Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 78
Tempo congelado


Notas iniciais do capítulo

Hi!!!

"Ser engolido por Orelhões definitivamente não é a melhor forma de se deslocar pela cidade, porém, é a única maneira de se descobrir a verdade por trás do plano Cybermen".



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—Socorrooooooo! Aaaaaaaaaaah!

As três adolescentes e os três meninos caíram por um vasto cano e escorregaram em uma velocidade assustadora até finalmente enxergarem logo adiante uma abertura no cano, para onde seus corpos estavam se encaminhando sem controle. Contraditoriamente, não ficaram felizes com essa descoberta, pois a descida era tão íngreme e a velocidade tão assustadoramente rápida, que já podiam sentir que a queda não seria das melhores.

Dito e feito. Aterrissaram doloridamente sobre um chão frio e em relevo. O relevo era algo tão duro, que esfolar alguma parte do corpo não seria problema.

Luisa caiu de lado, mas não se machucou muito. Melissa, porém, ficou com um cortezinho feio perto da sobrancelha. A outra Melissa (a de 15 anos), reclamava por causa do tornozelo que parecia ter sido torcido, após sua dona cair de mau-jeito. Os dois meninos menores choravam e Matthew permaneceu parado na mesma pose em que se encontrava quando caiu, respirando de modo descontrolado e com uma carinha bem assustada.

Vendo-se em melhor situação, Luisa começou a revirar a bolsa freneticamente em busca de algum quite de primeiros socorros. Ou, pelo menos, um remedinho básico para tirar a dor. Com sorte, seus dedos roçaram em um potinho de tamanho e largura certos e ela o apanhou, aliviada. Era um remédio-spray. O melhor que ela poderia vir a querer usar naquele momento.

—Deus, obrigada! –ela beijou o frasquinho. Vendo-se com a salvação do dia em mãos, correu para ajudar os amigos. -Méli!

—Mais que merda! –a Melissa da TARDIS praguejou. –Dá pra acreditar nisso? –e apontou para o corte na testa, acima da sobrancelha direita.

—Calma... Eu vou passar uma coisinha em você. O machucado vai cicatrizar logo, eu prometo. –Luisa garantiu.

—Minha mãe me mata se ver isso... Ela sempre me põe de castigo quando me vê arranhada ou machucada.

—Nossa... Mais porquê isso? –Luisa pareceu intrigada. Em todos esse tempo em que foram amigas, Melissa jamais dissera algo a respeito.

—Por que ela “presume” que eu estive brigando na rua e, sendo assim, acha que eu mereço uma punição por ter me metido em encrenca –Melissa revirou os olhos. Luisa apertou o spray e o remédio voou pelos ares. –Ai! Isso tá gelado pra caramba! Onde foi que você pegou isso, “no Pólo Norte?”—ela protestou, sentindo o choque momentâneo do ar-dor gélido se dissipar aos poucos.

Bom. Boa menina. –Luisa sorriu, brincando com o bom comportamento de Melissa. –Quem é o próximo?

—Ai! –o gemido da outra Melissa manifestou-se por ela.

—Isso está doendo muito? –Luisa acocorou-se perto dela, tentando averiguar se o remédio-spray seria páreo para uma torção. –Quer tentar passar um pouco disso? Creio que não vai consertar a torção, mas pode melhorar a dor, por um tempo...

—O remédio é seu. Por favor, faça o que achar necessário. –a garota pediu, ansiosa por uma trégua na dor.

—Certo. Então vamos lá. –e sorriu para a filha paralela, espirrando Spray no tornozelo dela. –Como está?

—Está formigando um pouco... –a garota informou. –Mas já me sinto melhor... Obrigada.

Luisa foi se levantando, mas antes de seguir para o próximo paciente, lembrou de adverti-la:

—Não pise com esse pé. O remédio ameniza a dor, mas tenha em mente que seu tornozelo está machucado. –insistiu. -Pode estar até torcido, como é comum dos tornozelos, por isso é melhor não abusar.

A garota assentiu intensamente, provando que havia captado o recado.

—E vocês dois... –Luisa se aproximou de Chris e Dave, que choravam baixinho. –Venham aqui.

—Mamãe... –Chris fungou, sentando no colo dela. Os olhos estavam meramente inchados. Ele devia estar chorando já há algum tempo. –Meu joelho!

—Ah... Esse joelho bobo... –ela falou com voz de criança, massageando as costas do menino, para acalmá-lo. –Mas deixe estar! Eu vou passar uma coisinha aí, e o seu joelho vai parar de te incomodar...

—Vai doer? –Chris se encolheu ainda mais, em seus braços.

—Não. Não vai doer. E, se por acaso doer só um pouquinho, você me abraça forte, está bem?

Chris assentiu, olhando fixamente para ela.

—Então vamos lá. –ela esperou Chris se aconchegar melhor junto de si e fechar os olhos, então espirrou o Spray sob seu joelho. O menino fez uma careta rápida, mas então sua expressão relaxou e ele sorriu para ela.

—Já acabou?

—Já, sim. –ela sorriu e lhe deu um beijo na testa. –Prontinho, meu amor. Quem é o próxim...

Dave praticamente se atirou em seu colo e a abraçou, desesperado.

—Mamãe! –ele fez beicinho.

—Dave... –ela sorriu, acolhedora. Luisa já começava se acostumar a ser chamada de “mamãe” por seus filhos paralelos. –Fala pra mim, onde é que dói?

—Aqui atrás! –ele esfregou as nádegas, magoado.

—Ah! Aí atrás? –ela pôs a mão na cintura num tom brincalhão, para ele descontrair um pouco. -Isso é porque você caiu sentado, meu anjo. Tenha calma... Vai passar. –ela o abraçou forte. –Quer que eu passe um remedinho em você?

Não... –ele soluçou, manhoso. –Eu quero ir pra casa!

—Ah... Meu Deus. –ela o abraçou de novo. –Tenha calma, Dave... Nós vamos sair dessa. Eu prometo.

E fez um gesto com as mãos, próximo ao coração.

—O que isso quer dizer? –Dave perguntou, curioso.

—É um símbolo de promessa. Significa que eu prometo isso de coração, à você.

Dave pareceu bastante contente com isso.

—Ah, bom. Então tudo bem. –ele sorriu, parecendo outro. A garota desconfiou por um momento daquela mudança brusca.

Já se sente melhor?

—Já, sim. Obrigado mamãe! –ele se levantou, sorridente.

Luisa riu do jeito dele.

—Espertinho! Não estava morrendo de dor, como eu pensei... Só queria um consolo e um colinho, não é? Seu danadinho!—e desatou a fazer-lhe cócegas. Até então, de todos os envolvidos, Dave e Luisa pareceram ser os que menos sofreram danos. Isso se comprovou logo adiante, quando ela seguiu e deparou-se com Matt encolhido em um canto.

—Matthew? –ela chamou-o, mas ele não respondeu. Estava tremulo e parecia em estado de choque. –Ei... Você aí dentro deste corpo!—brincou. Ele fitou-a de canto de olho. –Não quer me contar como se sente? Talvez eu possa ajudar...

—Como foi que chegamos aqui? –perguntou, inquieto.

—Não sei ao certo Matthew, mas alguma coisa me diz que um certo orelhão lá do parque nos deve um bom pedido de desculpas —ela acentuou em um tom amigável, mas o menino continuou sério. Estava amedrontado demais para poder fazer qualquer coisa que exigisse pensar primeiro. –Não se preocupe. Está tudo bem agora... Nós vamos ficar bem. –ela sentou-se ao seu lado e imediatamente teve o colo preenchido por Chris e Dave, que correram para perto de si.

—Você parece minha mãe quando cuida deles –Matthew observou. Parecia meio incomodado com aquela idéia, mas Luisa não notou isso de imediato, só de ouvir sua voz.

—Pois é. Nós duas temos muitas coisas em comum. Eu, por exemplo, também adoro crianças –ela sorriu simpática, porém, desta vez sentiu um tremendo peso no coração quando ele desviou os olhos, ainda fechado consigo mesmo. –Matt, o que foi? Qual o problema? O que você têm? –ela tentou tocá-lo, mas ele não permitiu.

Me deixa em paz! Você não é minha mãe de verdade e nunca vai ser!—gritou. Luisa se afastou, dando-lhe espaço, mas ainda sim, intrigada com aquele descontrole súbito.

—Irmãozinho! –a Melissa de óculos se arrastou até ele. Ela estava determinada a protegê-lo, e vê-lo naquele estado foi como sentir um chacoalhão bem no fundo de seu ser. –Matt! Matt! Ah, não... Aqui não... Por favor, irmãozinho... Não fique assim... Não agora, quando papai e mamãe estão tão longe de nós...

—O que houve? O que ele tem? –perguntou Luisa, aflita.

—O Matthew tem crises de pânico às vezes. –ela explicou. –Ele tem isso desde o dia que fomos andar de roda-gigante no parque de diversões. Ele ainda era bem pequeno e olhou para baixo, quando nós dissemos para não olhar. A roda-gigante era muito alta e nós estávamos bem no topo. Desde então, ele não pode com altura. Fica pensando que vai cair e entra em pânico...

—E, seguindo o raciocínio, essa queda que nós passamos deve ter sido muito assustadora e intensa para ele... –a outra Melissa prosseguiu, com um aperto no peito. –Pobrezinho, deve estar apavorado.

—E ninguém pode ajudá-lo? –Luisa perguntou, incrédula, para a Melissa mais jovem. 

—Só papai e mamãe conseguem acalmá-lo em momentos assim... Eles o abraçam bem forte, em conjunto, e esperam até que ele se acalme.

—Ora, então vamos fazer isso! –Luisa se animou.

Não podemos!—a Melissa paralela cortou. –Ele não consegue se acalmar com mais ninguém... Têm que ser sempre com papai e mamãe!

Luisa olhou para Matt fixamente e tomou uma decisão importante naquele instante: eles ajudariam aquele menino a superar esse medo, ou então passariam o resto do dia tentando. Não a leve a mal... Luisa queria muito que tudo aquilo acabasse logo. Queria muito poder salvar o Doutor; Mas ao ver Matt naquele estado, não poderia simplesmente ignorá-lo e seguir em frente com o cronograma. Precisavam lutar juntos se quisessem se ver livres daqueles obstáculos, e para isso, precisavam saber que podiam contar uns com os outros.

Decidida a fazê-lo compreender isso, ela se aproximou do garoto com calma e acomodou-se no chão, sentando-se de frente para ele.

—Matthew? –ela ergueu seu rosto com um movimento delicado, segurando seu queixo. Ele ergueu o olhar, apreensivo. Desta vez, toda a raiva anterior parecia ter se dissipado. Naquele novo momento, ele parecia mais um garotinho assustado. –Ei... Tudo bem mocinho. Não precisa ficar nervoso. Só... Olhe bem fundo nos meus olhos, está bem? –ela instruiu. –Talvez assim possa sentir que não estou mentindo sobre estar do seu lado.

—Eu não quis... Não tive a intenção... –ele gaguejou. –Não pretendia gritar...

—Não precisa dizer mais nada. Você está perdoado. –ela pôs a mão em seu ombro. –Só fique calmo e respire fundo comigo... Tudo bem?

—Acho que sim. –ele assentiu, com os olhos fixos nela. Tendo conseguido passar da fase de “aproximação”, ela segurou delicadamente sua mão e fez sinal para a irmã mais velha de Matthew, avisando que já era seguro ela se aproximar.

—Irmãozinho... –Melissa sorriu para ele. –Nós vamos te ajudar a superar isso... Eu prometo. –e deu-lhe um beijo na testa. Mesmo controlado pelo medo, o garoto pareceu reconhecer a irmã e reagiu bastante bem sob sua influência. –Eu vou abraçar você, se não se importar... –e abraçou-o pelas costas, entrelaçando um dos braços ao redor do irmão, enquanto a mão livre lhe fazia um cafuné na cabeça.

A Melissa de 17 anos também se aproximou.

—Clama. Ninguém aqui vai te machucar... –ela ergueu as mãos em sinal de paz. –Nós viemos ajudar você, amiguinho.

—Matthew –Chris se aproximaram dele também. –Fique bem. Nós todos te amamos!

—É mesmo! –Dave deu apoio, sorridente. Mas alguma coisa o fez franzir a testa pequena e sem rugas. -O que é isso? –Dave perguntou, tocando no braço livre de Matt, que ele deixara meio escondido ao lado do corpo. Conseqüentemente, o garoto gemeu, incomodado. Foi só nesse memento que Luisa se deu conta de que ele também estava machucado, e que esse podia ser um dos principais motivos para Matthew ter perdido controle sobre suas emoções.

—Nossa... Esse está bem feio. –Luisa analisou, examinando o esfolado por cima. Então voltou-se para o dono do braço machucado. –Matthew... Eu sei que isso não vai ser muito agradável... Mas será que você poderia me deixar cuidar do seu braço?

O garoto arregalou os olhos e imediatamente negou com a cabeça. A Melissa que o abraçava intensificou o toque e começou a cantarolar a melodia de “Noite Feliz”, próximo ao ouvido dele. Na real, ninguém entendeu exatamente como aquilo poderia ajudar em uma situação como aquela, mas o fato foi que três minutos depois, ele endireitou as costas e estendeu o braço, confiante, para Luisa. 

Ela própria se surpreendeu com a atitude do menino, mas ele mesmo não parecia nem um pouco contrariado ou arrependido da decisão tomada.

Respirou fundo, de olhos fechados, e Luisa passou o Spray sob seu braço. Melissa continuou a segurá-lo por trás. Pensaram que ele se debateria, especialmente por causa da crise, mas não. Ele se manteve imóvel durante todo processo. Matt estava novamente no controle de seus sentimentos e ações. Não deixaria o pânico se apossar dele. Não mais. Especialmente agora, que tinha tanto apoio de sua família, e em “dose dupla” vinda de suas versões paralelas. Então, terminada a etapa responsável por impedir o machucado de infeccionar, Luisa tirou um rolo de atadura da Bolsa Que Tudo Tem e enfaixou o braço do menino. Agora, finalmente, o garoto ficaria bem.

Com um longo suspiro de alivio, todos sorriram uns para os outros, satisfeitos com o resultado do trabalho e promoveram um abraço em equipe, da qual Matthew também participou.

—Muito bom, irmãozinho! –Melissa desgrenhou os cabelos do irmão, orgulhosa. –Essa foi demais! Mal posso esperar para contar aos nossos pais sobre todo o progresso que fizemos!

E quê progresso! —Luisa sorriu, apertando a mão estendida do menino.

—Obrigado por terem tido paciência comigo... –Matthew agradeceu, coçando a nuca com a mão livre, meio sem jeito.

—Ora, não foi nada. –ela deu de ombros, simplista. –Você é legal, cara. –e sorriu, emendando o comprimento formal com um comprimento moderno.

—Você é igual á minha mãe... Tenho que admitir que concordo com Dave e Chris, sobre isso. –ele riu. –Mesmo que vocês duas continuem tendo uma diferença grotesca...

—Como assim? –Luisa fez uma careta duvidosa, olhando de soslaio para a Melissa de 15 anos, apoiada nos ombros de Matt. Ela deu de ombros, sobre o assunto. Não fazia idéia de que o irmão poderia estar falando. –Posso saber á que ponto em especial, você está se referindo?

É que você usa calças. –Matthew anunciou, rindo. Luisa observou suas calças jeans por um momento, então também caiu na risada, junto com o restante dos irmãos dele.

—CAÇAROLA! –ouviram um grito á longa distancia e voltaram-se imediatamente para a direção oposta. A Melissa mais velha parecia um serelepe. Começou fazer força para puxar alguma coisa na parede, perdeu o equilíbrio e caiu no chão, desengonçada.

—Méli? –Luisa correu para ajudá-la, seguida pelos outros. –O que está fazendo?

—Novidade bombástica no Jornal do Bagaio: Eu acho que acabei de encontrar uma saída.—Melissa anunciou, tirando a poeira das roupas.

—Uma saída? Tipo escondida? –a Melissa paralela sugeriu.

—Exato. Eu tinha conseguido encontrar uma alavanca pequena por entre as pedras da parede, mas quando puxei, acabei perdendo o equilíbrio. –continuou a outra Melissa. –Precisamos encontrar essa alavanca de novo. Estou certa de que ela deve abrir alguma passagem para nós fugirmos daqui.

Entreolharam-se todos por um momento, então começaram a tatear a parede cegamente, contando apenas com os poucos raios de luz que uma lamparina repercutia.

—Que tipo de lugar é esse, afinal? –perguntou Matthew. –Onde nós estamos?

—Não sei. Parece um porão. Um mausoléu. Talvez uma cela...

—Ou uma armadilha. –propôs Luisa.

—Armadilha? –Melissa fez uma careta. –Ainda está encasquetada com o episódio do orelhão?

—Não estou encasquetada. Apenas não consigo digerir essa idéia de lidar com os fatos como se eles fossem indiferentes ou não obtivessem conexão alguma. Quero dizer, quem programaria orelhões para engolir pessoas? E por que o cano por onde escorregamos terminou justamente aqui, em um tipo de masmorra? Será que estamos sozinhos aqui? Será que eles, quem sejam, sabem que nós estamos aqui? Será que estamos sendo observados, enquanto conversamos?

Preocupados, alguns deles olharam para cima, em busca de alguma câmera escondida, mas estava tão escuro que não conseguiram enxergar nem mesmo o próprio teto.

—Tudo bem, gente... Vamos com calma. Um passo de cada vez... –ponderou Luisa, respirando fundo. –Vamos continuar a procurar a tal alavanca. Acredito que já seria uma grande coisa poder ver a luz do sol novamente e... Ah! –Luisa apoiou-se na parede enquanto falava, e sem querer, seu ombro encostou justamente na pequena alavanca, que baixou-se de imediato e fez com que a parede começasse a se mover.

—Brilhante! Você é brilhante, Luisa! –Melissa a segurou, impedindo que ela perdesse o equilíbrio e caísse passagem á dentro. –Inacreditável como você consegue ser incrível, mesmo quando distraída...

Sem mais delongas, atravessaram a passagem rochosa e descobriram um túnel inteiro prateado e muito bem iluminado. Percorreram toda sua extensão, que era completamente reta e sem caminhos alternativos, e deram de cara com uma pequena porta, no fim do corredor. Empurraram-na com cuidado e descobriram-se dentro de um armário de objetos de limpeza. Armaram-se com alguns esfregões e vassouras, na expectativa de se defenderem (ou pelo menos de ganharem tempo), caso fossem descobertos ou alguma coisa ruim acontecesse.

Saíram do armário de limpeza e deram de cara com mais um corredor, mas desta vez, pertencente á outra área do lugar, nada parecida com a inferior, onde estiveram presos anteriormente. Esta também tinha o piso, as paredes e o teto prateados, mas tudo refletia uma luz avermelhada e fumarenta. De repente, o pequeno grupo começou a suar e a sentir muito mais calor do que no covil do orelhão. Parecia que estavam cozinhando alguma coisa lá dentro, pois as temperaturas eram iguais ou piores que a de um forno. Começaram a caminhar pelo espaço novo e quente... Até seus ouvidos captarem vozes de pessoas gritando. A equipe entreolhou-se e saiu correndo, seguindo o som.

Dobraram alguns corredores até depararem-se com várias celas recheadas de pessoas inocentes. Crianças, adultos, adolescentes e idosos. Todos capturados. Todos aprisionados pelos orelhões trapaceiros. Alguns casais gritavam por ajuda; Outros chegavam a dizer estar enlouquecendo lá dentro; Outros ainda estendiam os braços, em desespero, como se as crianças que chegavam fossem sua salvação –quem dera pudessem fazer alguma coisa para livrá-los daquela situação. As multidões berravam ao mesmo tempo e a cabeça dos recém cegados já começava a latejar.

—SILÊNCIO!!! –Melissa berrou e todos se encolheram, calados. –Fechem a matraca, seus desaforados!

Com calma, Luisa conseguiu persuadir um homem de olhos jovens, mas de barba comprida e mal-feita, a lhe contar o que eles faziam presos ali. Seu nome era Jéferson. Ele contou-lhe que era um antigo funcionário da fabrica e, após a substituição obrigatória dos humanos por máquinas inteligentes, ele foi demitido e rebaixado do cargo.

—E na linguagem cybernética, “rebaixado” significa: encostado; exonerado; banido—o homem falou. –Não há esperanças para nós, aqui embaixo. Cada um possui um chip detector instalado dentro do corpo. Se um de nós escapar, eles saberão. E voltarão para nos perseguir e depois nos transformarão naqueles monstros...

Os Cybermen. –Luisa adivinhou. –Eu já os vi antes.

—Então sabe que não devia estar aqui... Vocês estão soltos! Eles já devem saber que vocês escaparam. Eles tem câmeras em todas as alas...

—Nós fomos engolidos por um Orelhão. –explicou uma das Melissas.

—Exatamente o que aconteceu comigo. –disse uma mulher loira, de olhos inchados. –Eu estava andando por uma rua deserta às dez horas da manhã, quando passei em frente á um orelhão e ouvi um barulho. Me virei e percebi que o fone havia caído. Voltei para colocá-lo no lugar, então aquela coisa horrível rosnou para mim e me engoliu. –disse, com voz enojada.

—Isso mesmo! –Luisa confirmou. –Quando isso aconteceu com você? Desde quando está presa?

—Já faz seis meses... –a mulher choramingou, meio perturbada. Abraçou as próprias pernas e afundou a cabeça nos braços cruzados.

—Eles pretendem converter a humanidade em robôs-compulsivos por desumanidade. –explicou Jéferson. –Todos aqui, inclusive eu, fomos capturados por orelhões, justamente para sermos convertidos á margem da sociedade, sem que ninguém suspeite. Os Cybermen acreditam que a população não sentirá falta de nós, se formos capturados aos poucos, e sem causar alarde. Mais eu tenho uma teoria sobre isso: Pelo que entendi, essa não é a primeira vez que tentam nos dominar. Outrora, aparentemente, essas criaturas já tentaram uma abordagem direta, causando o terror na população e obrigando-os a serem convertidos; mas o plano não funcionou, então resolveram ficar um tempo nas sombras, esperando até que as pessoas esquecessem de tudo, o que sempre acaba acontecendo. Então, os Cybermen recomeçaram o estratagema á todo vapor, só que desta vez, puseram-se a converter gente por baixo dos panos.

—Isso é terrível! –Luisa levou a mão aos lábios.

—Esses monstros pensam que assim poderão alcançar sua meta de modo muito mais fácil e sem rebeliões, mas eu ainda acho que existe uma grande falha neste plano absurdo. Se parar para pensar um pouco, chagará a essas mesmas questões: E as famílias de todas essas pessoas desaparecidas? Será que ninguém sentirá falta deles? Será que ninguém acionará a polícia ou contratará um detetive? Eu acho difícil passar completamente despercebido nesta cidade.

—Sim. Mas em todo caso, não podemos contar sempre com a sorte. Alguém aqui já viu a polícia aparecer nesta área? –Luisa perguntou e as pessoas nas celas baixaram a cabeça. –Como eu imaginei. Infelizmente, vocês não têm ajuda do governo, mas têm a nós.—e indicou o restante do grupo. -Precisamos fazer alguma coisa para ajudar... Quantos vocês são?

—Quase mil. –Jéferson disse. –Estamos sendo capturados há tempos e ficamos numa espécie de “fila de espera”, na dura expectativa de que nossa cela possa ser a próxima a ser submetida á conversão. Mas não adianta ficar reclamando... Vocês não podem fazer nada por nós. Todos aqui estão sendo monitorados. O nosso destino é só um: perecer aqui na cela ou morrer virando um monstro. O que, tecnicamente, dá na mesma.  

—Mas não consigo entender... –Luisa prolongou. –Meu amigo morreu para causar a destruição dos Cybermens. –ela fez uma careta negativa. –Como eles podem estar vivos?

—Seu amigo obviamente não fez diferença alguma com essa fábrica. –o homem garantiu. –Na verdade, o ritmo das conversões aumentou muito ultimamente...

—Deve ser para repor os soldados que morreram com a investida do Doutor –supôs Melissa. –Lembra? Ele disse que explodiria ou desativaria todos os Cybermens da fábrica. Mas não contava que o mesmo procedimento não ocorreria em série, com todos os outros Cyborgs. Eles devem ter criado algum tipo de barreira que impediu que os Cybermens danificados, da primeira fábrica em que estivemos, atrapalhem os demais, das outras fábricas. Eles encontraram um antídoto para não sucumbirem em massa! E isso, é o que os humanos não têm.

—Exatamente. –o homem assentiu. –É por isso que vocês precisam ir embora. Não vale a pena lutar contra eles. Se você destruir um, ou um milhão, que seja... Eles podem converter mais e mais pessoas e substituir o exercito morto. Por isso não há esperança... Não adianta resistir. Todos teremos um fim trágico e não há ninguém que possa mudar isso...

—Mas... –Luisa prorrogou, mas sua voz foi interrompida por um barulho de motor de máquina, esfriando. Outra conversão ia começar. Percebendo isso, Jéferson começou a gritar, desta vez com urgência:

Parem de perder tempo, crianças! Vocês estavam confinados nas celas provisórias. Eles monitoram tudo aqui dentro... Em algum momento, eles descerão até os porões e perceberão que sua cela está vazia, então começarão a caçá-los! Vocês estão soltos agora, mas isso não vai durar para sempre... Portanto, escutem meu conselho, e fujam daqui! FUJAM! Antes que aqueles monstros de metal voltem e resolvam implantar um chip detector em vocês também. FUJAM! SAIAM DAQUI! RÁPIDO! CORRAM POR SUAS VIDAS!

Estavam inseguros quanto a abandonar todas aquelas pessoas para morrer, mas os gritos histéricos das multidões aglomeradas nas celas recomeçaram a aumentar gradativamente e se misturaram aos avisos de Jéferson. Muitos presos, inacreditavelmente, começaram a chamar pela segurança, chacoalhando as barras de ferro como animais, exigindo que os Cybermen viessem capturar as crianças.

Eles estão todos loucos!—disse Melissa, pegando no braço da melhor amiga. –Vamos embora antes que acabe sobrando para nós!

Assustados com a idéia de serem re-capturados pelos robôs e mantidos em celas até enlouquecerem ou serem convertidos, correram por suas vidas, desesperados, procurando por um esconderijo.

Enquanto corriam, ouviam gritos de pessoas que estavam sendo convertidas e fechavam os ouvidos, traumatizados. Felizmente, encontraram uma sala para se esconder. Entraram em disparada, mas logo tiveram que se abaixar, pois mais Cybermens estavam trabalhando naquela ala. Luisa e Melissa ficaram juntas, escondidas atrás de um balcão, enquanto os outros quatro enfiaram-se atrás de um armário.

Era possível ouvir as passadas barulhentas dos Cyborgs, não muito longe dali. Às vezes aparentavam se aproximar do balcão e o coração delas ia parar na boca, só para depois mudarem o trajeto e fazê-las suspirarem, mas sempre alerta, com a pulga atrás da orelha. Por fim, em meio á uma piscada de luz, Luisa e Melissa voltaram os rostos para o mesmo ponto e abriram um imenso sorriso ao se depararem com uma caixa azul, espremida entre dois armários colados á parede prateada.

A TARDIS estava tão grudada á parede que parecia até estar se escondendo, assim como elas. Foi mesmo uma surpresa encontrá-la ali. E fora ainda mais surpreendente crer que o plano que haviam bolado com a Enterprise realmente funcionara. Muito provavelmente, a TARDIS fora atraída e teria chegado naquela rua sem saída, se a janela do tempo não tivesse desaparecido e migrado para dentro daquela fábrica –o que resultou na aparição da cabine naquele lugar. Estava mais do que na cara que a janela do tempo tinha alguma ligação com o evento dos Cybermen, pois não conseguia se estabilizar direito fora das fabricas de ácido. Era certo que tudo aquilo –Janelas do Tempo e Orelhões devoradores de gente— era um tipo de conseqüência da ação Cybermen na Terra. Como isso poderia ter conexão ou ao menos ser possível? Ninguém sabia ao certo. Mas que havia um certo padrão envolvendo tudo, com certeza havia.

Tudo isso se passou em uma questão de segundos. Luisa e Melissa fizeram sinal para os outros quatro, mostrando a TARDIS. Melissa, Matthew, Dave e Chris se abaixaram e engatinharam para junto das duas, enfiando-se também atrás do balcão. Então, depois de esquematizarem uma fuga aceitável, Luisa engatinhou até perto da TARDIS e torceu para que a porta estivesse aberta. Empurrou-a e, felizmente, a porta estava mesmo aberta. Depois de entrar, sem chamar atenção dos Cybermen, fez sinal para os outros fazerem o mesmo. Em pouco tempo, todos já estavam dentro da cabine; trancaram as portas por dentro e começaram a pensar em um jeito de fazê-la decolar.

—Aperta alguma coisa, vai!

—Tenta aqueles botões ali, ó!

—Não, não, não! Use o Mapeador Zig-zag!

—Boa idéia!

E nada da TARDIS alçar vôo. Por fim, ficou á critério de Luisa e Melissa pensarem em alguma coisa, já que estavam mais habituadas com aquele modelo de máquina do tempo.

—Vamos! Vamos! Que nave preguiçosa! –Melissa resmungou, com as mãos na cintura. –Avante! Precisamos salvar o Doutor!

Imediatamente, a cabine se acendeu como nunca e começou a dar partida. Melissa olhou espantada para Luisa.

—É... Lealdade não se discute mesmo.

—Vamos ajudá-la! –Luisa puxou para baixo a tela que mostrava as imagens exteriores da nave, atualmente desligada. –Acho que precisamos datar as coordenadas, não?

Está brincando! Se ela foi capaz de se auto-pilotar só com a menção do nome do Doutor, então deve ser bem capaz de localizá-lo sozinha. –disse Melissa, sentando-se em uma poltrona, com os pés para cima.

A cabine rangeu em resposta, dando um rodopio inesperado e derrubando-a de sua posição relaxante.

—Hã! Que navezinha mais geniosa! –bufou, atacando uma almofada no painel de controles.

A almofada atingiu a tela que mostrava as imagens exteriores da nave, ligando-a sucessivamente, e mostrou a cena de John Smith e sua esposa lutando na fábrica contra os Cybermens.

—Meu Deus... Aqueles são nossos pais! –exclamou a Melissa de óculos. –Não acredito. Eles... Estão lutando com aquelas coisas!

—Homem prateado! Homem prateado!–disparou Dave, assustado.

—De novo não! –brandiu Matthew, batendo o punho no painel.

—Mamãe! Papai! –gritou Chris, como se a imagem pudesse ouvi-lo protestar.

—Melissa! São meus pais! Não podemos deixá-los! –uma Melissa chacoalhou a outra.

—Não se grila! Nós vamos salvá-los... –e voltou-se para Luisa, tranqüilamente. –Nós podemos fazer a TARDIS retornar, certo? Faça o retorno...

—Não consigo! –Luisa gritou, apertando uma seqüência aleatória de botões. –Eu não sei o que isso faz! Não sei como pilotar!

Como assim não sabem pilotar? Pensei que viajassem com um Senhor do Tempo! –esbravejou a Melissa mais nova.

—E viajamos, mas não tivemos tempo suficiente para aprender como guiar essa máquina maluca... –a outra Melissa defendeu. –Ah, dá um tempo! Nem ele mesmo pilota direito!

—E não é só esse o problema –Luisa emendou. –Mesmo que soubéssemos pilotá-la, a TARDIS não está obedecendo. Parece que travou uma rota definitiva pelo espaço e tempo, e só vai parar quando chegar em seu destino!

—Ela está voltando para o Doutor... –Melissa lembrou. –Então devemos estar voltando no tempo...

Mas, nossos pais...—protestou a Melissa mais nova. Entretanto, não houve tempo para responder, pois a nave deu uma guinada brusca e todos caíram sob o console.

E a nave foi silenciando, conforme eles foram se levantando.

—Chegamos! –Luisa arregalou os olhos ao ver a sala de ácido na tela da câmera exterior da nave e, no meio da imagem, estava o Doutor. Vivo. Respirando. Sério e Imponente. De costas para os barris de ácido, com a chave sônica em mãos e a cabeça baixa na direção das portas lacradas, que Luisa devia estar esmurrando naquele instante. Viu-o desviar os olhos. Viu-o suspirar. Leu novamente seus lábios dizendo “Eu sinto muito”. Estava prestes a fazer uma enorme besteira, já que sua morte nem ao menos rendeu a destruição em massa de todas as fábricas Cybermen. Talvez tenha matado alguns milhões, mas naquele instante, Luisa sabia, pessoas em celas estavam sendo convertidas em um ritmo acelerado para formar mais exércitos substitutos. E lá estava o Doutor –prestes a fazer a maior idiotice de todas. Desconhecendo o tremendo vazio que causaria na vida dela e de todo o universo. Desconhecendo o verdadeiro plano Cybermen... Indiferente á existência da Enterprise, os Orelhões que engolem gente, as Janelas do Tempo descontroladas e tudo mais. Aquela era a versão da história que Luisa já havia conferido. Nem precisou pensar para chegar à conclusão de que não gostou nada do resultado. Aquela versão não deveria ser a oficial... E se dependesse dela, de fato não seria.

Viu-o dar as costas para a Luisa do passado e voltar-se para os tanques de ácido.

A Luisa do passado não podia impedi-lo.

A Luisa do presente tinha o poder nas mãos.

Sua versão do passado desviou os olhos atrás da porta resistente.

Sua versão do presente semi-cerrou os olhos, determinada a salvá-lo.

A Luisa do passado não queria ver o que aconteceria. Sabia que iria gritar quando ouvisse a explosão. Mas se recruzava a vê-lo explodir junto.

A Luisa do presente respirou fundo com o dedo sob um botão que piscava no painel. Ela sentia que a TARDIS queria que ela o apertasse no momento certo. Concentrou-se. A nave devia estar invisível, pois o Doutor não demonstrou surpresa ou algo do tipo, quando ela surgiu no salão.

Viu-o fechar os olhos e começar a erguer a chave sônica, indiferente á tudo.

Ele acionou a ferramenta sônica. O ácido começou a vibrar, dentro dos barris. Estava prestes á causar a explosão;

A garota da bolsinha rosa respirou fundo e apertou o botão azul, que piscava histericamente;

E de repente o tempo pareceu entrar em suspensão. Tudo parou, inclusive o ponteiro dos relógios. Agora o Doutor olhava abismado para as coisas ao seu redor. Sentiu um desvio muito forte acontecer com o tempo. Um Senhor do Tempo era muito sensível quanto ao próprio tempo e seria quase impossível esse tipo de evento temporal passar despercebido por ele. Ele fez uma careta. Aquilo não era comum... O silêncio era completo em todos os lugares, a não ser por um gemido rouco que foi se arrastando e aumentando de intensidade, conforme a TARDIS se materializava ao seu redor.

—O quê? –foi a primeira coisa que falou, ao se deparar com Luisa pilotando a TARDIS, junto de Melissa e os quatro integrantes mirins da família paralela. Olhou cada um com exclusividade, antes de voltar-se para Luisa mais uma vez, incrédulo. –O QUÊ?

—Que o quê? –Luisa respondeu, quase sem reação.

Ele fez um som com a garganta como se estivesse se esforçando para encontrar as palavras certas.

O quê?

—Tá legal. Acho que nós empacamos. –Melissa concluiu, meio entediada. –Será que podemos pular essa parte ou vocês pretendem ficar em “modo repetição” o dia todo?

—Tem razão. –Luisa sorriu. –Isso foi muito bobo.

—Bobo? –o Doutor continuava na mesma. –Que diabos você faz aqui? –ele apontou para Luisa. –E mandei me esperar do lado de fora!

—E eu obedeci, mas não gostei do resultado, por isso voltei no tempo e estou salvando sua vida.

—Mas... –ele ponderou. Aquilo não parecia ser o bastante para convencê-lo. –Eu não ia morrer. Eu tinha tudo esquematizado... Ia me regenerar no último segundo...

—A regeneração não aconteceu. –ela afirmou, séria. –Eu esperei. E esperei muito, mas você não se mexeu... Acho que as células foram corroídas pelo ácido e não conseguiram revivê-lo.

—Espera aí, Luisa... Que papo é esse de regeneração? –Melissa interveio, confusa.

Luisa e o Doutor se entreolharam. Eles haviam esquecido de que Melissa ainda não sabia sobre as regenerações do Senhor do Tempo. Poderiam explicar para ela depois; aquele não era o melhor momento para tocar no assusto.

—E a fábrica? E os Cybermens? –o Doutor desconversou. –Mesmo que vocês tenham me salvado, não podemos ter certeza de que tudo explodiu como previsto.

—É sobre isso que nós queríamos falar com você –Melissa irrompeu. –O seu plano falhou, no fim das contas. Nós vimos. Só os Cybermens desta fábrica é que foram detidos.

—Como assim? –ele indagou, confuso.

—É verdade. –Luisa prosseguiu dali. –Nós estivemos em outra fábrica e descobrimos que eles estão preparando novas levas de Cyborgs, que não são interligados como você supunha. Neste caso, acredito que cada fábrica tenha um Cyborg rei, e você teria que explodir cada um para poder deter todos. E acredite... São centenas de fábricas por todo o mundo. –a garota terminou com um suspiro cansado. Depois segurou o amigo pelos ombros. –Doutor, sua vida vale mais do que isso. Pare de uma vez com essa bobagem de “se explodir”, ou então terá que fazê-lo um trilhão de vezes e, eu tenho certeza, as células de ninguém agüentariam esse impacto. Nem mesmo as suas.

—Eu poderia usar uma roupa apropriada da próxima vez... Tipo um traje anti-queimadura –ele falou consigo mesmo, então percebeu que todos estavam olhando-o feio e, só então, decidiu reciclar aquela idéia maluca. –Tudo bem... Vocês têm razão. Chega de explosões por hoje...

—Mas então como faremos para deter os Cybermens? –perguntou Matthew, atento á conversa. –E como faremos para salvar as pessoas encarceradas?

—Pessoas encarceradas? –o Doutor franziu a testa. Teve uma impressão súbita, ruim, sobre aquilo.

—Sim. Os Cyborgs estão capturando as pessoas da cidade e trancafiando-as nos níveis mais baixos das fábricas. Lá eles cultivam celas recheadas de humanos descontentes que ficam “na espera” para serem convertidos. –explicou Luisa. –Nós estivemos em uma das fábricas e conversamos com algumas daquelas pobres pessoas, e eles disseram que estava havendo mais conversões hoje, do que normalmente. –ela fez uma pequena pausa. O Doutor abriu a boca, mas não disse nada. -Isso automaticamente sugere que, para cada Cyborg que você exterminou com ácido, eles estão convertendo uma nova vítima em Cybermen, para substituir o exercito morto desta fábrica.

—Mas isso é terrível! –o Doutor pareceu arrasado. Atirou-se em uma poltrona e ficou analisando as informações que acabara de absorver. –Mas então meus cálculos estavam todos errados... Meu Deus! Eu estraguei tudo!

Luisa ajoelhou-se de frente para a poltrona, para poder olhar o amigo nos olhos.

—Correção: “você quase estragou tudo”. –ela sorriu, seguida por Melissa, que se ajoelhou também próxima da amiga, ambas diante do Senhor do Tempo. Nenhuma das duas tinham no rosto a expressão de quem julgava o companheiro. Na verdade, pareciam até muito contentes por algum motivo.

—Eu perdi alguma coisa? –ele olhou de uma para a outra. Os olhos das meninas começaram a ficar marejados e fitavam-no com ternura.

—Seu bobo inconsequente! –Luisa abraçou-o de uma tacada só.

—Seu grande, grande idiota! –Melissa abraçou-o também.

—Tá legal... –ele ficou petrificado na posição, enquanto elas o envolviam com os braços. –Eu devo ter feito alguma coisa realmente boa. Hum... Não rola uma pista básica?

As duas se afastaram e sorriram entre si, e de volta para ele.

Meu amigo, você fez uma tremenda burrice—Melissa riu.

—Mas agora você está aqui, e é só o que importa –Luisa completou. -Mas se bancar o suicida de novo...

—Nós vamos te encher de pancada, tá bom? –Melissa ameaçou, sorridente. E as duas voltaram a abraçá-lo. Com a única diferença de que desta vez, o rapaz retribuiu-as no ato.

—Com licença... –Chris aproximou-se deles, tímido. –Mas e a minha mamãe e o meu papai? Quem vai salvá-los?

O trio se entreolhou, imponente.

—Nós iremos, Chris. –Luisa respondeu pelos amigos. –Todos nós. Neste exato instante.

—É como ela disse –o Doutor ergueu-se de um salto e correu para o painel de controles. –Uma burrice de cada vez. Agora, que já ensinamos a todo mundo como “não salvar o dia”, vamos demonstrar o jeito certo de fazer as coisas.

E ativou uma alavanca. E a nave decolou. E todos sorriram empolgados enquanto ela dava cambalhotas pelo vórtice.

 

*    *     *

John estava sentado em cima de uma rocha de tamanho médio, enquanto a esposa praticamente dava voadoras na parede, esperando derrubar alguma coisa. Quando ela caiu pela quinta vez, ele suspirou, ergueu-se e caminhou até ela, para ajudá-la.

—Não adianta, meu bem. –puxou-a para cima. –Nós já tentamos de tudo... Essa cela é resistente. Você não viu? Nem o espelho-sônico deu um jeito nela...

—Mas eu não me dou por vencida, John! Nossos filhos estão em algum lugar por aqui e eu não vou descansar enquanto não encontrá-los!

—Talvez se tivéssemos sido engolidos pelo mesmo orelhão que eles, quem sabe teríamos uma chance maior de ir parar no mesmo lugar.

—Tudo isso é muito relevante. –a esposa entoou. –Precisamos de um plano!

—Sabe...? –John levou a mão ao queixo. -Tem uma coisa que ainda não tentamos...

—E o que seria?

—Gritar por socorro. –ele deu de ombros. A esposa olhou feio para ele. –Qual é? Não me olhe assim! Com certeza é melhor do que chutar as paredes e espernear.

A esposa encarou a parede rochosa por um instante, aparentemente tentando testar até onde seus olhos eram capazes de detectá-la na quase-penumbra. Queria calcular uma possível probabilidade de escalada, mas a altura não aprecia ser promissora. Não muito contente com o resultado, bufou e voltou-se para o marido.

—Certo. Vamos tentar do seu jeito desta vez.

—Tudo bem. Pronta?

—E precisa de preparação para isso? Só precisamos gritar á plenos pulmões, não é? 

—Desculpe. Esqueci que estava falando com uma profissional da área.

—John! –ela rebateu com ar de riso. –Anda logo, seu embromador de marca maior!

—Sim senhora! –ele brincou, batendo continência. Os dois encararam a parede por um instante, sem repercutir um só som. Depois John segurou a mão de Luisa e eles se entreolharam momentaneamente. Então reuniram fôlego e começaram a gritar feito dois desesperados.

—SOCOOOOOOOOOOOOOORROOOOOOOOOOOOO!!

Depois que perderam o fôlego, esperaram por algum resultado: Nada aconteceu.

—Você e suas idéias sem fundamento! –Luisa laçou-lhe um tapa no braço, aborrecida.

—Ai! Pelo menos nós tentamos uma abordagem diferente... Se fosse por você, estaríamos dando chute nas coisas até agora.

Arrr! Ás vezes você me dá nos nervos, sabia?—ela ralhou.

—Não precisa levantar a voz, meu amor—ele disse num tom sarcástico. -Eu consigo te ouvir muito bem falando normalmente!

Está sugerindo que eu grito muito quando falo?

—Quem é que deu a idéia de comprarmos um mega-fone para acordar as crianças?

—Acontece que eu comprei um mega-fone para usar em situações de emergência: quando a casa estiver pegando fogo, por exemplo, e não para perturbar nossos filhos! –então deu um sorrisinho vantajoso. –Parece que alguém vem extrapolando muito ultimamente nas funções de pai!

—Ah, é? E o que seria de você se o papai aqui não estivesse por perto para abrir o pote de geléia ou o vidro de picles?

Eu não preciso de você para essas coisas! Foi só daquela vez que o Matthew colou a tampa dos potes com super-cola no Halloween, para testar o quanto estava afiado nas “travessuras”.

Ah é, senhorita espertalhona? Então o que sugere fazer agora? Uma mágica para abrir a porta mágica? —zombou.

—Se esse mundo fosse mais ou menos razoável, todas essas portas trancadas infernais se abririam com a simples menção das palavras: “abra cadabra”.

Um gemido rouco começou a repercutir por toda a cela, e Luisa correu para os braços do marido, assustada. Devagar, uma cabine telefônica azul começou a se materializar exatamente no lugar onde ela estivera á um segundo atrás, e tomou grande parte do pequeno cubículo onde o casal estava preso.

O casal ficou boquiaberto enquanto uma ventania agitava seus cabelos, até tudo voltar ao normal, como se nada houvesse acontecido. A não ser pelo fato de a caixa azul continuar ali, imponente, como se os observasse.

Instantes depois, uma das portas azuis se abriu e o Doutor preencheu o espaço, com um sorriso de orelha á orelha no rosto:

Algum de vocês pediu uma mágica?


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Notas finais do capítulo

;)

continua semana que vem!



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