O Conto da Piedade escrita por Glasya


Capítulo 11
Capítulo X — Toc, toc




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— toc, toc! — disse a voz do outro lado da porta, mas Toriel não estava no clima para piadas. — toc, toc? oi? ‘cê tá aí? -A voz fez uma longa pausa, e então continuou. — tá legal, lá vai: toc, toc! quem é? de. de quem? demorou tanto pra responder que até esqueci a piada!

— Essa foi boa, meu filho… — Toriel deixou escapar uma leve risada.

Estava sentada no chão com as costas coladas à porta, abraçando os joelhos com um dos braços enquanto rabiscava o chão com a garra livre.

— ha! eu sabia que tava aqui. qual foi? sua voz tá meio estranha, parece meio triste...

— Eu estou bem, querido. Só não estou de bom humor, só isso.

— o que houve?

— Nada…

— ninguém fica triste por nada. ainda mais alguém que genuinamente aprecia piadas ruins.

Toriel suspirou, encostando a nuca na porta, olhando para o teto.

— Eu fiz algo terrível. Algo que certamente vai ferir os sentimentos de alguém que eu amo e é muito importante pra mim… Eu… Só queria protegê-la, mantê-la segura, entende? Mas estraguei tudo, como sempre.

— bem, se foi por um bom motivo, então não vejo problema.

— Mas eu vejo. Eu julguei uma pessoa que eu amava por ter agido dessa forma, e agora eu estou fazendo o mesmo! — Colocou o rosto entre as mãos e começou a chorar. — A quem eu quero enganar?  Eu não passo de uma velha tola, egoísta e controladora que tem medo de ficar sozinha!

— ei, ei, calma… seja lá o que você fez, que eu duvido que seja tão grave assim, sempre dá pra pedir desculpas. se a pessoa te amar do mesmo jeito que você a ama, com certeza vai te perdoar.

— Você não entende… Ela é tão diferente de mim, meu filho. É tão jovem, emotiva e cheia de vida… O que eu fiz vai machucá-la tanto… Eu sou uma idiota…

— não tô entendendo nada, quem é essa pessoa? o que é que você fez, afinal?

—  Ela é uma humana, caiu no subsolo há pouco mais de um mês. Eu… Eu a amo tanto, mesmo a conhecendo há tão pouco tempo…

Silêncio. O único som vinha dos soluços de Toriel. Ela não conseguia falar.

— Eu acho que tem razão. Eu devo pedir desculpas, explicar tudo. Ela vai ficar furiosa comigo… E muito provavelmente nunca mais vai confiar em mim… Mas é o certo a se fazer.

— Hum… ainda não me disse o que você fez. ah, deixa pra lá. falamos depois?

— Sim, sim, nos falamos depois. Muito obrigada, meu filho. — Toriel se levantou e rumou de volta para a sua casa. Encontrou Chara na sua cama, adormecida entre as cobertas. Endireitou a menina, cobrindo-a devidamente, e tentou sair do quarto sem fazer barulho para não atrapalhar-lhe o sono.

— Vó? — A vozinha embargada de sono chamou sua atenção, e Toriel virou-se com um triste sorriso.

— Me perdoe, minha filha. Eu não quis acordá-la.

— Tá tudo bem… Eu tava te esperando. — Chara se sentou na cama. Ainda tinha o colar em mãos.

Ao vê-lo, Toriel sentiu um calafrio. Ela o encontrara, e jamais a perdoaria.

— Eu… Eu posso explicar. Eu fiz isso pra te proteger, por favor, entenda… E me perdoe.

O olhar confuso de Chara aos poucos se transformou em surpresa ao perceber que Toriel falava do colar. Depois, em raiva. Ela não podia acreditar. Não queria acreditar. Não podia ser verdade, Toriel nunca faria isso. Flowey não podia ter razão.

— Você. Pegou. O meu. Colar?? — A menina soltou uma gargalhada nervosa, um pouco mais alto do que pretendia. — Não, só pode ser brincadeira. VOCÊ SÓ PODE ESTAR BRINCANDO COMIGO!

Toriel abaixou a cabeça, envergonhada e arrependida do que fizera.

— Eu sinto muito… Eu posso explicar.

— Então explica. — O tom bravo e severo da garota estava começando a fazer Toriel entrar em desespero.

“Ela me odeia. Ela vai me odiar pra sempre!” — Toriel respirou fundo, tentando afastar esse pensamento da cabeça. Seu coração doía, e tudo o que queria era poder voltar no tempo e desfazer o que havia feito. Mas isso era impossível.

— Eu estava tentando te proteger. Tive medo de que fosse embora assim que encontrasse o colar…

— Ir embora? Ir embora PRA ONDE?

— PRA ONDE TODOS OS OUTROS FORAM! — A discussão agora chegara aos berros. — Ano após ano, década após década, humanos caíram e partiram, e todos tiveram o mesmo destino! Todos eles MORRERAM, Chara! E eu nunca consegui impedir! Eu nunca iria me perdoar se deixasse isso acontecer com você.

— E aí você resolveu tirar de mim a coisa mais importante que eu tinha. Genial. — Chara estava aos prantos. Se levantou da cama e vestiu seu colar. — Sabe o quanto eu chorei por achar que nunca mais o teria!?

— Me perdoe…

— E se dependesse de você eu nunca mais teria mesmo, né?!

— Chara, por favor… Eu sinto muito…

— Sente muito?! Você me fez procurar feito uma idiota todo santo dia, Toriel, TODO SANTO DIA! SABENDO QUE EU NÃO IA ACHAR NADA! Alimentando uma esperança inútil! Qual era o plano?! Me fazer procurar até ficar cansada e deprimida o suficiente pra desistir? Ou me entregar ele como se tivesse acabado de achar quando eu estivesse na merda?

— Eu… Não pensei direito, eu só tive medo…

A menina queria correr, se trancar no seu quarto e não sair mais de lá. Seu peito doía imensamente e tinha até certa dificuldade para respirar; não conseguia entender, por mais que Toriel se explicasse. Levantou os olhos para a cabra e viu que ela também chorava.

— Eu não iria embora. — Chara disse, após alguns minutos encarando sua avó em silêncio. — Não iria. Não sem você. Eu sempre tive medo de ficar sozinha, e você é a única família que eu tenho agora. Não sei quem foram os outros, ou por que fizeram isso, mas eu não sou como eles. Nem mesmo como meu pai.

— Eu sinto muito… Eu sinto tanto, mas tanto… — Toriel não tinha mais o que dizer.

— Eu… Preciso de um tempo. Sozinha. — Disse a menina, enquanto cambaleava para fora do quarto de Toriel em direção ao seu.

Toriel não queria deixá-la ir. Queria se ajoelhar no chão, abraçá-la e implorar por perdão, tentar reparar seu erro de alguma forma, mas sabia que isso só pioraria ainda mais as coisas. Ao invés disso, apenas assentiu silenciosamente com a cabeça, para pouco depois ouvir o barulho da porta do quarto da humana se fechando.

Toriel passou o resto da noite insone, manuseando nervosamente as mangas da sua camisola. Levantou-se, tentou ler, mas as palavras se perdiam em sua mente. Na cozinha, até mesmo sua característica torta de caramelo com canela dera errado. Para completar, acabara a água. Se esquecera de bombear na noite passada, e agora teria que esperar uma nova cheia, que deveria acontecer assim que chovesse em Nevada, ou que o verão finalmente começasse a derreter um pouco de gelo. Até lá, teria que se abastecer com baldes.

Chara se levantou tarde naquele dia. Sentou-se à mesa, pegou uma fruta da cesta e começou a descascar para comer. Não sabia de cor o nome de cada uma, visto que eram frutas do subsolo que nunca havia comido antes na vida, mas pegou a que tinha gostado mais: uma roxa, cujo sabor lhe lembrava o das ameixas.

— Bom dia… — Disse Toriel, baixinho, em um tom quase inaudível. Não houve resposta. Com balde em mãos, Toriel se aproxima da humana apreensivamente. — Acabou a água, então… Eu vou pegar um pouco no rio pra fazer o café.

— Pode deixar. Eu vou. — Respondeu a menina, em um tom seco. Se levantou, pegou o balde das mãos de Toriel e saiu pela porta da frente.


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Notas finais do capítulo

Tentei usar a fonte certa, mas acredito que a plataforma do Nyah! não permita... Então ficou assim, Sans sem comic sans :(



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