O cara da sala ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 20
Capítulo 19




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Eu havia dito que o amava.

Dá para acreditar que alguém havia se declarado para mim? De que foi a pessoa de quem eu realmente queria ouvir isso e não sabia desse meu desejo até ouvir?

Meu coração poderia sair para fora da boca à qualquer instante, sob tamanha felicidade, mas ainda assim, precisava me segurar.

Haviam coisas para se colocar no lugar antes de que Ryan e eu pudéssemos ser apenas um só.

Suspirei para o pensamento enquanto olhava nossas mãos unidas no caminho de volta para casa. Tínhamos um ao outro e conseguiríamos fazer tudo.

Trocamos um abraço e beijo caloroso antes de nos despedir e cada um entrar em seu apartamento. Confortável, mas sabíamos e como sabíamos bem...

Beijos não entrariam para a lista, naquele momento.

Não até conseguirmos solucionar o mistério sobre Mary.

Não até ele ir ao evento com Seline.

E, não, não mesmo, até que ele a supere.

 

•••

 

Minha cabeça deu mil voltas antes de dormir, mas após um cochilo bem dado, era hora de acordar — antes do horário habitual — para entregar o Livro, recém recuperado, para a gráfica.

Dessa vez, tudo saiu tão bem que poderia gritar. Essa edição da Glam sairia por minha causa — e quase não saiu por minha causa, também, mas tudo estava bem.

 

— Diz que deu certo. Diz. Que. Deu. Certo. — Alex passou cochichando pela minha mesa.

— Deu. Tudo. Certo. — Ri para ele.

— Com esse sorriso? Do que exatamente estamos falando?

— Da Glam, eu imagino.

— Anna...

— Estou bem com Ryan! — Disse, após olhar ao redor e nos notar sozinhos.

— Pela milésima vez e pelos próximos dez minutos.

— Desta vez é sério.

— Ouvi isso antes, também. Tenho certeza.

— Vai para a sua sala!

 

Ele riu e saiu como eu ordenei. Queria poder contar tudo para ele, mas não se conta um segredo que não é seu. Não sem permissão.

 

— Bom dia, querida. A gráfica me avisou que a revista estará nas bancas em cinco minutos. Parabéns! — Diane me deu um tapinha nas costas, seguido de um sorriso. — Desça na parte tecnológica da revista e peça para a ativarem para compras no site.

— Obrigada pela confiança, Diane. E vou agora mesmo!

 

A despedida foi com um sorriso e corri, como sempre. 

Era sobre isso meu trabalho na revista. Uma maratona. Pernas para um lado e para o outro e meu cabelo ficando para cima.

Todo o contrário das modelos que passam pelo estúdio do Ryan.

Será que posso não pensar sobre isso, agora?

Quando desci ao andar tecnológico, me senti em uma série de hackers como Mr. Robot. O ar condicionado era mais frio, provavelmente para manter as máquinas sem esquentar e travar. E as paredes eram brancas, exceto por uma pagina impressa com o logotipo da Glam. Isso era tudo de rosa que eles poderiam suportar, eu acho.

Localizei o que parecia ser o computador principal — ou o maior pelo menos. Eles estavam jogando algo com um desenho de rosto. Como aqueles retratos falados policiais.

 

— Diane pediu para que vocês ativem a revista na polícia. Digo, digo... No site!

— Em cinco minutos estará no ar. — Disseram, praticamente, sem me olhar.

 

Eles estavam focados demais em seu desenho e minha missão estava cumprida, então apenas retornei ao meu lugar.

Tudo estava um sucesso. Não podia sequer imaginar que chegaríamos à isso. Que concluí uma coisa. 

No entanto, eu mesma não me sentia concluída. E não fazia ideia de quando isso mudaria.

 

•••

 

Cheguei em casa cedo, o dia ainda estava um pouco claro. Sem conflitos, era a paisagem que deveria ver a cada dia, mas não estava acostumada à essa paz.

Um caminhão estava parado em frente ao prédio, descarregando uma mobília linda e vintage. A curiosidade me pegou, ao que fui entrando no prédio, lenta e vagarosamente. Sequer sabia que haviam vagas! 

Apertei o botão do elevador, mas percebi que estava reservado para a mudança, então quando coloquei o pé no primeiro degrau da escada e segurei no corrimão, algo me chamou a atenção.

 

— Anna?

 

Que surpresa imensa!

Era Audrey Brown, uma grande amiga que morava perto de Rachel e de mim entre a infância e adolescência. Uma escritora fantástica, com pelo menos dois best sellers consagrados pelo New York Times.

Seu cabelo castanho longo com cachos preguiçosos era sua marca registrada, mas agora, uma linda franja completava a obra. 

Não víamos há, pelo menos, dois anos quando fui ao seu casamento com seu amor adolescente, Jonas Heizer. O mesmo que estava trazendo um sofá rumo ao elevador, com seus fios um pouco claros e arrumados com o gel de sempre.

 

— Audrey! — Abracei minha amiga com saudade e alívio. — Você? Por aqui?

— Preciso de inspiração para meu novo livro. Quer coisa melhor do que New York? — Riu e acenou para Jonas. — Olhe quem eu encontrei!

— Anna? Anna Pierce? Não pode ser! — Jonas deixou o sofá e me deu um abraço. — Também mora aqui?

— Para a sorte de vocês, sim.

 

Todos rimos e Jonas seguiu seu curso com o sofá. Sabendo que não poderíamos ajudar com o resto da carga, convidei Audrey para subir e conhecer minha casa.

 

— Esse é o meu lar. O antigo lar da Rachel, também. — Apontei ao nosso redor. — Ainda bem que está casada ou seu destino era completar o ciclo e morar aqui.

 

Ela apenas sorriu, imersa em seus próprios pensamentos.

Algo entre ela e Jonas não estava errado. Ou sim?

 

— Audrey? — Chamei sua atenção.

— Sim? — Seu rosto virou-se para mim, mantendo a postura impecável.

— Aceita um chá?

— Sempre!

 

Preparei seu sabor favorito, camomila e adicionei mel, o que a deixou feliz por perceber que ainda lembrava dos seus gostos.

E como as pessoas não mudam totalmente, ainda conhecia bem a minha melhor amiga.

 

— Problemas no paraíso? — Iniciei a conversa quando coloquei uma bandeja de biscoitos diante de nós.

— Não sei como responder. — Encarou as unhas bem feitas em um tom claro. — Ganhamos esse apartamento de herança e sem eu escrever um novo livro, acabariam nos chutando da casa em Los Angeles.

— Você está tendo um bloqueio de escritora? — Juntei as sobrancelhas. Inacreditável.

— Eu sei, inacreditável. — Audrey deve ler mentes. — Jonas está pulando de um emprego em outro e falhando em todos. Acho que se acostumou fácil ao nosso estilo de vida e agora não sabe o que fazer.

— Você estourou no seu primeiro livro, Aud! Todos pensamos assim.

— Como dizia Danielle no começo do livro... A vida é um conjunto de imprevistos. — Arriscou um sorriso. — Devia estar preparada.

— As coisas vão mudar por aqui, sempre mudam. Você pode começar à se arriscar escrevendo artigos, colunas em jornais ou revistas. Estou na Glam, talvez possa ajudar.

— Na Glam? E não me disse nada? — Colocou a mão sobre a testa e riu. — Não disse porque joguei meus problemas em você, desculpe. Vamos falar de você! 

— Sou editora júnior, mas até ontem era secretária! Minha vida está um caos como sempre. Jonathan não existe mais para mim e foi a melhor coisa que me aconteceu. — Audrey me deu um olhar surpreso, ao que correspondi sorrindo. — Incrível como não sabemos o que precisamos ou queremos até que estamos diante disso, finalmente.

— E por que isso parece um começo de romance?

 

Eu ri.

 

— Existe um romance, mas estamos... Pausados.

— Como se pausa um romance, Anna? Impossível. Ou o amor adormece ou a história continua com sofrimentos, atribulações... Não há pausa. Sofrimento também é romântico! Na medida certa, não vá romantizar qualquer coisa, também. Digo... Vocês podem crescer juntos. Dividir a dor.

 

Então resumi o começo da minha história com Ryan. Um pouco confusa, misturada à algum jogo de destino. Ela tinha razão, parecia um romance. Até mesmo quando Kyle entrou na história e a forma que os dois eram interligados.

Tudo fazia sentido, mas até que eu tivesse os entendido, o tal sofrimento romântico esteve presente.

 

— E, nesse momento, Ryan deve estar com Seline ou se arrumando para estar com ela. — Suspirei, derrotada.

— E depois vocês resolverão sobre Mary. Foco, Anna! Como você pode ajudar com isso? Pense em algo que ele ainda não fez.

— Ele tem um par de fotos dela. — Olhei para cima, lembrando. — Deve ter entregado as melhores para a polícia. O retrato falado também deve estar por aí.

— Mas a policia não tem um meio de divulgação que atraia as pessoas. E se tem uma coisa que aprendi na época de divulgação do meu livro... — Estalou os dedos e me apontou. — É que você precisa chegar no seu público e mostrar o que você tem à vender. Ou à encontrar.

— Você está me dizendo para usar a revista Glam?

— Essa é a minha garota! Você tem um material em circulação, use-o.

— Mas... Como?

— Pense, Anna. Você tem tudo nas mãos. Crie, você pode!

 

Ficamos em silêncio para que algo surgisse em minha mente.

Nada.

Seu olhar seguia me apoiando. Eu podia mais, havia algo que eu estava perdendo ou esquecendo.

O que?

Click.

 

— Hoje de manhã, na parte tecnológica da revista, vi uns garotos mexerem com um programa de edição. Sabe aqueles retratos falados da polícia? Parecia com aquilo. 

— E você perguntou se eles usavam para algo? Se poderiam fazer outros rostos?

— Eles mal me notaram ali. — Ri. — Tudo é possível, certo?

— Acho que temos um início de plano. — Ela sorriu, animada.

— Vem comigo.

— À essa hora?

 

•••

 

— Nós vamos ser presas? — Audrey cochichou ao ver as luzes da Glam parcialmente apagadas.

— Sempre tem alguém por aqui. Editores não dormem! Além do mais, tenho meu crachá. — Mostrei, antes de colocar no bolso.

— Pode me dizer o que vamos fazer aqui?

— Uma tentativa.

 

Subimos ao meu andar, que estava deserto, como sempre à essas horas. Apresentei a minha mesa em um modo não oficial e me apressei para a sala ou estúdio de Ryan.

Diversas pastas, minimamente organizadas, estavam dispostas em uma prateleira quando eu puxei uma, me lembrando do dia anterior.

 

— Quem é essa garota? A irmã? — Audrey analisava as fotos.

— Isso. Essa é Mary. Preciso de uma boa foto que mostre bem o rosto.

— Essa. E essa daqui.

 

Separamos duas fotos com o foco em seu rosto. Sardas leves. Cabelo loiro e liso. Olhos verdes. Sorriso fácil.

Mary e Ryan eram o oposto físico, exceto pelo sorriso. Sempre vivo e esperto. Sempre demonstrando que sabiam tudo.

 

— Anna? Acorda! Não podemos ficar aqui. — Estalou os dedos.

— Desculpa, me distraí olhando para ela. Tão jovem e linda. — Meu suspiro carregava uma dor como se a conhecesse. Conheci uma parte que nos unia, pelo menos.

— Ryan não vai se enfurecer por estarmos aqui?

— Disse à ele que faria o possível para que ele tivesse uma conclusão.

— O problema de começar à procurar, é ter a certeza de que algo vamos encontrar.

— Essa é outra frase do seu livro. Vamos.

 

A morena sorriu e me seguiu pelos corredores e andares da revista.

Como esperava, os garotos ainda estavam ali. Eram quatro, mas apenas dois aquela noite. Pelo silêncio, ouviram os passos marcados pelas botas de Audrey no corredor e olharam para trás.

 

— Boa noite, se lembram de mim? — Os olhos seguiram em mim, mas não houve resposta. — Eu vim mais cedo... Pedir para ativarem a edição da Glam? Certo, esqueçam.

— Nós precisamos de um favor. — Audrey iniciou.

— Estamos fechados, senhoritas. — Voltaram à olhar para a tela.

— Jogar Minecraft no trabalho é permitido?

 

Eu quis rir, quando eles fecharam o jogo imediatamente. Audrey me inspirou à me aproximar deles. 

E coloquei a foto sobre a mesa.

 

— Essa garota está desaparecida há dois anos. Ela é importante para mim.

— Sem querer ser grosseiro... — Um deles, com o cabelo devidamente intacto, virou para mim com a cadeira. — O que espera que façamos?

 

Audrey ergueu as sobrancelhas e bateu as mãos nas pernas bufando. 

Sorri.

 

— Vocês tem um programa de retrato falado nesse computador. Eu vi! 

— Não somos da polícia, editora. É um programa morfológico. Nada oficial, é um algoritmo que faz a pessoa envelhecer ou voltar à adolescência.

— Tipo um Benjamin Button, aquele filme do Brad Pitt. — Disse o outro, comendo uma maçã.

— Ótimo! Deve servir. — Respondi.

— O que queremos e precisamos, é que vocês envelheçam a garota. Troquem a cor do cabelo, se der. — Audrey explicou. — Vocês devem saber como funciona nos filmes! Brinquem de policiais, deem sentido à vida de vocês.

 

Os dois se entreolharam. Não precisava ser nenhum gênio para saber que eu não estava pedindo algo para a revista. Que estávamos, todos, em uma missão secreta. 

Eles pegaram as fotos e apontaram as duas cadeiras restantes para nós. O processo não foi rápido. Eles não usaram apenas o tal programa, mas foram além, à fim de criar um rosto real, com o cabelo em cores e cortes diferentes.

Se Mary estivesse viva e no país, ela estaria, certamente, com algum daqueles rostos. Ainda mais parecida à Ryan, ao meu ver. 

Quis chorar, porque tínhamos um material, mas a revista acabava de sair e a próxima edição viria em quinze dias. Por mais que ele tivesse esperado anos, meio mês parecia doloroso para mim.

 

— O que quer que façamos agora? Colocar no site? — O cabelo arrumadinho perguntou. 

— Não posso, realmente quero, mas não posso. Preciso perguntar para Diane. — Suspirei. Queria poder fazer mais naquele momento.

— E se fingirmos uma invasão hacker? — Disse o outro.

— Ela disse para esperar! — Audrey advertiu.

— Pensei que vocês estivessem com pressa. São dez horas da noite! Olhem quanto tempo ficamos fazendo isso. Vou postar.

 NÃO! — Audrey e eu gritamos.

— Vou postar e, pela primeira vez, na história da humanidade, vou ter feito uma coisa boa para alguém.

 

O cabelo arrumadinho começou à digitar e arrumar as configurações, coisa que nunca fiz ou entendi, mas, no impulso, avancei sobre a mesa, tentando arrancar suas mãos do teclado.

Eu não poderia postar sem a permissão de Ryan.

Um artigo não poderia ir para o site sem a revisão de Diane.

E ser editora júnior não me dava nenhum poder. Sabia disso.

O programador número dois ou o da maçã tentou auxiliar o parceiro, mas eu estava irredutível, sentada sobre a mesa e tentando mudar a tela e afastar os dois, ao mesmo tempo. Audrey tentou intervir, abordando-os de surpresa, mas ao ajudá-la, esbarrei no teclado, ao que apareceu a mensagem:

"Post enviado com sucesso!"

 

— O que isso quer dizer? Que aviso é esse? — Entrei em pânico.

— Que você encaminhou a nota que fiz para a página principal. Parabéns! — Respondeu irônico.

— Tira isso! Deleta. Como deletar? — Sentei na cadeira, tentando corrigir o erro, mas apareceu um monte de números e letras de programação. — Onde aperto agora?

— Em nada. À essas alturas os assinantes receberam aviso de nova postagem e abriram. As pessoas estão visualizando. Vai repercutir.

 

A sala ficou em um grande silêncio. 

Acho que nem mesmo eles esperavam que fosse para a primeira página, mas quando atualizei havia a foto de Mary, tecnicamente atual estava bem no meio e em cima, trazia a manchete "Você viu essa garota?".

Estava perdida. E chocada.

Meu emprego também estava perdido.

Só me restava dar a informação para quem realmente se interessava.

Então liguei.

 

— Anna? Não sabe como é bom te ouvir. Era só um jantar de gala na casa de um designer famoso, com nome na porta e tudo, dá para acreditar? Fiz umas fotos legais, quase não fiquei com ela e a coloquei no táxi agora mesmo. Estou livre. Estamos livres, Anna!

— Ryan.

— Desculpa, falei sem parar. Aposto que você não me ligaria hoje e deve estar brava com isso tudo. Algo errado? Precisa de mim?

— Preciso... Que você entre no site da Glam, agora. Tem uma coisa que você precisa ver.


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