O Conto da Piedade escrita por Glasya


Capítulo 12
Capítulo XI — Undyne, A Inconsequente




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— Toc, toc. — Disse a cabra, recostada à porta, em um tom não exatamente animado.

— quem é? — Respondeu a voz do outro lado.

Ave.

ave quem?

Avelha estúpida que partiu o coração de uma garotinha por ser uma vaca egoísta e carente.

— eita. essa foi pesada. as coisas foram tão mal assim?

— Pior do que você imagina. Ela nunca mais vai confiar em mim outra vez… Ela vai me odiar pra sempre.

— nah. crianças esquecem esse tipo de coisa bem rápido. dá umas balinhas e deixa ela brincar lá fora até tarde que fica tudo bem.

— Ela não é esse tipo de criança. Ela nem é mais uma “criança”. Ela é uma adolescente, à caminho da idade adulta, e agora me odeia.

— pfft. adolescentes odeiam todo mundo. é bem normal nessa idade. sabe como é, né, eles são raivosos, barulhentos, boca-suja, maliciosos, rebeldes e violentos. é tudo efeito dos hormônios, vai passar logo.

— Isso não é verdade! Ela é doce e gentil… Só está magoada, e com toda a razão.

— se você diz. bem, não tem muito o que fazer além de esperar, então. dá um tempinho à ela que vai ficar tudo bem.

— Eu espero que sim… — Toriel cobriu o rosto com ambas as mãos. — Como eu pude ser tão estúpida? O que eu tava pensando?

— ‘cê não tava. acontece, principalmente quando não estamos bem. a gente não pensa em nada, só age no impulso. é bem compreensível.

— Às vezes eu invejo a sua paciência. Eu queria poder me manter calma e descontraída desse jeito em algumas situações…

— heh. sabe como é, eu sou um cara osso duro de roer.

Toriel sorri silenciosamente.

— qual é! nem um risinho? é, parece que hoje vou rir só ossinho. hehehehehe...

— Eu que te ensinei essa! — Toriel ri um pouco.

Os dois riem, trocando piadas ruins e trocadilhos piores ainda, que provavelmente não faziam sentido para mais ninguém. Conversar com o estranho através da porta era para Toriel um alívio e uma preocupação. Alívio por fazê-la esquecer seus problemas com humor de gosto questionável, e preocupação em conseguir manter em segredo a sua identidade. Mesmo assim, falar com outro ser vivo ajudava Toriel à manter sua sanidade.

No andar de cima, Chara caminhava pelas ruínas em direção ao riacho que por ali passava. Não era uma caminhada exatamente curta, e se preocupava com o peso que o balde teria quando estivesse cheio; seria difícil carregá-lo sem Toriel, mas tentaria mesmo assim. Tocou o pingente com as pontas dos dedos. Pensar em Toriel já era o suficiente para fazer seus olhos se encherem d’água.

A menina se ajoelhou na pequena ponte de madeira sobre o rio, lavando o rosto na água fria para espantar o choro. Desceu o balde, enchendo-o completamente. Pelo reflexo da água, viu um vulto branco pairando atrás de si.  Sobressaltada, tentou virar-se para correr, mas o peso do balde cheio e sua proximidade da beirada da ponte fez com que perdesse o equilíbrio e caísse na água gelada.

— Desculpa… Eu… Eu só queria… Dizer oi… — O fantasma abaixou os olhos e começou a chorar, suas lágrimas fantasmagóricas desaparecendo ao tocar o chão. — Sinto muito por ter… Arruinado seu dia…

— N-napstablook! — Chara batia fervorosamente os braços e as pernas, tentando alcançar a margem do riacho, que o desespero fazia parecer maior do que realmente era. — EU NÃO SEI NADAR!

— OH! Meu deus… Meu deus… Me desculpe… M-me desculpe… — Napstablook flutuava de um lado para o outro, tentando inutilmente agarrar a mão da humana com seu corpo etéreo, o qual era atravessado ileso pelas mãos da menina. — Toriel! E-eu vou buscar Toriel!

Por momentos que pareceram ser uma eternidade, a menina se debateu, mas parecia afundar ainda mais. O frio da água, o peso das roupas molhadas e seus movimentos descoordenados cada vez mais indicavam que aquele seria seu fim; queria gritar, mas sempre que abria a boca mais água entrava em seus pulmões, e mesmo quando tentava tossir a água parecia invadir seu corpo, puxando-a para o fundo do rio. O mundo ao seu redor perdia o foco e as coisas pareciam borrões distantes, um conjunto de cores distorcidas pela água.

Estava prestes a perder os sentidos quando um braço metálico a içou para fora da água. Mesmo através da névoa que cobria seus olhos, Chara viu uma enorme armadura de aço negro que saía da água e a depositava na margem, de barriga pra cima, fitando o teto das ruínas. Seu corpo estava fraco até mesmo para tentar sorver o ar para seus pulmões encharcados. Chara ouvia a armadura falar algo, mas não conseguia compreender do que se tratava.

Observou inerte enquanto a criatura depositava o elmo de metal no chão, e com ambas as mãos pressionou seu peito, um olhar preocupado no rosto escamoso. O monstro parou, mordendo o lábio com seus dentes afiados.

— Alphys! Não tá funcionando! — Ela gritou.

Tampe o nariz dela, levante o queixo e sopre pela boca! Depois volta pra massagem!

A mulher-peixe assim fez.

— Ainda nada!

De novo!

Após uma sequência de três ou quatro massagens cardíacas intercaladas por um forte sopro, a menina reagiu; tossiu fortemente, cuspindo água para fora de seus pulmões. Suas narinas e garganta ardiam com o esforço, mas não parou. Foi virada de lado pela mulher-peixe, e assim pode respirar novamente.

Undyne? Como tá aí? Conseguiu? — Disse a segunda voz, que agora Chara sabia vir do viva-voz de um telefone celular posto a seu lado.

— Consegui. Ela tá respirando agora. Valeu, Alphinha. — Respondeu Undyne, amarrando seu espesso cabelo vermelho em um rabo de cavalo no alto da cabeça. — Hoje é seu dia de sorte, humano!

Chara tentou agradecer a estranha por ter salvo sua vida, mas ainda não conseguia falar. Através da sua visão periférica, a jovem viu a silhueta de Toriel se aproximando em alta velocidade, mas é obrigada a parar quando Undyne subitamente dispara uma lança de gelo em seu caminho, fechando a entrada da sala.

— Ha! Não tão rápido, velha!

— Undyne, eu não sei o que você quer dessa vez, mas eu aceito todos os seus termos se me deixar levá-la para casa… Por favor…  — O tom cauteloso e preocupado de Toriel através do gelo deixava claro que a estranha que lhe salvara a vida na verdade era uma ameaça.

A menina tentou se esgueirar para longe da mulher-peixe, rastejando, mas mal pôde se mover alguns centímetros antes que Undyne colocasse pesadamente o pé sobre suas costas, prendendo-a ao chão.

— Paradinha aí, pirralha! Senão sobra pra você!

Undyne! N-não lute contra a rainha de novo! — Diz a voz do outro lado do telefone. — T-traz a humana pra cá! Assim a gente pode barganhar!

— OI? Nem pensar! Eu não vou fugir, eu VOU ter a minha revanche!

Undyne, não!

Toriel quebrou o gelo com um golpe de suas garras. Sua magia ainda não estava em seu nível máximo, mas seria o suficiente para parar a Imortal. No entanto, não arriscaria uma magia em área; as chances de acabar acertando Chara eram muito grandes. Ao invés disso, teve que se aproximar alguns passos para melhor mirar na amazona.

Undyne lançou contra Toriel mais uma sequência de lanças de gelo, das quais Toriel facilmente escapa. A última, de sentido invertido, obrigou a rainha a se virar para defletí-la, abrindo brecha para um forte ataque da amazona; uma grande lança de gelo, a maior que Undyne já lançara até agora, vinha em sua direção. Não houve tempo para esquiva. Toriel bloqueia o golpe com as patas à frente do corpo. A lança derrete e se quebra contra as mãos flamejantes da cabra, mas o impacto a joga de volta à entrada da sala.

— Há! Peguei você! — Comemorou Undyne, sorridente.

Undyne… P-por favor!

— Cala a boca, Alphys. Já disse que não vou fugir.

— N-não é uma fuga, é só… Hã… U-uma retirada estratégica! É isso! Nós precisamos da humana!/Q-quer dizer, precisamos… Tirar ela daí, senão não vai ser uma luta justa!

— Verdade, ela com certeza tá pegando leve pra não acertar a pirralha.

Sim! Isso! Viu só? Heh… hehe… E-então traz a humana!

— Certo! — Undyne se abaixa e levanta a garota pelo colarinho do vestido. — Você vem comigo, pirralha!

— NÃO. SE. ATREVA. — Toriel investe contra Undyne, suas garras ainda em chamas. Não podia usar magias que causassem um grande dano em área, mas se pudesse derrubar a amazona de alguma maneira Chara poderia se livrar e fugir, e então poderia lutar livremente contra sua adversária. Sua prioridade no momento era a segurança da menina.

O golpe de Toriel foi parado por uma espessa parede de gelo que se interpôs entre ela e Undyne. Se aproveitando da breve distração da amazona e de suas roupas largas, Chara passou os braços para dentro das mangas e escapou por baixo do vestido, deixando-o pendurado nas mãos de Undyne. Antes que pudesse recuperar a humana, a parede de gelo se quebra em mil pedaços, obrigando a mulher-peixe a adotar uma postura corpo-a-corpo, o que não era vantajoso para quem usa lanças.

Com uma estocada desajeitada a amazona conseguiu empurrar a cabra para uma distância confortável tanto para golpear quanto para conjurar mais lanças, mas acabou por deixar sua guarda aberta. Vendo isso, Chara não hesitou; tomou impulso e jogou todo o peso do corpo contra Undyne.

— FICA LONGE DA MINHA AVÓ! — O peso da menina, apesar de não ser tão relevante, foi o suficiente para desequilibrar a amazona, fazendo com que ambas caíssem na água.

— NÃO! CHARA! — Toriel estende a mão para apanhar a menina, mas não estava próxima o suficiente e suas mãos acabam por agarrar o ar.

Sob a água, a menina se debate e estende a mão, tentando alcançar a borda, mas é subitamente puxada. De início pensou que fosse pela correnteza, mas logo percebe que ia mais rápido que força da água do pequeno rio; viu Toriel pular na água, mas Undyne era naturalmente uma exímia nadadora, ainda mais em sua armadura especial.

A mulher-peixe rapidamente coloca uma boa distância entre elas e a cabra, e a água fica cada vez mais fria. Congelante. O ar lhe escapou dos pulmões, e calafrios percorreram seu corpo como choques elétricos. Não demorou para perder os sentidos; o frio penetrava até seus ossos, e era como sentir a dor de mil agulhas sendo enfiadas simultaneamente em seu corpo.


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Notas finais do capítulo

Queria tanto poder mudar a fonte pras falas do Sans :/



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