entre as mãos antes de bater a base de sua haste com força no chão, congelando a arma e parte do solo ao seu redor.

— Antes de começarmos… Eu queria dizer que sinto muito.

— É TARDE DEMAIS PRA SENTIR, DREEMURR! VOCÊ VAI PAGAR PELAS SUAS MENTIRAS! EU VOU TRIUNFAR ONDE VOCÊ FALHOU! OS MONSTROS FINALMENTE SERÃO LIBERTOS, E EU VOU SER AQUELA QUE VAI SALVAR A TODOS DA MISÉRIA!

— Oh. Parece que andou praticando bastante esse discurso… E a sua determinação é realmente comovente, não é à tôa que tem uma boa quantidade de gente te apoiando. E você tem razão, eu menti. — O rei disse, com uma paciência quase apática. —  Mas você chegou a se perguntar o por quê?

— Eu não vou cair nos seus joguinhos! EM GUARDA! NNNGGGAAAAAAAAAHHH! — Undyne lançou-se ao ataque, mas um tridente flamejante se ergueu do chão e o rei o alcançou com as mãos, girando-o e bloqueando o golpe de Undyne. A amazona recua, desviando-se do golpe do rei e preparando-se para contra-atacar.

— Não aja como se não lembrasse do que aconteceu com Asriel. — Asgore tornou a falar. — Acha que seria diferente com qualquer outro?

— O garoto tava sozinho, nós temos um exército!

— Assim como tínhamos durante a guerra. Um bem maior, inclusive. Seu pai foi o general mais poderoso e determinado que já tivemos, e nem ele escapou a esse destino…

— NÃO OUSE FALAR DO MEU PAI!

Com um giro de sua lança, Undyne avança contra o rei, conjurando várias lanças no processo. A idéia era lançar um ataque total, cercando Asgore por todos os ângulos, mas o monarca bate furiosamente a base de seu tridente no chão, gerando uma parede de fogo que o envolve e se expande, destruindo completamente as lanças mágicas de sua aprendiz.

— O homo sapiens não é uma espécie dócil, Undyne. Um único humano, se isolado dos demais, pode até ser domesticado… Dez humanos podem ser contidos… Cem humanos juntos fazem uma chacina sem motivo algum.

— ENTÃO ESSE É O MOTIVO DA MENTIRA? COVARDIA?! MANTEVE TODO MUNDO PRESO AQUI ESSE TEMPO TODO PORQUE TEM MEDO DOS HUMANOS??

Undyne ataca repetidamente o rei, que bloqueia seus golpes até conseguir travar a lança da mulher-peixe entre os dentes de seu tridente.

— EU QUIS EVITAR NOSSO EXTERMÍNIO! Os humanos temem o que não conhecem e odeiam o que não compreendem, Undyne! Sempre foi assim!

— NÃO SE ATACARMOS PRIMEIRO! MATAMOS TODOS ANTES QUE SAIBAM O QUE OS ATINGIU!

— NÃO É ASSIM QUE FUNCIONA, UNDYNE!

Asgore gritava a plenos pulmões, mas a amazona simplesmente não estava disposta a escutar. Por mais devastadores fossem seus golpes, Asgore simplesmente se recusava a reagir; limitava-se a bloquear e recuar, uma vez que sabia perfeitamente que Undyne não pararia até estar inconsciente, talvez nem mesmo assim, e Asgore jamais poderia se permitir ferir alguém a quem ele considerava uma filha. Preferia morrer.

De repente, um clarão seguido pelo ruído estrondoso de um trovão interrompe os choques de metal contra metal, e a amazona vai ao chão. Surpreso, o rei levanta os olhos para ver do que se tratava; de pé no lugar onde estava Undyne se encontrava Chara, com uma maça de metal em mãos e um olhar desesperado em seu rosto.

— Ai. Meu. Deus. Que foi que eu fiz? — A menina soltou a maça, provavelmente retirada de uma das armaduras que ornamentava o salão principal. A jovem tremia e andava ao redor de Undyne, inquieta. O rei se ajoelhou e examinou sua pupila de perto; havia levado um forte golpe na nuca. O elmo a protegera de um dano grave, mas estava inconsciente.

— Não se preocupe, ela está bem… Só vai ficar com um galo enorme. — Inferiu Asgore, após um rápido exame de sua aprendiz. O rei então olhou para a menina e depois para a arma usada. Aquela maça pertencera a seu avô, e lhe parecia impossível que um humano a erguesse com tanta facilidade, e ainda mais impossível que uma humana tão franzina quanto Chara pudesse nocautear Undyne com um único golpe.  — Você bateu com bastante força… Impressionante.

— D-desculpa, me desculpa mesmo, e-eu não pensei direito, eu só vi ela ali, né, e ela tava te atacando, e você não tava reagindo, né, aí eu vi essa maça, a-aí, aí eu, e-eu…

— Calma, já disse que ela vai ficar bem, deve acordar logo. Você já recebeu algum tipo de treinamento antes? Ou descobriu alguma aptidão mágica?

— Oi? — Chara estava pronta para ser expulsa do castelo, mas o rei de alguma forma parecia impressionado com sua façanha. — Hum… Não… Não tem magia na superfície.

—  Tem magia em todo lugar. Os humanos só não sabem disso. — O rei ergueu Undyne em seus braços, e tornou a olhar para a arma no chão. — Aquela maça pertencia ao meu avô, Trigore Dreemurr III. Além de ser uma arma mágica, me parece pesada demais pra um humano.

— Sério? Nossa… Ela nem pareceu tão pesada assim… Deve ter sido o calor do momento, né?

— Eu duvido.

— Como assim?

— Vem comigo, eu te explico. Só vou colocar Undyne em um quarto, ela precisa repousar…

Chara assentiu com a cabeça e seguiu Asgore pelo palácio. O rei depositou a amazona em uma cama e sentou-se ao seu lado, ajeitando um travesseiro sob sua cabeça.

— Humanos não podem usar magia pura, como nós usamos… Eles precisam de objetos para isso. Alguns humanos são capazes de usar artefatos mágicos, como relíquias, amuletos… Ou armas. Coisas que canalizam a magia para que o corpo dos humanos possa resistir à ela. Há um tempo atrás, antes da guerra que separou os humanos dos monstros, o meu pai financiou uma pesquisa que visava saber mais a fundo sobre esses humanos especiais e de onde vinha sua capacidade de utilizar objetos mágicos… Mas com o advento da guerra o cientista real morreu, o doutor Gaster assumiu seu lugar e a pesquisa foi eventualmente interrompida. Quando a guerra acabou, a maior parte dos arquivos tinha se perdido, e os que remanesceram estavam irrecuperáveis. Uma pena, na minha opinião. — Asgore fez uma pausa, olhando para o nada, perdido em suas reminiscências por alguns momentos. Respirou fundo e voltou a falar. — Aquela maça… As histórias contam que meu avô subiu até as nuvens e lá a forjou, colocando dentro dela o poder dos trovões. Na verdade ele só pegou uma maça qualquer e encantou com magia elétrica, mas quando eu era criança eu amava essas histórias. — Sua expressão se suavizou em um sorriso sob a densa barba loira. — E bem, as armas da família sempre tiveram um valor especial para a nobreza guerreira… Essa maça entrou pra história. Mas eu estou divagando, não estou? Haha… Eu acabo fazendo muito isso, me perdoe. Sempre fui meio distraído…

— Está tudo bem, eu na verdade gosto das suas histórias. —  Chara sorriu educadamente, mas estava apreensiva e extremamente curiosa a respeito desses artefatos mágicos. Não que tivesse esperanças de se tornar uma maga, já estava claro que humanos não poderiam conjurar magias como os monstros, e a própria Toriel havia sido bem categórica quanto a isso; mas a possibilidade de utilizar uma arma mágica enchia a menina de um misto de ansiedade e esperança. Seriam seus sonhos infantis tornando-se realidade.

— Vamos começar seu treinamento amanhã mesmo, o que acha?

— Sério? —  A menina abriu um sorriso. — Você acha mesmo que eu levo jeito?

— Claro! Pela forma como dança você já é bem ágil, e conseguiu ativar uma arma mágica de primeira! Isso é meio caminho andado. Além disso, você nocauteou minha melhor aprendiz em um único golpe!

Chara abraçou o rei, apertando-o e agradecendo-o o máximo que podia. Pelo canto dos olhos viu Undyne se mover lentamente, fazendo uma careta de dor. O coração da humana deu um salto, e mesmo que o rei lhe pedisse o contrário, a menina não estava disposta a permanecer no quarto quando a amazona acordasse… Não após tê-la nocauteado com uma maça. Sabia o suficiente sobre Undyne para saber que ela não deixaria a ofensa simplesmente "passar", e duvidava que tivesse tanta sorte em um combate direto sem o devido treinamento. Antes que a amazona estivesse totalmente acordada, Chara já havia sumido nos corredores.

 


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