Jonas e o Teleporte escrita por Izaias Maia


Capítulo 2
Capítulo: Dois




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/741565/chapter/2

Ao abrir a porta Jonas encontrou a última coisa que esperava: um homem prestes a bater em sua porta. Alto, magro, em um terno impecável. Óculos escuros e cabelos meticulosamente penteados para trás. Aliás, tudo nele parecia meticuloso: as roupas, o sapato lustrado, a gravata alinhada e até o cenho franzido carregando o descontentamento de lidar com pessoas àquela hora da manhã.

Jonas não sabia ao certo se havia deixado escapar uma exclamação em tom agudo demais para sua idade. Fato é que ao dar-se conta que a porta do apartamento se abrira, o homem abriu um largo sorriso, definindo covinhas simpáticas em suas bochechas, guardou os óculos escuros e revelou um olhar amigável e acolhedor enquanto estendia-lhe a mão.

— Bom dia, senhor Jonas. – disse o homem.

Ainda desconfiado, Jonas cumprimentou em retorno esperando uma apresentação.

— Desculpe incomodá-lo tão cedo, senhor Jonas. – disse ele em um tom quase fraterno – Meu nome é Bergman, sou agente de segurança e bem-estar do usuário Portal Tech.

O homem mostrou-lhe sua identificação. Jonas, conforme orientado pela própria Portal Tech quando adquiriu seu teleporte, usou um aplicativo em seu smart para confirmar a autenticidade da identificação de Bergman. Sentiu-se mais tranquilo ao confirmar que aquele homem era de fato quem dizia ser.

Hoje a Portal Tech é a empresa mais confiável do mundo, indicam estudos. Sua política de relacionamento com os clientes aliada à sua tradição no mercado construiu com seus clientes uma confiança sólida e duradoura. Tão sólida, aliás, que os agentes de segurança e bem-estar e os técnicos especializados são bem-vindos em todos os lares do mundo, sempre recepcionados com cortesia e hospitalidade para realizar as manutenções e revisões periódicas gratuitas e incluídas no pacote de garantia vitalícia fornecida com todos os modelos de teleporte.

“Afinal a Portal Tech é sua amiga!” – reverberou o jingle clássico da empresa no subconsciente de Jonas.

— Detectamos um problema em seu dispositivo, Sr. Jonas. – Disse o sorridente Bergman.

— Hã... Pois é... – respondeu Jonas, virando-se e apontando para seu teleporte, porta aberta e com a luz interna ainda acesa. – Parece que ele parou de funcionar. Não sei bem o que houve.

— E o senhor está bem?

— Eu? – estranhou Jonas – Sim, estou. Por quê?

— Algum sintoma? Náuseas? Vômitos? Queda de cabelo? Hemorragia? Descamação de pele? – Perguntou Bergman enquanto o olhava como um médico examinando seu paciente com uma doença rara.

— Eu... talvez, um pouco... – respondia confuso Jonas – Olha, preciso sair, pegar um teleporte público... Preciso mesmo chegar ao trabalho. Fique à vontade, faça os reparos necessários...

Jonas saiu pela porta. Enquanto descia as escadas apressadamente, Bergman permaneceu à porta de seu apartamento encarando sua silhueta desaparecer escada abaixo.

Por um instante Jonas questionou-se mentalmente se havia escutado “hemorragia”. Resolveu deixar para lá. Sua maior preocupação era chegar ao trabalho.

Fazia tempo que não saía à rua. Estava vazia e silenciosa. Como sempre.

Na esquina havia um teleporte público. Aproximou seu cartão Portal Tech plantinum do leitor. O dispositivo soou um bip, fazendo a leitura do mesmo. E então a tela ficou azul e exibiu o aviso: “Dispositivo em manutenção. Por favor dirija-se ao dispositivo mais próximo. ”

 Olhou à sua esquerda: Todas os outros três dispositivos exibiam a mesma mensagem no visor. Respirou fundo e coçou as têmporas. E então soltou-se. Gritou e xingou chutando a máquina. Batia com os dois punhos fechados. Chacoalhava-a. Chutava-a de novo e xingava mais alto. O aviso na tela continuava lá.

Afastou-se ofegante. Estava sentindo raiva. E a ela misturava-se frustração, impotência e mais uma meia-dúzia de sentimentos que não conseguia definir ao certo. Não havia coisa mais irritante do que não ter o que queria na hora em que queria. Mais que isso, Jonas precisava muito chegar ao trabalho. E por se tratar de trabalho – do seu trabalho – é motivo de sobra para revoltar-se, esbravejar, xingar e indignar-se com seja lá quem for o culpado.

Seu trabalho é de importância vital para a sociedade. Analistas financeiros elaboram relatórios que são usados pelas grandes multinacionais para ditar o rumo de seus investimentos. Um erro poderia significar um caos no mercado financeiro. Um prejuízo significativo decorrente de um relatório mal feito poderia significar milhares de empregos. Um ofício tão nobre sendo barrado por incompetência de terceiros! O absurdo! E Justo hoje, o dia da reunião com os executivos da matriz. Hoje que ele iria apresentar o relatório que o consumira nos últimos meses. Um relatório que poderia render a almejada promoção à gerente regional.

— Mas que merda!

Já imaginava a foto que tiraria para postar. Pensara na legenda. Uma selfie logo após a reunião, com a gravata alinhada, exibindo ao fundo as complexas planilhas que elaborara. Como legenda a frase de encerramento do último workshop motivacional de business ministrado pelo seu coach favorito. Mal podia esperar pelos comentários elogiosos. Os likes atingiriam patamares inéditos. E os estagiários, aprimorandos e juniores invejariam seu sucesso profissional. Aqueles jovens veriam que um profissional bem-sucedido como ele não se faz em festas regadas a champanhe ostentadas em redes sociais.

E agora tudo arruinado! Arruinado por que provavelmente algum novato incompetente na Portal Tech cometeu um erro! Jonas sabia que era culpa de alguém. Alguém que não estudara direito, que não fizera seu trabalho direito, que não se dedicara o suficiente.

No entanto, Jonas ignorava as verdadeiras razões de não conseguir se teleportar. Razões que, a esta altura, se mostravam relativamente óbvias e que teriam consequências drásticas a muitíssimo curto prazo.

Entrou resmungando e pisando duro na Prime Coffe virando a esquina. Era sua rede preferida de cafeterias. Pediu um café gourmet de grãos selecionados de sabor muito inferior ao café coado em filtro de papel, popular algumas décadas atrás.

Usando o tablet da cafeteria postou uma foto do copo, com a logomarca da Prime Coffe evidente, com sua localização. Legenda: “Dia já começando difícil. Pagando pela incompetência dos outros.”

Jonas não sabia ao certo quem eram os outros cuja incompetência resultou em seu infortúnio. E foi então que lhe ocorreu: Nunca antes ouvira falar de erros em quaisquer dispositivos da Portal tech.

Bebericou seu café aguado franzindo o cenho enquanto pensava no assunto. Lembrou-se de Tadeu.

Resolveu aproveitar o tablet da cafeteria e fez algumas pesquisas.

Digitou: “Erro teleporte falha” e “Não fui teleportado”.

Todas as páginas listadas eram da própria Portal Tech e diziam basicamente a mesma coisa: Permaneça em casa. Evite usar o smart. Não entre em pânico. Aguarde contato da nossa equipe.

Algo estava estranho. Filtrou sua busca para que não exibisse resultados da própria Portal Tech. E então a surpresa.

Todos os sites pareciam ter sido escritos pelo Tadeu.

A Portal Tech tem mentido... O mecanismo de funcionamento... Efeitos colaterais... Pessoas desaparecidas... Alterações de personalidade... Refragmentações anômalas...

Abriu um ou dois artigos, mas sequer os leu até o final. O tom dramático e conspiracionista dos textos era excessivo. Beirava o cômico. E Jonas riu. Um riso curto, discreto, algo forçado. O riso nervoso daquele que tem sua crença confrontada por bons argumentos.

Fechou o tablet balançando a cabeça em negação. Não estava certo. Era tudo bobagem. Estavam todos loucos.

Lembrou-se de Tadeu de novo. Um colega de faculdade de Jonas com o qual perdera contato há muito tempo. Na verdade, a última vez que encontrou com ele foi há cerca de 6 meses em um congresso em Samoa. Chamou-lhe a atenção que Tadeu demorara quatro dias para chegar, pois ele recusava-se a usar teleportes. Ele era um desses caras esquisitos, maníacos de teorias da conspiração, que acreditam em coisas estúpidas como existência de alienígenas, efeito estufa ou que a Portal Tech esconde segredos sobre seus teleportes. Na faculdade ele já tinha conversas estranhas, mas tinha também maconha da melhor qualidade, o que compensava as conversas estranhas. Aliás, tornavam-nas divertidas, além de estranhas.

Jonas lembrou que Tadeu mencionara que a Portal Tech escondia um grande segredo, e por isso ele não usava o teleporte. Até deu-lhe o contato. Aparentemente Tadeu morava a três quadras de seu prédio. Edifício Novo Vale, repetira Tadeu pelo menos três vezes. Jonas disse que ligaria para marcar alguma coisa. Mas ele nunca sequer falou com seu vizinho da frente, quem dirá andar uma quadra e meia para marcar alguma coisa com um hippie conspiracionista que não usa teleportes.

Enquanto caminhava de volta para casa, os textos que lera superficialmente martelavam em sua cabeça. Considerou por um momento que a Portal Tech escondia um segredo terrível sobre os teleportes. Mas logo repreendeu-se mentalmente. Não devia gastar neurônios com bobagens. O defeito em seu dispositivo era um episódio isolado, logo eles dariam um jeito. Jonas precisava ir para o trabalho. Sabia que quando abrisse o apartamento encontraria Bergman, sorriso forçado, pedindo mil desculpas pelo inconveniente e assegurando-lhe que o teleporte estava funcionando perfeitamente novamente.

Mas não foi o que aconteceu.

Jonas estava parado à porta de seu apartamento, olhando atônito para a cena bizarra em sua sala de estar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Jonas e o Teleporte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.