Kandor: as chamas da magia escrita por Sílvia Costa


Capítulo 13
Capítulo XII - Agonia


Notas iniciais do capítulo

E para quem ficou curioso para saber o que aconteceria depois na Floresta Negra, aí vai o capítulo.
Espero que gostem. Eu não revisei umas cem vezes rs então se acharem erros, me falem. Como adoro vocês, resolvi postar antes do previsto ♥



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Montamos os cavalos e tentávamos retornar pelo caminho em um lento trote, devido à quantidade de árvores. A nossa frente o caminho estava parcialmente coberto por um véu branco, formado pela neblina. O ruído permanecia e era visível a inquietação de Ariana, segurando a rédea com força maior que o necessário. O que era aquilo? Não era comum a formação de neblina nas terras do reino e ainda menos de forma tão misteriosa. Poderia jurar que alguém ou alguma coisa estava controlando ela, mas como sabia da nossa presença? Se era magia, eu poderia pará-la?

Foi então que o nervosismo tomou conta de nós de forma extrema. A neblina antes lenta intensificou o ritmo, prosseguindo em nossa direção tal como o início de uma avalanche, e fria, se dispersava pelo ar tentando alcançar os primeiros galhos das árvores. Queríamos aumentar o trote, porém era quase impossível correr muito naquele ambiente. Trovão me obedecia porém eu sentia claramente seu nervosismo, como se o transmitisse na respiração e nas orelhas inquietas. Cítara estava ainda mais agitada e dava trabalho para controlá-la.

— Ariana, por aqui. – O caminho se confundia a nossa frente e acreditei que não estávamos na trilha certa. Eu precisava guiar nós duas para fora e rápido e comecei a imaginar o que fazia o barulho, esperando por um ataque a qualquer momento. Seriam lanças ou adagas? Espadas? Que outros objetos cortantes poderiam fazer um som como aquele e quem ou o quê os levava? Estavam atrás de nós, a nossa frente, acima... De todas as direções eu sentia o perigo iminente e me culpava por ter colocado uma das pessoas que eu mais me importava naquilo.

— Diana, o que é isso? O que está fazendo esse barulho? – Ela olhava para cima e para trás constantemente, temendo pelo que surgiria. Seu rosto me dava à impressão de que apertava fortemente os dentes, quando então a nossa frente só restou uma fileira de árvores frondosas, lado a lado fechando totalmente a passagem.

— Não pode ser! Estamos cercadas!?

— Não passamos por aqui quando entramos. Estão mudando o caminho. – O ar frio se tornava pesado e eu sentia dificuldade para respirar. Minha amiga ofegava e os cavalos, cansados, moviam-se continuamente e levantavam as cabeças - Prepare-se. Acho que vão nos atacar agora.

Eu não trazia nenhuma arma. Apesar de usar uma espada eu me sentia segura sem ela, principalmente quando estava próxima a fonte de poder do reino. Toda vez que eu a controlava, sentia na pele das minhas mãos e dos braços um comichão, o mesmo que me acompanhava agora. Seria possível usá-la a essa distância, do mesmo jeito que com a passagem pelo muro do palácio? Eu não sentia que a magia era minha e sim que eu era um tipo de canalizadora mas tinha medo de fazer algo e dar errado. Olhei para Ariana e percebi que estava de olhos fechados e que tirou uma das flechas da aljava, encaixando depois no arco e tencionando a corda até o ponto certo. Ela se concentrava, esperando o inevitável.

— Se sairmos dessa, nunca mais você voltará aqui.

— Se sairmos dessa, nunca mais vou te colocar em uma enrascada. – Eu precisava tirá-la de lá, custe o que custasse. Havia algo se movimentando ao nosso redor e logo comecei a ver vultos negros passando rapidamente pelos galhos mais próximos.

— Isso são asas? - Ela mantinha os olhos fechados e se virou um pouco na minha direção.

— Sim. - Ela se referia ao som que faziam ao se movimentarem de uma árvore a outra. - São pequenos e ágeis. Não dá para ver direito mas só podem ser pássaros. Devem ser centenas. - Só podia ser isso, mas de onde sairiam tantos deles? O som de suas asas dividia agora espaço com o outro ruído.

— Se for, estamos perdidas. Só tenho vinte flechas.

— Fique comigo, Ariana. - Nós nos aproximamos um pouco, em estado de alerta. Sairíamos dessa, não importava como mas sairíamos.

Havia uma distância entre nós e as árvores, formando uma espécie de arena. Estávamos no centro dela, a mercê do inimigo para sermos atacadas por todos os lados. Em um relance, um deles avançou na minha direção, percorrendo esse espaço velozmente com um grasnado fino e agourento. Suas penas eram negras e brilhavam apesar da pouca luz, os olhos da mesma cor pareciam sem vida. O bico tinha a ponta tão fina que eu julgava ser capaz de furar a carne com facilidade e até mortalmente, talvez. Com destreza, Ariana girou o corpo e soltou a flecha de ponta prateada, abatendo-o com precisão.

— É um corvo! - O pássaro caiu imóvel a uma distância que ainda podíamos ver, com a flecha atravessada em seu peito.

— Que horror! O que vamos fazer se atacarem juntos, Diana?

Eu não sabia. Fechei os olhos segurando forte a rédea do meu cavalo e sentia dor como se uma grande energia se concentrasse sob minha pele. Cítara estava ficando incontrolável depois do primeiro corvo, relinchando várias vezes enquanto sua dona tentava se manter na sela. Foi quando o segundo corvo desceu, dessa vez vindo por trás de Ariana. Ela usou outra flecha e mais uma para o terceiro, surgido bem a nossa frente. O quarto veio logo após e caiu bem próximo a mim. Era isso: dezesseis flechas para um bando que não podíamos contar. Enquanto eles se precipitavam na nossa direção, os demais mantinham a algazarra, tal como a música fúnebre anunciando nosso enterro.

De repente, outro deles surgiu a nossa direita mas dessa vez mais três vieram logo após, irrompendo de  direções diversas. Ariana usou a primeira flecha matando mais um porém os demais se aproximavam ligeiros. Eu me lancei em sua direção, peguei uma das flechas na aljava enquanto ela acertava o segundo e me coloquei a sua frente, na mira de outro. Ele se aproximou de mim e eu investi com a flecha tentando feri-lo mas ele desviou e retornou para uma das árvores. Os dois restantes miraram em Ariana tendo um agarrado a aljava com as patas e o outro, que ela tentou acertar com o arco, feriu Cítara no flanco, deixando-a fora de si. A égua empinou e sem esperar por aquilo, a arqueira caiu de costas no chão.

— Ariana! - Sua cabeça bateu com força e ela rolou para o lado com a mão na têmpora, depois ficou imóvel. - Ariana, fale comigo.

Eu desci de Trovão e corri em direção a ela. Havia sangue se espalhando pelo couro cabeludo, porém eu não conseguia ver se era um corte profundo e seu braço direito estava arranhado.

— Ariana? Pode me ouvir? - Ela não respondia, não se mexia e eu comecei a me desesperar, me odiando por ter trazido ela.

Os corvos diminuíram o barulho de repente e eu olhava para o alto, esperando os próximos. Trovão empinava e relinchava alto a certa distância de nós, na esperança de nos proteger; enquanto a égua de Ariana olhava para o ferimento ainda assustada, porém mais quieta.

— Preciso tirar você daqui. - Ela teria de voltar no meu cavalo e eu guiaria Cítara. Peguei o arco e me preparei para levantá-la quando o ruído cessou.

— É agora. - Eu sussurrei esperando um ataque.

Em questão de segundos uma massa negra estava se movendo em nossa direção. Seria nosso fim ali mesmo onde ninguém poderia nos encontrar e Trovão seria o primeiro a ser atacado por aqueles bicos afiados. Eles se aproximavam rapidamente enquanto em minha mente podia ver o palácio e o rosto de algumas pessoas: tio John, Solano, Nãna, tia Martha, Marcon, Henry... O primeiro pássaro estava a meio metro do meu cavalo…

— Não!

Eu me levantei em um impulso e senti a energia fluir do meu corpo para todas a direções, envolvendo os que estavam ao meu redor. As folhas secas foram varridas com a onda de energia e logo nossos inimigos de pena se debatiam contra uma parede quase invisível. Eu não acreditava no que via porque para mim tudo era novo entretanto não importava como aquilo surgiu pois eu só queria que durasse tempo suficiente para pensar em algo.

Eles se amontoavam ao redor da redoma que eu criei, tentando atravessar a todo custo, um após o outro em um ritmo frenético e sem fim, formando pequenas ondulações na superfície dela. Seus olhos negros sem vida nos fitavam pelo lado de fora, me causando arrepios e lembrando que ainda estávamos presos. Quanto tempo mais duraria aquela prisão, aquela tortura? Eu abri a mão direita e a magia se concentrou formando uma esfera que imediatamente lancei na direção deles.

— Vão embora daqui!

Eu estava com raiva. Raiva por ter sido encurralada daquela forma, raiva por não saber de onde veio tudo aquilo, pelo machucado de Ariana, por não ter conseguido resposta alguma para minhas dúvidas e principalmente, raiva de mim mesma porque eu jamais me perdoaria pelo que aconteceu.

Continuei formando as esferas: três, quatro, cinco. Elas atravessavam a barreira e a cada uma delas uma quantidade de pássaros caia pelo chão sem vida e, mesmo assim, os outros continuavam a atacar como se não se importassem em morrer.

Eu precisava acabar com eles se quisesse sair em segurança e naquele ritmo isso demoraria muito. Não sentia que havia forças suficientes para isso, nem poder pois minhas pernas começaram a fraquejar e o tamanho das esferas diminuía. A quantidade de corvos que caiam também foi reduzida e, após o décimo segundo ataque, minha visão embaçou e eu cambaleei. Só então percebi algo que me deixou com o estômago embrulhado ao olhar melhor para o chão: sobre os pássaros sem vida havia outros que, com seus bicos pontiagudos, se fartavam com a carne deles; arrancando com vontade os pedaços e brigando por mais. Naquele momento eu percebi o quanto seus bicos podiam cortar, tal como uma espada recém afiada.

Atrás de nós havia uma fileira de árvores fechando o caminho e me lembrei de que estava procurando a saída antes de pararmos alí. Eu podia tentar arranjar outro local para sair ou ficar me lamentando e me entregar. Se eu conseguisse reunir grande energia, seria possível abrir uma saída por entre as árvores? Eu podia tentar mas só havia uma chance.

Me concentrei em reunir a maior quantidade de poder que pudesse sentindo que, a cada vez que a energia crescia, mais e mais minha forças se esgotavam até que lancei minha última esperança na direção das árvores. Um clarão azul tomou conta do ambiente, consumindo pouco a pouco os corvos, semelhante ao fogo que tudo destrói, levando também parte das árvores a minha frente. Eu me deixei cair de exaustão e protegi os olhos por um instante. O restante deles cessou o barulho e, curiosamente, partiram para dentro da floresta. Senti que o silêncio que veio depois era a própria paz para mim.

Tão rápido como começou, tudo voltou ao silêncio. A redoma que nos protegia ameaçava sumir, falhando em alguns pontos quando vi que tinha conseguido abrir uma saída, para meu consolo. Duas das árvores estavam caídas e logo depois delas avistei uma campina, ainda iluminada pela luz do sol.

Alívio. Era tudo o que eu sentia enquanto Trovão mexia em meu cabelo e me empurrava com o focinho para eu levantar. Com dificuldade, caminhei até Ariana, pedindo para que estivesse viva. A ergui ainda desacordada e coloquei atravessada sob a sela dele guiando depois Cítara, que se acalmava a medida que saíamos da Floresta Negra. Ela mancava mas não parecia ser um machucado profundo.

— Aguentem firme. Temos um longo caminho pela frente. - Minha mente não conseguia pensar em nada carregada de um sentimento de frustração, além de ser uma inútil por não poder fazer mais nada.

Depois de andarmos alguns metros, eu comecei a ouvir vozes vindas de algum lugar da campina. Ajuda? Eu não acreditava que fosse já que não tinha comunicado a ninguém para onde iria.

— O barulho veio de lá. Vamos rápido!

Cinco guardas a cavalo surgiram à minha frente com os rostos preocupados e espadas a postos e mais dois estavam na retaguarda. Ao me verem não sei se ficaram surpresos, assustados ou simplesmente não sabiam o que fazer, pois pararam por um tempo com os olhos passando de mim para Ariana e depois para mim novamente.

— Imperatriz…

Um deles balbuciou e então avançaram em minha direção perguntando se eu estava ferida e o que aconteceu. Eu não queria responder suas perguntas mas eles logo viram algo diferente na Floresta e imaginaram de onde nós viemos. Dois deles seguiram para lá e um loiro desceu do cavalo e foi ver Ariana.

— Diga a seus homens para voltarem.

— Mas Imperatriz, o inimigo pode estar próximo. Ainda podemos abatê-lo.

— Não há mais nada lá! – Eu gritei sem que pudesse evitar. Não podiam entrar lá. Não tinha mais forças para ajudar em nada e eles não sobreviveriam. Contrariado, o que parecia ser o líder do grupo reuniu os guardas. - Vamos para o palácio. E rápido.


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Notas finais do capítulo

Enfim, ajuda chegou!
O que acharam? Quem estaria por trás disso?
Galera, a dieta desses pássaros não me faz inveja nenhuma.
Ariana sobreviverá?
Até o próximo!