Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 17
Os Kyle e suas loucuras


Notas iniciais do capítulo

Olá todo mundo!!!

"Passaram-se dois anos desde o episódio do Doutor e a Torre de Pisa. Luisa e Melissa estão um pouquinho mais velhas... Ajuizadas? Não. Isso nunca!"



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Luisa acordou aquela manhã mais animada do que nunca. O dia amanhecera como de costume e, para a felicidade de todos era sexta feira. Mas não uma sexta feira qualquer: era dia vinte e três de novembro, o que significava que faltavam exatamente vinte e quatro horas para a chegada do dia vinte e quatro de novembro. O dia do aniversário dela.

Sim, as coisas mudaram um pouco desses tempos pra cá. Passaram-se dois anos desde que ela veio pela primeira vez para a rua Bannerman, conhecera Melissa, o amigo Doutor, e reencontrara a prima Maria Jackson.

Luisa ainda era a mesma. Só esticara alguns centímetros -chegando a um metro e sessenta e sete de altura. Estava muito mais encorpada, esbelta, e comunicativa. O brilho de seus olhos grandes e castanhos se tornava mais intenso a cada ano. Seus cabelos já não continuavam na altura do ombro. Ela o deixara crescer um pouco mais. Acostumou-se a usar rabo de cavalo. Era difícil vê-la de cabelo solto no dia a dia... Passou a usar rouge com mais freqüência, passava batom, pintava as unhas dia sim, dia não. As vaidades sem dúvida aumentaram bastante desde os seus catorze anos, mas ela importava-se também com outros tipos de coisas. Acima de tudo, era dedicada. Estudava muito. Sua mania de ler tornava-se cada dia mais voraz –acredite ou não, graças a influencia de Melissa, que devorava livros como ninguém. Luisa já não conseguia mais passar um só dia sem abrir um livro. Terminava-o bem rápido, de modo que chegava a ler um livro diferente por semana -o que era espantosamente raro de se conferir hoje em dia.

Além disso, ela mantinha-se alegre e sempre de bom humor, como de costume. Nada parecia ser ruim de mais, a ponto de tirar o largo sorriso de seu rosto.

Tecnicamente falando, era espantoso ver como tudo pareceu dar certo para ela nos últimos anos. Era quase como se tudo funcionasse a seu favor. Ela não costumava ter grandes problemas, em geral, tentava levar tudo na esportiva. Eram poucas as coisas que a deixavam preocupada, apreensiva ou nervosa. Ela tentava sempre manter o controle definitivo de tudo. Tudo, menos uma coisa. Na verdade, não alguma coisa, mas alguém. Alguém quebrara sua barreira emocional ultimamente de tal maneira, que ela mal conseguia se recuperar. Talvez fosse por esse motivo que ela só lia, afinal, quando se está com um problema que não se pode resolver, tenta-se desesperadamente encontrar alguma coisa para se distrair, e entreter-se com uma boa história parecia ser um bom escape, independente se esta se passa no meio de uma floresta assombrada ou nos anéis de Saturno.

Luisa se encontrava em uma fase difícil. Atualmente, seu pai afastara-se de casa. Não por intrigas ou discussões, mas por causa de seu emprego. Pelo menos fora isso que sua mãe dissera. Em uma manhã qualquer de um fim de semana, Luisa ouvira uma movimentação estranha na casa logo cedo, e resolvera descobrir do que se tratava. Após descer as escadas e seguir até a cozinha, deparou-se com a mãe aos prantos, lendo uma carta em silencio. Quando perguntou o que acontecera, Sally Jackson pareceu ficar um pouco aflita antes de responder, pensando muito bem sobre o que ia dizer à Luisa. Por fim, explicou que o pai de Luisa fora promovido no trabalho e seria conduzido a um cargo ainda melhor, no mesmo ramo, que comprometia todo o seu tempo e dependeria de sua total atenção e dedicação. Ele seria obrigado a ficar morando próximo ao emprego, para que em qualquer emergência na qual sua presença fosse solicitada, ele pudesse comparecer o mais rápido possível. O sr. Roberto, pai de Luisa, foi um dos responsáveis por dirigir uma empresa de água potável, que distribuía várias garrafas d’água para a cidade toda, deixando-os sempre bem abastecidos. Ele adorava o que fazia. Ser um dos dirigentes principais da empresa era para ele a melhor coisa do mundo. Isso claro, até aquela oferta, que o faria pensar duas vezes em continuar no seu cargo atual. Luisa sabia que, de fato, sua casa ficava mesmo um pouco longe do atual emprego de seu pai, mas isso nunca havia comprometido-o muito. Ele nunca teve que se ausentar por causa disso.

Sinceramente, ela não se importaria se ele dissesse que teriam que se instalar o mais próximo possível do local onde trabalhava. O que ela não entendia, era o fato dele ter resolvido se mudar sem antes falar com ela e sua mãe.

E tem mais: ele partira bem cedo. Tão cedo a ponto de nem conseguir se despedir da família que deixaria para trás. Isso para Luisa era inaceitável. Como assim seu próprio pai partira sem nem ao menos lhe dar uma satisfação ou se despedir?

Sua mãe tentava confortá-la, dizendo que ele viria visitá-las nos fins de semana, mas ele nunca vinha. Luisa chegou a duvidar se o pai ainda se lembrava delas, se ele realmente as amava.

Ele não vinha, mas ligava todos os domingos de manhã. Infelizmente, sua mãe era quem sempre o atendia e fazia o favor de desligar o telefone o mais rápido possível. Luisa não entendia o motivo de sua mãe não deixá-la falar com o pai ao telefone. Ao fim de cada conversa rápida e curta, na qual a mulher só mencionava o básico: “Estamos indo bem aqui, nada de novo aconteceu, sentimos saudades...”, Luisa indignava-se um pouco mais.

Sem explicações, sem respostas, sem atenção, ela sentia-se meio esquecida, isso até passar a combinar de sair com os amigos todos os finais de semana, já sabendo que evidentemente, o pai não a atenderia nem por cinco segundos. O que ele estaria fazendo lá que tomaria tanto do seu tempo? Luisa achava ser doentio trabalhar dessa maneira... Você acabava transformando-se em um escravo da empresa. No final das contas, de que adiantaria o aumento de salário agora, se eles não estavam tendo o mais importante? Para onde fora à união familiar afinal?

Mesmo assim, havia sempre o lado bom das coisas. Melissa continuava frequentando sua casa diariamente e vice versa. Ela também não mudara muito: Os olhos claros estavam ainda mais chamativos, os cabelos loiros permaneceram deslumbrantes, as manias doidas mantiveram-se, as vaidades também, apenas o estilo de roupa tornou-se um pouquinho mais ousado –tipo roupas apertadas e curtas (mas nada exagerado. Melissa tinha muita classe). O melhor dela se conservou igual ao de sempre. Divertida e imprevisível, continuava achando as coisas meio tediosas, mas combinemos que essa era sua marca registrada, nunca mudaria. Ótima companhia, amiga de todas as horas, presente até mesmo nesse momento difícil, que Luisa vivia tendo que enfrentar diariamente. Felizmente, ela poderia contar com os amigos e a mãe, que nunca a deixaria na mão.

É fato que a animação de Luisa naquela semana era outra. Ela sentiu-se mais viva do que nunca naquela manhã de sexta feira. Resolvera agarrar-se com qualquer motivo suficientemente bom para esquecer dos problemas e, a aproximação de uma festa já muito esperada, parecia um bom motivo.

A aproximação do dia vinte e quatro também significava mais uma coisa: O fim do ano estava a cada dia mais próximo! Em breve ela se formaria no Ensino Médio e partiria para seguir uma carreira definitiva. Parar de estudar? Nunca. Ela esperava escolher algum ramo na qual precisasse estar sempre se atualizando, aprendendo com as criticas e usando suas boas idéias. Ela já tinha algumas coisas em mente, queria muito poder colocar no papel suas idéias... Queria publicar um livro um dia –sem deixar de lado os dons para música e desenho, é claro. Com certeza ela se utilizaria deles também: sabendo desenhar como de fato sabia, ela poderia, sozinha, fazer as gravuras dos próprios livros; quanto à música, nunca é demais seguir compondo algumas melodias, nem se for só como hobby. Já Melissa, essa poderia se tornar uma grande atriz popular, muito cortejada –vivia fazendo caras e bocas, tinha muito jogo de cintura, e sabia interpretar. Ninguém podia negar que ela tinha jeito pra coisa! Sempre se destacava nas peças da escola. Luisa vira com os próprios olhos o desenvolvimento anual da amiga e, ao julgar pela sua boa evolução, tinha certeza de que a garota se daria otimamente bem no ramo.

As coisas poderiam estar difíceis, mas Luisa sabia que podia contar sempre com Melissa para melhorar seu astral. Os momentos com ela eram sempre os melhores, e a garota tinha certeza de que, enquanto Méli estivesse ao seu lado, as alegrias seriam eternas.

*    *    *

Luisa terminou de se trocar. Desceu as escadas para tomar café e encontrou, sem surpresa, o lugar vazio. Caminhou calmamente até a mesa e contemplou, divertida, um bilhete de sua mãe –logo cedo bem humorada  –que dizia:

“Fugi para comprar pão. Por favor, não me procure na padaria”

Luisa revirou os olhos e sentou-se à mesa. “Procurá-la na padaria? De onde ela tira essas coisas...?”. Luisa não podia deixar de sorrir, ela adorava a mãe. Admirava-a muito, gostava do seu senso de humor e do seu jeito de “inventar moda”. A mãe achava às vezes estar extrapolando um pouco, mas a menina assegurava-lhe que se ela não o fizesse, a própria Luisa o faria.

A garota agora passava geleia em algumas torradas e ia se preparar para comê-las, quando a campainha tocou. Ela correu para atender, levando consigo uma torrada; Seus cabelos balançaram em câmera lenta enquanto ela fazia o percurso até a porta. Girou a maçaneta e deparou-se com uma garota alta e magra como ela, com roupas justas, os cabelos loiros amarrados num coque estiloso que deixava alguns fiozinhos soltos nos cantos do rosto, a franjinha costumeira cobrindo a testa, os olhos maquiados de azul e preto, batom vermelho, e unhas verdes –para descombinar com tudo.

Não havia dúvida. Melissa estava na área.

—Oi. Comendo torradas?

—Aparentemente –disse Luisa, analisado a torrada em sua mão. –Servida?

—Não. Odeio torradas –retrucou ela entrando na casa, ao mesmo tempo que passava por Luisa e apanhava a torrada de sua mão, abocanhando-a logo em seguida.

—Está boa? –quis saber Luisa, irônica, ao fechar a porta. Ultimamente era assim: Melissa adquirira o divertido costume de dizer algo e contradizer-se no segundo seguinte.

—Não. Mas dá pro gasto –teimou ela, sem mudar de expressão.

—Quer tomar alguma coisa? –convidou Luisa.

—Não. Não estou afim -Melissa pôs os pés sob a mesinha central da sala. Quem a visse agora, teria uma primeira impressão errada sobre ela. A garota passava a idéia de ser folgada e mal-educada, mas Luisa a conhecia muito bem. Melissa seria muito capaz de se comportar civilizadamente na frente de estranhos... Luisa sabia que a amiga só fazia tipo.

—Temos leite, suco e achocolatado... –propôs Luisa.

—Não quero nada.

—E quer “nada” com açúcar ou sem?

—Pode ser com açúcar.

—Então vai ser sem –repetiu Luisa, como se anotasse um pedido. Ela caminhou para a cozinha. –Não sai daqui!

—Eu nem ousaria –sorriu Melissa jogada no sofá.

Por incrível que pareça, essas eram Luisa e Melissa, comunicando-se de um jeito que só elas entendiam.

—Ah! –Luisa retornou à sala. –Com café ou sem?

—Sem.

—O.k. –Luisa voltou para a cozinha com uma expressão divertida no rosto. Trazendo leite com café e sem açúcar. Juntou-se a amiga e perguntou:

—Pronta para o fim das aulas?

—Se estou pronta? Eu nasci pronta! –comemorou Melissa brindando com café. -“Ao ultimo ano!”

—E aos nossos últimos dias na escola! –acrescentou Luisa.

—E a nossa falta de vontade em procurar um primeiro empreguinho fajuto, só pra começar...

—Espere aí... Eu pensei que você fosse ser uma atriz –falou Luisa confusa.

—E o que te fez pensar uma coisa dessas?

—Você disse isso pra mim.

—Sim, de fato foi o que eu disse gostar de fazer – admitiu ela. –Mas isso não me compromete nem um pouco. Se você olhar por outro ângulo, vai perceber que eu disse que gosto de atuar. O mesmo “gosto” que eu poderia ter usado em uma outra frase qualquer...

—Ah, fala sério! Você e as suas desculpas esfarrapadas...

—Não é desculpa! –protestou Melissa. –Você sabe que eu não tenho saco pra ficar decorando textos, nem pra fazer aqueles ensaios demorados... Afora que eu sempre acabo perdendo a paciência com alguém que está trabalhando comigo na peça... Você me vê andando pelas ruas, vê como eu interajo com as pessoas, presencia cada momento ao meu lado, e ainda diz que sou digna de ser atriz?

Luisa piscou e sorriu, mostrando não ter dúvidas.

—Com toda certeza você é.

—Eu gosto de sorvete, sabia? –contornou Melissa. –Acho que vou trabalhar em uma sorveteria...

—É? E quem vai vigiar o sorvete?

—Como assim? Eu! É claro! –afirmou Melissa, com orgulho.

—E quem vai vigiar você, mocinha? –atacou Luisa, cruzando os braços.

—Eu não preciso de vigia. Só de um bom advogado...

—Sei. –riu Luisa. –É realmente do que você vai precisar: Um bom advogado, porque quando te pegarem comendo o sorvete todo vão chamar a polícia e você vai ganhar uma daquelas fichas...

Oh, não!—disse ela teatralmente. –“Eu prometi à mamãe que não garantiria uma dessas antes dos viste anos...”

—Você vai decepcionar muita gente... Imagine só, seu rosto aparecendo no jornal da noite com a chamada “Adolescente louca ataca própria mercadoria de sorvetes de baunilha e vai presa”.

—É... Acho que não daria certo, não é? –constatou ela erguendo as sobrancelhas, imaginando a cena. –Mas e se eu fosse policial?

—Para quê?  Para sair por aí batendo com cacetete em tudo o que encontrar pela frente?

—Não, sua boba! –retorquiu Melissa como quem diz, “eu ainda tenho salvação”. –Vou prender quem me incriminar de comer o sorvete, dã!

—Eu não te confiaria uma arma de choque... –riu Luisa.

—Você é bem esperta –sorriu Melissa. –Vou me certificar para que você não esteja presente na minha “lista negra de procurados...” Por que é isso que todos os policias fazem: eles preparam listas negras com procurados por todo o país e partem em missões secretas para prender esses mal feitores...

Todos, exceto a grande maioria dos que fazem esse trabalho.

Melissa encarou-a insistentemente por alguns instantes.

—Não dá pra você só ficar feliz de não ter seu nome na minha lista?

—Bem, se você insiste... –disse Luisa balançando a cabeça. –Então estou contigo!

As duas silenciaram, então Melissa continuou.

—Eu serei uma boa atriz...

—Você será a melhor de todas. –sorriu Luisa, que mais uma vez entendeu a simulação de Melissa e compreendeu as “entrelinhas” da conversa. Ela sabia que o assunto fora só um pretexto para que a amiga mostrasse seu poder de persuasão. Se aquilo fosse um teste, ela com certeza teria passado. 

—Ainda bem que é sexta –falou Melissa espreguiçando-se no sofá. –Amanhã será um dia legal...

—Verdade? –perguntou Luisa, sem poder conter o interesse. –Vamos sair juntas de novo, ou o programa será outro?

—Ah, sim! O programa será outro. Na verdade será meu. Só meu. Eu vou ter que sair sozinha... –afirmou ela séria. Quando percebeu a incompreensão nos olhos de Luisa, ela recomeçou a explicar, agora de um modo mais à vontade. –Eu tenho uma missão muito importante e fui encarregada de cumpri-la sozinha...

—Ah! Qual é? Sábado é o nosso dia juntas... Agente sempre sai pra fazer compras nos sábados...

—Eu sei, eu sei... –redimiu-se Melissa, como se aquilo fosse duro para ela também. Melissa não costumava ser cautelosa, mas sabia a hora certa de fazê-lo, e essa hora era agora. –Mas entenda, eu tenho mesmo que ir...

—Então me diga o que pode ser tão importante a ponto de não poder ser desmarcado? –insistiu Luisa, de braços cruzados, exigindo uma boa resposta.

—Vou ter que comprar leite. –mentiu Melissa. –Leite com hortelã...

—E em que raio de lugar você vai achar isso?

No quinto dos infernos!

—Ah! Quer dizer, “a duas quadras daqui”, eu presumo? –falou Luisa, utilizando-se mais uma vez da tática inventada por elas mesmas do “quero dizer uma coisa ao afirmar outra”.

—Não. Eu quis dizer o que disse. E é só o que vou dizer –disse Melissa imperceptível. –E tem mais, eu tenho que levar o Nik ao veterinário, você sabe como é época de vacinação...

—Não é época de vacinação –retrucou Luisa, fazendo uma careta incrédula.

—Como você pode saber? Você nem tem cachorro!

—Mas eu tenho memória! Fomos eu e você no mês passado levar o Nik ao veterinário... –cortou Luisa.

Por um segundo apenas Melissa achou ter sido vencida. Ela tinha mesmo um compromisso, não havia mentido sobre isso, mas fora instruída a não revelá-lo a Luisa até que fosse a hora certa. Julgando pelo olhar que a morena lançou a ela, era certo que estava desapontada. Estaria desapontada com a melhor amiga e essa é a pior coisa que poderia acontecer naquele dia. Melissa achou que Luisa a desmascararia a qualquer instante. Seu plano estava prestes a desabar num barranco enlameado. Não havia volta. Ou ela falava a verdade ou arcava com as conseqüências... Mas, como que por um milagre, Luisa disse:

—Sério mesmo? Eu não vi os cartazes...

—Cartazes?

—É claro. Os cartazes da campanha de vacinação. –parecia improvável, mas Luisa pareceu estar considerando aquela hipótese maluca. Era típico dela fazer esse tipo de coisa. Desconfiar até o ultimo segundo, então acreditar em quem lhe passara a informação. Ela fizera isso no primeiro dia em que as duas passaram juntas naquele bairro, em uma barraca no quintal de Melissa, quando o misterioso Doutor dissera uma história maluca sem era nem beira e ela jurara ser tudo verdade. É certo que Melissa não sentiu a mesma intensidade em sua voz como daquela vez. De algum modo, Luisa ainda parecia não estar muito certa de si, mas por hora, pareceu considerar as palavras de Melissa.

—É. Preciso levar o Nik o mais rápido possível. Está tendo uma gripe canina muito intensa e eu estou preocupada com... –continuou Melissa, reforçando a tese.

Não havia dúvida. Luisa estava decepcionada, mas conseguira, milagrosamente, disfarçar o sentimento. Ela não queria mesmo aparentar o que sentia. Poderia ser mesmo egoísmo de sua parte pensar assim, mas o dia seguinte era o dia do seu aniversário. Não um dia que ela esperara o ano todo, mas era sim um dia importante para ela. Ela faria dezessete anos às oito e meia da noite e até agora ninguém parecia se lembrar disso. Como não era acostumada a dar indiretas e coisas do tipo, não fora capaz de tocar no assunto, não queria parecer ansiosa ou cheia de expectativas. Na real nunca fora muito de dar festas e não seria agora que começaria a fazê-lo. Seus aniversários sempre foram motivo de união para os familiares, que em geral, não se viam muito com freqüência, além de serem comemorações pequenas e simples. Uns dos únicos que costumavam aparecer para a festa eram seus tios, Alan Jackson e Dave Sivil, os irmãos de sua mãe. Alan, o mais velho (recém separado da esposa), sempre trazia sua filha Maria Jackson, a divertida e esperta prima de Luisa (da qual ficou com a guarda após do divorcio). Já Dave, o filho do meio, ainda não tinha filhos. Sempre dizia não ter tempo abio para essas coisas... (se ao menos saísse mais vezes e tratasse de encontrar uma namorada descente, as coisas poderiam ser diferentes). Dave era músico e produtor musical. Infelizmente a música não parecia estar sempre ao seu favor –coisa que ele jurava ter mudado de uns tempos pra cá... Do que será que ele estaria falando? Apesar de ser muito esforçado e um tio divertido, era comum todo mundo ficar um pouco apreensivo nas festas, quando ele cismava em colocar seu novo single pra tocar. Ele também não se chamava “Dave Sivil”. Assim como Alam e Sally, ele também tinha Jackson como sobrenome, mas a produtora artística disse logo no primeiro dia que já havia um Dave Jackson e que ele deveria se virar para criar um nome artístico. Desde então, todos só o chamavam de Dave Sivil.

Vinham também, sempre, para as comemorações, seus avós por parte de mãe, Tânia e Valter, da qual Luisa apelidara carinhosamente, quando pequena, de Tata e Vavá. Esses dois eram muito divertidos: o avô adorava contar piadas, ficava entretido horas e mais horas arrumando qualquer objeto que você entregasse para ele (inclusive fora ele quem ensinara Luisa a mexer no vídeo cassete), era muito engraçado e vivia dando conselhos às pessoas, já a avó adorava ver novela, dançar e cantar (ao seu modo), costurar e, ainda mais do que tudo, cozinhar. Quando Luisa ia visitá-los, eles sempre preparavam um bolo juntos. As lembranças com aqueles dois eram sempre as mais intensas, as mais memoráveis e inesquecíveis. Sempre havia motivo para rir com aquelas duas figurinhas bem humoradas. Eles sempre a apoiavam, e ela os amava demais.

Por outro lado, seus avós paternos já haviam morrido, ou algo assim. Luisa nunca ouvira muita coisa sobre eles, só que o avô era corpulento, intimidador, autoritário e tinha um apetite voraz, enquanto que a avó adorava todos os seres vivos, era muito gentil e paciente e tinha um grande coração, além de ter tido muitos filhos. Eles pareciam o oposto um do outro, e pelo que dizia o pai de Luisa, era meio difícil conviver em harmonia com os dois. Já os irmãos do pai, ela também nunca conhecera, apesar de seus pais contarem que uma vez, quando ela ainda era um bebê, eles haviam vindo visitá-la –argumento que não ajuda muito, pois quem é que vai lembrar do rosto de alguém, contendo somente meses de vida? Luisa nem sabia se já tinha memória nessa época! Ela nunca poderia se lembrar dessas minúcias. É fato que ela nunca mais os vira, mas sabia que eles a queriam bem. De algum modo, ela sabia.

Em suma, era a família da mãe que salvava o dia. Ela sempre fora acostumada a ter ao menos o pai ao seu lado, representando o seu lado da família, mas agora que ele deu para sumir no mundo (pelo menos ela não tinha mais certeza de onde ele estava), ficava difícil poder contar com a presença dele em ocasiões como essa. Já não era o primeiro ano que ele se ausentava, e nesse ano, ela não esperava o contrário.

Luisa nunca fora acostumada com festas surpresas, em lugares grandes, com muitos amigos e tudo o mais. Essa coisa de convidar seus amigos para passarem o dia junto dela, era meio novo para ela. Começara mesmo com a mudança para a rua Bannerman, no bairro das Turmalinas. A mudança foi hereditária, mas as amizades vieram como um bônus.

Ela sabia que não adiantaria chamar a atenção de Melissa para o dia ou enfatizá-lo de algum modo. Não adiantaria mesmo de qualquer maneira. Ao fim, achou melhor não mencionar mais nada e esquecer o assunto.

—Bom... –começou Luisa, percebendo que Melissa parara de falar. –Escola?

—Não, obrigada.

—Não! Eu quis dizer que já é hora de ir para a escola! Já estamos atrasadas...

—Certo. Então vamos logo!

A mãe de Melissa deu-lhes uma carona, já que a mãe de Luisa estava ocupada. Melissa parecia uma abelha zunindo no ouvido de dona Naya. Ela sabia que faltava apenas um ano para que Melissa completasse dezoito anos, o que queria dizer: Adquirir uma licença para dirigir, o que automaticamente queria dizer: Problemas. Sua mãe sempre brincava dizendo que esse dia ficaria para a história como “O Massacre das Turmalinas”, pois sua filha estaria dirigindo solta pelas ruas, e a população toda, ou pelo menos a parcela inteligente do povo, estaria fechado dentro de casa, com grades nas janelas e trancas nas portas. Era bastante irônico e Melissa sempre dizia: “Não vou criar nenhum amassado no carro e prometo não atropelar nada que respire. Postes de luz, hidrantes e latões de lixo não contam...”. Melissa já fizera dezessete anos um mês antes, no dia dezoito de outubro, o que a deixava cada dia mais ansiosa pela distante chegada dos dezoito anos.

Elas conversaram um bocado até chegarem na escola. Quando entraram, perceberam um clima forte e animado no ar... Os preparativos para o baile de formatura já começavam a ser iniciados. A semana seguinte prometia ser a melhor do ano! A animação dos terceiros era indescritível e quase impronunciável. O assunto era geral, até os outros anos pareciam estar comentando. Todos estavam comentando o roteiro da festa que fora revelado aquela manhã.

Todo mundo parecia já saber o que haveria por vir –menos Luisa e Melissa, que haviam se atrasado. As duas avistaram ao longe suas amigas, conversando em uma rodinha, de costas para uma fileira de armários. Tratavam-se de Moze, Julie e Violetta. Luisa seguiu na frente, andando decidida a dizer-lhes bom dia, mas quando essas reconheceram a silhueta de Luisa se aproximando rapidamente, e a de Melissa logo atrás, gesticulando para elas de um jeito histérico e confuso, mudaram de assunto rapidamente, como se nunca tivessem iniciado a conversa anterior.

Luisa nem percebera, mas uma coisa era certa: Elas não falavam da formatura. Ela ficou novamente desapontada quando nenhuma delas pareceu se lembrar do dia seguinte (e ela convidara todas elas no ano anterior para a festa). De que adiantava falar da formatura (foi o assunto que as ouviu comentar quando se aproximou), se você é dada como esquecida? Quer dizer, todas elas teriam futuros brilhantes: Julie tinha sua própria banda chamada “Os Insólitos”, formada por ela –como vocalista –e os fantasmas Daniel, Martins e Félix. Violetta vivia fazendo duetos com Tomás, da qual quase oficializou-se o namoro. E Moze, esta era um ícone importante do time oficial de vôlei da escola. Ela pensava em se tornar profissional e parecia ter muita garra e determinação para conseguir chegar onde queria. Luisa também não estava de fora: pretendia ter um bom futuro, como já citado antes, mas algo a incomodava em tudo isso, e não era o simples fato de o ano estar acabando, ou porque aquele tratava-se do seu último ano como estudante sem vocação estipulada. Era mais um fardo que teria de carregar consigo: ela era talentosa e tinha também vários amigos talentosos. Ela só queria poder guardar boas lembranças daqueles últimos dias, mas só viera tendo problemas em casa e chateações... E agora, só pra variar, estava sendo esquecida. Ou pelo menos era o que ela achava.

Ela não queria muito... Só esperava encontrar alguém que já não tivesse reservado o sábado para cumprir algum combinado ou estipulado algum compromisso. Mas era fantástico como misteriosamente todo mundo arrumou o que fazer justo naquele sábado. Achou todo o tipo de desculpa, desde ter que ir à farmácia comprar um remédio para a avó doente (já entendi, ninguém viu nada de estranho nisso, mas talvez o fato de a avó dessa pessoa ter morrido há uns cinco anos, faça alguma diferença), até ir ao shopping com a tia que veio da Flórida, com atraso no desembarque do avião que estava previsto para domingo, mas se adiantou um dia e tiraria o atraso justo naquele vinte e quatro de novembro. Parecia que todo mundo fez uma conspiração contra ela ou seus planos. Estaria aberta a sessão de “Eventos Inusitados” na cidade? Ou era tudo mera coincidência? Se é que existem coincidências...

Luisa foi direto para casa naquela sexta feira. Não estava com vontade de ir à lanchonete depois das aulas, como costumava fazer com os amigos. Ela teria que aceitar o fato de ter que passar o final de semana em casa e acabaria tendo que ouvir a mãe conversar com o pai ao telefone, coisa que tentara evitar a tempos. Ela chegou quase 13:30 em casa, almoçou e desde em tão, afundou-se nos livros, tentando concentrar-se em qualquer coisa que pudesse distraí-la. A investida funcionou bravamente até as três horas, quando cansou de ler e foi acessar a Internet. Começou a pesquisar letras de músicas, viu suas traduções, tentou compor e passar para o papel o que estava sentindo, mas de nada adiantou. A inspiração pedia sua total dedicação, mas ela não estava com vontade de se doar para aquele pedaço de papel, o que tornou a tarefa mais difícil. No fim das contas, acabou indo jantar e foi dormir cedo. Não faria mais coisas por aquele dia decepcionante. No entanto, sonhou com um algo bonito e harmonioso (sob a trilha sonora *Segundo Sol –Nando Reis).

Ela estava em outro lugar. O chão ao seu redor era composto por uma linda grama vermelho-fogo, mas ela só tinha atenção para o céu acima de si, dotado de cores vivas como laranja, vermelho e amarelo.   Sentiu uma suave brisa fazer seus cabelos esvoaçarem. Quando finalmente ergueu-se sentada, contemplou uma gigantesca redoma transparente que contornava algum tipo de cidade futurista, apenas alguns metros de distância, em um ponto mais alto comparada ao que ela se encontrava. Curiosamente, a cidade inteira mantinha-se lá dentro, enquanto as belezas naturais atípicas daquele lugar, se mantinham do lado de fora da redoma. As árvores eram prateadas e, ao receber o brilho forte do por do sol sobre si, refletido majestosamente nelas, deixavam-nas com as copas tão avermelhadas que até pareciam estar em chamas ao cair da tarde e.... Aquelas coisas no céu eram Dois Sois e uma Lua? Sim! Eram dois poderosos Sois em posições diferentes no horizonte, e uma Lua em destaque, comunicando que a noite vinha chegando. Luisa não acreditava em seus olhos... Seria tudo ilusão? Pessoalmente, ela não achava que aquilo passasse de uma simples brincadeira de seu cérebro. Nunca fora tão criativa a ponto de imaginar algo tão incrível quanto aquele lugar, então, desta forma, como poderia sequer sonhar com ele? Era estranho. Ela podia contemplar os detalhes. Como se tornara tão detalhista? Tudo bem, ela queria ser escritora, mas teria realmente sonhado com aquele lugar ou estivera mesmo lá? Perguntas como estas entreteriam-na um bocado, na manhã do dia seguinte.

*      *      *

Era dia vinte e quatro de novembro. Ao chegar à cozinha, a mãe recebeu-a com beijos e abraços, brandindo um “Feliz Aniversário!!!” alto o suficiente para acordar a rua toda (Luisa não esquecera aquela história do “horário do silencio” que Melissa contara para ela no seu segundo dia de mudança, então sentiu-se aliviada por já serem quase nove e meia e por aquela gritaria não comprometê-la mais tarde com os vizinhos). As duas sentaram-se à mesa.

—E então, já decidiu o que vai fazer hoje? –quis saber dona Sally, curvando-se para segurar as mãos da filha.

—Nada que eu não possa fazer sem sair de casa –suspirou ela, um pouquinho desanimada.

—E os seus amigos?

—Todos já tem planos pra hoje.

—Verdade?

—É.

—Até mesmo a Melissa?

—Até mesmo ela –disse Luisa pensativa. –Mas tudo bem, eu não ligo. –mentiu.

—Bom, não se chateie com isso. Você sabe que seus tios e os seus avós virão hoje te ver...

—Sei disso. –sorriu ela afetada, sua garganta evitando ao máximo fazer a próxima pergunta. –E... Papai?

—Ah... Ele? –a mulher endireitou o corpo na cadeira, como se já soubesse o que vivia a seguir. –Ele não poderá comparecer, você sabe. –ela fez uma breve pausa, mas antes que a menina pudesse dizer qualquer coisa, completou dizendo: -Ele mandou uma coisa pra você.

A mãe levantou-se da mesa e foi ao outro cômodo buscar alguma coisa. Luisa não pôde deixar de ficar surpresa e de querer espiar a mãe, sem sair do lugar, até o limite que a porta lhe permitia ver. Mas isso durou pouco tempo, pois logo a mulher voltou trazendo consigo uma caixinha azul bebê, um pouco maior que a palma de sua mão.

—Chegou hoje cedo –disse a mulher com um sorriso de satisfação nos lábios. –Vamos... Abra!

Luisa segurou o objeto nas mãos por um segundo. No mesmo momento uma vibração boa e uma corrente de vento morna passaram por seu corpo, estabelecendo uma sensação que imitava a de um abraço, quente e acolhedor. Ao abrir a caixinha azul bebê, sorriu ao contemplar o conteúdo. Era incrível. Ela não se sentira bem assim há meses... Era como se o presente fosse seu pai em pessoa. Até o interior da caixa forrado com uma espuma delicada tinha o mesmo cheiro de brisa do oceano, que ele costumava trazer consigo todos os dias que voltava do trabalho. Era como um bônus, quem trabalha no açougue, volta para casa cheirando à carne, quem é pescador, volta cheirando a peixe e, quem trabalha num ramo que trata a água salinizada, transformando-a em potável, volta com um cheiro agradável de brisa do mar ou pelo menos era o que Luisa achava. Era um perfume característico do pai. Ela se lembrava de senti-lo desde a época que era um bebê, num berço. O pai sempre tivera essa característica, assim como a mãe, que cheirava à terra molhada e perfume de flores amanhecidas, porque passava varias horas do dia, trabalhando no jardim. Era assim que ela conhecia as coisas, é assim que sempre fora, até os últimos tempos. Mas agora é quase como se não houvesse ocorrido aquele distanciamento na família. É como se ele tivesse estado lá todo o tempo, e Luisa adorou sentir-se bem de novo. Tudo melhorou ainda mais ao apanhar seu presente. Tratava-se de um colar. Mas não um colar qualquer, era um colar de ouro, com vários pingentes dourados de ícones e criaturas marinhas, como um golfinho, uma estrela do mar, uma âncora e um tridente. Além do colar, o pai acrescentara algumas conchinhas junto –ele sabia que a menina adorava as conchinhas da praia, apesar de ter um pouco de medo das altas ondas do mar.

Por fim, Luisa segurou o colar junto do peito e beijou uma das imagens douradas, como se agradecesse o próprio pai pelo presente. A mãe, que viu o ato da filha, sentiu-se melhor e pressentiu que, pelo menos por essa semana, a filha não sentiria remorso do pai.

—Se gostou do presente do seu pai, espere até ver o meu... –a senhora Jackson apanhou uma caixa achatada e comprida de dentro de uma sacola de compras, que estivera o tempo todo na cozinha. Se Luisa tivesse que adivinhar, nunca imaginaria haver um presente seu dentro daquele saco –aquilo com certeza serviu bem de disfarce. Por fim, a mãe entregou-lhe o presente com um sorriso nos lábios.

—Nossa, o que será? –sorriu ela de volta, começando a rasgar o papel de presente. –Minha nossa!

—E então, o que você achou? –perguntou dona Sally, espontânea, segurando os ombros da filha.

—Eu adorei! Puxa mãe, obrigada! –ela abraçou a mãe com força. –Eu nem acredito...

—Um vestido lilás com alças finas em volta do pescoço, com pedrarias e estampas na altura do peito e um saiote composto por três camadas, sendo a mais superficial um véu preto e delicado que entra em contraste com o lilás, acompanhado de adornos como um laço feito também de véu, amarrado à cintura, ainda com direito a luvas brancas compridas, sapatos lustrosos e uma fivela brilhante no cabelo. –descreveu a mãe.

—Isso é um sonho! –exclamou Luisa. –É o vestido mais incrível que eu já vi!

—E agora ele é seu. –a mãe abraçou-a fortemente e a menina retribuiu o abraço. –Gostou da surpresa?

—Se eu gostei? Eu amei!—sorriu a menina entusiasmada. –Mas... Eu não entendo... Por que foi que me deu esse vestido? Não estamos podendo comprar coisas tão extravagantes, estamos?

—Na verdade, você deve saber que eu não comprei-o por inteiro desta maneira. Ele era mais simples, fui eu que dei uma incrementada nele. E eu não acho que ele tenha ficado tão extravagante, como você diz...

—Como é? Ele não é extravagante? Mãe... Olá! Ele vem acompanhado com luvas brancas!—retorquiu a menina mostrando as luvas (que pareciam aquelas que as princesas usavam em filmes de contos de fada) ainda com o sorriso contagioso no rosto. –Foi você não é? Você fez as luvas.

—Fui eu sim. E bem, talvez você tenha razão... Talvez ele seja mesmo extravagante de mais—admitiu dona Sally, reconsiderando o ponto de vista. –Mas afinal, quantas chances nós temos de nos vestir assim na vida? Pense: Agora você pode usar o vestido que eu te dei, com o colar de seu pai, na sua festa de aniversário de hoje à noite!

—Ah, claro. Será ótimo. –chateou-se ela, mudando de humor de repente, atirando-se na cadeira. –Você quer dizer na festa em que só estarão presentes você, a vovó, o vovô e o restante da família? Bem, acho que não estou tão a fim de usá-lo hoje.

—Ah! Que é isso, Luisa? Estamos falando da nossa família. –falou a mãe confortando-a. -Todo mundo te adora e... Espere. –disse ela mudando de abordagem. -Você queria algo a mais hoje, não é? Esperava uma noite mais... Memorável?

—Eu não diria memorável. Eu diria sugestiva. –explicou Luisa. –Eu só queria que Melissa e meus outros amigos pudessem estar aqui. –falou deprimida.

—Ah –começou a mãe, como se houvesse acabado de se lembrar de algo importante. –A propósito, também chegou isso para você –ela entregou a Luisa um bilhete escrito em uma folha de papel qualquer. –É da família Kyle, os vizinhos da esquina. Eles me pediram que eu colhesse algumas flores do nosso jardim para que pudessem decorar a casa. Você sabe como a senhora Kyle adora flores... –Luisa lembrou-se da sala da diretoria na escola, e como esta sempre continha pelo menos três vasos de flores que a diretora, senhora Kyle, fazia questão de re-decorar toda semana. Depois voltou-se ao que sua mãe lhe dizia. -...Você poderia levar os buquês lá mais tarde?

—É claro. Por que não levaria? É tudo o que eu poderia esperar de um dia como hoje. –sorriu a garota, não mais tão animada quanto antes.

*     *     *

Já no fim da tarde, Luisa fechou o portão de casa, com as flores nas mãos. Ia fazer a entrega destas antes de o sol se por, pois logo depois chegariam seus familiares para a reunião festiva. Sua mãe insistira para que ela já estivesse vestida com o vestido lilás antes mesmo de sair (como se não bastasse ter que ir à casa de outra pessoa, no dia do seu próprio aniversário, fazer uma entrega de ultima hora, quando eram os outros que deveriam ir visitá-la, ainda por cima teria que fazê-lo produzida?) Afinal, pra que tudo isso? Todos os seus amigos haviam esquecido o seu aniversário mesmo! De que adiantaria andar por aí vestida para uma festa? Bom, talvez serviria para refrescar a memória de alguns deles; Quem sabe se eles a vissem vestida daquela maneira, poderiam perceber que algo estava errado, ou então, simplesmente pensariam que era Halloween ou algo do tipo.

Luisa fez o possível para entender. Balançou a cabeça negativamente várias vezes enquanto percorria a calçada, como se a idéia de ir à rua vestida daquela maneira não coubesse ao seu vocabulário. Apenas por um momento, sentiu-se sendo observada, como se alguém a fitasse de longe. No mesmo instante, virou-se para trás de supetão e viu de relance alguém que parecia espioná-la, fechar rapidamente a cortina da janela da casa número 13, que ficava do outro lado da rua, bem de frente para a sua residência. Depois do sobrado de Julie, aquele sobrado era o segundo mais misterioso da rua. Não por não ser habitado. Uma mulher morava lá, aparentemente sozinha. Mas como era mesmo seu nome? Sarah Jane Smith. É, parecia ser isso. Ela era um pouco mais alta que Luisa, tinha os cabelos castanhos claros na altura dos ombros; Em geral, usava blusas de manga longa, colete, calça jeans e um par de botas de cano alto. Parecia ser simpática, apesar de quieta e um tanto misteriosa. O fato é que ela não era muito de falar. Costumava ficar muito tempo em casa, de modo que ninguém nunca sabia muito mais do que o básico sobre ela. Um dia desses mesmo, Luisa e dona Sally estavam voltando das compras com o carro e a menina desceu do veículo e foi abrir o portão para a mãe, que esperava dentro do carro. Ao mesmo tempo que Sally fazia as manobras necessárias para colocar o carro na garagem, a vizinha da frente vinha chegando, com seu ford verde água, saía do carro e dirigia-se para dentro de casa, mais rápido do que uma rajada de vento. Luisa reparou que um dos papeis que ela carregava consigo, em uma prancheta, voou em direção a calçada. Como se não bastasse apenas olhar, Luisa desatou em correr para apanhar o papel e devolver à ela.

—Olhe! Você deixou isso cair... –chamou Luisa, a atenção da mulher que nem a notara direito. Estava concentrada demais em abrir a porta de sua casa, com pacotes, uma prancheta de anotações e mais uma pilha de papeis nas mãos, o que parecia estar dificultando a beça o simples ato de colocar a chave na fechadura. O que lhe faltava era equilíbrio, e talvez um pouco de jeito e Luisa percebeu isso. –Ahm... Quer ajuda?

—Não, obrigada. –agradeceu a mulher. –Está tudo bem. Eu já estou acostumada com esse tipo de situação. Isso sempre me acontece... –quase que inesperadamente ela acertou a fechadura e a porta se abriu, ficando entreaberta, sem revelar muito do interior da moradia. –Viu? É só uma questão de prática. Não se ocupe comigo, você pode ir agora. 

—Mas eu... –Luisa não pôde acabar sua frase, pois a mulher fechara a porta antes que ela acabasse de falar. –Eu vim entregar isso! –ela ergueu o papel nas mãos, mas vendo que não recebera retorno algum da dona do sobrado, resolveu dar meia volta e seguir seu caminho, de volta para casa. Ao atravessar a rua, a mãe esperava por ela para que começassem a descarregar as compras do carro. A menina começou a carregar os pacotes e, enquanto a mãe abria a porta da casa, Luisa entretinha-se em ler as anotações explícitas no papel que apanhara na calçada. Eram anotações interessantes, especialmente porque tratavam de uma notícia em que uma mulher com um olho biônico e presas de elefante, dona de uma livraria super famosa, fora pega em flagrante por uma tal de Torchwood, “sugando a imaginação de seus leitores, logo após os livros serem abertos pela primeira vez”. De acordo com a noticia, ela era um alienígena ou algo do tipo. Aquela idéia pareceu divertir Luisa. Mas, quando esta chegou na metade do texto, foi surpreendida por alguém às suas costas que arrancou-lhe o papel das mãos, numa rapidez incomparável. Ao virar-se, deparou-se com Sarah Jane, fitando-a dos pés a cabeça, de braços cruzados.

—Acho que isso me pertence. –disse, dobrando rapidamente o papel, de modo que Luisa não pudesse ler mais nada. –Me desculpe. Acho que não percebi quando você tentou me entregar esse papel. –disse de modo superficial. Por fim, dando um sorriso pelo canto dos lábios, terminou dizendo. –Cuidado com o que você lê. Isso pode ser muito perigoso... Bom, até mais.

Sarah Jane virou as costas e retornou para sua casa sem ao menos olhar para trás, deixando a menina pasma e suficientemente confusa.

*     *     *

Luisa seguiu seu caminho. As lembranças daquela tarde estranha bombardeado-a a todo momento. Por fim, resolveu esquecê-las e seguir seu rumo. Chegando a esquina, tocou a campainha da casa dos Kyle. Tudo estava muito quieto lá dentro. Quieto até de mais. Será que eles haviam saído? Luisa não hesitou, bateu algumas vezes na porta e, vendo que não obtivera resultado, pensou em ir embora. Mas na hora H, uma idéia lhe passou pela cabeça. Ela tinha que deixar aquelas flores ali de qualquer maneira ou provavelmente sua mãe a faria voltar lá de novo mais tarde, o que ela não queria fazer. Pensou em girar a maçaneta... Talvez estivesse aberta. Se fosse o caso, ela poderia deixar as flores lá dentro e ir embora. Como que por sorte, a maçaneta girou e a porta se abriu. Luisa adentrou na sala escura. Já havia vindo à casa da família Kyle várias vezes para fazer trabalhos escolares com Claire e Junior, os filhos mais velhos de Jay, a diretora da escola. Ela sabia que não fazia mal nenhum em ir entrando na moradia, afinal, eles já a conheciam bem o bastante para saber que era uma menina confiável e responsável. Era difícil de se locomover no escuro. Luisa nunca notara antes como a casa dos Kyle ficava escura ao cair da noite, afinal, tudo sempre estivera bem iluminado por lá. Ela encostou a porta de leve, para que o feixe de luz da luminária da rua, que já anunciava a chegada da noite, pudesse invadir um pouco o ambiente, ajudando-a a evitar tropeçar em alguma coisa. Chegou o mais perto que conseguiu de um móvel de superfície plana e tratou de colocar as flores em cima. Foi aí, quando ia dar meia volta, que ouviu um barulho.

—Oi? Tem alguém... Quê!?—Luisa foi surpreendida por alguma coisa que veio de encontro com suas pernas desnudas. Logo em seguida as luzes se acenderam mais do que nunca e um grito de “Surpresa! Parabéns Luisa!” irrompeu tão forte pelo ambiente que a cidade inteira deve ter conseguido ouvir. Luisa piscou algumas vezes até seus olhos se habituarem completamente ao ambiente claro. Quando deu por si, estava rodiada de todos os lado por seus amigos de escola. Era nada menos, que uma festa surpresa.

—Gente! Mais o que significa tudo isso? –sorriu ela confusa. E em meio a uma multidão de rostos conhecidos e abraços calorosos, Luisa olhou para uma figura no chão, ao lado de suas pernas e rapidamente reconheceu Nik, o cãozinho de Melissa. –Nik? Você também faz parte disso?

—É claro que ele faz, e eu também faço! –abordou-a Melissa, dando-lhe o abraço mais forte de todos.  

—Méli! –sorriu Luisa. –Eu não acredito! Vocês tramaram isso tudo...? –arriscou.

—É claro que sim. E você pensou que esqueceríamos do seu aniversário, né?—provocou Melissa. –Sua boba!

—É quase isso. –admitiu Luisa, corando levemente. –Me desculpem por eu ter duvidado de vocês...

—Ah, tudo bem. –disse Julie. –Você ficou insegura, foi só isso. Devemos admitir que nós exageramos um pouquinho, mas queríamos que tudo saísse perfeito!

—É. Nós nunca esqueceríamos de você! –disse Violetta. –Palavra de amiga.

—E de amigo –disse o sempre bem humorado Ferris Bueller, acompanhado por Cameron, fazendo um sinal de “promessa” com os dedos, ao mesmo tempo que Luisa abria o maior sorriso de todos e corria para abraçar o rapaz. Ferris era um amigo muito querido, o seu grande companheiro de infância e seria quase um insulto à sua amizade, se ele não aparecesse na festa. –Pensou que eu não vinha? Eu nunca perderia essa festa...

—É verdade –complementou Cameron. –Esse chato aí ficou a semana inteira manipulando a turma para não fazerem nenhuma besteira. Ele queria que tudo saísse perfeito! Não queria que você suspeitasse de nada. Até fez você pensar que esqueceríamos a sua festa!

—Mas que tipo de amigos seríamos nós se fizéssemos com você uma coisa dessas? –perguntou Ned, surgindo do meio da garotada toda e abraçando-a também.

—É! E se nós fossemos assim, na moral, quem é que precisaria de inimigos, não é não? –disse Will Smith, dando um abraço em conjunto em todo o grupo reunido.

—Nós queríamos escolher um bom lugar para uma festa –começou Moze.

—E combinamos que a nossa casa seria a melhor opção –afirmou Claire, ao lado de Junior e de Kedy, a irmã caçula (de oito anos) dos dois.  

—Foi o maior espaço que conseguimos –disse Carlton. –É claro que nós tivemos que nos livrar dos móveis e queimar alguns aparelhos...

—Quê? –guinchou Luisa assustada.

—Luisa, não ligue pra esse anão de jardim metido a mauricinho, não! –retrucou Will, prendendo o primo numa chave de braço controlada. –Esse bobão fala um monte de besteiras. A verdade é que os móveis estão todos na garagem. Veja pelo lado bom menina: você vai ganhar um montão de presentes!—brincou Will e, em meio a risadas e abraços, a menina pode finalmente se acalmar e aproveitar a festa.

Todos os seus amigos estavam lá. Muitos levaram seus irmãos mais novos, pois não havia com quem deixá-los em um sábado à noite. Raven trouxe Cory, seu irmão caçula de nove anos. Um menino baixo e gorduchinho que a irmã carinhosamente chamava de “peste”. Mas, apesar de sempre se meter em confusão e adorar irritar a irmã, ele se destacava dentre as demais crianças pelo simples fato de ser um garoto esperto e organizado, além de um aluno nota dez em matemática. Ele até fazia o imposto de renda dos pais! Mais o que ele mais gostava de fazer na face da Terra era ter seu hobby favorito: juntar dinheiro. Ao mesmo tempo que Cory misturava-se com as outras crianças, Willis Jackson aproximava-se trazendo consigo seu irmãozinho Arnold, um garotinho fofo e bochechudo de seis anos. Ele era negro e tinha um cabelo estilo black-power também, como o do irmão mais velho, mas não se parecia de todo com ele – talvez pos causa da diferença grande de idade entre os dois. Além de tudo era engraçado, o que deu à festa um quê muito mais bem humorado. Havia outro garotinho, Franklin Aluísios Manford, que era conhecido pela família Kyle como o namorado mirim de Kedy e também uma criança prodígio. Ele era capaz de resolver equações matemáticas, desbloquear um computador raqueado e tocar piano de olhos fechados, o garoto era fera!  O inventivo irmão de Julie, Pedrinho, de dez anos, também compareceu na festa, trazendo consigo o globo de luzes coloridas, movido a raios lunares, que havia no teto. Era um jeito criativo de não gastar energia, além de que, este continha um dispositivo que soltaria uma porção de serpentinas na hora do bolo. Quem também estava presente eram as irmãs caçulas de D.J. Tanner, Stephany, de dez anos e Michelle, de quatro anos. Elas eram bem loirinhas, assim como a irmã mais velha e usavam vestidos estampados com flores. Stephany era engraçada e muito falante, enquanto Michelle era bonitinha e muito inteligente para a pouca idade que tinha. Todos os irmãos mais novos se reuniram para brincar juntos, enquanto os mais velhos conversavam e faziam algazarra.

Com a festa já em andamento, o senhor Michael Kyle e sua esposa Jay, a diretora da escola, foram cumprimentar a aniversariante. Eles tinham que estar presentes, afinal, eram os donos da casa. Os Kyle eram com certeza uma família muito divertida. O senhor Kyle era famoso por seus métodos unicamente infalíveis de educar seus filhos, que envolviam planos mirabolantes, disputas acirradas, idéias vingativas e manipulação de massas. Mas é claro que, tudo sempre dentro da lei. O fato era que ele e a esposa se recusavam a educar os filhos com castigos comuns ou surras programadas. Eles sempre queriam inovar! Era assim que eles se divertiam. O sr. Kyle era com certeza o mestre do “ande na linha ou chuto você da minha casa” (Junior que o diga), o garoto já aprontara tanto que poderia até escrever um livro. Já Jay, era diferente em alguns aspectos: ela era competitiva demais, ás vezes psicótica demais e muitas vezes cismava em entrar em crises no casamento por causa de besteiras, mas uma coisa era certa: ela sempre sabia o que era melhor para os seus filhos. Ela não concordava com todos os métodos de punição que o marido criava, mas quase sempre apoiava-o nas decisões. Afora esses e aqueles inconvenientes, eram uma família divertida e bem humorada.

Luisa estava se divertindo a beça, quando a senhora Kyle deu para querer dizer um de seus demorados discursos, como fazia normalmente em seus posto como diretora. Mas o que Luisa não esperava com esse falatório todo era a chegada de seus parentes na festa. Lá estavam seus avós, Tata e Vavá, seus tios Dave e Alan, sua prima Maria Jackson e sua mãe. Luisa não aguentou a emoção e, em meio a uma salva de palmas, ela foi abraçar cada um bem forte. Sua mãe abraçou-a e estendeu-lhe o colar que seu pai lhe presenteara, para que ela o colocasse. Luisa pegou-o imediatamente. Em meio a toda aquela confusão, nem tivera tido tempo de colocá-lo. Ela achava que voltaria para casa antes mesmo do anoitecer... Nunca imaginaria que na escuridão daquela casa estaria esperando-lhe uma festa surpresa!

O ponto auge da festa, antes do parabéns, se deu no momento em que a banda de Julie, Os Insólitos,  começou a tocar um de seus maiores sucessos *Essa noite somos um só, e pouco depois foi oficialmente liberada a pista de dança improvisada na grande sala de estar da família Kyle, que parecia agora ainda maior sem os móveis no caminho. Quase que no mesmo instante em que a dança começou, uma nova surpresa: O tio de Luisa, Dave, apanhou o microfone para si para comunicar uma coisa a todos.

—Hoje, é o aniversário da minha queria sobrinha –ele sorriu e acenou para Luisa, que retribuiu os dois atos, entusiasmada, então ele continuou: –Por isso a noite tem que ser incrível! E se eu me lembro bem, eu prometi uma surpresa para o dia de hoje... E aqui está ela!—em meio à outra salva de palmas, uma caixa de presente suficientemente grande e com buraquinhos na tampa (como que para ventilar o interior) foi trazida pelo seu outro tio, Alam. –Gente, eu lhes apresento o maior sucesso de bilheteria do momento: Alvin e os Esquilos!

Todos vibraram quando os três esquilos, Alvin, Simon e Theodore pularam para fora da caixa, rasgando a embalagem. Eles eram a sensação do momento. Ninguém conseguia acreditar que Os Esquilos estavam mesmo ali! E a coisa ficou ainda mais empolgante quando Alvin virou-se para Luisa e disse:

—E aí, priminha!?

Todos ficaram atônitos. Como assim eles eram primos da garota? Nem mesmo Luisa saberia explicar.

—Gente, gente... Não façam essas caras espantadas, a explicação é simples! Eu descobri os esquilos, fui eu quem investiu neles...

—Quer dizer que você é tipo, o empresário deles? –quis saber Dillon, acompanhado de perto por Summer, que usava um lindo vestido prateado brilhante.

—É. Isso também. Mas acho que eu sou mais como um pai mesmo. –assumiu Dave.

—Você é o responsável pelos esquilos? Que Máximo! –exaltou-se Raven, vibrando junto de Chelsea e Eddie.

—Então, que tal se agente parar com o interrogatório e começar a mexer o esqueleto? –perguntou Alvin, fazendo a casa inteira vibrar.

—Manda ver! –gritou Chris Rock. E todos começaram a dançar, ao som de *Celebration –Kool e The Gang, na voz dos esquilos.

A festa aumentou ainda mais de nível quando, Carly, Sam, Fred e Spencer, o irmão de Carly, invadiram a casa com unicíclos gigantes feitos de garrafas pet e objetos diversos (criados, é claro, pelo Spencer).

—Pessoal! Dá só uma olhada no que nós achamos! –anunciou Fred. Foi lançado sob a pista, outro presente, agora em forma de coração, também com furinhos na parte superficial da caixa... Este estourou sem aviso prévio, revelando mais três esquilos, mas dessa vez, eram meninas!—Abram alas para as Esquiletes: Brittany, Jeanette e Eleanor!

As três Esquiletes juntaram-se aos esquilos, o que provocou mais euforia no pessoal. Luisa não se aguentava de tanta emoção. Aquele dia ficaria para a história! Com certeza seria dado como inesquecível. É realmente espantoso como um dia comum pode acabar com um desfecho tão inacreditável como esse. A vida é mesmo uma coisa espantosa às vezes...

A festa continuou no ápice até as onze e meia, quando foi proposto à hora do parabéns. Pouco antes de assoprarem-se as velas dos dezessete anos de Luisa, sua avó e seu avô vieram falar com ela.

—Tata, Vavá, que bom que vocês vieram! –sorriu Luisa, radiante.

—Ah, e você por acaso acha que nós perderíamos a sua festa de dezessete anos? –falou Tata ironicamente. –Você é tudo pra nós! Não perderíamos isso por nada no mundo...

—Tome isso –disse Vavá para Luisa, entregando-lhe uma caixinha, ás escondidas. –Abra sem causar muito alarde...

—Que é isso Vavá? –indagou ela, curiosa.

—Abra! Dê um espiadinha rápida... Depois você pode guardá-lo num lugar especial.

—Tudo bem. –ela hesitou por um segundo, sentou-se entre os avós para disfarçar quando abrisse a caixa. Ela não sabia do que se tratava, mas já que eles a instruíram assim, talvez fosse melhor mesmo obedecer. –Caramba! Eu não acredito... –Luisa não conseguiu se conformar, pois lá havia, nada menos que a chave de um carro.

—Guarde isso bem guardado... –pediu mais uma vez Vavá. –Vou contar um segredo: Esse presente, nós compramos com a ajuda de sua mãe e seu pai. Todos fomos juntando aos pouquinhos o dinheiro exato para que, quando alcançássemos a quantia certa, pudéssemos comprar um presente bom o bastante pra você. Felizmente, alcançamos a quantia um ano antes de você completar dezoito anos. Fazer o quê?

—Ninguém conseguiu conter o seu avô aqui! –disse Tata. -Quando ele soube que havíamos conseguido o dinheiro, logo tratou de ir correndo escolher o modelo ideal para a nossa neta...

Mas é a chave de um carro! Vocês dois me compraram um carro? Eu não consigo acreditar...-sorriu ela, um sorriso que não cabia em seu rosto. –Mas vai demorar um ano inteiro ainda para que eu possa finalmente dirigir.

—Mas minha querida –interrompeu Tata. –Isso é só questão de tempo. Hoje você faz dezessete, dentro de um ano, fará dezoito. Acredite, será mais rápido do que você imagina... Quando menos esperar, já vai estar atrás do volante do seu carrinho vermelho.

Ele é vermelho!?—entusiasmou-se ela. –Ah! Que beleza! E ainda por cima é da cor que eu queria... –ela parou pra pensar por um instante. -Espera! Como vocês dois sabiam da cor?

—Nós somos seus avós –sorriu Tata.

—Conhecemos você bem até demais! –garantiu Vavá.

—E eu amos muito vocês dois! –ela entrelaçou o braço ao redor do pescoço de ambos e abraçou-os fortemente, ao mesmo tempo. –De coração... Mas é sério: Não precisavam tem comprado o carro. Só a presença de vocês já é tudo pra mim...

—Nós sabemos –responderam os dois em uníssono, com o sorriso mais acolhedor do mundo.

—Então. Estão gostando da festa? –perguntou ela, entregando a caixinha com a chave do carro aos dois, para que esses guardassem o pacote em segurança. Afinal, ela estava de vestido, não tinha bolsos para guardar o presente tão querido.

—Está muito animada –respondeu Tata enquanto Vavá concordava com a cabeça. Pouco depois ele se levantou e apanhou mais duas sacolas e voltou-se novamente para Luisa.

—Esses aqui, são os presentes meu e de sua avó, deste ano.

—Puxa, mais presentes? Se eu não conhecesse vocês dois, diria que roubaram um banco... –brincou Luisa. –Ainda bem que deixaram bem claro onde arranjaram o dinheiro do carro, ou então eu já estaria preocupada...

—Esse é o meu presente –Tata, entregou-lhe um embrulho de papel de presente, cuja havia dentro um cachecol vermelho, que ela mesma tricotara.

—Oh! Que lindo Tata... Obrigada! –ela abraçou a avó. –Vou usar assim que chegar o inverno.

—E aqui está o meu –Vavá entregou-lhe um embrulho menor e quadrado.

—Uau! Fitas cassetes novas! Bem que eu estava precisando de umas dessas! –sorriu ela, abraçando também o avô. Os dois curtiam gravar programas de Tv juntos, porque, como costumavam dizer, “nem tudo era possível de se adquirir através do DVD, nas lojas”. Então, de vez em quando, ela e o avô gravavam alguns programas de TV que achavam interessantes, alguma entrevista, documentário, filme e etc. Era como se fosse um hobby que ambos tinham em comum. –Faz tempo que agente não usa o velho vídeo cassete, não é?

—Pois é! Essas foram difíceis de arrumar... Não se fazem mais fitas cassetes de boa qualidade como antigamente. Tive que procurar em quase todos os sebos da cidade... Mas olhe só! Não é que valeu a pena?

—E valeu mesmo!

Foi aí que foi designado que seria a hora do parabéns. Ela abraçou os avós mais uma ultima vez, e todos foram ao encontro de uma mesa, que fora colocada bem no centro da sala, por Pedro, e decorada inteiramente por sua irmã Bianca. A prima de Luisa, Maria Jackson, vinha vindo com o bolo. Estavam todos se preparando para começar a cantar. Dona Sally e seu irmão Alam, o pai de Maria, colocavam as velas no bolo e começavam a acender os fósforos, que por algum motivo inexplicável, não pareciam querer acender naquela noite.

As pessoas continuaram falando aos murmúrios enquanto as velas tentavam ser acesas e, logo as conversas recomeçaram no tom normal. Luisa estava esperando as velas, quando sentiu alguém segurar seu braço, chamando-lhe a atenção por um momento.

—Tata? O que foi?

—Bem, é que hoje você está fazendo dezessete anos e... Eu me preparei tanto para esse dia!

—Do que a senhora está falando? –indagou Luisa, interessada no assunto.

—Você teria um minuto? –perguntou Tata, olhando por cima do ombro de Luisa. A menina virou-se para o que supostamente a avó estivera olhando –e observou tio Dave, tendo que ir ajudar os dois irmão, na tentativa de acender as velas, que realmente estavam impossíveis aquela noite.

—Parece que isso vai demorar um tempinho –avisou Dave, atrapalhando-se todo com a caixa de fósforos.

—Pode falar, Tata. Tempo nós teremos de sobra... –falou Luisa. Por um momento as pessoas se dispersaram novamente pela sala, até ser finalmente proposto a cantoria oficial do parabéns. E, em meio as reclamações de Alvin, que estava impaciente com a espera do bolo e, das crianças que, em geral, estavam roubando o glacê do bolo, Luisa e a avó puderam conversar na santa paz. –Parece que as velas não estão colaborando conosco hoje. Então, o que queria me dizer?

—Bem, é só uma tradição. Eu ensinei isso para sua mãe e seus tios, mas está mais do que claro que eles já esqueceram-se disso. Afinal, já faz tanto tempo...

—Como assim?

—Todas as vezes que um dos nossos familiares fez dezessete anos, eu sempre disse para desejarem às velas do bolo, antes de apagá-las, um pedido diferente. Não uma bobagem qualquer, mas um pedido vindo do fundo do coração. Você deseja o que quer mais do que tudo na vida. Pode ser qualquer coisa, isso vai do gosto de cada um...

—Quer dizer, que eu devo fazer um pedido?

—Exatamente. Mas não peça qualquer coisa, como bens materiais, por exemplo. Peça o que o seu coração mais desejar adquirir na vida!

Luisa sentiu-se inspirada. Poderia ser só uma história, mas mesmo assim era algo interessante de se conferir.

—Você o fará? –perguntou a avó.

—Sim. –conformou Luisa.

—Consegui! –comemorou o tio Dave. -Finalmente acendi as velas!

—Até que enfim! –guinchou Alvin. –Já tava na hora, né?

Luisa sentiu um assombro imediato, como se ao concordar com a avó, as velas tivessem automaticamente deixado-se acender. Mas é claro que aquilo seria loucura demais. Não poderia ser isso... Poderia?

Então finalmente a musica do parabéns começou e Luisa teve os pensamentos interrompidos, voltando a atenção exclusivamente para o bolo e seus amigos e familiares cantando para ela. Todos comemoraram fazendo o maior alvoroço e, por fim, chegou à hora de soprar as velas. Por um momento, Luisa as encarou ansiosamente. Ela teve medo de se desesperar e desejar a primeira coisa que lhe viesse à cabeça, quebrando totalmente o encanto da brincadeira... Mas felizmente conseguiu assumir o controle. Primeiro pensou na carreira. Queria muito poder ser uma escritora consagrada; depois lembrou-se do pai. Queria muito que ele voltasse para casa... Sim! Esse pedido era perfeito! Certo. Então seria isso que pediria. Ela inclinou-se para assoprar as velas... Mas antes que conseguisse fazê-lo, algo invadiu seu pensamento. Não uma idéia qualquer, mas uma lembrança. Uma lembrança há tempos muito desejada. Secretamente, ela imaginou uma noite escura, em que só uma coisa se destacava: Uma cabine azul. Deixou-se perder em devaneios da qual aquela caixinha se abria e de dentro dela saía um rapaz, convidando-a a entrar. Ela rapidamente reconheceu aquele rosto. Era o Doutor. Foi então que voltou a si e percebeu: Ela já havia se decidido.

Até aquele momento, Luisa não sabia se aquilo era certo de se pedir –mas teve total certeza quando inclinou-se sob a mesa e seu coração disparou, como se num sinal positivo e inegável. Então seria aquele o pedido escolhido. Tinha que ser! Ela desejaria poder rever o amigo. Essa poderia ser sua única chance. Era agora ou nunca...

Em um movimento só, ela apagou de uma vez as velas. E em meio aos gritos de vivas e aplausos que encheram a sala, Luisa sentia apenas uma vibração boa percorrer o seu corpo, como se fosse uma garantia de que o desejo fora ouvido e seria avaliado.

Ela ergueu a cabeça mais confiante do que nunca: Encontrou os olhos da avó, que sorria e assentia positivamente com a cabeça, aplaudindo a neta. De uma vez por todas, a sorte estava lançada.


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Notas finais do capítulo

Mais que confusão meu povo!!! kkkkkkk

Sim. sim. Eu sei o que todo mundo vai dizer: "A Luisa foi muito boba de não ter percebido que seus amigos estavam agindo estranho por causa da festa surpresa..." Mas cá entre nós: Qual seria a graça se ela tivesse descoberto isso logo de começo? Em defesa à ela: "Desconfiar" é o que todo mundo faria. A Luisa não é todo mundo. :)


Só uma curiosidade: Os avós da Luisa são inspirados nos meus :D (só que no meu caso, os que são compatíveis com esses da fic são os paternos. Eu inverti.)

Legal né, essa coisa do pedido intenso às velinhas? Eu inventei isso. Quero dizer, não sei se em algum lugar da Terra alguém já pensou numa coisa assim... Sei lá, pode acontecer. Foi até engraçado, porque eu comecei a escrever a história da Luisa antes dos meus 17, e no dia do meu aniversário eu acabei fazendo um pedido especial, inspirado nesse trecho do capitulo.

Curiosidades, curiosidades... kkkkkk

E aí? Será que o desejo dela vai ser realizado?

Veremos semana que vem!

Beijos e até a próxima!

Ah! E deixem comentários!!! :D



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