Hastryn: Despertar escrita por Dreamy Boy


Capítulo 7
Um Ato Heroico


Notas iniciais do capítulo

Há muitos cidadãos que não conheço. Será impossível estar ciente das histórias de todos.
Mas dou o meu melhor para isso.
E, aos poucos, me sinto mais parte do reino em que estou inserida.
Horgeon está se tornando o meu lar.



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Charlotte

Aguardando a chegada da ama, a Rainha de Horgeon ficou em uma das varandas dos fundos do palácio, que dava acesso a uma saída bela. Um jardim que poucos costumavam enfrentar, sendo silencioso o bastante para a conversa que teriam. Os únicos que perambulavam por ali eram os criados e funcionários responsáveis pelos cuidados das plantas e flores. Charlotte estava sozinha, contando com a companhia somente das árvores, dos animais pequenos e dos fortes ventos que vinham em sua direção.

Sentou-se sobre um muro baixo de pedra, encostando a cabeça na parede mais próxima e fechando os olhos, permitindo-se sentir a energia da natureza. O céu estava azul, com poucas nuvens e ventos frescos. Durante a noite, costumava chover por algumas horas e o tempo ficava um pouco mais frio.

Seus devaneios foram interrompidos por passos possíveis de se ouvir à distância.

— Peço desculpas pela minha demora... Três pequenos sujeitos me pediram para contar histórias. — Hazel surgiu de trás, caminhando em sua direção. — Para virmos a um local tão sossegado e longe das outras pessoas, creio que o que tenha para falar é bastante sério. O que é tão importante?

— Hazel... — Charlie continuou na mesma posição, sem encarar o olhar da senhora, que se sentou ao seu lado. — Eu matei um homem.

O que se sucedeu foi algo que a surpreendeu. Esperava que a reação da ama fosse ser de susto, desespero ou julgamento, mas tudo o que ela fez foi respirar fundo e perguntar, em um tom calmo e tranquilizador:

— E como isso aconteceu?

Charlie relatou a forma como executou o criminoso, mostrando que, no último dia, manteve-se em silêncio absoluto a respeito do assunto, evitando até mesmo a conversar com Elliot sobre o mesmo.

— Isso foi um reflexo de todo o seu sofrimento, também causado por um homem. As palavras do estuprador a atingiram diretamente, como se você estivesse no lugar da vítima que sofreu o ataque. Dentro desse quadro, a sua reação é completamente compreensível, mesmo que a punição por execução não tivesse ocorrido da forma como a lei anuncia.

— Seria diferente, Hazel... Seria diferente, porque o que fiz não foi cumprir a lei. Foi, de certa maneira, uma vingança. Vingança contra a sensação de superioridade masculina que existe em nosso mundo. Como dizem os livros e os ensinamentos morais, nenhuma vingança traz uma sensação boa. Todas são tomadas por um profundo sentimento de vazio e há um questionamento se o que foi feito valeu ou não a pena.

A mulher ficou em silêncio, absorvendo as palavras da mais nova. Aquele espaço sem falas poderia parecer constrangedor para uns, mas era extremamente acalentador para Charlie após a confissão.

— Podemos dar uma volta? — A rainha perguntou, minutos depois. Hazel assentiu e ambas desceram do muro de pedra, caminhando pelos arredores do jardim solitário.

No centro, um chafariz circular tinha uma estátua com o formato de uma sereia, também constituída à base de pedra. Era uma clara homenagem às criaturas marinhas que viviam próximas às terras de Fauth. Ao redor, um gramado cortado era repleto de flores coloridas e cuidadosamente aparadas para manterem a beleza do ambiente. Mais à frente, após as ruas de areia, um balanço fora pendurado em uma árvore grande e firme. Próximo dele, ficavam dois largos bancos de areia, com vista frontal para a sereia, que parecia cada vez mais distante.

— Sinto falta do corpo medicinal de Arroway. Estou prestes a conhecer novas pessoas que trabalham nessa área, mas temo que não seja mais a mesma coisa. Devo fazer parte disso aqui na cidade também, mesmo que o cargo de rainha exija bastante de mim. Talvez não seja possível administrar tantas tarefas ao mesmo tempo, mas sei que devo tentar. Trabalhar nas enfermarias se tornou uma paixão.

— Sei disso. — Hazel respondeu. — Seu coração se tornou mais tranquilo ao encontrar uma vocação em meio ao inferno em que vivíamos...

De repente, Charlotte parou.

— Por onde passo, vejo a imagem daquele homem.

— Saiba que não está sozinha nisso. Estou aqui para protegê-la. — Hazel colocou uma mão sobre o seu ombro, acariciando-o de leve. — Acredito que, assim que se sentir pronta, deva ir ao Templo Sagrado para dialogar com os deuses. Eles conhecem o seu coração e poderão auxiliá-la a lidar com a culpa.

Aquele havia sido um dia complicado. Charlotte, um dia após a execução, realizou a assembleia que havia prometido, para ouvir diretamente da população as suas histórias de vida e o que precisavam que fosse feito. Organizou cestas de alimentos para as famílias mais pobres e alegrou que seria feita uma melhoria na estrutura, para que diminuísse o número daqueles que passavam fome. A jovem Demetria esteve presente o tempo inteiro, utilizando a sua vida como um exemplo de que a generosidade dos reis era verdadeira. Por mais que Horgeon fosse conhecida por ser uma cidade que se dava bem com seus governantes, Charlotte era nova no cargo e não desejava que duvidassem de suas palavras.

— Sarah, a mãe de Demetria, já foi conduzida ao Centro Hospitalar. — Mudou de assunto, disposta a não tornar aquele um momento unicamente tristonho e mórbido. — Se tudo der certo e a mulher se recuperar da doença, Demetria será conduzida ao norte. Ela soube da proposta do grande torneio que está sendo elaborado por Katherine e imediatamente demonstrou interesse em participar.

— Pelo pouco que conversamos, parece ser uma jovem sonhadora.

Charlie concordou.

...

O Centro Hospitalar era uma construção muito maior do que as enfermarias de Arroway. Extenso, tinha corredores com tetos abertos, para que a luz do sol compenetrasse no local.  Vários quartos foram construídos com o propósito de serem atendidos, em cada, um número pequeno de pacientes, para que uns não se assustassem com os problemas graves que os outros poderiam ter. Havia também uma sala reservada para estudos, com relatórios de pesquisas completas e em aberto, pergaminhos com anotações, livros grossos com informações cruciais, bestiários, guias de fabricação de remédios e antídotos, bonecos que representavam o corpo humano e quadros com desenhos e esquemas.

— Como ela está? — A monarca perguntou ao médico responsabilizado pelo atendimento de Sarah. A mesma se encontrava adormecida com o efeito de medicamentos que contribuíam para que a sua dor fosse reduzida. — Houve alguma melhora em seu quadro?

— O que fez a doença, que não era grave, piorar, foi o tempo em que passou sem se medicar, certamente acreditando que se tratava de algo fraco o bastante que passaria em breve, pois poderiam ter recorrido ao banco de medicamentos gratuitos que oferecemos. Suas tosses estão cada vez mais fortes e a paciente chega a cuspir sangue. Ainda é cedo para garantirmos à família de que haverá uma mudança positiva.

Charlotte, após receber as informações, deixou-o prosseguir com o seu trabalho e se retirou do quarto, encontrando a filha mais velha da mulher sobre um assento de madeira. Estava entre dois meninos pequenos, cujas mãos escondiam o rosto. Acreditou que estivessem chorando, temendo o que pudesse acontecer com a matriarca. Demetria visitava a mãe constantemente, e era obrigada a trazer os irmãos consigo, pois Isaac havia conseguido uma oportunidade de trabalhar para auxiliar no sustento da família.

— Agradecemos por tudo o que tem feito, Majestade, e nunca cansarei de dizer isto. — A moça se levantou e apertou as suas mãos. — Se os deuses permitirem, ela sairá dessa com saúde. Irmãozinhos, venham cumprimentar a rainha.

Charlie estava para dizer que não era necessário, mas os mesmos secaram os olhos e a abraçaram com força. Viram na pessoa à sua frente uma imagem de heroína, mesmo que as decisões que tomasse fossem algo que simplesmente considerava uma obrigação sua como rainha. Sempre teve o desejo de auxiliar ao próximo, mas o dever de uma monarca era cuidar de seu povo. Estava buscando a melhor forma de cumpri-lo.

— Obrigado, Majestade. — Os pequenos disseram, em uníssono.

Ajoelhou-se, retribuindo ao abraço de forma carinhosa. Esboçou um sorriso, buscando transmitir confiança para aqueles corações, que ainda não conheciam o mal que fazia parte do mundo.

— Prometo que farei de tudo para salvá-la! Por vocês!

Honrando ao seu juramento, caminhou até a sala de estudos e apanhou uma quantidade considerável de livros, posicionando-os organizadamente sobre uma mesa de madeira espaçosa. Em seguida, separou os que considerava de maior importância e folheou as suas páginas, observando atentamente o índice, à procura de uma substância ou medicamento antigo que fosse mais eficiente na cura. Dedicaria o restante do dia para aquela tarefa, sem descansar antes de dar o seu máximo para concluí-la.

Ordenou que uma das médicas viesse constantemente ao local para alertá-la sobre possíveis alterações. Soube que, nas horas que se sucederam, Sarah teve a sua respiração se tornando cada vez mais ofegante, chegando a vomitar e sentir calafrios. Charlotte se questionou sobre uma vacina transmitida anteriormente para a população, temendo que esta não tivesse sido acessada pela família. Com esse pensamento, procurou um exemplar que tratasse especificamente das vacinas produzidas na cidade, parando nas páginas que mostravam detalhadamente como prepará-la. 

Correu até a dispensa, na qual se situavam frascos vazios, e os encheu com a essência principal do antídoto, que já estava preparada para o caso de necessitarem aplicar a vacina novamente. Por se tratar de uma receita perigosa, era um medicamento que nem todos sabiam como se produzir, mas os estudos avançados que realizou em Arroway permitiram que ela decifrasse os códigos presentes no livro e chegasse à chave principal do mistério.

— Injetem isto nela. — Sem relutar em desobedecer à ordem, o médico apanhou, com o uso de luvas brancas, a seringa na qual o líquido havia sido despejado e a aplicou na paciente. Sarah soltou um gemido baixo. Charlie se aproximou desta. — Tenha fé de que as coisas irão dar certo!

Para a alegria de seus descendentes, após a vacina e a tomada de novos antídotos produzidos pela equipe, Sarah sobreviveu. Havia reagido bem. Aos poucos, a sua respiração foi voltando ao normal e as tosses, se cessando. Dias depois, a pele voltou à tonalidade normal e pôde retornar para casa, acompanhada dos filhos.

Estava curada, voltando a ter condições físicas para criar os garotos mais novos. Charlotte e Elliot visitaram a família, desejando acompanhar de perto como a situação se desenrolava. Estavam também preparando a viagem de Demetria, que estava decidida em seu plano de se mudar para Arroway.

— Participarei daquela competição e trarei honra para Horgeon, se os deuses assim permitirem. Farei minha família se orgulhar de mim. — Sarah rapidamente a interrompeu, dizendo que já sentia orgulho da filha, mas ela continuou expressando o que sentia. — Poderei compensar por tudo o que mamãe fez por todos nós.

A determinação da jovem emocionou Charlotte, servindo como uma verdadeira lição de vida. Em nenhum instante sequer, Demetria se deixou levar pela tristeza e pelo medo. Eles certamente existiam, mas eram mantidos dentro de si e impedidos de a dominarem, de modo que a garota optasse sempre pelo caminho mais prático. Charlie a via como uma pessoa de grande potencial para desempenhar quaisquer tarefas que desejasse. Se, em algum momento, esta retornasse para o sul, era alguém com quem a rainha desejaria construir um laço de amizade.


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Notas finais do capítulo

O que estão achando de Charlotte nessa nova fase?
E de Demetria?