O cara da sala ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 19
Capítulo 18




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Ryan

 

Nunca pensei que esse dia fosse chegar ou ao menos tão rápido.

Por dois anos guardei esse segredo baixo sete chaves, sem que ninguém pudesse entrar e perturbar o que me sobrava de paz. 

Todo esse segredo, essa dor, essa má experiência estava refletida nos meus olhos, entretanto. O modo em que me fechei e me transformei por algo do qual não cabia ajuda, demonstrava à todos que algo estava errado. Ou até mesmo que alguns justificassem meu comportamento como meu jeito ou em função da introspecção que pode acompanhar e assombrar um fotógrafo, Anna pareceu nunca acreditar nisso.

E, então, aqui estava ela para arrancar todas as minhas confissões.

Será que ela faz a menor ideia de quantas garotas ganharam respostas vagas por eu conseguir me esquivar desta conversa?

Será que ela se dá conta, a mais mínima conta de que havia conseguido se infiltrar no meu maior segredo apenas por ser ela mesma?

Anna seguia com olhos impassíveis sobre mim, tentando absorver o que eu disse. E era apenas a ponta do iceberg. Seus joelhos caíram no chão e seus polegares traçaram meu rosto, tentando secar meus olhos teimosos. Esse dia carregava a certeza de mais de dois anos sem ver minha menininha. Minha Mary, a irmã caçula e a única que tinha. Esse dia marcava uma sensação como se nunca fosse vê-la outra vez.

Aproximei as fotos de nós dois e comecei à reuni-las. Meu ritual na Glam tinha acabado, poderia seguir em casa antes que alguém mais se desse conta do meu segredo e me achasse estranho demais para trabalhar perto de famosos — que também não costumam ser as melhores pessoas e as mais normais do mundo.

 

— Você não precisa me contar nada. De verdade. — Anna colocou o cabelo liso atrás da orelha, mordendo o lábio com vergonha. — Só quero te levar para casa.

— Pode me perguntar o que quiser. — Minhas pernas resolveram me colocar em pé.

— Não precisamos conversar sobre isso agora. — Rebateu.

 

A morena me deu um sorriso encorajador quando guardei as fotos na pasta e nos dirigimos em direção ao elevador. Durante o caminho para casa, não houve nenhuma palavra de alguma das partes. Seu rosto parecia tão absorto em pensamentos e tendo perguntas, mas seu auto controle foi admirável.

Ela decidiu entrar comigo em meu apartamento e fazer um chá para mim, na minha própria cozinha enquanto optei por um banho. Estava próxima ao balcão de madeira quando retornei.

 

— Fiz algo para você tomar antes de descansar ou chorar mais um pouco. Vai te fazer bem. — Olhou em volta. — Tive que usar sua cozinha... E seu chá.

— Percebi. — Arrisquei um sorriso, mas meu rosto parecia pesado. — Hora das perguntas.

— Eu só... — Suspirou, como se tivesse sido vencida pela curiosidade. — Achei tão parecida com Seline.

— Eu sei e como sei. Quando vi Seline precisava continuar olhando para ela.

— Olhando? Tem certeza? — Me atacou.

— Em minha defesa, ela causou todo o resto. Só queria poder... Olhar algo como Mary outra vez.

— Não é saudável, Ryan.

— Estou tentando me controlar, depois de você.

 

Anna fez uma careta, não soube o que responder. Ela não percebia mesmo que eu gostava de estar com ela e ainda que, do meu jeito, eu sempre estive ali. 

Ela era a única coisa real que fazia meu coração bater. Por anos, fotografando infinitas garotas como a minha irmã e a procurando em todas as partes tinham ganhado um bloqueio depois que ela apareceu.

Nunca pude esquecer aquele rosto doce. Na época, queria fotografá-la e lembrar de que existiam pessoas bonitas e reais por aí, mas então a perdi por meses até a encontrar novamente. E quando a encontrei? A perdi porque fugiu... E resolveu aparecer no meu trabalho, mesmo sem saber que era.

Então acredito que era para ser assim, porque, a partir daí, me esforcei para ser melhor, sair para longe dos meus traumas. E hoje, ainda seguia lutando. Por ela. Por nós.

Ainda que os meus problemas tenham feito com que ela se afastasse de mim, podia lutar por ela. Por sua amizade no mínimo.

E agora ela sabia tudo, quase tudo, o que significava que ela poderia correr para bem longe ou permanecer aqui.

Não fazia ideia do que seria e não faria a menor pressão sobre isso.

 

— Você e sua família pararam com as buscas? — O silêncio foi quebrado com a pergunta.

— Depois de todo esse tempo, a polícia diminuiu o trabalho. Segundo eles, ficam de olho, mas eu pago investigadores particulares para tentar encontrar qualquer pista.

— Então aquele dia, no restaurante com Kyle...

— Sim, éramos um investigador e eu. Sem pistas, como sempre. — Meus olhos começaram à se embaralhar e sua mão acariciou meu ombro.

— Podemos parar por aqui, eu entendi tudo. — Sorriu amigavelmente.

— Tem certeza que entendeu tudo? Porque a história mal começou.

— Então continua. Quero dizer, se você quiser.

— Mary Anne é ou era minha irmã menor. A única irmã, na verdade. Ela passou, praticamente, a adolescência toda e um pouco mais ao lado de Kyle Wood, seu namorado ou ex, nunca entendi o que vocês eram na verdade. — Pigarreei e continuei. — Eles pareciam bons juntos, falavam sobre casamento depois da faculdade, então, de alguma forma, eles pareciam noivos para minha família e para mim, até que as coisas saíram do controle.

— Kyle era seu... Cunhado? — Bateu a mão na testa. — Droga, pensei coisas horríveis sobre vocês dois!

— Pensar coisas horríveis é o seu esporte preferido, Anna. — Dei-lhe um breve sorriso e ela empurrou meu ombro de leve. — É aqui que as coisas começam à realmente ficar... Horríveis.

— Continua.

— Em um dos feriados em que ela voltou à New York para descansar da faculdade e ficar com o namorado e, relativamente, conosco, ela foi em uma festa. Não me pergunte onde, mas conheceu alguém. Ela mudou completamente e nessa mesma semana, disse que não voltaria à faculdade. Começou à ignorar Kyle. O comportamento mudou drasticamente, Anna e nada sabíamos. Nada entendíamos. Era um amor adolescente? Alguém a estava ferindo? Pedindo dinheiro? Mil teorias foram formadas, no entanto, nunca descobrimos.

— E foi aí que ela desapareceu?

— Eu e apenas eu a vi dias depois, parecia cansada, irritada. Dizia que não a entenderíamos e que estava cansada de tentar ser como eu. — Balancei as mãos. — Não sei o que significa, foi tudo desconexo para mim, também. Pedi que voltasse comigo, que a rua em que estava era perigosa, mas se negou. Prometi que consertaríamos tudo e nada adiantou, ela apenas correu e sumiu em uma rua escura. Como um filme, eu a perdi. — Meus olhos se encheram e não pude segurar.

— Ryan, isso é tão doloroso, me desculpe em tocar nisso. Por favor, me desculpe. — Seus braços finos abraçaram meu corpo e chorei em seu ombro.

— Você não tem culpa, mas consegue imaginar o que é ver sua irmã pela última vez e não poder fazer nada à respeito? Ser um incapaz? Um inútil?

— Você não é! Continua tentando e lutando por ela, independente do resultado. E eu o admiro por isso.

— Tento, eu tento. Até me tornei fotógrafo para conseguir capturar todas as pistas por aí. Tudo.

— Então também é por isso que você fotografa todos os seus momentos bons. — Suspirou, provavelmente lembrando das nossas fotos e momentos.

— Sim, por isso tenho fotos suas sobre todos os momentos importantes. Nunca sei quando será a última vez que vou poder fazer isso ou te ver.

— Não diga algo assim. Eu não vou embora. Vamos seguir essa busca juntos, sem importar o que vamos encontrar. Quero lutar com você, quero estar com você, quero que Mary tenha uma resposta. — Sua testa encostou-se à minha enquanto seus polegares circulavam minhas bochechas. — Não vou sair daqui, não vai me perder.

— Kyle também sofreu, Anna. O grande e único amor da vida dele lhe foi arrancado e ele não tem a menor explicação sobre isso. Eu estava feliz por ele estar saindo do lugar com você, depois de certo tempo, mas também foi doloroso porque era você quem me fazia sair do lugar. Gosto daquele garoto, é família para mim, não quero seu mal.

— Ele sabe. — Seus olhos fitaram os meus. — Kyle realmente não consegue superar a noiva. Sua vida é toda baseada no aqui e agora, como você. Ele também nunca sabe quando vai ser a última vez, mas sempre está preparado. Tivemos uma coisa bonita onde tentávamos arrancar a dor alheia. Foram infinitas conversas sobre a vida e evoluímos com isso, nossa amizade é bonita e é o que conseguimos ter. Não irei abandonar nenhum dos dois, apenas quero me unir à essa batalha. Mary é parte da minha vida agora.

 

Não podia acreditar que alguém poderia ser humanamente tão linda e que apesar de tudo que passamos, ela queria estar perto de mim. Comigo. A mesma garota frágil que conheci parecia estar colocando luvas de boxe e subindo em um ringue. Meu ringue.

Meus braços a rodearam e eu a beijei com ternura. Palavras não eram suficientes para definir minha gratidão naquele momento, então deixei que meu coração entregasse a mensagem da forma que desejou. Ela correspondeu com um sorriso.

Mensagem recebida com sucesso.

Em meio à essa flor nascendo em pleno concreto, um barulho nos cortou — o celular dela. Inicialmente, Anna não queria atender, mas quem liga à noite se não for mesmo importante?
Sem me soltar, ela deslizou o dedo na tela sobre o balcão e colocou no viva-voz.

 

— Alex! Pode falar.

— Sou um idiota, rodei a cidade toda, fui em três revistas e sabe o que me lembrei?

— Não, o que?

— Tem câmeras na Glam, Anna.

— Ah, meu Deus. — Ela riu, mas logo sua expressão fechou. — Você tem razão, vou agora mesmo atrás das filmagens.

— Eu fiz isso e agora você vai gritar ah, meu Deus quando souber quem saiu com o Livro daqui.

— Diz logo, Alex.

— Seline. Seline saiu com o Livro.

— Ah, meu Deus. Eu... Dou um jeito daqui. Obrigada, por tudo.

 

A morena desligou a ligação de modo tão devagar que parecia uma agulha penetrando meu cérebro. Seus olhos estavam fixados em mim e sabia que ela queria uma explicação. Ou solução.

 

— Não sabia que ela fez isso. 

— Eu sei, mas agora preciso de pelo menos algum contato com ela. Quanto mais rápido melhor, isso precisa estar na gráfica amanhã cedo! Por que ela fez isso? Droga. — Seus dedos escorreram pelo cabelo e poderia chorar à qualquer momento.

— Ela me convidou à um evento como seu par. Eu neguei. Pela primeira vez neguei, Anna. Pensei na viagem, estávamos bem, por que eu sairia com alguém? Mesmo pelo motivo que você sabe.

— E quanto a viu, você se lembrou do aniversário e chorou o dobro, acho que entendi.

— Basicamente isso, não a vi sair e ela ocasionou isso, me desculpa. Prejudiquei seu trabalho, mas vou consertar agora mesmo. — Levantei, indo rumo à porta.

— Vamos consertar o que ela fez, só isso importa.

 

•••

 

A cidade parecia mais fria quando abandonamos o prédio, dando a sensação de que as coisas ficariam difíceis com Seline — e, certamente, ficariam quando as duas se cruzassem, mas ela quem causou isso.

Com passagem livre em seu condomínio, subimos decididos à resolver tudo. A loira abriu a porta imediatamente.

 

— Estava esperando você. — Me apontou e apontou Anna em seguida. — Você não, mas pode ser útil, entrem.

— Perdeu o juízo? Sabe o quanto isso prejudicaria a revista e o meu emprego? Nosso emprego. — Perguntei.

— O que me importa se você vai prejudicar o meu? Preciso de alguém para me acompanhar. Um homem! Você!

— Não seja infantil, Seline! Esse Livro vai além de nós dois, tenho certeza que podemos encontrar um meio termo. — Dei um passo à frente quando o vi sobre a mesa, mas ela foi mais rápida, bloqueando meu caminho com o corpo.

— Sem meio termo! Diz para ele, Lana.

— É Anna! — A morena rosnou. — Podemos encontrar alguém para lhe acompanhar, tenho certeza.

— Ryan, quero Ryan. É ele quem vai decidir quem se dá bem essa noite. Podemos ser todos ou... Ninguém. — Agarrou o Livro e abriu a janela, aproximando-o dali.

— Seline, não! — Anna se lançou para frente.

— Sem mais um passo ou eu atiro sua revistinha da janela. Decide, Ryan! — Balançou o Livro contra a janela.

— Não posso, estou com Anna agora.

— ESTÁ? — Disseram ambas.

— Estou.

— Ótimo, então digam adeus à edição de amanhã. — Seu corpo se curvou inteiramente contra a janela.

— Não! Espere. — Anna interrompeu. — Ele não quis dizer que está comigo sentimentalmente, apenas está comigo aqui. Ryan pode ir com você, salvar seu evento.

— É verdade o que ela disse, Ryan?

 

Anna entendeu o que eu quis dizer e isso significava que eu estava dando proximidade ao que estávamos tendo. Certo, não pedi nada formal e, por isso, não podia exigir nada dela, mas perfurou meu peito que ela tenha negado.

Por que?

Ela também teria uma razão para isso?

Era o que eu podia esperar.

 

— É verdade, mas será a última vez. Sem mais jogos, Seline. Vou ao evento.

— Isso! Ótimo! — Saiu da janela e estendeu as mãos com o Livro, para Anna, devolvendo-o. — Mando mensagem com os detalhes. 

— Obrigada. — Anna o abraçou firmemente contra o corpo como se fosse um ser vivo.

— De nada. — Fez uma pausa. — Sabia que ele não estava com você de qualquer forma, ele gosta de loiras.

 

Anna me deu um olhar feio e foi para a porta. Sei que no fundo entendeu, mas ouvir essas coisas não deve ser mesmo divertido. Deixamos o apartamento e no elevador a abracei, o que me foi permitido, mas seu indicador apareceu em frente aos meus olhos.

 

— Você irá com ela, como se fosse um tributo ao aniversário da sua irmã. Depois disso vamos encontrar um psicólogo para você porque isso está longe de ser normal.

— Topo, estou à bordo do seu barco. — Ri. — E depois?

— Depois, vou usar meus contatos, pessoas que conheci na Glam e faremos mais buscas, tenho algumas ideias, mas preciso fomentar.

— Eu agradeço, toda ajuda é bem-vinda. Algo mais?

— E depois, só depois disso é que conversaremos sobre você estar comigo, entendido?

— Entendido. — Levantei as mãos em sinal de compreensão e deixamos o elevador.

 

Seu cabelo longo se sacudia para os lados à medida que íamos de encontro para a rua. Seu caminhar era alegre, relaxado e seguiu assim quando pegou seu celular e fez uma ligação, provavelmente para Alex. Seu sorriso me fez sorrir também. 

Mesmo sem que tivéssemos grandes motivos neste dia e que tudo nos tivesse levado à lagrimas ou à raiva, descobrimos e nos afirmamos que tínhamos um ao outro.

Para mim, o sinal era de que uma nova fase estava começando. Algo bom, onde poderia obter as respostas necessárias e buscar a paz sobre minha irmã. E, sem segredos ou medo de que Anna fosse fugir, poderia ser apenas eu mesmo.

O fato de ela abraçar meus problemas como os dela, me fez feliz. Nunca alguém tinha feito isso por mim, nem mesmo meus pais que, indiretamente, me culpavam por tudo. Sem pressões, ela conseguiu administrar tudo e ainda estender a mão para que eu me desse uma nova oportunidade de viver.

Anna é tão forte e impressionante.

Ela é única.

 

— Anna. — Chamei sua atenção quando desligou.

— Eu! — Olhou para trás em minha direção.

— Eu te amo.

 

Seu ar parecia ter sido roubado quando veio até mim, lentamente, como se lutasse com o frio. Sua mão tocou minha barba e seu polegar deslizou pelo meu rosto. O sorriso apareceu novamente, antecedendo uma única frase.

 

— Eu te amo, Ryan.


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