O Conto da Piedade escrita por Glasya


Capítulo 15
Capítulo XIV — Hora do Show




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A eletricidade ainda pinicava o corpo de Chara quando ela se levantou. Ela só queria correr, fugir daquele show de horrores e daquele robô narcisista, mas mal podia ver o restante do palco com tantos holofotes acesos na cara. Pelo barulho sabia que o lugar estava cheio, o que dificultaria bastante sua fuga.

Seu “turno” começou novamente. Ela improvisou alguns movimentos que sua irmã lhe ensinara e posou com um espacate no final da sequência. A plateia pareceu gostar, e o sorriso de Mettaton morria conforme as vaias à menina se transformavam em aplausos. Quando se levantou, Chara sentiu o peso da perna de metal do robô atingir em cheio suas costelas, jogando-a contra contra o chão do palco.

— EI! MAS QUE PORRA É ESSA, SEU-

— NAH-AH-AH! — O robô esticou um de seus braços até ela e colou uma fita prateada em sua boca. — A audiência não gosta de palavrões, este é um programa para a família!

Rapidamente removeu a fita adesiva da boca e se preparou para a sua vez. Reparou que giros e saltos do robô, mesmo sem relação alguma com a música, faziam a plateia vibrar mais, então se arriscou em um mortal para trás. A aterrissagem foi um pouco sem jeito, mas não se machucou. Sua estratégia havia funcionado: a plateia estava louca, dividida; pelo menos metade gritava seu nome enquanto o restante clamava por seu apresentador. Enquanto olhava para a plateia com uma mão sobre os olhos para aplacar a intensa luminosidade, não conseguiu se esquivar de outro chute de Mettaton, este ainda mais alto, acertando em cheio sua cabeça e a levando ao chão novamente.

O mundo ao seu redor girava e sua cabeça latejava, mas o ódio que sentia por Mettaton naquele momento a fez ficar de pé. Com um chute decisivo na parte de trás de um dos joelhos do robô, a menina o derrubou na frente das câmeras. O tombo fez Mettaton cair do palco, arrancando suspiros surpresos da plateia, e depois mais aplausos. Provavelmente achavam que era tudo encenado e fazia parte do show. Seus mais novos “fãs” começavam a disputar com os fãs de Mettaton quem fazia mais barulho, e alguns grupos inclusive começavam a tentar invadir o palco; a câmera mostrava uma panorâmica do público, exibindo em um telão acima da sua cabeça os monstros que vibravam com a apresentação, alucinados, e os pontos de audiência que subiam sem parar. Ao mudar de posição novamente, a câmera exibiu um grande monstro branco que se sentava em uma arquibancada acima da plateia; “Rei Asgore Dreemur”, dizia a legenda, e para sua surpresa, ele aparentemente fazia parte da porcentagem de monstros que torcia para ela.

“Esse é o rei? Nossa… Ele é Toriel com barba! São mesmo gêmeos…”

Mettaton se ergue para o palco novamente, o olho cor-de-rosa brilhando sob o cabelo que agora estava totalmente desgrenhado.  Distraída pelo telão, Chara é acertada por uma miniatura metálica de Mettaton, que pareceu ter saído de lugar nenhum.

— É sua vez de novo, queridinha. — O robô falou entre os dentes, se aproximando de Chara.

A menina recomeça sua dança, apenas para ser interrompida por um choque elétrico ainda mais forte que o último, prendendo-a ao chão. A eletricidade fez seu corpo convulsionar descontroladamente e sua bexiga se soltar, ensopando suas roupas e o chão com urina. Por mais que tentasse se conter simplesmente não conseguia. As poucas lembranças que tinha de seu pai vieram à sua mente naquela hora; seus olhos cansados, mas sempre gentis. Seu sorriso, que era um misto de tristeza e doçura. A forma como ele bagunçava sua franja quando chegava em casa do trabalho, e a deliciosa torta de caramelo com canela que ele lhe preparava nos dias de folga.

Chara pensou também na sua irmã, filha do primeiro casamento de sua mãe, e que apesar de ser muitos anos mais velha que ela sempre teve paciência e disposição para brincar e ajudar com seu dever de casa. Como viveu a infância antes da guerra, Darna pôde usufruir tudo o que tempos de paz podem proporcionar: fez aulas de dança, canto, falava mais de duas línguas, tocava piano e também lutava judô. Chara não podia deixar de sentir um pouco de inveja da irmã, e frustração por tudo o que a guerra a impedia de ser, mas acima de tudo nutria uma admiração e respeito profundo por Darna, e esperava poder ser como ela um dia.

A última coisa a vir à sua mente foi Toriel e os bons momentos que haviam passado juntas. Se conseguisse sorrir, certamente sorriria agora, ao se lembrar do tricô que ela fazia todas as noites, dos livros que ela conhecia do início ao fim, das milhões de curiosidades sobre caracóis e lesmas que ela esporadicamente soltava durante suas conversas, das péssimas piadas… Tinham se tornado muito próximas em muito pouco tempo, e  ela era a única família que tinha agora.

Mas nada disso importava mais. Seu pai se fora, sua irmã se perdera no Monte Ebbot, e Toriel jamais deixaria aquelas ruínas. Parecia fazer uma centena de anos desde que vira sua avó pela última vez, e a briga que tiveram parecia tão insignificante agora…

Aquele breve e doloroso momento pareceu durar uma eternidade; era como se o mundo inteiro girasse em câmera lenta. Chara sempre ouviu que quando uma pessoa estava à beira da morte sua vida passava diante de seus olhos como um filme, e sempre achou isso uma besteira sem tamanho. Mas agora todas essas coisas invadiam sua mente, e as imagens eram tão nítidas quanto as de um filme. Isso só podia significar que estava mesmo em seus últimos momentos, e seu maior arrependimento era o de não ter tido a chance de se despedir de Toriel, ou falar mais uma vez o quanto amava sua avó.

Em um piscar de olhos, a figura risonha de Mettaton é substituída por um enorme tridente de fogo, e a eletricidade é cortada. Não apenas a que passava por seu corpo, mas também a de todo o palco. Uma enorme silhueta se aproximou, subiu no palco e a pegou no colo, a segurando firmemente contra seu grande, felpudo e aconchegante peito.

— Não se preocupe, acabou. — Chara levantou a cabeça, e tudo o que viu foi uma grande juba dourada. A voz grave e gentil do monstro envolveu Chara de forma tão tenra quanto seu abraço felpudo.


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Notas finais do capítulo

*ATENÇÃO*

Devido à correria de fim de semestre na faculdade, a história vai demorar um pouco pra ser atualizada, eu diria pelo menos um mês. Peço desculpas de antemão, e prometo postar um novo capítulo assim que entrar de férias. Beijos ♥



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