O cara da sala ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 6
Capítulo 5




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A pior parte da ressaca nem é acordar com a boca seca ou ter uma dor de cabeça que não te deixa ouvir seus pensamentos, mas sim, ter que trabalhar no dia seguinte. 

Meu corpo parece não reagir na hora em que quero ou andar na velocidade que preciso, mas certo tempo indeterminado depois, eu estava pronta para voltar à Glam... E ver o processo de publicação do meu artigo. Confesso que tudo isso me dá borboletas no estômago, mas não quero ficar conhecida como a garota das frases confusas — eu estava bêbada, coloquem isso no rodapé!

Uma chuva inesperada caiu depressa aos arredores da revista, me deixando ensopada dos pés à cabeça. Ressaca + Vergonha + Ansiosa + Segundo dia de emprego + Estar ensopada.

Isso não pode ficar pior.

Entro no banheiro da recepção e uso todo o papel possível para me secar, mas não posso me livrar do desastre que minha saia cinza e minha camisa social branca estão passando. Logo agora que eu tinha feito uma combinação bonitinha...

Meus sapatos estão fazendo um barulho esquisito, mas eu decido ignorar, já que estou em cima da hora. Pareço um pinguim andando e espero encontrar minha mesa o mais rápido possível.
Quando o bebê pinguim encontra o seu lugar, tudo parece em paz de novo. Tiro meus sapatos e deixo que eles respirem um pouco. Meu cabelo parece também querer respirar por conta própria e começa a armar, criando uma confusão entre as partes secas e lisas, com as molhadas que criavam cachos armados e desnivelados do resto do corte.

Droga, droga, droga!

 

— Meu Deus, o que aconteceu com você? Foram só uns pares de tequila! — Alex debochou.

— Alguma lei da natureza não gosta mais que eu tome essas coisas, tenho certeza. — Levo as mãos ao rosto, em desistência.

— Por que? Qual foi a loucura da última vez? — Ele ria do meu desastre físico e mental e eu poderia bater nele se não estivesse tão exausta.

— Dormi na casa de um desconhecido. E depois encontrei com ele. — Disparo.

Ouch! — Ele gemeu. — Agora entendo, Regina...

 

Se meus olhos pudessem matar, certamente Alex seria um pedaço de nuggets nesse momento. Lanço um olhar mortal, estreitando os olhos para ele, que ignora totalmente a tentativa de advertência e solta uma gargalhada vencedora.

Ele sabe meu segredo, agora.

 

— Vai trabalhar, Alex. — Corto a comunicação visual e acendo a tela do computador.

— Estou esperando Diane para sairmos. Temos reunião no escritório do presidente. Sua sorte, seu dia vai ser livre e o meu um caos. — Revirou os olhos.

— Talvez os deuses da tequila estão descontando a sua risadinha cretina para mim. — Sorrio e ergo as sobrancelhas.

— Vou chegar lá e dizer que me chamo Ted. Daí ele culpa Alex e eu fico livre. — Piscou.

 

Mil vezes cretino!

Levanto e acerto um tapa em seu ombro, o que faz com que brinquemos de nos empurrar aqui e ali, como se estivéssemos no pátio do colégio. 

Não consegui fingir raiva por muito tempo e nossas risadas se misturavam, sendo a única coisa que preenchia o corredor.

Até então.

 

— Bom dia, crianças. Essa cena poderia ser vista mal se outra pessoa passasse por aqui. Sem brincadeira de empurrar! — Diane advertiu com um tom de maternidade e proteção.

 

Nos afastamos e pedimos desculpas. Meu rosto corou, mas Alex parece não se importar com nada. Seu humor é alto demais para que ele se preocupe com uma advertência matinal. Seu peito subia e descia sob a camisa azul e eu descobri que tinha dado uma canseira nele. 

Ponto para mim!

 

— Anna, o que aconteceu com seus sapatos? — Diane me conferiu, quando deixou um exemplar de revista sobre minha mesa.

— Desculpa. Foi a chuva, ele estava fazendo barulho e... — Coloquei os sapatos no momento em que ela me cortou.

— Tudo bem, a chuva foi horrível mesmo com você, eu vejo. — Deu um sorriso gentil. E ok, eu estou horrível. — Só fique atenta, porque em dia de reunião um de nós pode chegar ou sair com o presidente daqui.

— Quase nunca! — Alex retrucou, torcendo o nariz.

— Alex, eu preciso explicar as coisas para ela, mesmo que hipoteticamente. — Sibilou. — Seu dia será divertido hoje, querida, não será presa nessa cadeira por muito tempo.

— É sério? — Meu sorriso se abriu e meus olhos se iluminaram. Novas tarefas, aí vou eu!

— Sim! Vou repassar todas as ligações automaticamente para mim, porque vou levar Jennifer comigo e alguém precisa ser a assistente de Ryan hoje. 

— O quê? Ryan? — Alex riu porque certamente minha expressão foi a mais confusa possível.

— Sei que não é seu serviço, mas nesses tempos, precisamos de uma faz-tudo. Ele tem um ensaio importante e muitas modelos para gerir. Não é fácil, nem ético, além do que elas podem não se sentir confortáveis com a situação. — Respondeu.

 

Concordo com a cabeça, já que estou sem palavras para todo o resto. Meu queixo caiu um pouco quando me dei conta de que terei que passar o resto do dia com alguém que eu não consigo entender e que quando se aproxima de mim, me dá vontade de correr. 

Talvez eu nunca olhe para ele sem me sentir uma mentirosa.

E talvez todas as vezes que eu beber tequila nessa cidade, a vida vai me aproximar dele.

Tem alguma coisa que nos força à estar juntos.

E eu não posso dizer que não gosto disso.

 

•••

 

Duas horas depois da solidão total naquele corredor, Ryan chega apressado, como sempre. Com sua câmera no pescoço e seus dedos bem fixados na parte debaixo da mesma, me fazendo olhar para seu abdômen escondido atrás de uma camiseta branca, um pouco folgada nas laterais. Seu estilo é todo casual e bonito enquanto eu ainda estou me decidindo sobre o que vestir para trabalhar.

Prendo o cabelo em um coque com um lápis que rolava sobre a mesa, desviando minha atenção de seus passos apressados — e de seu corpo atrativo, do qual eu lembraria mesmo que não olhasse nunca mais. Ryan passa por mim e entra na sua sala, o que não dura muito.

 

— Não tem ninguém por aqui hoje? — Olhou em volta e pareceu ter respondido sua própria pergunta.

— Reunião com o presidente. Precisa de alguma coisa? — Saí do meu lugar, contornando a mesa, o que fez seu olhar cair sobre minhas coxas.

— Você viu a Jen? — Respondeu quando seus olhos se lembraram do meu rosto.

— Foi com Diane, eu sou sua assistente, hoje.

 

Seu silêncio foi uma tortura e meu coração ansioso faltou saltar da boca. Engoli seco e respirei, esperando sua resposta que veio inesperadamente acompanhada de um sorriso.

 

— Certo, bem-vinda. Vem, eu vou te ensinar algumas coisas.

 

Fecho minhas mãos, apertando as palmas com força enquanto respiro fundo e afasto os pensamentos de duplo sentido. Entro rápido em sua sala, também ignorando o perfume dele nas minhas costas e distraio com algumas fotos expostas, aparentemente com dicas do que faremos.

Ryan me mostra os aparelhos e faz uma introdução breve sobre o que eu preciso fazer por ele, como ajustar a luz e logo saímos de sua sala — ou estúdio — e caminhamos ao fundo do corredor, onde parece ser o local perfeito para um ensaio fotográfico.

As paredes são brancas e cintilam, demonstrando a recente pintura tão bem cuidada. Há uma cortina preta, um baú parcialmente fechado com acessórios e algumas cadeiras.

 

— Precisamos de uma decoração que lembre a Páscoa. E rápido, porque Diane marcou com as garotas para daqui meia hora.

 

Senti um incômodo no peito quando ele disse garotas, ao invés de modelos, como se já estivesse familiarizado com elas ou até mesmo... Quem sabe?

Conseguimos, dentro do baú, alguns ovos de Páscoa, coelhos de pelúcia e fitas coloridas para decorar a parede. Começamos à arrumar a sala com tudo o que encontramos de fashion para substituir a pouca decoração que essa data festiva possa trazer. 

Retirei meus sapatos e me senti confortável em decorar, meio que divaguei sobre como vai ser quando eu estiver no apartamento, podendo decorar do meu jeito. Viver no hostel me lembra como era morar na garagem e eu preciso de mais. Muito mais. Só preciso esperar mais um pouco...

Pendurar as fitas foi um problema, pois com a altura das modelos, isso precisaria estar bem acima do que eu posso alcançar, para que as fotos fiquem bem. Noto que Ryan dá uma risadinha baixa e o encaro, erguendo a sobrancelha.

 

— Alguma ajudinha aqui? — Pedi.

— Eu estava esperando pedir. — Riu, se aproximando.

— Enquanto se divertia em me ver sofrer?

— Isso. Não poderia ter descrito melhor.

 

Isso é algum castigo eterno por eu ter mentido? Decido não perguntar.

Ao invés disso, suas mãos se apertam contra minha cintura e meus pés saem do chão. Estou alta e pendurando do jeitinho que eu queria. Ele espera, pacientemente, até que eu fixe as pontas do que se tornou uma cortina e me desce ao fim. A queda foi mais rápida que a subida, fazendo meu cabelo se soltar. Suas mãos não se afastaram de mim, pelo contrário, me viraram para si. 

Sua respiração estava um pouco pesada pelo exercício que fez enquanto eu não conseguia respirar, admirando aqueles olhos intensos tão de perto.

Meus lábios se afastaram, mas não se arriscaram em dizer nada. Seu rosto tombou para o lado, se aproximando do meu e eu esperei nervosa e ansiosa, sabendo o próximo passo. 

Não teve beijo.

 

— Ry! Eu cheguei!

 

Uma loira gritou na porta do corredor parecendo não dar a mínima em incomodar. Ele se afastou e ficou ao meu lado, coçando a barba, com a expressão fiel de alguém que estava sem jeito. Até mais que eu.

 

— Seline! Que surpresa. Onde estão as outras? — Demorou alguns segundos, mas foi até ela, dando um beijo no rosto.

— Não sei, não passei na agência. Vim mais cedo para te dar um oi. Quero café. — Me olhou e eu lembrei que sou a assistente de hoje.

 

Então tenho que atender a amiga pessoal do cara que ia me beijar segundos antes dela se sentir a rainha da Inglaterra.

 

— Deixa comigo. — Ryan estendeu a mão, indicando que eu parasse onde estava. — A propósito, essa é Anna. Minha... Assistente, hoje.

— Ah, oi. — Virou seu rosto para mim, mas duvido que tenha me olhado. — O que vai fazer depois do ensaio?

— Não sei ainda, preciso esperar ordens da chefe. — Dizia ele enquanto servia o café e lhe entregava.

— Podemos sair mais tarde, que tal? — Sugeriu a loira irritante.

— Seline...

 

Ele não respondeu sim ou não, mas também não deu tempo. Outras três garotas apareceram correndo, dando saltinhos, pulinhos e beijinhos no fotógrafo — que pareceu cômodo e até mais risonho. Eu tentei me controlar para não revirar os olhos, porque tirando essa raiva estranha que sinto, gosto desse ambiente. As garotas são absurdamente lindas e bem cuidadas em contraste comigo, que ainda estou tentando me reparar do desastre que virei. Elas acenam para mim, diferente da primeira e eu devolvo, sorrindo antes de entrarem em uma pequena porta que eu não tinha notado até então. Parecia ser um camarim. 

Certo tempo passou até que todas saíssem. Ryan checou o figurino e pareceu incomodado com algo.

 

— Cadê o coelho? — Perguntou.

— Era a parte da America. — Seline replicou.

— E cadê ela?

— Não sei, as meninas disseram que ela se sentiu mal. — Todas confirmaram.

— Não dá pra fazer esse ensaio sem o coelho! Vocês sabem disso há anos, por que ninguém avisou?

— Eu não passei na agência, lembra?

 

Eu não entendi nada do que disseram, sinceramente, mas algo estava errado no dia de alguém que não fosse eu. Ryan levou as mãos ao cabelo, pensativo e olhou em volta, como se buscasse uma ideia urgente. Até que seus olhos cruzaram os meus.

 

— Você. — Me apontou. — Vai ser o coelho.

— Coelho? — Perguntei.

— Nós precisamos que uma das garotas se vista de coelho e precisamos de cinco garotas no ensaio. Você vai ser a quinta, é perfeito! — Exclamou.

— Não! Não, nem pensar. Vou ligar para a agência e resolvemos isso já. — Sacudi as mãos indo para o corredor quando fui barrada.

— Anna, a filha do presidente tem oito anos, a festa favorita dela é a Páscoa desde sempre. Ele gosta de fazer isso por ela e se algo não for como espera, nossas cabeças vão rolar. Precisamos finalizar isso hoje e outra garota pode demorar. Tem que ser você. — Colocou as mãos nos meus braços enquanto me olhava. — Por favor?

 

•••

 

Não acredito que aceitei isso. 

Não acredito que estou com uma fantasia gigante — e um rabo gigante — de coelho.

Essa deve ser a décima vez que me encaro no espelho, depois que coloquei a cabeça da fantasia onde deixa apenas meu rosto a mostra. Uma das garotas se ofereceu para me maquiar e deixou minhas bochechas com um tom rosado, delineou meus olhos e fez um triangulo no meu nariz, como se fosse o focinho.

Eu estou ridiculamente fofa. Para uma criança de oito anos. 

Depois da vigésima batida na porta, respiro fundo e saio do camarim, enfrentando as risadinhas das garotas que estão perfeitamente vestidas com pijamas que cabia como uma luva em seus corpos perfeitos.

Blá, blá, blá.

Dou alguns passos para o lado, com meu corpo rechonchudo, ficando perto das modelos. Elas têm um rosto feliz quando ele começa à fotografar e eu só tenho um rosto. Literalmente.

 

— Anna, você pode rir um pouco? — Ryan ordenou, concentrado.

 

Eu quis dizer não, mas sorrir era o menor dos meus problemas. Nunca fiz um ensaio fotográfico na vida e logo no primeiro, estou vestida de coelho! 

Será que minha vida nunca vai ser normal?

As garotas interagem com o coelho, na procura e entrega dos ovos de Páscoa e depois ele — ou seja, eu — assisto enquanto como uma cenoura.

 

— Mostra sua cenoura grande para mim, Anna! — O cretino pediu entre risos e todas riram, ganhando outro clique.

— Claro. Toma! — Atirei a mesma nele.

 

Agora sim todas riram. Eu inclusive. Ele achou que iria rir de mim para sempre? Hahaha.
Acho que depois disso, marcando uma tarde inteira de fotos, poderíamos dar o mesmo por encerrado. Todas correram para o camarim, para se trocar e se livrar da produção o mais rápido possível. Eu fiz o mesmo, mas é claro que elas terminaram antes de mim e fiquei sozinha para lidar com a fantasia e maquiagem.

Um toque na porta e Ryan estava dentro.

 

— O que você quer agora? Rir mais de mim? — Arrumei o babydoll que vestia por baixo da fantasia quando me levantei para encará-lo. Eu ainda estava com a maquiagem de coelho e era impossível retirar agora.

— Vim saber se ficou brava com o pedido.

— Se fiquei brava? — Ri. — Eu estou aqui há dois dias, dando duro para continuar na empresa. Aceitei ser uma faz tudo porque preciso do emprego, aceitei conviver com o homem que me viu no pior momento e que eu menti para ele, mesmo sem nunca fazer isso! O que eu não contava era com que você fosse juntar tudo isso e me fazer passar ridículo na frente das suas garotas, para me castigar por tudo!

— Anna, pare. Não foi nada disso! Não foi! — Rosnou alto. 

— Então o que, Ryan? Me diz! — Levantei a voz no seu tom.

— Você quer mesmo saber? Então aí vai. — Cruzou os braços sobre o peito, me olhando nos olhos. — O papel de coelho é importante, é destaque. Elas não tem esse poder todo, aquele coelho precisava de um rosto lindo e eu dei! Se você achar ruim, reclame com seus pais por ser tão linda, mesmo com uma fantasia de 10 quilos e um nariz pintado assim.

 

Olhei para ele sem expressão. 

Ryan pensa isso tudo de mim? 

É tão difícil acreditar que qualquer um encontre qualquer qualidade em mim, depois de parecer tão ingênua semanas atrás e nada atraente a ponto de ser traída. Minha autoconfiança está no chão ou estou sendo apenas sincera comigo mesma.

 

— Quer sair comigo hoje? Podemos tentar deixar isso tudo de lado. — Sua voz ficou mais macia e baixa.

— Ryan, você ainda vai tomar café comigo? Vamos logo! — Seline interrompeu, nos olhando.

— Anna? — Ryan chamou meu nome, como se esperasse minha resposta.

— Não. Está tudo bem. Bom passeio.

 

Desviei o olhar e procurei minhas roupas enquanto a garota o puxava para fora do camarim, visivelmente feliz pela conquista. 

Esse é o mundo dele. E eu sei que não pertenço à isso.


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