O cara da sala ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 5
Capítulo 4




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O clima pesou para mim e os olhos de Ryan me encarando, passando mensagens que eu não conseguia entender, não suavizava em nada, mas por fim a reunião terminou e cada um teria seus próprios afazeres por separado.

Ou não.

 

— Anna, pode me emprestar seu rascunho agora? Vou repassar para o Ryan antes que ele saia louco atrás de algum outro famoso. — Jennifer estendeu a mão, esperando um papel, mas Diane cortou nossa conversa.

— Não se ocupe disso, Jenni, Anna vai no seu lugar. Parece que os dois tem algo para conversar. — Piscou para mim.

 

Ambas riram e eu abri a boca, pensando em dizer algo, mas nada saiu, então só me resta cumprir ordens. Vamos organizar os pensamentos — sair daqui, entrar na sala dele, explicar coisas estritamente profissionais e sair. Eu posso fazer isso? Sim.

Elas me indicam o caminho e arrasto o salto, ao invés de caminhar normal, porque estou me rastejando rumo às minhas mentiras, sem saber o que ele vai me dizer.

Prendo a respiração por um tempo e solto, antes de entrar. Sua sala é cinza, diferente das outras e parece mais um estúdio, com fotos penduradas na parede. Uma longa mesa branca com computador, impressora e alguns acessórios de fotografia tomam uma parte da mesa. O lugar é incrível! Tanto quanto o dono dela, agora de costas para mim.

 

— Ryan? — Toquei a porta, por educação, pois estava aberta e deixei uma folha em sua mesa. — Eu agradeceria se você pudesse ler e deixar na minha mesa, depois.

— Eu agradeceria se você fosse sincera comigo,  Regina. Ou Anna ou... Regina? Eu estou bem confuso. — Cruzou os braços e me encarou através de seu óculos de grau, que não sabia que usava.

— Eu errei, me desculpa, ok? Foi para me proteger. — Abri os braços e suspirei. — Podemos focar no trabalho, por favor? É o meu primeiro dia...

— Se proteger? De mim? Eu saberia tudo sobre você, se eu quisesse. Não foi muito esperta. — Puxou o papel e começou à ler.

— Eu sei, tive minhas razões. Não foi sobre você. Sinto muito. — Cocei a parte superior do nariz e olhei em volta, a sala parecia menor, agora.

— Então era sobre quem? Eu te levei no meu estúdio, dividi coisas pessoais, dormimos na mesma cama! — Tentou abaixar a voz quando se deu conta do que disse.

— Homens machucam, eu quis fugir disso! — Disparei, mas sem querer revelar tanto.

— E mulheres mentem. Acho que estamos meio quites agora. — Ergueu as sobrancelhas para mim. Idiota! — E já li seu rascunho, obrigado.

— Não está escrito aí, mas as modelos chegam amanhã, depois do almoço, não se atrase.

— Não se preocupe, Anna Regina, mesmo que eu beba e acorde na casa de uma estranha, não vou me atrasar. — Droga! Ele está pior do que eu imaginei.

— Certo. Quer dizer, tanto faz para mim, você ser despedido seria a melhor parte do dia. Não quero ouvir seus comentários para sempre. — Disparei.

— Então coloque um fone. — Sorriu ironicamente.

 

Agarrei meu papel e bati meus pés para bem longe dele. Ok, não tão longe. Minha mesa e sua sala são próximas demais, mas tento não pensar isso pelas próximas horas. Escuto sua voz, provavelmente em algumas ligações e parece tão irritado e seco, nada com o sorridente Ryan de meses atrás ou do tempo que passamos. Em todo caso, foram apenas horas e eu posso ter me iludido o suficiente, achando que ele fosse o melhor cara da cidade, quando, no mínimo, ele estava sendo gentil porque gostou da minha aparência e é só isso. Não é o que eu sinto, mas eu também não sentia que Jonathan estava escondendo coisas de mim e deu no que deu.

Será que sou assim, tão inocente? 

Meu peito se aperta, porque além de não ter uma resposta, eu nem sei como mudar isso. Pensei que fosse mais ágil — ou Rachel me fazia achar isso —, mas ultimamente, minha cabeça está perdida demais para saber quem sou. Ou quem as pessoas são.

 

•••

 

No fim do dia, Alex bate os dedos na minha mesa, me assustando e tirando meu foco da tela. Eu estava passando a agenda de Diane para os meus arquivos, mas ainda pareciam faltar contatos e afazeres até 2028.

— Já deu hora de sair. Ou acha que a gente mora aqui? — Riu, desligando minha tela.

— Pelo tanto de coisas que eu andei lendo nessa agenda, não ia ficar impressionada que tivesse alguns quartos para vivermos aqui. — Dei de ombros, agarrando a faixa da minha bolsa, atrás da cadeira. 

— Tem uma sala de descanso e olhe lá. Ah, e dias que ficamos até tarde, também, mas isso logo você vai saber. — Puxou o pouco de cabelo para cima.

— Oi, gente! — Jennifer se aproximou de nós. — Já contou para ela?

— O que? — Olhei os dois, confusa.

— Ainda não. — Alex respondeu. — Hoje, você sai com a gente. É o seu batizado.

— Batizado? — Fiz careta, rindo.

— A Glam tem um bar próprio, no subsolo, o Sparkle. Eles são usados pelos contatos famosos quando visitam aqui... E também, para recepcionar novos funcionários. É a tradição! — Jennifer sorriu para mim.

— Bebemos um pouco e você tem que fazer uns desenhos, escrever uma matéria pequena e vamos publicar! Bem-vinda à loucura. — Abriu os braços e a loira concordou.

— Bem-vinda à Glam, onde acabam com a sua carreira! — Brinquei e segui os dois, balançando a cabeça.

 

O bar tem a decoração parecida à recepção, porém, suas paredes são ainda mais pink e a luz baixa, trazendo uma música agradável de fundo. Acho que é o lugar mais lindo que entrei! Isso é o que essa empresa chama de "copa"? É aqui que comemos? Está cheio.

Há uma mesa reservada, com meu nome, próximo à uma caixa de música anos 60 e um computador da Apple, que faz um contraste bizarro entre os dois. 

Ok, isso é New York e excentricidade é o seu nome do meio. Tudo é tão lindo, que me acostumo rápido e deixo me levar por tudo à minha volta.

Nós três nos sentamos e Jennifer pediu uma rodada de burritos e tequila. Uma rodada são 12? O que daria quatro para cada. Não posso acreditar que eles estavam falando sério!

Diane chega um pouco depois de nós, mas se senta com uns amigos e Ryan... Esse também chega, mas se senta, sozinho, em uma mesa mais próxima. Veio comer ou me ver fracassar?

 

— Ele veio tirar fotos da sua bagunça, mas não vão ser publicadas, relaxa... — Alex sacudiu a cabeça, fechando os olhos, como se tivesse lido meus pensamentos.

— Só no grupo do Facebook! — A loira exclamou e gargalhou quando eu arregalei os olhos.

— Se no anúncio tivessem dito que vocês são loucos... — Pressionei os lábios, segurando o riso.

— Eu também não teria entrado aqui, mas vale a pena! Vai por mim. — Jennifer piscou.

 

A comida é deliciosa e apesar desse restaurante ser chique, é aberto à todos os gostos. De lanches à pratos requintados. Confesso que me distraí, enquanto comíamos. Risadas, pequenas histórias de quando eles mesmos entraram e passaram por esse ritual me fizeram sentir em casa. Eles também me explicaram que todas essas loucuras acontecem, porque ser publicitário e planejar campanhas, edições e uma revista inteira exige determinação e uma mente que sempre vá além de tudo. Com um bom ambiente e experimentando coisas, você se abre à algo maior e produz mais. A rotina pode atrapalhar a criação.

Depois da segunda dose de tequila, nada está me atrapalhando. Encaro Ryan, que está terminando um milkshake e ele se apressa em tirar uma foto minha. Assusto e ele tira outra. Mostro a língua. Outra. E Alex e Jennifer se juntam à mim para uma careta. Ele imortaliza esse momento e ri após a foto. 

Estava com saudades desse riso. Parece uma criança travessa e fica tão mais bonito. Nossos olhares se cruzam por um tempo e eu queria que esse dia não tivesse acontecido. Que eu pudesse explicar meu erro, mas agora tudo parece pior do que realmente foi. A boa parte, para ele, que é rodeado de mulheres e logo esquece esse incidente. Foi isso, não? Um incidente. Durou apenas um dia, que nosso trabalho vai estender para uma fase.

Encaro meu celular e fico em dúvida se devo falar com Rachel sobre isso sem ser pessoalmente, mas essas músicas, essas pessoas, e esses drinks... Realçaram minha coragem.

 

Eu:

Rachel... O que você sabe sobe Ryan Wentz? 19h49

 

Rachel:

NÃO ACREDITO QUE VOCÊ ENCONTROU COM ELE!!! 19h49

 

Eu:

Trabalhamos juntos agora... 19h49

 

Rachel:

Anna, você está trabalhando na Glam???? Precisamos comemorar isso 19h50

 

Eu:

E vamos, claro, mas hoje estou em um ritual deles. Pode ser amanhã? 19h50

 

Rachel:

Pode, claro!!!! E sobre o Ryan, não sei muito... Tem um apartamento, trabalha na Glam, não tem namorada... Vou me informar até amanha 19h51

 

Eu:

Está bem. Não é errado eu perguntar isso? 19h51

 

Rachel:

Acha que ele não vai fazer o mesmo depois daqueles olhares???? Haha, amanhã fofocamos, beijos 19h52

 

Eu:

Será?? Kkkk até amanhã! Beijos 19h52

 

Parece que vou seguir com interrogações. Ótimo! Talvez isso seja um sinal para eu relaxar e eu tomo isso da melhor forma. A conversa com meus colegas continua e depois de eu terminar os quatro mini copos, eles me arrastam até o computador. Todos viraram suas cadeiras para nós e esperaram que o mural da vergonha começasse, oficialmente. Alex me conseguiu uma cadeira e me sentei enquanto Jennifer me explicava o que deveria ser feito. A primeira parte, era criar uma imagem para ilustrar o que eu queria dizer. Em uma das pastas, haviam imagens pré-prontas, para que eu desse um toque meu. Escolhi um coração e tentei religar as partes quebradas do mesmo, que é algo que me reflete no momento. Uma coisa quebrada, tentando se remendar e confusa demais para isso.

Arranquei algumas risadas da platéia, já que eu não sabia mexer naquele programa muito bem e as letras estavam um pouco borradas. Até eu mesma ri desse desastre — e agora entendo porque esse ritual existe!

Depois da fase 1, eu tinha um pequeno texto para formular. Uma mini crônica, ao meu critério. Mais risadas nas minhas costas enquanto eu reclamava de não achar ou acertar as letras. A coisa mais incomum para uma, agora, secretária. Eu até ouvi um "Vai, Anna!" na voz de Diane e sei que ela está torcendo para que eu não seja esse desastre. 

Escrever o que vem à cabeça é bem divertido e libertador. Confesso que me peguei fechando os olhos e tentando sentir o que queria soltar ao mundo. Expressar tudo o que está preso em mim, é gratificante, pois sei que não sou a única à ter passado por toda essa bagunça mental barra amorosa, então, vou demonstrar que outras pessoas também não estão sozinhas nessa.

Espero não estar tão fora de mim, mas pareço no controle. Eu bebi muito mais que isso para ir para a cama de Ryan há dois dias. Confortável e alegre. É assim que posso me definir, agora.
Meus dedos correram pelo teclado por mais um tempo e, por fim, estava pronto... Para a fase 3. Que eu não sabia que existiria, até Jennifer imprimir meu trabalho e entregar para Alex ler em voz alta.

 

"Amar dói.

Sabe aquela aula de Educação Física no Ensino Médio, que te faziam dar voltas e voltas ao redor da quadra? Na hora, a adrenalina te fazia correr e fluir, você ria para seus amigos, ficava ofegante, mas seguia. Seguia. Até acabar. E em casa, você morria de dor porque acabou. Tudo era dor

Até que você, nos dias de hoje, volta à correr. Passos leves, dessa vezvocê sabe que vai doer. E então você tropeça, pensa em desistir, mas se uma chance.

Você não é a mesma, sequer seu corpo ou seus sapatos. Ninguém comanda você, é sua escolha. Se você escolhe correr agora, sabe o que pode vir ao final, mas sabe que pode ser diferente.
Porque agora sabe que existem aquecimentos e pessoas que passam a vida correndo. esperanças para isso.

Seus pés podem parar de se arrastar e perceber que isso é como voar.

E quem sabe, talvez, talvez... Amar pare de doer?"

 

Ele leu, com alguns erros de digitação para conseguir mais risadas, mas releu de uma forma certinha, para que o público pudesse dar o aval de "publicável" ou o que quer que fosse acontecer. Minha primeira chance de publicar algo meu, em uma revista, estava sendo aclamado com palmas e assobios. Pessoas sorriam para mim e alguns estranhos vieram para me abraçar.

Não Ryan. Ele está focado demais em arrumar sua câmera e tirar mais algumas fotos minhas. Tento não olhar para ele, mas o flash me perturba e eu o faço, algumas vezes.

Diane me abraçou e bateu seu brinco em sua taça, chamando à atenção de todos, me deixando corada.

 

— Glamours... — Acho que com isso ela quis dizer amigos. — Essa crônica foi feita pela nossa novata, Anna Pierce. Minha secretária, assistente e a mais nova faz-tudo do meu andar. Ela disse que tinha preparo e eu duvidei, mas até com uns copinhos à mais, ela é mestre no que faz. Anna está pronta para ser uma de nós? O que dizem? — Alguns gritaram sim e ela continuou. — Totalmente sim! Bem-vinda à Glam, minha querida. Seu texto sai na próxima edição.

 

Beijou meu rosto ao som das palmas de fundo e meu queixo caiu. Eu tive um dia terrível e agora, de repente, ele se iluminou, como essas paredes que nos cercam.

A música voltou à ecoar, dessa vez mais alto e o clima de descontração tomou conta do ambiente. Fiquei mais um tempo, ouvindo algumas histórias e conhecendo outros colegas, mas estava próximo das dez da noite e decidi ir para casa, antes que eu dormisse pouco e a ressaca me atrapalhasse no dia seguinte.

Chego na mesa e pego a bolsa, quando alguém coloca a mão sobre a minha.

 

— Anna? — Eu conheci a voz de imediato. Depois de todo esse tempo, Ryan decidiu falar comigo.

— Sim? — Levantei o olhar e torcida para que não viesse mais uma dose de brigas, porque não queria desmoronar bem no meio de tanta gente.

— Parabéns pelo texto, foi muito interessante e maduro. — Sua voz diminuiu e eu notei que agora estava na defensiva. — Não vai doer para sempre.

— É... Não vai. — Pressionei os lábios e confirmei, dando um curto sorriso. — Obrigada pelo elogio. Até amanhã!

— Espere! — Segurou minha mão e a soltou quando eu franzi a testa, automaticamente. — Você tirou foto com todo mundo, mas eu não saí... Diane vai te incomodar ainda mais quando perceber isso.

— Então você quer outra foto comigo, fotógrafo? Era só pedir! — Não me contive e brinquei, esbarrando meu ombro no dele.

 

Ryan deu uma risadinha discreta e se juntou à mim, segurando a câmera em nossa frente, apertando o botão. Ambos sorrimos, esperando o flash e nos afastamos logo depois, com a sensação estranha de estarmos perto demais, outra vez.

 

— Você vai revelar essas fotos? — Perguntei.

— Algumas... É um hábito. — Disse, sem me olhar, analisando a última foto e me mostrando em seguida.

— E se revelar essa, o que vai escrever? — Apontei a tela.

— Com certeza, eu escreveria "Louca do bar"...

 

Ambos sorrimos e eu acenei com a cabeça, como se concordasse e me despedisse, ao mesmo tempo. Caminhei rumo às escadas de saída e senti seu olhar penetrante nas minhas costas. Algo que parece ser sua marca, quando se trata de mim.

Eu não sei se estamos na guerra ou na paz, mas sei que ainda somos loucos.


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