Jonas e o Teleporte escrita por Izaias Maia


Capítulo 1
Capítulo: Um




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Izaias P. C. Jr.

JONAS E O TELEPORTE

 

O teleporte literalmente mudou o mundo nas últimas décadas. Mudou a forma como as pessoas se relacionam, trabalham, consomem e produzem.

Jonas é um analista financeiro que mora no Rio de Janeiro, trabalha em Zurique, se consulta com médicos em Londres e malha em Miami. Sua esposa leva seu filho à escola em Budapeste, trabalha em Helsinque, faz compras em um mercado em Pequim. Ao final do dia todos voltam para o apartamento no Rio. Aos fins de semana curtem uma praia no Caribe de manhã.

Ele nunca teve nenhuma relação especial com o teleporte. Ninguém da sua idade tem. É apenas um meio de transporte ordinário que o leva ao escritório para que realize sua tediosa atividade laboral: analisar finanças.

Jonas trabalha em uma empresa que é contratada por outras empresas para, a grosso modo, analisar seus investimentos e dizer como gastar menos e lucrar mais. Em outras palavras: passa o dia atrás de uma mesa, em um cubículo, lidando com planilhas intermináveis. Faz um sem número de intervalos, toma litros de café, canta estagiárias que há pouco atingiram a maioridade e gasta horas em conversas vazias com seus colegas de trabalho, que fazem piadas em mandarim, já que a maioria é chinês. Não tinha certeza. Mas eram asiáticos.

O que Jonas não sabe, e é o que seu terapeuta chileno tenta fazê-lo entender em suas sessões semanais, é que ele está absurdamente entediado e insatisfeito com sua vida, consequência de um hábito nocivo diário.

Ele acorda todos os dias, especialmente às segundas-feiras, odiando tudo e todos. Odeia até o beijo de bom dia que ganha da sua esposa 20 minutos antes de levantar, com o hálito matinal de quem nem ainda não escovou os dentes.

O descontentamento geral e a ranzice passam um pouco no banho, enquanto sua esposa está se trocando. Depois ele se veste e vai até a cozinha. Júlio já está com o uniforme da escola e comendo seu cereal. Ele toma o seu antidepressivo, o fitoterápico ansiolítico, ômega 3 e um mix de aminoácidos de algas. Amelie, sempre sorridente, serve-lhe uma xícara de café quente. A nuvem negra e trovejante sobre sua cabeça começa a dissipar-se.

— Tudo bem, querido? – pergunta ela.

Suspira fundo enquanto encara a negritude fumegante em sua xícara. Toma um gole de café, abre um sorriso automático e responde:

— Tudo ótimo, amor.

Não foi de todo falso.

Segue-se o ritual matinal. Conversas à mesa. Ouvir os planos do dia: As contas para pagar, as compras para fazer, o Júlio para buscar no colégio, academia, voltar para casa. Ritual feito, humor parcialmente restaurado.

Ela e o filho saem. Amelie sempre vai com Júlio primeiro. Deixa-o no colégio em Budapeste e de lá se teleporta para o serviço em Helsinque.

Jonas ainda tem mais 15 minutos. Sozinho em casa. Em absoluto silêncio.

Afunda no sofá com o alívio de alguém que descalça um sapato apertado ao final do dia. Estava acordado há pouco mais de uma hora.

Questionava-se o porquê destes pensamentos e sentimentos recentes. Esse mau-humor e saco cheio das coisas. A falta de paciência, o sentimento de infelicidade. Mas não é de fato uma infelicidade plena, uma tristeza profunda de quem perde um familiar. Está mais para um incômodo persistente com o mundo, uma inquietude existencial. Talvez o aniversário estivesse mexendo um pouco com sua cabeça. Quarenta anos tem lá o seu peso. Mas justificaria? Ele tem um bom emprego, ganha bem, mora num lugar bacana, tem uma esposa bonita. Já foi mais, é verdade. Talvez depois do Júlio ela tenha se descuidado um pouco. Ele vai na academia todos os dias, está se cuidando enquanto ela relaxou. Sempre tem uma desculpa: tem que cuidar do Júlio, tem que ir em reunião na escola, tem que arrumar a casa. Desculpas e mais desculpas. E a cada dia aparece uma nova gordurinha que não estava ali há alguns poucos anos atrás.

Interrompeu suas reflexões. Sacou seu smart. Acessou suas redes sociais para checar as últimas postagens dos seus amigos. Amigos nas redes, não que ele conhecesse dois terços daquelas pessoas. Algumas sim. Seguia colegas do trabalho e ex-colegas de turma com os quais não falava há mais de uma década. Mas sua timeline era principalmente preenchida por celebridades e um sem-número de jovens, na maioria estagiárias no escritório, no auge de seus vinte anos. Postavam fotos das baladas do fim de semana, em vestidos apertados e decotados e se exibiam a um público seleto de gente bonita em boates sensacionais ao redor do mundo. Cercadas de pessoas felizes de sorrisos impecáveis.

Jonas sentia vontade de fazer coisas divertidas e postar fotos bacanas. Hoje seus fins de semana resumem-se a cuidar do Júlio enquanto ele brinca na areia da praia. Ou joguinhos bobos no vídeo game. Ou tê-lo entre ele e Amelie na cama nos domingos à noite enquanto assistem tv.

Talvez não tivesse mais idade para balada, pensava ele. Agora tem mulher e filho e compromissos e contas a pagar. Coisas de adultos que esses jovens não têm que se preocupar. Ele teve sua fase. Ah sim, teve sua fase! Ia à muitas festas e divertia-se bastante. Mas... será que era tão bom? Na verdade, lembrava-se mais das ressacas, dos vômitos no banheiro, de se perder dos amigos e de beijar quem não devia. Será que essas meninas passam por isso? Ou esses caras bonitos que estão com elas? Será que todos...

— Merda! – Exclama saltando do sofá – Estou atrasado!

Perdeu o horário. De novo.

Jonas corre pela sala até o banheiro. Escova os dentes tão rápido quanto possível. Volta para sala e entra no teleporte. Aperta a partida. Cancela a partida. Estava programada para o colégio do Júlio. Abre o menu, escolhe o escritório. Agora sim. Seleciona a partida, confirma.

Nada acontece.

Intrigado, abre a porta do teleporte. Ainda em casa. Claro, não apareceu a mensagem de confirmação do destino. Mas vai saber né...

A tela do console ainda exibia: “Destino selecionado: Local de Trabalho Jonas. Confirma?”. Apertou “sim” novamente. Foi então que percebeu. O botão “sim” estava diferente, como se já tivesse sido selecionado. Mas a mensagem continuava lá. Deslizou o dedo pela tela touchscreen tentando voltar ao menu principal. Sem resultado. A tela da mensagem de confirmação piscava de maneira bizarra.

— Mas que... –irritado tentou abrir a porta do teleporte.

Trancada.

Agora Jonas se assustou. Um alerta eletrônico rápido se seguiu e as luzes internas do teleporte ficaram vermelhas. E tremeluziam. Ele voltou-se ao console. Já estava ficando nervoso. E só piorou ao ver a tela.

Estava preto o fundo. Com letras brancas passando. Como se estivesse exibindo o código de programação do teleporte. E a tela como se sofresse alguma interferência bizarra.

Então as coisas ficaram bastante confusas. Jonas se viu debruçado sobre o vaso sanitário vomitando seu café da manhã. No banheiro do seu apartamento.

A cabeça estava um pouco dolorida. Estava tonto. Demorou alguns segundos para entender o que aconteceu. Depois de perceber os códigos de programação na tela do teleporte ouviu um zumbido muito alto. Ensurdecedor. Depois veio a luz, ofuscante. E muito calor. Durou um segundo ou dois e subitamente parou. A porta se abriu e Jonas saiu cambaleante, nauseado e tonto.

Levantou-se do chão do banheiro. Limpou um misto de saliva e vômito no canto de sua boca. Sua roupa tinha um cheiro estranho.

— Queimado? – indagou – Mas o que diabos...

Enxaguou o rosto. Reparou que seu dedo anelar estava dolorido. Retirou a aliança e percebeu que por baixo dela seu dedo estava vermelho, como se a aliança o tivesse queimado. Encarou por um segundo a aliança sobre e então admitiu para si mesmo: não estava entendendo mais nada.

Voltou para a sala. Lá estava o teleporte, com a porta aberta e piscando a luz interna. Não a vermelha e assustadora que ele nem sabia que existia. Apenas a luz branca, normal.

Colocou a cabeça para dentro com certa cautela. Nada demais. À tela lia-se: “Erro fatal no sistema. Permaneça calmo e aguarde contato da Portal Tech. Obrigado.”

Jonas bufou e esbravejou enquanto saía para o banheiro.

— Mas que absurdo! Paguei uma fortuna nessa porcaria e ela dá defeito! – esbravejava enquanto despia-se e entrava debaixo do chuveiro. – Não vou ficar nada calmo!

Tomou seu banho apressado. Percebeu que de seu braço uma fina camada de pele se soltou, como se queimado do sol. Não deu importância. Achou que era do sol que tinha tomado semana passada na praia em Curaçao.

Enquanto se vestia ligava para seu gerente.

— Alô, Wang?

— Jonas? Por quê está me ligando?

— Eu tive um problema com meu teleporte. – dizia Jonas meio em tom de desculpas, meio em tom de lamento – Foi meio bizarro, por que acho que passei mal e... enfim, depois te explico. Estou saindo para pegar um...

— Está maluco Jonas? – interrompeu Wang – Acabamos de tomar café!

— ...teleporte público... – concluiu Jonas sem entender direito o que tinha ouvido.

Coçou a cabeça intrigado. Balbuciou uma ou duas palavras confuso.

— Jonas? Que brincadeira é essa... – seguiu-se um clique e a linha emudeceu.

Olhou o smart. Estava sem sinal da operadora. Nem na rede wireless do apartamento estava conectado.

Jonas xingou em voz alta e abriu a porta da frente do apartamento como se descontasse sua raiva na maçaneta. Quase caiu para trás ao deparar-se com a figura que o esperava do outro lado da porta.


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