Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 79
Tudo termina em explosão


Notas iniciais do capítulo

Oiêêê!

Desculpa o atraso gente. Faz duas semanas que eu ando muito cansada por causa da faculdade e aí ficou difícil de postar.
Mas hoje milagrosamente eu consegui um tempinho -e ainda por cima estou acordada tempo suficiente para conseguir postar! kkkkkkk

Hey! Estamos nos encaminhando para o final da aventura paralela. Espero que gostem do desfecho!

Só pra relembrar: o último capítulo terminou com a equipe mirim da TARDIS salvando o Doutor e ele aparecendo na cela da Luisa Paralela e John Smith para tirá-los de lá.



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—... E aí John e eu deixamo-nos ser engolidos por um orelhão, justamente para salvar as crianças...

—Espera. Orelhão, você disse? –o Doutor pareceu abismado, sentado de braços cruzados na cadeira do capitão. 

—É. –Luisa sussurrou-lhe. –Aconteceram algumas coisas meio esquisitas enquanto você não estava com a gente. Depois eu te explico melhor.

—Infelizmente, nosso plano não deu muito certo e nós caímos em uma cela diferente –continuou John. –Desde então, estamos fazendo de tudo para escapar daqui.

—Mas parece que vocês foram mais ágeis do que nós, e em vários sentidos –a Luisa paralela sorriu cativante, para eles. –Estou vendo que encontraram a caixa azul e também salvaram o Doutor, tudo sozinhos... Ah, estou tão orgulhosa!

—Voltamos para a boa e velha TARDIS paralela –John Smith caminhou pela nave, observando mais uma vez a decoração. –Não quero parecer impertinente, mas me divirto imaginando como uma coisa tão grande, quadrada e... Azul, consegue levantar vôo.

—Bem, suponho que da mesma forma que uma bicicleta magrela, com rodas e guidão, também é capaz de fazê-lo –o Doutor respondeu, com ar de riso.

John Smith sorriu.

—Ah... “O velho humor está de volta” –riu para o xará. –É muito bom vê-lo de novo, Doutor! –e apertou sua mão.

—MAMÃE! –os dois meninos pequenos correram para abraçar a Luisa adulta. Em pouco tempo, todos estavam confraternizando em um ritmo acelerado, apenas Melissa e Matthew continuavam parados, próximos ao painel de controles da nave, encarando a família e os amigos como se ainda faltassem peças no quebra cabeça... O que de fato, faltava mesmo.

—Mas isso não faz nenhum sentido! Como vocês vieram parar aqui? –a Melissa de óculos quase deixou as lentes caírem, quando explodiu de curiosidade.

—É! Nós vimos vocês lutando contra os Cybermens lá em cima... –Matthew lembrou.

—Mas isso é impossível. John e eu não saímos do lugar. –a Senhora do Tempo contradisse.

—Acho que eu posso explicar o que aconteceu de um modo fácil e simples de compreender –o Doutor tomou a responsabilidade para si. –Aquela cena que vocês viram na TARDIS ainda não aconteceu. Sim, sim. Era real e isso continua sendo um fato. Mas a verdade é que quando se viaja em uma máquina do tempo, muitas vezes acabamos fazendo as coisas fora da ordem, de modo que o que vocês viram, provavelmente foram a Luisa e o John Smith do futuro, lutando contra os Cybermen, e não estes dois trancados na cela. –ele colocou as mãos nos bolsos e observou o casal por um momento. –A parte meio chata é que agora sabemos que uma briga entre nós e os Cyborgs ainda vai acontecer. É a lei do tempo. Uma vez que sabemos de um fato que ainda não aconteceu, ele se torna um ponto fixo e não tardará a acontecer. É como ficar preso em um loop-temporal. Ou seja, agora nós sabemos que não poderemos evitar esse confronto, por que ele vai acontecer, e ele só vai acontecer, porque nós soubemos disso antes da hora!

Todos se entreolharam. Ficaram na mesma.

—Não entendi nada. –a Melissa de quinze atou os braços, para sua xará mais velha.

—Não esquenta não... Ele costuma falar alemão com freqüência. É sempre um caos quando começa: Quando mais ele se empolga, mais a gente buga.

O Doutor fez um bico enorme.

—Bom, aparentemente, nós teremos um confronto pela frente. –Luisa resumiu. –Então, não podemos nos dar ao luxo de perder mais tempo...

—Vocês escutaram a tradutora oficial dos marcianos —Melissa brincou. –Vamos em frente!

É pra já!—o Doutor assumiu os controles da TARDIS e eles tornaram a decolar, mas desta vez, a viagem foi ainda mais curta. Aterrissaram em algum ponto próximo ao centro da fábrica, intacta, com Cybermens trabalhando com ácido, e convertendo pessoas por debaixo dos panos.

—Mas Doutor... Você acabou de aterrissar bem no meio da ala norte! Os Cybermens lá fora vão acabar com a gente quando sairmos da nave... –queixou-se Melissa. Ficara combinado que ela e o Doutor sairiam primeiro.

—Não se preocupe. Nenhum Cybermen idiota vai nos ver –ele sorriu confiante, segurando a maçaneta da porta. –Eu ativei o escudo de invisibilidade. Para eles, nós seremos como átomos á deriva...

E abriu a porta.

E eles podiam ver os Cyborgs.

E os Cyborgs também podiam vê-los.

Ops—o Doutor arfou.

—“Átomos á deriva”, você disse? –Melissa irrompeu, criticando-o. –Que tal “Fogos de artifício no meio do gelo?

Tá legal. Eu errei! Tá? Eu errei! Será que podemos esquecer isso?—disfarçou, dando um sorriso amarelo na direção dos Cyborgs. –Vamos tentar causar boa impressão... Talvez eles não nos matem.

—Hã! Boa impressão? Você os chamou de “idiotas! —ela lembrou.

—Ah! Eu disse Cybermens idiotas? Na verdade eu quis dizer “simpáticos e amistosos” –reformulou o Senhor do Tempo, mordendo o lábio. Os Cybermens que os observavam não promoveram um só movimento durante algum tempo. Pareciam processar a informação. Aproveitando a trégua ocasional, o Doutor inclinou-se para Melissa e murmurou: -Se nós sairmos vivos desta, eu juro que nunca mais uso a sua chapinha para soldar os fios do scanner.

—COMO É QUE É? Você andou usando a minha chapinha?—Melissa fez uma careta ameaçadora.

—AVISO. AVISO. ATIVIDADE HOSTIL NA ALA 37. REMOVER. INTERCEPTAR. DELETAR! –todos os Cyborgs presentes (e não eram poucos) ergueram os braços e apontaram os laisers para a cabine azul e seus dois integrantes visíveis.

Viu só o que você fez!?—o Doutor ralhou com Melissa. –Agora vamos ter que dançar a dança deles!

—Eu hein... Não curto aquela dança careta do robô!

O Doutor estapeou a própria testa.

—Eu mereço!

—O quê que houve? –Luisa juntou-se a eles, e deparou-se com vários cyber-homens apontando suas armas ameaçadoras para eles como se fosse “a hora do tiro ao alvo” no parque de diversões. –Ah, isso. 

Isso. Exatamente. –o Doutor deu uma piscadela para ela. –EU NÃO ESPERAVA POR ISSO! –gritou teatralmente, então inclinou-se para a companheira recém chegada. –Como vai o resto do plano? Eles estão tendo sucesso lá dentro? –ele piscou para ela.

—Nem pode imaginar... Fizemos contato direto com a Enterprise! –Luisa já havia feito para o Doutor, um resumo sobre a frota estelar, portanto, ele estava por dentro das coisas. -O Capitão Kirk disse que eles podem fazer uma busca completa por todas as fábricas de ácidos do mundo e enviar um míssil compacto para explodir bem no coração de cada uma. –Luisa retribuiu a piscadela. –Agora só precisamos enrolar mais um pouquinho, até a busca mundial estar completa, e não deixar nenhum deles suspeitar de nossa investida silenciosa.

—Quer dizer que vamos continuar aqui? Ficar dando uma de “isca fresca” não parece muito promissor... –Melissa resmungou.

—Não se preocupem com nada. Apenas ajam normalmente. Quando a Enterprise devolver o sinal para a TARDIS, ela zarpará de uma só vez, para o mais longe possível daqui. A Luisa parale...  Digo, a mãe das crianças... Hã... A minha xará fez questão de programar a nossa máquina do tempo para reconhecer o sinal e segui-lo até a Enterprise. Com a TARDIS fora de perigo, começará uma contagem regressiva para o disparo dos mísseis.

—Gente! Psiu! Precisamos encenar! Os Cybermens estão começando a ficar entediados, já que estão sendo ignorados por nós faz uns cinco minutos... –Melissa alertou os amigos. –Acho até que já vi um deles começar a babar óleo...

Voltaram a fitar os robôs. Eles tinham na face de prata a mesma expressão de antes... Mas os braços com laiser mortal continuavam mirando a cabeça dos três.

—Ah... Certo. –Luisa disse, desconfortável. –Oh, Deus! Salvem-se quem puder... Eles... Estão armados!—gritou, forçado.

Tente ser mais autentica—o Doutor sussurrou entre dentes, então voltou-se para os Cybermens e emendou logo em seguida: –PIEDADE! Por tudo que é mais sagrado, poupe-nos de um fim trágico! Oh, eu não quero morrer!—ele fingiu chorar, exagerado como sempre.

As garotas reviraram os olhos.

—Amador. –Melissa balançou a cabeça.

—Ah, é? Então faça melhor!

—Com prazer. –ela sorriu torto.

Mas não houve tempo hábil para Melissa demonstrar seu nível de atuação; Enquanto eles se ocupavam em distrair os Cybermens, uma nova leva de soldados veio avançando por detrás da cabine, de modo a pegá-los desprevenidos. A partir dali, o trio pôs o plano de lado, priorizando a própria sobrevivência; Começaram a se debater e tentar, acima de tudo, se esquivar das criaturas.

—Isso! Agora está “perfeito”... –Melissa disse por entre dentes, ainda referindo-se á conversa anterior, ao mesmo tempo em que tentava se livrar do Cyborg que a imobilizava.

Enquanto Luisa se debatia, ela ouviu um ruído conhecido, mas um tanto decepcionante. Virou-se com dificuldade, na primeira oportunidade que teve, e deu de cara com a TARDIS se desmaterializando, na maior cara dura. A cabine começou a ser envolta por uma luz azul cintilante, que cobriu-a por completo em uma fração de segundos, então ela resmungou e aos poucos começou a ficar invisível. Tudo aquilo só podia significar que o tele-transporte da Enterprise entrara em ação, como fora combinado, e desencorajadoramente, o trio não podia fazer nada para impedi-la de deixá-los para trás.

Não!—Luisa gritou para alertar os companheiros. Precisavam estar junto da cabine se não quisessem perder a viagem... Porém, já era tarde demais. Há essa hora, a caixa azul já deveria estar bem longe dali, em segurança, enquanto eles três estavam no fogo cruzado, justamente entre os Cybermens e os mísseis avassaladores, que log mais estariam a caminho.

Precisavam fazer alguma coisa para recuperar o tempo perdido. Precisavam urgentemente de um plano B!

—Meu Deus! Vamos morrer!—Melissa desesperou-se. –MORRER!

—Puxa, seu grau de otimismo é de dar inveja à qualquer depressivo. –o Doutor comentou, retoricamente.

—Podemos nos concentrar nos fatos? –Luisa intrometeu-se na prosa, afastando um Cybermen com uma barra de ferro que encontrara no chão. –Eu não quero desmotivar vocês, mas a situação está ficando precária...

—Certo, então vamos nos atualizar –Melissa sugeriu, enquanto fugia de um dos robôs. -Por hora, estamos presos aqui com a ameaça de sermos massacrados por mísseis; não podemos entrar em contato com a Enterprise; e a TARDIS deu no pé. –esquivou-se do abraço avassalador de outro homem de metal. –Hum... Parece bem encorajador pra mim.

—Querem saber? –o Doutor deu uma derrapada assustadora ao contornar uma viga, na intenção de despistar um dos Cybermens. –Eu não vou me entregar!

—Nem eu! –Luisa apoiou, assentindo logo adiante.

—Tô contigo! –Melissa bateu continência.

O trio novamente se encontrara e estavam recuando, juntos, na direção de uma parede. Os Cybermens vinham marchando na outra direção, para apanhá-los.

—Não é possível. Mil e tantos anos de viagens no espaço-tempo não podem ser desperdiçados assim, tão bestamente –o Senhor do Tempo tirou o pó dos ombros. –Não me levem a mal: eu adoro correr, mas ficar fugindo desses caras é chato á beça... Será que não podemos pular o antepasto e ir direto ao prato principal?

—O quê? –Melissa fez uma careta.

—Eu marquei hora com a minha cama e pretendo aparecer para uma sesta muito em breve –ele prosseguiu.

—E a razão de ter feito um comentário desses justo agora é...? –Luisa instigou.

—Não estou nem um pouco a fim de dar um bolo na minha cama –o Doutor deu de ombros. –É sério. Estou fazendo planos para tirar um cochilo faz séculos, e não pretendo morrer sem antes ter uma boa noite de sono.

Melissa encarou Luisa.

—Dá pra traduzir o Doutor, por favor? –indicou o rapaz com o polegar.

—Acho que ele quer dizer que não pretende morrer hoje. –Luisa anunciou.

—Isso! É uma ótima ideia para o inicio de um discurso motivacional! –o Doutor deu um tapinha nas costas de Luisa que a fez saltar do lugar. –Não sei de onde você tira essas coisas, mas é sensacional! –pôs as mãos na cintura e olhou fixo para os Cybermens com aquela cara de travesso que só esbanjava em momentos da qual se sentia imponente perante aos demais, como de fato, era o caso. –Não pretendo morrer hoje, e nem tão logo, meus caros amigos prateados... –ao que parecia, os Cybermens não davam a mínima para sua opinião. Eles continuavam avançando de braços estendidos, marchando em sua direção. Mesmo determinado, o Doutor não pôde deixar de engolir em seco. Continuou tagarelando palavras motivadoras (na esperança de tocar alguma parte sensível de seu próprio cérebro, e assim, talvez, conseguir algum resultado promissor), até que sentiu alguma coisa barrar seu próximo passo de recuo: a parede. Aquele era o fim da linha. Suas costas esbarraram na massa dura e prateada composta por tijolos e vigas revestidos, e espremeram-se contra ela, como se desejassem atravessá-la. Mas infelizmente, não adiantaria nada o esforço excessivo. Estavam cercados, e isso era mais que um fato.

—Doutor... –Luisa gemeu. –Estamos perdidos. Eu... Não sei o que fazer! –ela levou as mãos à cabeça, exasperada.

—Você não vai desistir agora, vai? –ele interpôs. –Logo agora que estamos tão perto...

Perto do fundo do poço, só se for.  –Melissa fez questão de completar. –“Sarjeta”, é brincadeira perto disso. Estamos ferrados. Dignamente ferrados. Imagine uma fossa... É pra lá que nós vamos.

O Doutor bufou.

—E depois de receber a maior injeção de ânimo de toda a galáxia; -ironizou. -Eu lhes comunico –e ficou cara a cara com os Cybermen. Por um momento, só se ouviu o som do vento atravessando as venezianas. As garotas seguravam o fôlego, agora também com os corpos prensados contra a parede, e desviavam os rostos dos dedos prateados que esticavam-se para agarrá-las, á cada segundo mais perto. Contraditóriamente, o Doutor parecia terrivelmente calmo. Luisa virou a cabeça na direção do amigo. Queria poder saber o que ele estava bolando dentro daquele cérebro engenhoso. Quase conseguia enxergar as engrenagens funcionando em modo acelerado, clamando por uma idéia brilhante. Só então notou que ele tinha as mãos dentro dos bolsos do terno e percebeu que um dos bolsos parecia mais volumoso que o outro. Só teve chance de abrir um sorrizinho torto, esperançoso, pois logo em seguida ele jogou para o auto, em uma abordagem inesperada, um objeto amarelo que deu uma cambalhota no ar e caiu diretamente em suas mãos: tratava-se de um revolver de brinquedo.

O Cybermen o encarou e o Doutor sorriu, malicioso.

—Agora o bicho vai pegar, colega. Rá!—e apertou o gatinho. Água jorrou pelo cano de onde devia sair uma bala, e ensopou o peito do homem de metal.

Houve um momento de êxtase.

Houve uma auto-análise vinda do Cybermen atingido. Houve um reconhecimento do pigmento. Houve a ligação de exaustores internos que vaporizaram a água acumulada na armadura.

E houve um grunhido de frustração, da parte do Doutor.

—Eu devia imaginar que não funcionaria... Jamais funcionou com os Daleks! –o Senhor do Tempo jogou a arma de brinquedo pelos ares, depois atou as mãos com um sorriso francamente desnecessário, no rosto. –Mas valeu a intenção. Eu queria ter testado isso há muito tempo...

—Mas isso significa que não temos um plano? –Luisa pareceu desapontada.

—Eu lamento. –ele fitou-a, sério. Só então pareceu reconhecer as conseqüências reais do perigo que estavam enfrentando. –Não tive muito tempo para pensar. Foi o melhor que consegui. Desculpe.

—Tudo bem. –ela respirou fundo. –Foi bom te conhecer. –pôs a mão no ombro dele.

—Também foi bom te conhecer. –ele reconheceu, apesar de não gostar de despedidas.

—Foi extremamente hilário conhecer vocês dois –Melissa juntou-se a eles.

—VOCÊS SÃO NOSSOS PRISIONEIROS. SERÃO TRANCADOS JUNTOS DOS OUTROS E CONVERTIDOS PARA FAZEREM PARTE DA LEGIÃO CYBERMEN. NÃO RESISTAM Á CONVERSÃO. TODA RESISTENCIA DEVERÁ SER INCINERADA. –anunciou um dos homens-cibernéticos.

—Como é? Nós vamos ser convertidos? –Melissa engoliu em seco, agarrando-se ainda mais à parede. –Desculpe o termo, mas eu acho que prefiro a morte.

—VOCÊS NÃO TÊM PREFERÊNCIA. TODA LIBERDADE DE ESCOLHA SERÁ IGUALMENTE DELETADA.

—DELETAR! DELETAR! DELETAR! –os demais começaram a brandar, como se fosse um grito de guerra.

Entrementes, o Doutor abraçou as meninas e todos fecharam os olhos. Tinham medo do que ouviriam a seguir.

—E... Congelem!

E não se ouviu mais nada.

Aos poucos, os três amigos foram tomando coragem para abrir os olhos e conferir a situação atual. E depararam-se, agora, com todos os Cyborgs paralisados. Congelados na pose, como se o tempo tivesse parado de vez. Intrigados, espantados e incrédulos, os três nem tiveram tempo de pronunciar uma única palavra.

Uhú! Aqui em cima!—alertou uma voz feminina, alegremente.

Olhando para o alto, depararam-se com a Luisa adulta e seu marido John Smith, acenando sorridentes para eles; ambos montados em uma bicicleta azul, que flutuava no ar, acima de suas cabeças.

—Desculpe tê-los feito esperar... Espero que nós não estejamos atrasados. Vocês estão bem?

O trio checou suas particularidades, então o Doutor ergueu o polegar para ela.

—Parece que não falta nada! –anunciou, empolgado.

—Ótimo! –a Luisa paralela suspirou, levando a mão ao peito, aliviada. –Era para nós termos chegado antes, mas houve alguns pequenos imprevistos. –e olhou feio para o marido. -Eu pedi ao John para apanhar o Paralisador de Freqüência Temporal, mas ele descordou e disse que deveríamos usar o Amplificador de Pulsos Eletro-quânticos. –ela mordiscou o lábio. -Eu disse para ele que não funcionaria, afinal o que ele sabe sobre “física quântica de viagem no tempo?—ela debochou. -Mas ele insistiu, e nós quase fomos expurgados do Vórtice!

No chão, o Doutor e as meninas arregalaram os olhos.

—Querida... –John passou a mão na nuca, embaraçado. –Não precisa ficar lavando toda nossa roupa suja em público... Afinal, é por isso que as máquinas de lavar habitam o interior das casas, e não o mercado de peixe da rua principal.

A Luisa paralela semi-cerrou os olhos para o marido, mas deixou essa passar. Por hora, ainda não tinham terminado de concluir sua missão e, até onde todos sabiam, eles ainda estavam em perigo.

—Vocês aí em baixo! Subam!—e a bicicleta foi aos poucos descendo de nível, até se tornar alcançável. -Precisamos tirá-los daqui agora!

—Mas espere! Como vocês... Como conseguiram evitar sua participação na luta contra os Cybermens? –perguntou Luisa, intrigada. –Não era irreversível?

—É! O Doutor disse que era um ponto fixo no tempo e que os eventos não se concretizariam sem ele. –lembrou Melissa.

O Doutor caminhou desviando de alguns Cyborgs congelados, regendo o grupo de encontro com a Bike TARDIS.

—Bom, eu acho que nesse caso não aconteceu exatamente como eu previ –admitiu ele, mas não parecia aborrecido por ter se enganado. Na verdade, sua expressão era de puro fascínio. –O fato é que este é um mundo paralelo, garotas. Pequenas leis universais podem conter exceções ou se alterarem sem causar problemas para o equilíbrio cósmico. Provavelmente, nós anulamos a participação deles na luta árdua contra os Cybermens quando Melissa e eu decidimos sair primeiro da TARDIS para distraí-los. Muito possivelmente isso tudo tem ligação com o fato de eu estar vivo agora. Se eu não estivesse, com certeza o plano teria sido diferente e a Luisa Paralela e John Smith teriam que por a mão na massa.

—Nossa, ainda bem que as coisas não tomaram esse rumo –comemorou Melissa. –Prefiro mil vezes mais essa versão congelada...

—Tá, mas e quanto aos mísseis? –insistiu a Luisa adolescente, enquanto acomodava-se em um dos bancos de couro estofado, criado pela extensão dimensional da máquina do tempo. –Não é perigoso ficarmos aqui conversando? Eles estão vindo pra cá não estão?

—Que parte do “Paralisador de Freqüência Temporal” vocês não entenderam? –a Luisa paralela retorquiu. –Nós usamos um dispositivo muito raro para paralisar momentaneamente o tempo, para que eu e John pudéssemos tirar vocês daqui antes que os mísseis alcancem as fábricas.

—E, só por curiosidade, quanto tempo faltaria para a colisão dos mísseis? –o Doutor sondou, prendendo um capacete á cabeça.

—Hum... –a Luisa paralela checou o relógio logo depois que Melissa ocupou o último assento projetado da bike. –Alguns poucos segundos, aproximadamente. Contagem regressiva.

—Uh! –o Doutor secou a testa. -Em cima da bucha!

A mulher riu.

—Vamos embora desse inferno, antes que tudo realmente comece a ficar quente. –ela repuxou o lábio. –Tsc, Tsc... Explosões catastróficas não fazem nem um pouco bem para a hidratação da pele, e na certa nos deixará mais assados do que camarão na grelha. Vão por mim, não estou nem um pouco a fim de mentir para o pessoal da Agencia e dizer que eu fui para a praia e esqueci de passar o filtro solar. Isso seria muito desconcertante vindo de uma Senhora do Tempo.

E a bicicleta disparou pelo Vórtice. Pedalaram uma pequena distância, na expectativa de estarem seguros e não sofrerem o abalo dos mísseis. Só quando já estavam longe o suficiente da abertura da janela do tempo, foi que a Luisa paralela tirou o tal dispositivo do bolso.

—Mas... –os olhos do Doutor se arregalaram de prazer. –É um GRANDE BOTÃO VERMELHO!

—Sim docinho –ela fez charme. –Sou muito boa com botões vermelhos.

E apertou o Paralisador de Freqüência Temporal, que descongelou o tempo e deixou que a história seguisse seu curso.

  ***

Pouco antes do grande momento, em algum lugar do espaço, a nave Enterprise preparava-se para disparar os mísseis.

Dr. McCoy confirmava algumas coordenadas em uma tela, enquanto Spock avaliava as últimas estatísticas.

—Tudo pronto capitão. –manifestou-se McCoy na direção de Kirk. –Só nos falta apertar o botão que libera os mísseis e então estará tudo acabado. 

—Então faça isso. –o capitão sinalizou, sentado em sua poltrona. –Iniciem o processo de evacuação das cápsulas dos mísseis imediatamente! Não podemos perder mais tempo. Enquanto confabulamos no hiper-espaço, pessoas estão sendo convertidas para Cyber-bestas, em tempo real. –ele argumentou, sério. -Isso não pode continuar.

Dr. McCoy e Spock assentiram e voltaram-se para os controles, agora estava tudo em suas mãos. Apenas por um momento, antes de fazer o último movimento, ambos se entreolharam.

—Pronto, enfermeiro McCoy? –cutucou Spock, com um sorriso torto.

—Pronto meu caro parceiro intergaláctico! –respondeu o doutor, lançando-lhe um sorrisinho amistoso, como resposta.

E com isso, os mísseis foram liberados.

Houve alguns segundos de silêncio e então uma explosão que teria apavorado o planeta Terra inteiro (pois ocorreu em escala, em todas as fábricas de combustível do mundo, ao mesmo tempo), mas o susto generalizado não aconteceu, graças á uma artimanha carinhosamente denominada pela Enterprise: “Apagar a memória recente de toda a humanidade”.

 

*      *      *

1.200 fábricas em todo o mundo voaram pelos ares. Os tais combustíveis ácidos foram destruídos. Bilhões de Cybermens queimaram com a explosão em grande escala, e os que não morreram desta forma, entraram em curto e se auto-destruíram. Total de chances da reconstrução desse império cibernético: zero.

Passado o perigo, Luisa e seus amigos foram se reunir pela última vez com a Enterprise (e pode crer que o Doutor e o sr. Spock ficaram amigos e trocaram conhecimentos múltiplos e alienígenas, que só eles mesmos entendiam; desde dinâmicas dificílimas e aventuras cabeludas, até as mais bobas situações do dia á dia –é inacreditável ver como dois aliens conseguem trocar tanta informação em tão pouco tempo). Por hora, eles não voltariam a se ver novamente, mas com um universo inteiro de possibilidades, eis que era bem possível que eles ainda se esbarrassem pelas estrelas, algum dia. 

As três naves haviam pousado novamente no campo aberto atrás do parque, na área reflorestada, longe de olhares curiosos. E, caso isso não bastasse, a Enterprise ainda contava com um escudo de invisibilidade deveras eficiente. Toda a equipe principal que comandava a sala de controle da nave estava presente para se despedir.

—De agora em diante, podem contar conosco pessoal! Qualquer coisa que precisarem... Se estiverem em apuros, podem contatar a Enterprise. –garantiu Kirk.

—Ah, vocês estarão livres daqui á meia hora? –sondou a Melissa de 17 anos, checando seu relógio de pulso com ar de importância.

—Acho que sim –o doutor McCoy deu de ombros. –Mas, será que posso perguntar para quê?

—Porque esse é o tempo exato até o nosso Doutor começar a se meter em uma nova confusão. –respondeu Melissa, simplesmente, fazendo todos rirem, inclusive o próprio Doutor.

—E podem contar sempre conosco também! –garantiu o Doutor, batendo continência.

—Até breve –o capitão, Spock e os demais acenaram e subiram a bordo de sua nave, que em poucos minutos desapareceu no céu, sem deixar vestígio algum para trás.

Após a Enterprise partir definitivamente, sobraram apenas a equipe do Doutor e a família de John Smith. Era estranho pensar nisso após um dia inteiro de parceria e união, mas até mesmo para eles, a despedida estava se aproximando. Reconhecendo isto, a Luisa adulta fez questão de deixar seu marido e filhos desfrutarem dos últimos momentos com a Melissa e o Doutor paralelos* (do ponto de vista deles, o trio da cabine azul eram os paralelos), enquanto ela trocava umas últimas idéias com sua versão adolescente.

Caminharam juntas, lado a lado, pela trilha do parque, apenas desfrutando a linda vista do por do sol sob os prédios. Parando apenas ao avistarem um banco largo do parque, bem debaixo de uma árvore enorme, que nos horários de pico, proporcionava sombra á vontade.

Chegando ao lado do banco, a Luisa adulta entreolhou-se com sua xará e, só por precaução (para ter absoluta certeza de que se tratava do lugar certo para terem uma conversa particular), ela molhou a ponta do dedo indicador com um pouco de saliva e ergueu-o como se conferindo a direção do vento.

—Perfeito! –constatou, após uma rápida avaliação. –Queira se sentar, minha cara, por favor.

—Ah, certo. –Luisa obedeceu, imitando-a no gesto. Seria falta de educação ouvir um convite vindo de si mesma e se recusar a aceitá-lo... E também, um pouquinho esquisito, na visão geral da coisa toda.

—Muito bem então –a outra pontuou, entusiasmada, cruzando as pernas e as mãos, encima dos joelhos. –Nós duas... Foi mesmo uma ótima parceria, não acha?

—É! Acho que foi a melhor em muitos aspectos... –a garota da bolsinha riu, descontraída. –Na verdade, eu gostei de poder trocar idéias comigo mesma. Acho que todo mundo devia poder fazer isso de vez em quando... Sabe? Só pra se situar... –ela articulou. –Posso com certeza, constatar que isso foi uma experiência e tanto!

—Que bom ouvir isso! E devo ressaltar que concordo plenamente! –a outra pareceu bastante satisfeita. –Sabe... Eu, sendo uma Senhora do Tempo, olho atentamente pra você, mas não consigo imaginar porque escolhi este rosto quando me regenerei da última vez... –ela franziu a testa por um momento. –Na verdade, nem me lembro direito das coisas que eu fiz antes de me regenerar. Realmente... Não sei direito quem eu era.

—Bom, devia ser alguém bem bonita, e madura. –a Luisa adolescente disse, simplesmente.

—É mesmo? E como é que sabe? –a outra achou divertida sua perspectiva.

—Porque não a imagino sem esse perfil. –a garota disse, como se fosse mais do que óbvio. –Bem, tenho uma pequena ideia de como a regeneração funciona... E, não tenho bem certeza, mas apesar da aparência mudar, e também parte dos gostos e personalidade, sei que nem tudo muda. Creio que as características mais marcantes continuam seguindo junto com você, independente de quantas vezes você se regenerar. Por exemplo: se você sempre foi uma pessoa boa, então vai continuar sendo, independente do corpo que vier a habitar no dia seguinte.

Ela foi tão precisa que a Luisa paralela não conseguiu evitar de levar as mãos aos quadris e fazer uma cara de impressionada.

—Você é definitivamente uma caixinha de surpresas! –afirmou. –Confesso que é bom ouvir um ponto de vista que justifique um motivo convincente, da qual eu ainda possua características passadas... Pode parecer insignificante, mas pra mim é um máximo! Faz crescer um pouco de esperança dentro do meu coração, para que em algum dia, talvez eu ainda consiga me lembrar de quem eu de fato fui, anos atrás.

—Acho que isso ainda vai te acontecer muito em breve. –assentiu a Luisa de 17 anos. –Mas por hora, enquanto as suposições não passam disso, creio que as chances de você ter copiado justamente meu rosto entre tantos bilhões de combinações diferentes e, depois de alguns anos nós duas viermos a nos conhecer face a face... Diria que é um pouco de coincidência demais, pro meu gosto.

—Eu também acho! –a Luisa adulta se adiantou ajeitando-se no banco, entusiasmada. –Não acho que pode ser mera coincidência... Especialmente pelo fato de você estar aqui hoje, bem na minha frente. E, ao menos que sejamos duas gêmeas separadas por universos diferentes, eu acho isso tudo muito suspeito.

—Eu também. Mas quem é que nos dará ouvidos? –a Luisa adolescente contrapôs, com ar de deboche. –Ninguém jamais vai acreditar nisso... Não posso conversar sobre nossas aventuras nem mesmo com a minha mãe! Em geral, tudo fica sempre entre eu, Melissa e o Doutor. E às vezes Nik, o dálmata da Melissa.

—Um dálmata? –exclamou a mulher. –Que espantoso!

—Se acha um dálmata espantoso, devia ver o Doutor escovando os dentes... –Luisa brincou. –É muito engraçado! Ele é demais, sabia? –ela disse com um pouco de exaltação na voz. De repente estava fitando o horizonte, com a maior cara de boba, e quando voltou a si, nem sabia direito porque fizera isto.

—Ah, é? –a outra a encarava com admiração. –O famoso Doutor... Ele parece ser bastante interessante.

—Acho que posso dizer o mesmo sobre John Smith. –a garota sustentou a conversa, fitando a mulher em retorno, com um ar apaixonado. Sem que sequer combinassem, as duas suspiraram ao mesmo tempo, cada uma pensando em seu par.

—John e eu sempre fazemos coisas juntos. Ele até começou a escrever um livro sobre os sonhos que eu tenho! E advinha quem são os protagonistas principais da história..!?

—Nem posso imaginar... –a Luisa de 17 anos contornou. Não queria cortar o barato da xará.

Vocês três! Viajando perigosamente pelo tempo e espaço, em sua TARDIS em forma de cabine policial!—ela disse com ênfase. –Ah... Não é incrível como nossas mentes estiveram conectadas este tempo todo?

—Exato! Mas acredite amiga, não foi só com você que essas premunições aconteceram... Eu também tive sonhos com vocês. –disse Luisa.

—Sério? –a outra se acomodou melhor no banco. –Que tipo de sonhos?

—Bem, tecnicamente, sonhei com os pontos principais de sua vida desde que assumiu este rosto, entende?

—Ham... –a outra limpou a garganta propositalmente. -Depende do que você quer dizer com “pontos principais”. –ela ajeitou o cabelo, meio agitada: um sorrisinho pretensioso nos lábios. –Você pode nem fazer ideia, mas é que eu fiz muita coisa durante este tempo todo de casada, sabe?

—Bem, sim. Mas até onde eu me lembro, sonhei com o primeiro encontro de você e John; depois com o casamento de vocês dois; então, quando você disse a ele que estava grávida; e aí, por fim, quando você teve a Melissa.

Apesar da menina ter terminado de falar, a outra ainda parecia bastante encasquetada com alguma coisa.

—Hum... Por acaso você não sonhou com a noite em que eu e John concebemos Melissa, sonhou?

Luisa corou por inteiro, ao ser bombardeada por uma pergunta tão indiscreta quanto aquela.

O quê? Não!—tratou de responder rapidamente. –Cruz Credo! Ainda bem!—fez uma cara de indignação.

A mulher suspirou, mas não pareceu ser de alívio. Na verdade, até aprecia um pouco decepcionada.

—É mesmo uma pena... Eu adoro uma platéia!—admitiu, inesperadamente. A Luisa adolescente franziu o cenho, chocada. –É sério!—a outra enfatizou, quando percebeu que não estava sendo levada á sério pela xará. –Eu teria gostado de me ver por outros ângulos, se é que me entende. Isso só realçaria minhas fantasias... –a mulher mordeu o lábio, perdida em devaneios, enquanto revirava a bolsa que carregava a tiracolo (surpreendentemente, ela não era “maior por dentro”). A Luisa adolescente se retraiu, constrangida com aquela ideia absurda. Inesperadamente, percebeu as bochechas esquentarem e isso só a fez corar ainda mais.

—Hã... Infelizmente eu não vou poder ajudá-la quanto a isso... –Luisa disse, com a esquisita sensação de estar se desculpando por não ter sonhado com a noite de núpcias de sua versão paralela. -Mas em compensação, eu posso afirmar que vocês formam um casal incrível juntos.

Como se uma luzinha tivesse acendido dentro de sua cabeça, a Senhora do Tempo captou imediatamente o rumo da conversa.

—Igual você e o Doutor, quer dizer? –sorriu, enquanto retocava o batom.

A Luisa adolescente ficou alerta.

—O que você quer dizer com isso? Ele é só meu amigo...

Sei—a outra revirou os olhos, bem humorada. Aquilo encheu de minhocas a cabeça da menina. Como a Senhora do Tempo podia parecer tão certa de si sobre o que ela sentia? Que provas ela tinha? Foi então que refletiu sobre o livro que John escrevera, relatando os sonhos que a esposa tivera com eles três: Luisa, Melissa e o Doutor, á bordo da cabine azul. Partindo deste ponto, começou a se interrogar sobre o que a mulher teria conferido durante os sonhos, que poderia ser usado como evidencia: Na melhor das hipóteses, teria visto sua xará e o Doutor flertando. Na pior delas, se beijando. Mas e se ela soubesse do dia em que ambos dormiram na mesma cama, na pousada de Agustina, quando Luisa ainda tinha 14 anos? Teria pensado malicia sobre a briga de travesseiros e tudo mais? Se seus sonhos fossem tão pretensiosos quanto ela própria, então Luisa Parkinson estaria em maus lençóis.

Após se fazer de desentendida, a mulher mudou completamente de assunto.

—E, sobre seus planos futuros...

—O que têm?

—Você tem algum?

A Luisa adolescente riu novamente.

—É. Acho que posso confirmar que tenho algumas idéias... –afirmou. –E, garanto a você que elas não incluem mendigar ou virar vendedora ambulante.

Foi a vez da mais velha rir.

—Você é um encanto! –sorriu, segurando-lhe as mãos. –Queria ter essa energia de adolescente de novo... Na certa não sou mais tão jovem.

—Que é isso! Você está ótima!

—Não falo isso por causa da aparência, se é o que dei a entender. Na verdade, estou me referindo mais á pureza de espírito do que a todo o resto.

—O quê? –a garota fez uma careta meramente incrédula. –Você me acha pura?

—Ué! Você tem a ingenuidade juvenil estampada na face... Não é possível que ninguém jamais tenha te dito isso!

Aos ouvidos de Luisa, aquilo foi algo parecido com uma ofensa direta.

—Espera! Eu não sou assim tão ingênua!—Luisa cruzou os braços, teimosa. A outra lhe lançou um olhar de pouco caso, como se soubesse exatamente de quem estava falando. A mais nova cedeu ao olhar reprovador da mais velha. –Ah. Tá bom, você venceu! Eu sou ingênua... –Luisa desviou os olhos, como se algo nisso não a agradasse nem um pouco. A Luisa paralela, porém, sabia como consertar o problema.

—Não se preocupe com isso –sorriu calorosamente, tocando-lhe o ombro. –Eu também já fui assim, que nem você. E acredite, ser ingênua não faz mal a ninguém. Na verdade, eu me mantive assim durante muito tempo... Pouco tempo... Não sei quanto, na verdade. Acho que foram apenas alguns segundos... –contradisse. Luisa franziu a testa de leve. A mulher prosseguiu: -Bem, mas isso não vem ao caso. O importante é que me mantive confiante para encontrar o homem da minha vida. E isso também vai acontecer com você, Luisa. Seja quem ele for.

A Luisa de 17 anos fitou-a.

—Desculpe a pergunta... Mas, já que estamos sendo sinceras uma com a outra, e essa conversa é terrivelmente particular... Então será que você pode me dizer o que eu quero ouvir, por favor?

A Luisa paralela endireitou as costas, sem tirar os olhos cor de mel da xará de olhos castanhos.

—Dizer o que você quer ouvir? Isso é fácil demais! –ela articulou. –Difícil, minha cara, é saber distinguir as coisas.

Luisa baixou os olhos, distante. A outra não suportou seu silêncio por muito tempo.

—Você o ama mesmo, não é? –perguntou, também fitando o horizonte, e por mais que a adolescente a encarasse com inquietação, ela não retribuiu-lhe o olhar. Sabia que se o fizesse, a menina perderia a coragem de seguir em frente, e abrir seu coração.

—Sim. Digo, eu não sei... Mas... Quando eu olho pra ele...

—Seu coração quase sobe pela boca de tão feliz que fica; Você não consegue se controlar diante dele; parece uma panela de pressão, cheia de sentimentos cozinhando dentro de você e entrando em ebulição á todo instante; Tenta ser sempre a melhor e se destacar, para que ele se interesse ainda mais por você; Você não sabe até quando esse amor vai durar, mas acha que vale a pena continuar tentando, até que alguma coisa em fim aconteça, independente do que seja; Você deseja mais do que tudo, continuar insistindo nisso... Se pegar a trajetória certa, quem sabe esse fogo não queime para sempre?

Por um momento, Luisa se sentiu praticamente nua. Parecia um livro aberto, da qual sua versão paralela podia fazer consultas em qualquer página, sem exceção.

Ainda consternada, reuniu forças para perguntar:

—Como é que sabe de tudo isso?

—Porque é exatamente assim que eu me sentia sobre o John. –admitiu. –O problema dos sonhos, é que às vezes eles são muito objetivos. Selecionam apenas alguns pontos de maior destaque, e se esquecem de apresentar os outros setenta e cinco por cento que ficaram em segundo plano. A verdade é que meu relacionamento com John Smith quase chegou a acabar. Houve uma época, em que eu e John tivemos vários desentendimentos. Muitas vezes, acredite se quiser, por causa de nossas diferenças entre espécies. Ele, como humano, tinha várias idéias que não harmonizavam com minhas perspectivas de Senhora do Tempo. Nós nunca chegamos a brigar feio, mas houve épocas em que parecíamos dois desconhecidos.

É mesmo?—disso a Luisa adolescente não sabia. –Eu não podia imaginar... Quero dizer, vendo vocês dois hoje em dia, nem parece que houve algum desentendimento no passado. Poxa! Vocês são um casal tão lindinho... Ambos parecem se completar. São como almas gêmeas; Acho que não consigo imaginar vocês separados.

—É. E pensar que eu quase abri mão do John. –a Luisa adulta intensificou. –Se eu soubesse tudo que eu ia perder com isso, não teria bancado a durona durante tanto tempo... Teria sido mais compreensiva, mais aberta, mais disposta a entender seu ponto de vista.

—Mas, felizmente, vocês dois se casaram e formaram uma família linda!

—É. Graças aos céus! –a Luisa paralela suspirou. –Como você pode ver, quando as coisas são para acontecer, o universo se encarrega de fazê-las acontecer, independente de quais barreiras você tiver no caminho.

—Eu queria saber interpretar o universo que nem você. –disse Luisa. –Queria saber a hora certa de me apaixonar.

—Verdade! Isso seria uma mão na roda... Vou acrescentar essa função na minha lista de pedidos ao Papai Noel –ela brincou. –Mas, falando sério agora, acho que todo mundo passa por isso algum dia... Claro que não na mesma época da vida. Tenho completa noção de que cada um tem seu próprio tempo de desenvolvimento e evolução... É uma coisa bem particular na verdade. Mas bem lá no fundo, você sempre sabe quando está pronta para dar um passo á frente.

—É mesmo. –a outra concordou, sem esbanjar muita compenetração. –Nós sempre sabemos a hora de começar... O problema é saber a hora certa de parar.

A Luisa adulta apertou os olhos de leve, contorcendo a expressão em algo levemente tristonho.

—Não me leve a mal, querida. Só quero ter certeza de que minha versão paralela favorita terá uma vida tão linda e cheia de amor, quanto a que tenho hoje, ao lado do meu John.

—Acontece que nem tudo que queremos se realiza. –Luisa acrescentou. –Se as coisas fossem assim, o Doutor e eu daríamos certo, não é?

A xará paralela torceu a barra do vestido com os dedos, momentaneamente.

—Você sabe do que estou falando, não sabe?

—Sei. Está falando de amor verdadeiro, mas é claro que não há possibilidade alguma do Doutor e eu darmos certo. Ele é um alien e eu uma humana. Sei que é o mesmo caso de você e John e que isso não os impediu de serem felizes juntos, mas no meu caso é diferente.

—Diferente como? –a mulher pareceu intrigada. –Se está se referindo ao fato de nós duas termos amado o mesmo homem em versões de universos diferentes e achar que isso torna a situação impossível, eu devo discordar e dizer que acho isso uma grande baboseira!

A Luisa adolescente não pôde deixar de rir daquilo tudo.

—É nisso que você acredita?

—Completamente! –a outra exclamou. –Se nós duas fomos sortudas o bastante para encontrar o mesmo cara e ter algum tipo de relacionamento com ele, acho que está mais do que claro que existe uma espécie de conspiração ao nosso favor. –ela disse em disparada. –Fala sério! A culpa não é nossa se aqueles dois são tão irresistíveis!

As duas riram juntas do comentário.

—O único problema no meu caso, é que o buraco é bem mais embaixo –Luisa enfatizou. –Pelo que sei, o Doutor teve algum tipo de passado obscuro e vive á sombra de suas escolhas. Isso o persegue diariamente e ele nunca está perfeitamente bem para construir alguma coisa concreta com outra pessoa. Tem dias que eu olho pra ele e nós dois parecemos unha e carne. Mas, por outro lado, têm dias que nós dois parecemos distantes. –ela brincou distraidamente com um botão da blusa. -A verdade é que ele tem um lado entusiasmado que eu amo, mas ao mesmo tempo, não suporto vê-lo pensativo, ou quieto, perdido em lembranças perturbadoras... E pode crer, isso acontece várias vezes ao dia.  –disse, agora olhando-a nos olhos. –Ah... É inútil negar. Está mais do que na cara que eu não sei o que fazer. Ás vezes eu sinto que ele nunca vai parar de fugir das responsabilidades. Tenho tanto medo de finalmente me decidir sobre o que sinto e, quando isso acontecer, arranjar coragem para me declarar com todas as palavras, e ele simplesmente sair correndo de mim, entrar na TARDIS e sumir pelo tempo-espaço. Por que esse é o Doutor. Ele é compulsivamente imprevisível. Ele jamais aderiria a uma vida pacata. E, pelo que suponho, jamais aceitaria viver uma vida a dois, hoje em dia. Isso sai completamente fora do estilo dele. O Doutor jamais abandonaria a vida que leva. Acho que nunca chegará a abrir mão dela. Nem por mim, nem por ninguém. –ela fez uma pequena pausa. -E, é obvio que se eu precisar dele, ele virá correndo... Mas até quando, eu me pergunto? Ás vezes, eu queria tanto saber o que ele sente de verdade! Quero dizer, nós já conversamos sobre isso, mas... Ainda não consegui constatar se ele me vê só como uma amiga, ou não. Queria tanto poder saber se estou desperdiçando esperanças em uma coisa que não vai acontecer...

A Luisa paralela checou o horizonte. O por do sol já era uma fina camada de laranja atrás dos prédios e, muito em breve, elas teriam que voltar para junto de suas famílias.

—Olha... Vou ser bem sincera quanto a isso. Acho que você o está julgando antecipadamente. Como você mesma disse: ainda não sabe direito o que ele pensa. Não sabe como ele se sente sobre vocês dois. De repente, nem é tudo tão extremo como você supõe. –ela segurou as mãos de Luisa, com uma energia positiva espantosa. -Acho que o que você deve fazer a seguir, é conversar com ele sobre isso. Só esse ato vai esclarecer muitas coisas, pode crer. E, para ser franca, duvido muito que ele vá fugir de você se você se abrir com ele. Eu já notei que, independente de em qual sentido for, ele a considera muito. Aposto que se vocês dois conversarem abertamente, vão chegar a um denominador comum. E, quem sabe, esse denominador não seja recíproco?

Luisa sorriu com aquela hipótese.

—Então... Eu devo falar com ele por desencargo de consciência?

—Exato! –a mulher sorriu em resposta. –Olha, sei que é difícil conciliar as coisas, e que nós vivemos a mercê das regras do universo... Mas uma coisa nisso tudo é certa: Quando o santo bate, minha filha... É pra ser de qualquer forma. Independente dos obstáculos, de qual espécie ou a qual realidade você pertença. Entendeu?

Mal cabendo em si de tanta emoção, a Luisa adolescente inclinou-se e abraçou forte sua versão adulta. Sabia que não seria fácil traduzir o que sentia pelo Doutor e encarar o que viria pela frente, mas só de saber que em algum lugar do universo paralelo, haveria uma pessoa que sabia de toda a verdade sobre seus sentimentos e estaria torcendo por ela, já a deixava bem mais leve.

—Obrigado pelos conselhos... Vou tentar dar o melhor de mim. Prometo! 

—Você vai se sair bem quanto a isso... Eu sei que vai. Afinal, você é minha xará, não é mesmo? As Luisas arrasam!—a Senhora do Tempo brandiu animadamente, e as duas riram juntas.

E, com essa deixa, refizeram o caminho da estradinha, para se juntarem á suas famílias. Lá, encontraram as Melissas, os Doutores e as crianças interagindo. Estavam tão animados que aquilo nem parecia uma despedida. Ao se aproximarem do grupo, a Luisa adolescente abraçou sua melhor amiga e depois seus filhos paralelos –umas dez vezes seguidas –, enquanto a Luisa adulta e John Smith trocavam uma última ideia com o Doutor.

—Agora vocês já sabem o que fazer: Acaso se depararem com outro Cybermen, vocês devem imediatamente...

—Calma rapaz! –atropelou-o a mulher. –Eu sou sua representante neste mundo... Sou uma Senhora do Tempo oficial. Não se preocupe conosco. Se as coisas apertarem, eu saberei o que fazer.

Ele inclinou a cabeça levemente.

—Promete? –insistiu, de um jeito cômico; fazendo-a rir.

—Prometo! –ela o abraçou, depois bateu continência, de brincadeira. –Farei o seu serviço com excepcionalidade!

—É bom mesmo! –ele replicou em retorno, agora com ar de riso. Apertou também a mão de John Smith, para depois voltar-se uma última vez para sua companheira paralela. Quando o fez, seus olhos brilhavam de orgulho. –Sabe? Eu não podia ter uma representante melhor... –e respirou fundo, com as mãos nos bolsos e a cabeça erguida. Um sorrisinho brotava no canto dos lábios. –Boa sorte, Luisa.

—Boa sorte, Doutor. –desejou a mulher, sorrindo, de braços dados com o marido. Naquele momento, revelou um brilho exclusivo no olhar, que o Doutor somente conferira anteriormente com a Luisa adolescente. Houve uma movimentação rápida, e quando observou a cena de novo, deparou-se com os quatro filhos de John e Luisa e a Bike TARDIS, junto deles. Com o braço envolto da filha mais velha, a Luisa adulta anunciou:

—Hey, Senhor do Tempo, isso não é um adeus! Quem sabe não esbarramos nossas TARDISes uma na outra pelo vórtice um dia desses?

—Ficarei ansioso por isso! –sorriu o Doutor, ao lado de suas duas companheiras mais jovens.

Os três acenaram e entraram na cabine azul, estacionada à suas costas –alguns passos de distância de onde estiveram parados –e, em meio aos acenos da família paralela, o Doutor e as duas garotas partiram no inicio do anoitecer, deixando para trás um mundo novo de infinitas possibilidades, e lacrando a última janela temporal, que só se fecharia após eles atravessarem para o outro lado, de volta ao seu universo. Já distante dali, a Luisa de 17 anos olhava, pensativa, para a porta da TARDIS. Em um só dia, descobrira que tinha uma xará paralela com uma família maravilhosa... Constando nada menos que um marido incrível, quatro filhos encantadores e uma TARDIS própria, em formato de bicicleta. Certo, certo. Era demais pra cabeça... Mas mesmo assim, não deixava de ser empolgante! Lembrando-se aleatoriamente de fleches sobre o dia, ela relembrou partes da conversa que tivera com a Luisa paralela e começou a focar seus pensamentos exclusivamente em seu futuro: O que ela faria á seguir? De repente a vida pareceu muito mais interessante e, sem dúvida, muito mais atraente também. Poderia fazer tantas coisas... Imagine só, poderia fazer qualquer curso que quisesse! Se formar, e se tornar uma ótima profissional da área que escolhesse! Tudo dependia somente dela.

Mas, mesmo com a cabeça fervilhando de idéias, uma pergunta ainda persistia:

O que ela faria no dia de amanhã?

Luisa não fazia ideia. A única coisa que tinha absoluta certeza, era de que faria grandes coisas. Coisas boas, incríveis, improváveis, e fantásticas.


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Notas finais do capítulo

E acabooooou! :D

O que acharam do desfecho? Tô doidinha pra saber!!!

***
E agora uma pergunta em especial para se refletir: O que será que a Lu vai fazer sobre seus sentimentos com o Doutor? ~tema de expectativa~

***
Logo mais tem nova aventura chegando!! Aguardem! ;D



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