O Conto da Piedade escrita por Glasya


Capítulo 19
Capítulo XVIII — O Passado Que Não Quer Passar


Notas iniciais do capítulo

Capítulo meio "inútil", talvez eu o remova no futuro, quando eu voltar nessa fic e pensar "meudeuduceuqueisso?", mas como já tinha escrito mesmo, decidi postar. Próximo capítulo quase pronto, posto em breve.



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“Você promete, Asriel?” — A menina ergueu seus suplicantes olhos vermelhos ao monstro branco. — “Promete que me leva lá de novo…? Eu queria ver as flores da minha vila mais uma vez…”

“Eu prometo… Chara…” — O príncipe Asriel responde, com lágrimas a descer-lhe pelo rosto, enquanto erguia o frágil e debilitado corpo da humana nos braços e o carregava para fora da caverna.

Depois, houve sangue. “Matem o monstro!” — Gritavam alguns homens. — “Ele matou aquela menina!”

“Não!” — Tentou dizer, mas as palavras não saíam de sua boca. A voz morria em sua garganta, e sua visão se escurecia conforme os homens se aproximavam, com armas em punho.

Asriel virou-se, debruçando-se sobre ela, protegendo-a dos tiros vindouros. “Não… Não! Asriel, reaja! Não deixe eles te ferirem!” — Sabia que o outro tinha poder para salvar a si mesmo. Mas por que ele não o fazia? O que o impedia? — “Asriel… Está ferido…”

“Vou cumprir minha promessa…” — Ele dizia, adentrando a floresta e subindo a colina a passos incertos; apesar de terem despistado os homens, não demoraria até que viessem em seu encalço, e com reforços, mas o monstro não parecia preocupado. Sob as estrelas de um límpido céu de uma noite de primavera, Asriel Dreemurr cumpria uma última promessa à sua amada irmã: deitou a jovem sobre as flores amarelas de que tanto sentia falta, e segurou sua mão em seus últimos momentos.

“Asriel… O que foi que eu fiz…?” — A menina chorava, repousando debilmente uma mão sobre os ferimentos de seu irmão. Tentou fazer-lhe pressão, mas estava fraca demais até mesmo para isso.

“Você me salvou. Se não fosse por você, eu nunca veria isto…” — O jovem monstro apontou para o céu acima de suas cabeças e sorriu. — “É como um sonho…”

“Asriel… Você tem que ir… Rápido…”

“Não vou te abandonar…”

“Por favor… Vá… Por mim…”

Asriel a encarou em silêncio por alguns momentos. Podia ouvir os gritos de ódio e o farfalhar das folhas secas se quebrando sob os pés dos homens que o perseguiam até ali. Respirou fundo e deu um último beijo em sua irmã; uma sensação estranha tomou seu corpo quando seus lábios se tocaram, como se um pequeno nó que havia há eras em sua garganta de repente se desfizesse. Asriel sempre fora conhecido por chorar demais, mas desta vez ele não chorava. Em seu coração havia apenas paz.

“Eu te amo, Chara.” — Disse, mesmo sabendo que ela não podia mais ouví-lo. Levantou-se e se pôs a correr de volta para casa, deixando um rastro de sangue atrás de si.

Chara acordou num sobressalto, suando e tremendo, com a voz suave do príncipe Asriel ainda ecoando em sua mente. Costumava ter sonhos vívidos, mas nenhum tão realista e coerente quanto esse.

Levantou-se da cama correu para o banheiro. Abriu a torneira da pia e molhou as mãos antes de passá-las em seu rosto. Como de costume, olhou-se no espelho, e por um instante não se reconheceu. Um arrepio subiu-lhe a espinha quando viu refletida não a sua imagem, mas sim a da princesa Dreemurr, com seus olhos vermelhos e pele pálida. Trêmula, jogou uma grande quantidade de água fria em seu rosto. Mesmo temendo o que poderia avistar, voltou a se olhar no espelho, e para seu alívio não havia nada além do reflexo de si mesma. Pegou uma toalha e enxugou o rosto.

— Cacete... De onde veio isso? Acho que essa história mexeu comigo… — Disse, ainda com o rosto na toalha, abafando sua voz.

Pôs a toalha de volta no lugar e retornou ao espelho; tocou o pingente com as pontas dos dedos, pensando em como era parecida com a filha dos Dreemurr, para além do nome… E era hora de mudar isso.

Correu para o quarto e vasculhou as gavetas até encontrar o que queria: uma tesoura. Era longa, pontiaguda, e bastante afiada. Correu de volta para o banheiro, se colocando em frente ao espelho, e agarrou uma mecha de seu cabelo. Colocou-a entre as lâminas da tesoura, e respirou fundo.

Seu coração pareceu parar quando a primeira madeixa caiu sobre a pia de mármore, deixando em seu lugar apenas uma pequena fração do que um dia já tinha sido. A menina continuou deslizando as lâminas da tesoura até que não sobrassem mais mechas maiores que três ou quatro dedos. Só então deu-se por satisfeita, guardou a tesoura e abaixou-se para recolher o cabelo que se espalhava pela pia e pelo chão ao redor dela.

— MAS O QUE É QUE VOCÊ FEZ COM O SEU CABELO!? — A voz estridente de Flowey a sobressaltou, fazendo com que batesse com a cabeça na pia.

— NÃO É DA SUA CONTA! — Esfregou com uma das mãos o local da batida. — Ai…

— Quando te vi com a tesoura na mão, achei que fosse enfiar ela no próprio peito.

— Ah, você adoraria isso, né?

— Não seria a primeira. — A flor deu de ombros com suas pequenas folhas. — Teve um cara uma vez que se jogou na lava em Terraquente. Era um escritor fracassado, cheio de dívidas e abandonado pela mulher… Ele tinha se jogado de Monte Ebott na esperança de se matar, como não conseguiu de primeira, fez isso aqui em baixo. Foi deprimente.

— Cala a boca! Eu não quero ouvir a sua voz, principalmente sobre… Esse tipo de coisa! Você ainda não entendeu que eu não quero você por perto?!

— Só vim te dar um aviso.

— PRO INFERNO COM SEUS “AVISOS”! Você só quer me deixar infeliz!

— Infeliz e VIVA.

— Ainda admite?!

— O que eu posso fazer? Alguém tem que ser sincero nessa merda toda… Pra variar.

— O que quer dizer?

— Pensei que não quisesse saber…

— Vai à merda! Você já começou a falar, agora termina!

— Que conveniente essa sua mudança de atitude. Eu sei muito bem que na real você não confia em ninguém. E não é pra confiar mesmo não. Aqui em baixo é matar ou morrer, e todos sabem disso… Só fingem ser bonzinhos para ganhar sua confiança, mas no fundo todos tem segredinhos sujos, e pode apostar que é um pior que o outro. O bondoso “Rei Fofucho”, por exemplo…

Flowey fez uma pausa, sorrindo para a humana.

— O que tem ele?

— Ah, se eu falar você nem vai acreditar. Acho melhor te mostrar. Vem comigo.

Flowey desapareceu no chão, reaparecendo na porta do quarto.

— Peraí, mostrar o que? Espera!

A menina seguiu Flowey até uma escadaria mal iluminada que descia pelo que parecia ser uma eternidade até uma grande câmara de pedra. Lá embaixo era úmido e extremamente abafado devido à falta de circulação de ar, e mesmo com a pouca visibilidade, Chara conseguiu ver sete altares maciços de mármore. Sobre cada um deles havia um buquê de flores e uma vela.

— Flowey, que merda é essa? — Sua voz era quase um suspiro.

Chara olhou em volta à procura da flor, mas nada encontrou, como de praxe. Aquele lugar lhe dava a sensação de que seu estômago se revirava constantemente e arrepios lhe percorriam o corpo todo, mas apesar disso estar ali também provocava uma estranha sensação de familiaridade, como se já tivesse estado ali antes… Apesar de ter absoluta certeza que jamais estivera em um lugar parecido.

O cheiro de bolor e poeira formava um nó em sua garganta, o que só aumentava sua vontade de sair daquele lugar. Quando se virava para ir embora, um leve brilho metálico sobre um dos altares lhe chamou a atenção; se aproximou, ainda que hesitante, e afastou um pouco as flores que o cobriam. Sob elas havia uma placa metálica com um nome escrito, juntamente com duas datas. Foi então que percebeu, com certo horror, que não se tratavam de altares; eram túmulos.

Deu alguns passos para trás, soltando um arquejo sobressaltado ao esbarrar em um túmulo próximo, derrubando as flores que o enfeitavam e revelando que neste estava escrito o seu próprio nome. O rosto da princesa imediatamente voltou à sua mente, bem como o que havia imaginado que seria o rosto do escritor suicida, e foi como se um sopro gélido lhe percorresse a espinha desde a nuca até o cóccix. Seus instintos mais primitivos fizeram-na engatar em uma corrida desenfreada escadaria acima, parando apenas quando já havia alcançado a entrada dos jardins

“Maldito Flowey! Por que eu ainda caio na pilha dele?! O que ele queria me mostrando isso?” — Chara podia imaginar que muitos castelos antigos possuíam uma espécie de “cemitério” interno. — “Isso não necessariamente quer dizer que o dono do castelo tenha matado todos eles… Não é…?”

Antes que pudesse dar mais atenção à estes pensamentos, os ruídos pesados de metal se chocando contra metal chamaram sua atenção, vindos do interior do jardim real.

— Asgore? — Chara esticou a cabeça porta adentro, e constatou o que temia: o rei corria perigo.


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