Kandor: as chamas da magia escrita por Sílvia Costa


Capítulo 23
Capítulo XXII - Condecoração: sonhos e armações (parte 2)


Notas iniciais do capítulo

Continuando. Agora vamos para o baile e a condecoração!!
Estamos no salão do palácio e espero que aproveitem a noite!



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Como que atendendo à preocupação do pai, Henry surgiu no alto da escada principal acompanhado de John, Robert e Marcus, que assim como ele, lutava muito bem com a espada. Velozmente, um dos guardas anunciou que eles estavam chegando e toda atenção se voltou para a entrada do salão. Ao entrarem, uma salva de palmas os recepcionou e tão logo terminaram, o tio de Diana se pôs a apresentar Henry para alguns dos convidados.

Esperavam que Diana chegasse com eles mas estava atrasada para a condecoração. Sem sucesso em encontrá-la, Ariana, que ouviu no segundo andar as palmas aclamando o novo General, não encontrou outra alternativa a não ser descer também. Como os tios de Diana já estavam lá embaixo, restava Marcon para acompanha-la mas seria a última pessoa que ela pediria como par, para andar um metro que seja.

— Ariana! Pensei que já tivesse descido. — Aurora a abraçou enquanto terminava a frase. De todas as tias, ela dispunha de mais amor maternal.

— Ainda não, mas não me resta outra alternativa. Estamos muito atrasadas.

— Minhas cunhadas ingratas me abandonaram para aproveitar a festa. Até Martha já desceu. — Ajeitou delicadamente a saia do vestido vermelho e depois o cabelo. — Essa será a noite de libertação dela.

— Eles partem amanhã?

— Sim. John fez uma promessa. Agora não resta outra coisa a não ser cumprir. Creio que tenha se precipitado mas não sou eu que vou mudar a opinião deles. — E olhando para o andar de baixo questionou. — Diana ainda não apareceu?

— Não. Já a procurei pelo palácio todo. — Detesto quando ela some e espero que não esteja em perigo, completou mentalmente.

— Que estranho. Ela não é de se atrasar assim mas vamos descer. Espero que surja bem de algum destes cômodos.

Se puseram a descer e para a surpresa delas, Magno e Clermon que estavam conversando próximos a escada, pararam para recebê-las.

— Você está maravilhosa querida!

Clermon ofereceu o braço a esposa que aceitou, soberba pelo elogio e com um sorriso reluzente como se fosse o centro das atenções de todos. Ariana, a contragosto, aceitou o de Magno.

— Está muito bonita, jovem Walker. Essa cor realça ainda mais sua beleza.

Desconfortável, Ariana nada respondeu, torcendo pela hora em que se livraria dele. Ela usava um longo vestido lilás de manga estilo tulipan, com bordado na diagonal no corpete, que marcava sua cintura, e cuja saia era composta por camadas de tecido fluídas, garantindo leveza e facilidade para se mover e com volume sem exageros criado pelo saiote.

— De certo que me concederá uma dança. Seria memorável.

— Lamento mas a sorte não está a seu favor. Estarei muito ocupada nesta noite e ficarei bem longe de qualquer um que queira dançar.

Ariana estava falando sério mesmo com um sorriso no rosto. Se soltou do braço dele na entrada e se preparava para se juntar aos demais, deixando-o surpreso pelo que considerou uma afronta; quando alguém lhe chamou a atenção. Celeste estava com um jarro de flores nas mãos, algumas murchas e outras enegrecidas e secas. Saía olhando para os lados como uma fugitiva que teme que alguém esteja atento à seus movimentos.

— Onde vai assim tão preocupada?

Ela a interceptou, falando baixo e com olhar severo. A moça permaneceu calada, olhando das flores para a entrada do salão e desta para o caminho até às escadas quando um murmúrio saiu, quase inaudível, de seus lábios.

— Imperatriz…

Diana descia as escadas e isso fez com que os mais próximos do local se voltassem para ela. Se dirigiu para o centro das comemorações naquela noite, com um sorriso indecifrável e um olhar de questionamento para as duas.

— Há algum problema? Vocês parecem estranhas.

— É só que achei essas flores e queria trocá-las antes que as visse. Não sei o que aconteceu. — Abaixou a cabeça aparentemente muito triste pelo destino delas.

Ariana teria respondido se Celeste não tivesse cuspido as palavras tão rapidamente e cheia de desespero quanto pôde.

— Que estranho. Se elas estão na água, como podem estar assim?

Diana tocou uma das pétalas retorcidas da flor e depois o jarro. Tomando-o em suas mãos se pôs a observar mais de perto. Eram flores comuns mas algo de diferente nelas a deixou intrigada, como se nunca as tivesse visto. Lamento tanto que estejam assim, pensou. Nesse instante, seu desejo de vê-las florescer foi tão grande que decidiu tentar, mesmo sem saber se era possível, revivê-las.

Forçada a concentrar-se com tantas pessoas olhando, apertou ainda mais as mãos no recipiente, nervosa e indecisa, até que a vida voltou a fluir aos poucos dentro dele na luz que emanava dela. A cor retornou para o caule e se expandiu até às pétalas, o que estava retorcido se alinhou e o ressecado ganhou vigor.

— Magnífico! — Comentou uma das convidadas.

— Eu não acredito! — Maravilhado, um dos homens exclamou.

Os elogios continuaram e uma salva de palmas encheu o ar. Diana ficou vermelha e disse a criada para colocar o jarro onde estava. Solano se aproximou delas encantado com o que presenciou e oferecendo o braço as duas, adentraram finalmente o salão.

— Eu não gosto dela. — Ariana comentou baixo ao vê-la se afastar.

— Vamos entrar. Agora não podemos ir atrás dela.

— Você está atrasada, Diana. — Solano cochichou em seu ouvido.

— Eu estava resolvendo um assunto. Demorou mais do que eu previ. — Ela respondeu falando por entre o sorriso.

— Me deixou preocupado e Ariana também.

— Eu te conto depois Solano. — Foi a resposta dela ao ver que a jovem não concordou mesmo tendo ouvido a frase.

— Obrigada a todos pela presença. Fico muito feliz que possamos comemorar o momento em que teremos um novo General. — A Imperatriz se adiantou em relação aos dois e as portas da sala do trono, logo a direita, foram abertas, despertando a atenção dos presentes. — Vamos iniciar a condecoração.

Espaço se abriu e ela se pôs a caminho seguida por Solano e Ariana, os demais membros do Conselho, John, o restante da família e cinco integrantes da Guarda fechando o cortejo. Na sala do trono duas fileiras deles demarcaram o espaço por onde Henry entraria enquanto os convivas tomavam lugar para assistir. Quando a outra porta do local se abriu, Henry já estava a postos em um misto de felicidade e nervosismo frente ao sonho se realizando. Caminhou pelo corredor humano lentamente, sentindo o ferimento pulsar devido ao sangue agitado, não deixando de olhar para cada um dos seus companheiros que estavam presentes. Quase no fim da caminhada silenciosa, mirou o trono onde Diana se sentava e a família disposta ao seu redor. Marcon estava lá, sorridente e desagradável e nesse momento desejou tê-lo ferido muito mais. Ele se colocou frente ao trono e fez uma reverência mas não sem sentir dor, aguardando as palavras dela.

— O que trazes a Kandor? — Ela disse ao mesmo tempo em que se levantou.

— A astúcia, a força e o vigor.

— Com qual objetivo?

— Servir e proteger. — Respondeu com firmeza olhando-a nos olhos.

— E o que protegerás?

— A vida, a honra e a soberania.

— E com quais palavras selará esse compromisso?

O silêncio era total em volta dos que cumpriam o ritual. Naquele momento, faltava o juramento e tirando sua espada da bainha e mantendo-a levantada, Henry o proferiu:

— Prometo proteger e lutar pelo reino, servindo honradamente e sendo justo para com todos; sendo fiel e respeitando a Imperatriz, mantendo-a a salvo com minha vida e zelando por aqueles que na Guarda me forem confiados.

John trouxe até ela uma espada como se recém saída da forja, cujo guarda-mão era formado por um espiral dourado e com pedras incrustadas. Era de sua mãe mas a julgar pela lâmina sem marcas, nunca fora usada. Henry já estava ajoelhado e Diana encostou a ponta da espada em seus ombros lentamente, dizendo:

— Pela sua merecida e justa vitória no torneio receba, Henry Zumach, a honrosa condecoração de General da Guarda Real de Kandor; reino pelo qual deve zelar com sua vida.

— Que a minha vida seja para servi-lo e protegê-lo. — Respondeu mesmo não sendo palavras do ritual, impelindo pela emoção.

Guardando a espada ela se afastou um pouco, Henry se levantou e recebeu de John a capa com o brasão do reino bordado na frente e ao se virar foi aclamado com palmas de todos os lados e gritos de comemoração.

Após o fim da condecoração alguns súditos se aproximaram de Diana para parabeniza-la pelo torneio, comentavam sobre a decoração e como estava bela. Henry preferiu se afastar para o lado onde seus companheiros estavam parados e recebeu os cumprimentos; sendo logo cercado por alguns homens do reino, ansiosos por conversar com o novo General.

Os músicos começaram a tocar algo animado e quase todos trataram de encontrar um par. Solano se adiantou e convidou a Imperatriz para a primeira dança. Ao terminar um dos giros na troca de par, Diana se viu frente a frente com Marcon e sua mão firme envolveu sua cintura, enquanto a outra recebeu a dela. Os hematomas e ferimentos espalhados pelo corpo não o impediam de dançar e sua aparência em nada lembrava o homem que saiu do local de combate naquele mesmo dia. Estava muito elegante em sua roupa impecável, recebeu os cumprimentos pela excelente campanha no torneio e agora também os olhares das jovens convidadas que provavelmente, suspiravam secretamente também com seu perfume.

— Está belíssima, Imperatriz. Sua presença iluminou este salão mais do que o lustre que escolheu.

  Diana usava um vestido verde e longo que deixava os ombros a mostra e cuja manga ia até os pulsos. Para deixá-lo ainda mais bonito, lhe acrescentaram um bordado dourado que se estendia da gola até o início da volumosa saia, presente também no final das mangas. Nas costas havia um trançado de fitas delicado completando o modelo.

— Marcon, sem galanteios, por favor. — Ela retrucou com voz firme mas sem demonstrar irritação.

— Me desculpe mas se torna cada vez mais difícil para mim ocultar o que sinto. Sua presença é como um bálsamo para minhas preocupações e eu passo o dia à procura de uma forma para ficar mais tempo ao seu lado.

Os dois fizeram um outro passo, de maneira que agora estavam lado a lado, com a mão de Marcon ainda em sua cintura, onde a mão direita de Diana também repousava. Seu braço esquerdo estava estendido na direção oposta, onde os dedos dele enlaçavam os seus. Após um instante de silêncio, eles se puseram novamente de frente e pôde responder:

— Eu o estimo muito mas não coloque suas esperanças em mim. Eu não o correspondo a altura.

— Eu não peço que me aceite da noite para o dia mas vou me empenhar em conquista-la.

Ela torcia para que terminassem logo toda aquela música mas ao início de outra e ao ver que ninguém se prontificou a trocar de par, continuou dançando com seu primo, que lhe admirava com devoção tal como alguém que observa uma flor que desabrochou, única, num jardim depois de meses de cuidados.

Após as primeiras danças, Diana conseguiu se afastar um pouco para a tristeza de Marcon e acabou encontrando com Andreas. Eles seguiram até a sala do trono e na varanda, se puseram a conversar admirando o horizonte.

— Estou gostando de tudo e me sinto muito feliz mesmo não tendo aceitado, de início, a nova forma de escolher o líder da Guarda. — Ele ajeitou a roupa tentando deixá-la ainda mais arrumada. — No meu tempo era diferente… eu me lembro. Quem desejava ocupar um lugar de tamanha responsabilidade como esse deveria disputa-lo com bravura. — Olhou para o céu estrelado e com um suspiro completou. — Os tempos eram outros e às vezes, sinto saudade.

Diana permaneceu ouvindo o relato emocionado de Andreas, intrigada com sua súbita abertura e por contar o que ela julgava que só um amigo próximo ouviria. Pela primeira vez ela viu outro lado de um dos seus opositores: o Andreas saudoso, feliz e entusiasmado; deixando-a surpresa. A certa altura da conversa, ele retirou um colar do pescoço, cuja pedra estava escondida por sob a camisa e lhe entregou.

— Guarde isto. Pode ser mais útil do que a mim. Foi um presente de sua mãe. — E fazendo uma pausa, estendeu a mão com a pedra em direção a ela. — Ela me deu antes de morrer.

Ela contemplou a pedra verde e brilhante presa por um cordão. Que valor ela teria? Apesar da aparência, não era uma pedra qualquer e isso ela sabia. Por que Frida daria uma pedra como aquela a um dos conselheiros?

— Eu não posso aceitar. É sua.

— Eu insisto, Imperatriz. Fique com ela. — Seus olhos não deixavam transparecer muito, escondendo suas emoções. — Apenas aceite.

Andreas não se deu por vencido e continuou com a mão estendida e olhar firme até que ela aceitou o presente.

— Obrigada.

— Com o devido respeito, está magnífica Imperatriz. Algo está diferente e seus olhos me lembram agora muito os de sua mãe.

Sem esperar resposta fez uma profunda reverência e saiu. Diana o observou se distanciar por entre os demais até sumir de seu campo de visão. Lentamente, Ariana que os observava desde o início se aproximou, ficando ao seu lado. Alguns pássaros povoaram o horizonte e instintivamente Diana puxou-a na direção do salão, até pararem próximas a uma mesa. Após algum tempo ela quebrou o silêncio:

— Eu pensei que fosse te causar problemas, mas vejo que foi até muito amigável.

— Nós tivemos uma conversa muito agradável. Eu não imaginava que algum dia isso aconteceria.

— Eu também não. É estranho. — Pensativa ela correu os olhos pelo salão. — Está tudo muito bonito. Eu gostei de como ficou.

— Obrigada. Nãna não gostou muito dos castiçais porém ficaram bem posicionados. — Completou olhando para ela e esperando uma resposta que não veio.

Diana sabia que ela estava metida em alguma coisa e não conseguia entender o que era. Não estava só zangada por tê-la colocado em perigo e disso ela tinha certeza. Estava escondendo algo. Teria caído na trama de alguém? Era a única explicação porque às vezes parecia se sentir culpada, olhando para a amiga com tristeza.

Elas ficaram lado a lado, em silêncio. Ariana observava os casais e a Imperatriz tentava focar nos grupos que conversavam animadamente. Uma nova música havia começado e o grupo no qual Solano estava se desfez já que os homens formaram pares com suas damas e se espalharam pelo recinto. Ele ficou parado, aparentando não saber o que fazer e mirando as outras pessoas com olhar perdido. Sozinho. Por qual motivo, se perguntava Diana.

Muito próximo estava Sarah tentando sair em meio às pessoas, com o olhar firme mas sem muito sucesso. Sem querer esbarrou nele e os dois pararam, se olhando sem nada pronunciar. Diana não queria admitir, mas ali estavam duas pessoas que se amaram. Não sabia dizer se o sentimento ainda existia ou o que aconteceu com eles embora ela gostaria muito de descobrir. Para sua surpresa, ele balbuciou alguma coisa e depois de um tempo estendeu a mão, que ela aceitou, com certeza depois de ponderar se deveria ou não. Logo se misturaram com os demais e os perdeu de vista.

Em instantes, Robert e Henry se aproximaram falando baixo e olhando atentamente para elas. Henry estava sério e se esforçava para ficar à vontade enquanto o ciúme o corroía por dentro, disfarçado de raiva de Marcon. Sentia que desrespeitara Diana ao beija-la pois ele conhecia as verdadeiras intenções dele e sua vontade era tirar a limpo aquela história.

— Podemos nos juntar as damas, Imperatriz?

— Certamente. — Ela respondeu sem saber como continuar, surpresa pelo pedido do General.

— Devo parabeniza-la pela decoração. O salão está maravilhoso. — Robert se inclinou sendo a primeira vez que se aproximava dela naquela noite.

— Obrigada. Fico muito feliz que tenha agradado a todos — respondeu lembrando dos elogios que recebeu.

O silêncio se instalou. Alguma ideia corria pela mente deles capaz de bloquear suas palavras. Na de Robert era a luta interna com duas alternativas: convidar ou não Ariana para dançar. Se convidasse ela poderia dizer sim mas ouvir uma resposta negativa com certeza o magoaria.

— Tenho a impressão de que atrapalhamos algum assunto. Não era nossa intenção. — Henry declarou, preocupado com o incômodo silêncio.

— Assuntos triviais. — Respondeu Ariana sem jeito.

Nesse instante uma fagulha de travessura surgiu na mente da Imperatriz. Bem a sua frente estava um homem interessado em Ariana e mesmo que ela não admitisse, também não o rejeitava. Aliás, os dois chegaram atrasados para o início do torneio o que a fez pensar que estavam juntos e, levando em consideração que gostaria de ter uma conversa com Henry, nada melhor do que unir o útil ao agradável.

— Ariana dizia que gostaria de dançar mas não encontrou um par ainda, Robert.

Pronunciando com uma discreta pausa o nome dele, foi o suficiente para que todos compreendessem. Involuntariamente Ariana olhou para ela tentando manter a calma e Henry também, com ar de surpresa. Robert gaguejou no primeiro instante, mas se recompôs e com uma leve inclinação, se dirigiu a mulher que povoava seus sonhos e pela qual seu coração batia:

— Não sou o melhor dançarino desse reino mas posso ser uma companhia agradável. Me concederia a honra dessa dança?

Sua voz não demonstrava medo ou hesitação mas era decidida e trazia um tom de felicidade. Sem ter uma desculpa aceitável, surpresa e assustada com o pedido e sem saber como fugir; ela lhe estendeu a mão que Robert pegou quase que agradecendo a Diana pela oportunidade que ele mesmo não saberia como conseguir, juntando-se aos demais casais dançando pelo salão. Ariana sentia todos os olhares nela e sua reação foi segurar firme a saia do vestido.

Uma música começara a pouco, lenta e com acordes delicados que alternavam com outros marcantes, trazendo à alma um misto de paz e felicidade transbordante. Robert, apesar do rosto jovem, era poucos anos mais velho que Ariana; observador e cuidadoso. Sua mão pousava a certa altura nas costas da arqueira e a outra servia de apoio para a mão direita dela.

A saia do vestido lilás era composta por três camadas de tecidos diferentes, de forma que a externa, mais clara, fina e delicada, era grande o suficiente para que ela pudesse segurar sua ponta enquanto dançava. Sem que pudesse evitar, seu olhar insistia em encontrar o dele, seu coração em bater apressado ao mesmo tempo em que seus pés se moviam ao compasso da música, sem que ela percebesse exatamente por onde. O guarda era a própria personificação da felicidade, admirando-a em silêncio durante os passos. Sua vontade de se declarar ardia em seu coração mas sabia que seria um erro sem volta. Ariana era arisca o suficiente para se afastar em definitivo e ele não queria perder o pouco espaço que conquistou. Sabia que apesar de não admitir, ela gostava da sua companhia, mesmo que fosse pouco e a vontade de que aquele momento não terminasse crescia em seu peito.

Diana olhava com carinho para os dois quando seu olhar foi interceptado pelo de outro homem. Acompanhando o olhar dela, Henry percebeu que estava na direção de Bonneville.

— Eu imagino que aquele homem seja o pretendente de sua prima. — Comentou sem saber ao certo o motivo. Deveria ficar calado, pensou consigo mesmo, afinal Diana não lhe devia explicações.

— Sim. — Reparou com desgosto em Bonneville, que não tirava os olhos dela nem um minuto a noite toda, apesar de já ter estado na companhia de seus prováveis sogros e da filha deles.

— Creio que queira te tirar para dançar e que fará isso logo. — Completou detestando a conclusão na qual chegara e pensando em como tirá-la para dançar.

Diana tentou disfarçar sua pouca vontade de que Bonneville se aproximasse realmente, pois o considerava uma péssima escolha para Ailla ou qualquer outra mulher. Ela se esforçava para não se intrometer na escolha dos pais dela mas algo crescia dizendo que deveria impedir o casamento. Tinha o direito, por ocupar o trono, de decidir quem deve casar ou não e isso lhe parecia uma intromissão absurda na vida alheia, porém sentia que Ailla corria algum perigo .

— Não conseguirá se alguém tomar antes uma providência.

Sem olhar para ele, já sabia que a indireta tinha seguido um caminho certeiro e agora percorria toda a sua mente.

— Imperatriz — disse se colocando em frente a ela e fazendo uma reverência, mantendo um sorriso discreto e inevitável no rosto — me concederia a grande honra de ser seu par e a satisfação de sua companhia pelo tempo que achar necessário esta noite?

Seu coração palpitou mais forte ao ouvir aquelas palavras e sem querer se repreendeu em pensamento por aquela felicidade. O que estava acontecendo, se perguntava. Em um dia estava criando uma trama para que ele a ajudasse, no outro tinha gostado de sua companhia e ficou com medo de que se ferisse enquanto lutava. Agora estava alegre pelo convite que ela mesma instigou.

Diana repousou sua mão na que ele lhe oferecia e ficaram se olhando por alguns segundos. Percebendo que pessoas começaram a reparar, Henry se pôs a caminhar em direção ao meio do salão. A música que Ariana e Robert dançavam já estava no fim de forma que quando tomaram lugar entre os convidados, os músicos finalizaram a melodia. Alguém entre eles fez ecoar a instrução de abrir espaço para a Imperatriz dançar e logo uma roda havia se formado ao redor deles. Os instrumentos estavam em posição e iniciaram uma música suave e harmoniosa, lenta e convidativa. Henry colocou a mão direita abaixo do ombro esquerdo de Diana e ela passou seu braço sobre ele. As que estavam livres, como se tivessem vontade própria, insistiram em um primeiro momento em se entrelaçar, mas ele logo as corrigiu adquirindo a posição exata para a valsa.

Suavemente eles começaram a se mover pelo salão em passos lentos, conhecendo o estilo um do outro. A valsa poderia ser considerada uma magia, Diana pensava, já que não conseguia desviar o olhar do dele, o que só serviu para dar cor ao seu rosto e mais ainda ao perceber que não havia uma só pessoa que fizesse outra coisa a não ser olhar para os dois. Os primeiros movimentos suaves embalavam seus pensamentos e por um instante todas as preocupações se foram. Sem esforço, Henry a conduzia e pensava em quanto pareceu egoísta com seu pedido mas seu objetivo era justamente mantê-la longe de pessoas indesejáveis.

Depois de alguns giros, ele a soltou e mantinham apenas as mãos unidas enquanto ela se movimentava de um lado a outro, o que fazia o vestido voltear com delicadeza. Em certo ponto ele a puxou e enlaçou sua cintura, mantendo o outro braço estendido, seus dedos conectados e, lado a lado, rodopiaram pelo salão. Seus olhos não se perdiam um único momento e quando a música estava mais marcante e rápida, eles tomaram a outra parte do local, ligeiros, abrindo ainda mais espaço. Henry a levantou uma primeira vez girando-a depois para a direita, deixando todos admirados e as mulheres interessadas no volumoso e belo vestido cuja saia descrevia círculos com maestria. Com mais três passos ele a ergueu novamente mas ao finalizar seus olhares se cruzaram pelo que parecia a eternidade para eles e a dor no abdômen aumentou com o esforço. Poucos segundos depois a música chegou ao fim e Henry ainda teve tempo de finalizar com Diana levemente inclinada para trás, segura por seu braço.

O palácio explodiu em aplausos, comentários e olhares dos mais diversos. Maravilhados, alguns satisfeitos, outros de desdém, inveja e ódio. Seguindo o que tinham combinado, os músicos começaram a tocar novamente porém desta vez uma música rápida e animada. Os pares se formaram aos poucos e tomaram o recinto. Aproveitando que estavam todos entretidos, Diana fez sinal para que se aproximassem da entrada da sala do trono e de lá, seguiram para a biblioteca no segundo andar.

— Precisamos analisar como sair daqui e seguir para a visita à confidente de minha mãe. Você já conseguiu na localização da casa dela?

— Sim, respondeu relutante.

— E quando poderemos ir?

— Sair esses dias pode ser perigoso. As pessoas ainda não esqueceram como a encontraram. Também se lembram bem do ataque.

— Meu tio o convenceu a me manter aqui dentro?

— É só uma questão de segurança. — Respondeu sombrio.

Não era só isso. Ele sabia bem que também era medo de que algo acontesse a ela. Entendia agora porque era tão importante mantê-la bem.

— Eu preciso ir até ela. Henry você sabe disto. — Ela deixou a mesa e se aproximou dele, sentado em uma das cadeiras. — Você sabe o quanto é importante e eu confiei que me ajudaria.

As palavras alcançaram o alvo. Realmente ele prometeu que ajudaria e a palavra de um homem era sua honra. Entretanto, não poderia arriscar que algo acontecesse e se não ajudasse, ela iria por conta própria e dessa vez, sem Ariana.

— Vou pensar como tornar essa visita segura sem despertar a curiosidade de quem lhe quer mal mas precisa esperar e quando formos temos que voltar antes do anoitecer.

Ele se moveu na cadeira e seu rosto enrijeceu com a dor. O ferimento de Henry sangrava mais uma vez com o esforço empregado na dança.

— Seu ferimento! Está sentindo dor?

— Não é nada grave.

O General se levantou e instintivamente levou a mão ao abdômen. A dor aumentou e a ferida, que se abriu, marcou de escarlate sua camisa. Logo a túnica também ficou manchada.

— Henry a quanto tempo está sangrando? — Diana se aproximou e tocou seu peito instigada pela preocupação.

— Pouco tempo. Não é nada grave.

— Eu não deveria ter aceitado seu convite para dançar. Você não estaria assim agora.

— Não há problema. — E sorrindo completou. — Se não tivesse aceitado, eu não teria descoberto como dança bem.

Diana sorriu sem saber o que responder e só então percebeu que ainda o tocava. Seus olhares se encontraram novamente e Henry movido pela razão o desviou. Diana não podia negar que gostou de dançar com ele mas algo além de gostar de sua companhia estava lhe incomodando.

— Venha. Vamos resolver isso. Vou chamar alguém para te ajudar.

Relutante, ela chamou um dos criados e a noite se estendeu entre conversas, cumprimentos, jantar e lamentos ocultos por não poder ficar mais tempo com ele, ocupado em tantas discussões com outros homens.

 

 

*****

O sono não era impecilho para a partida tão esperada de Martha. Vestida antes do sol surgir e com a bagagem pronta, ela desceu lentamente as escadas em direção a porta principal do palácio, onde os criados já aguardavam para sair. A família estava lá, com exceção de Ailla, com olhos de quem nada descansou e certa tristeza.

— Mandem notícias quando chegarem, tia. Eu espero que aproveitem a viagem.

— Ficaremos bem, querida. — Ela abraçou Diana demoradamente. — Cuide-se.

— Eu não sei o motivo da pressa em partir. Poderiam esperar o dia amanhecer.

— Meu marido decidiu assim e não há o que discutir.

Ela retrucou com firmeza, frizando as duas primeiras palavras. Vanda se calou indignada. Tantos anos ao lado da cunhada para agora partir em uma viagem e ela ficar para trás.

John chegou logo em seguida, abraçou a todos e entraram na carruagem. A comitiva, formada por integrantes da Guarda, se deslocou lentamente em direção ao portão principal. Seria um novo começo para o casal e finalmente descanso para Martha.

Tão logo o sol nasceu o palácio entrou em atividade. Era hora de limpar e organizar tudo, preparar o café e aguardar a família. Diana foi a primeira a descer, tão desperta como se tivesse dormido a noite toda. Após o café, seguiu para a biblioteca e se pôs a analisar um dos mapas que Ariana fez, com o intuito de conhecer a área que logo visitaria quando um barulho despertou sua atenção. Alguém corria em direção a porta, chamando-a em desespero.

— Imperatriz! Imperatriz!

As batidas na porta vieram logo depois e ela se levantou para abrir. A urgência na voz era preocupante, além de ser a voz de uma criança.

— O que está acontecendo, Bernardo?

Ela perguntou tentando manter a calma. Bernardo era parente de Nãna, tinha dez anos e costumava vir ao palácio para ficar com ela. Era bom ter alguém tão jovem em casa pois ela sentia que lhe faltava um irmão.

— Acharam um homem morto!

— O quê? — Ela se calou por um momento sem saber o que fazer. — Me leve até ele!

Como um raio a criança correu escada a baixo, saindo logo em seguida para o jardim. Distante das alas principais, aos fundos do palácio, um homem jazia caído, bem vestido, de bruços por sobre a relva. Alguns homens da Guarda e criados já estavam no local e Nãna recolhida de lado, chorando baixinho. A criança correu pra ela e Diana se abaixou perto do homem, tocando seu rosto.

— Está frio. — Ela balbuciou tentando não concluir o pensamento.

 Solano veio logo após com um roupão por sobre a roupa de dormir e tentou escutar seus batimentos ou sentir a respiração. Após alguns segundos analisando o corpo, seu rosto se desfigurou entre incredulidade e tristeza até que conseguiu pronunciar baixo.

— Está morto.


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Notas finais do capítulo

Gente, quem morreu? :(
Estou triste de verdade. Matei o primeiro personagem.

Alguém reparou que Ryan não apareceu para comemorar?

Até mais tio John o/

Inspiração vestido Diana: https://drive.google.com/file/d/1fqF2TVMaaMRa4VeR6FVUDpmFNmlswc-d/view?usp=sharing

Inspiração vestido de Ariana (imaginem com a manga que eu citei, os bordados no corpete, a camada de tecido externa maior e sem o decote kkk): https://drive.google.com/file/d/1sr2mT6muJ94zZJNUF6ru1N8FTveBGne9/view?usp=sharing

Espada usada na condecoração (do filme A Princesa Prometida): https://drive.google.com/file/d/1v04ZghxlVVvxmYjxkm2iTDLf_ObCUfbX/view?usp=sharing

Imagens retiradas de páginas na internet e com direitos autorais!!