O cara da sala ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 18
Capítulo 17




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Aterrizar em New York me trouxe sentimentos mistos. Estava saindo do meu conto de dois dias e embarcando na vida real. E a vida real nunca é a melhor história à se contar.

O frio contrastou ao sol sempre presente de Vegas e os ternos que se esbarravam em nós, no aeroporto, eram um choque aos meus olhos que ainda procuravam por múmias em toda parte.

Ryan, entretanto, parecia contente. Por trás da sua barba preguiçosa, um sorriso estava ali, sempre colado, durante todo o trajeto. Ter sua companhia, sem brigas, era algo do qual podia me acostumar.

Só não podia afirmar que nós dois, estando em nosso habitat natural, seria assim. 

Embora sentisse que eu havia avançado com algo na minha vida.

Então, partimos para casa, onde usei todo o resto do domingo para recriar meu artigo e misturá-lo as fotos que Ryan editava e imprimia. Fomos um bom time, banhados por papéis brancos e coloridos, como se não estivéssemos, tecnicamente, de folga.

Nunca, durante toda minha vida, alguém parou sua vida tanto assim para me ajudar. O trabalho dele estava pronto, impresso e em suas pastas, mas ele se ofereceu para seguir dando palpites e me mostrar mais e mais fotos. 

Não sei dizer o que me deu mais inspiração — as fotos impecáveis ou suas dicas enquanto eu refazia meu artigo pela milésima vez, até estar contente com tudo. Eu viajei à Vegas cem vezes olhando ao fundo daqueles olhos castanhos compenetrados em mim e, isso, me deu vantagem sobre meu trabalho.

Me deu emoção.

 

•••

 

No dia seguinte, Ryan me acompanhou até a Glam. Isso sim era inédito. Entrar com ele e receber olhares confusos sobre nós.

Ninguém sabe que ele é meu vizinho e que isso aconteceria naturalmente, até sem querer? Ou que fomos viajar à trabalho?

Péssimos fofoqueiros para uma revista onde notícias devem ser descobertas antes de tudo e todos.

Diane parecia mais ansiosa que eu, porque quando cheguei, sua porta fechada indicava que havia chegado antes e estava trabalhando. Alex, entretanto, acabava de chegar e me deu um olhar de canto de olho seguido de um sorriso cúmplice, como se estivesse exigindo minha presença em sua sala logo depois do meu confronto com meu artigo.

E, com certeza, precisava falar com ele ou alguém, para saber se tudo foi apenas minha imaginação.

Ryan deu um toque na porta e Diane insistiu que entrássemos.

 

— O que meus olhos vêem? — Diane arrumou seu óculos enquanto nos olhava. — Conseguiram conviver? Fizeram o trabalho ou trouxeram carta de rescisão?

— Minha carta está aí dentro. — Ryan sorriu, depositando sua pasta incrivelmente organizada sobre a mesa.

— Deixe-me ver. Anna, sua vez está chegando. —  Abriu a mesma, analisando algumas fotos em particular, nos olhando em seguida, como se pensasse algo. — Impecável, como sempre, me fez lembrar como adoro Vegas.

— E quem não? — O moreno sorriu de volta, me olhando e encarando Diane em seguida.

— Tem razão. — Assentiu. — Você está dispensado desse trabalho, mas seguramente haverão mais em sua sala. Preciso que organize a lista que Jennifer me pediu, para terminarmos a edição.

— Estarão na sua mesa em breve, com licença, senhoras. — Acenou com a cabeça para nós duas, tocando meu ombro e piscando em seguida, antes de sair.

— Então, Senhorita Pierce, receio que essa pasta em suas mãos contenham algo para mim. — Estendeu a mão.

— É mesmo! Desculpa. Aqui. — Entreguei-lhe a pasta e apontou a cadeira para que eu me sentasse.

— Vocês pareciam... Bem. Estou feliz por isso. — Sorriu enquanto abria a pasta.

— Eu também. O lado profissional fluiu bem melhor quando deixamos as diferenças de lado. Ele até me ajudou com o artigo! — Apontei o papel.

— Vamos fingir que foi apenas o profissional. — Riu. — Seu artigo está pronto? Essa é a edição definitiva? — Confirmei e ela seguiu. — Não saia daí, quero ler na sua presença para fazer as minhas considerações.

— Como preferir.

 

A loira em minha frente se concentrou totalmente aos papéis. Suas marcas de expressão estavam em evidência à medida que passava de um parágrafo à outro, me analisando.

Essa era a maior chance da minha vida e minhas mãos suadas pareciam perceber isso.

Não tardou mais do que três ou cinco minutos, mas eu poderia ter me comido viva até o momento em que ela me olhou nos olhos.

 

— Como eu pensei, você foi excelente. Eu esperava isso, mas você foi melhor ainda em seu teste.

— Teste?

— Sei que não é uma mudança alta, mas te prometi responsabilidades, Anna. Estou te nomeando a nova editora júnior da Glam.

 

Minha maturidade escapou dos meus dedos quando levantei e soltei um gritinho de alegria, seguido de vários pulinhos e um abraço surpresa em Diane. Ela havia cumprido sua promessa e eu não podia acreditar que de um cargo comum de secretária, estava subindo ao que queria — ser editora de uma das maiores revistas do país.

Eu, Anna Pierce, no primeiro emprego, escalando para editora júnior.

Não mudaria drasticamente meu trabalho e sabia disso, era bem mais como um estágio ou um trabalho no qual me apoiar caso Roger não me achasse responsável ou necessária o suficiente. 

A melhor parte era saber que em alguns momentos, teria artigos para escrever. O país começaria à conhecer tudo que guardei durante anos e tudo que estudei também.

Não podia acreditar!

 

— Obrigada, obrigada, obrigada! Prometo não decepcionar.

— É certo que não. — Sorriu. — Mas com cargo novo, responsabilidades novas e maiores. — Me apontou.

— Estou pronta para elas. Ao que se refere?

— Pelo menos nessa edição, você ficará responsável em levar o Livro para casa. Pensei que por essa edição tratar sobre a sua matéria, a capa trazer a modelo em um ambiente de cassino e tudo isso que, talvez, você possa cuidar disso totalmente. — Piscou. — Será que pode? 

— Pode apostar que sim!

 

O Livro é uma cópia da revista, impressa página por página, em folhas soltas para que se arrume da melhor forma possível e que se consiga ter uma melhor visualização do trabalho completo. É, também, o que se manda para as gráficas sem que hajam falhas na hora da impressão.

Em resumo, o Livro é o trabalho mais importante entre a criação e a impressão. Tão sério que apenas Diane ou Alex levavam para casa, com medo de furtos e pessoas mal intencionadas.

Agora o Livro seria minha responsabilidade. Por um dia todo.

 

•••

 

Eu estava saltitante, com a felicidade saindo pelos meus poros. Era evidente para todos que acenei no corredor quando deixei a sala da minha chefe.

A porta da sala de Alex, sempre aberta, foi convidativa o suficiente. Precisava dividir com alguém e ele estava desesperado por qualquer fofoca.

 

— Disponível? — Bati à porta antes de entrar.

— Só se for confirmar que ficou com Ryan no seu dia, bruxa. — Disse entre sorrisos enquanto apertava uma bolinha anti estresse.

— Confirmado, múmia. — Disparei e dei risada.

— Tão fácil assim? — Torceu o nariz. — Então veio me contar coisa mais importante. Pode soltar.

— Você está olhando para a nova editora júnior da revista Glam! — Rodei o corpo e sorri.

— Está brincando? Essa é a minha garota de mentira! — Nos abraçamos brevemente. — Vou até pedir para ver o artigo que te fez ser promovida.

— Quero que você leia, eu adorei! — Comemorei. — Acho que ele está sendo arrumado para entrar no Livro... Que eu vou levar para casa essa noite.

— Vai contar todas as fofocas fazendo picadinho? Não aguento. — Riu e me abraçou outra vez. — Anna, parabéns! Chegou o seu momento. A responsabilidade é grande, mas quem melhor do que você?

— Obrigada! — Corei. — E você? Como passou o fim de semana?

— Encosta a porta. — Pediu e eu o fiz, então ele continuou. — Vamos dizer que beijei a Jennifer.

— O que? — Perguntei, assustada.

— Estávamos em uma festa, jogamos verdade ou desafio e demos um beijo. — Deu de ombros.

— Quantos anos você tem? Doze? O que vai fazer agora?

— Não sei, não tinha como dizer que me chamava Regina.

— Idiota. — Revirei os olhos, sorrindo. — Alex, é sério...

— Eu sei! Vou convidar para jantar, ser legal e dizer que não estou procurando por nada, mas que poderia repetir o beijo se ela quisesse.

— Não quero levar um tapa depois sem ter feito nada, entendeu bem? Nem sonha em me colocar no meio da sua história. — Apontei para ele.

— Tudo sob controle, senhorita.

 

Dei-lhe um olhar duvidoso, mas sabia que o que estava feito, estava feito e que consequências viriam disso. Jennifer gostava dele, era o fato principal da história, então qualquer ação dele poderia quebrar seu coração. E eu sei como essas coisas doem.

No fundo, gostaria que Alex se decidisse por alguém que realmente tivesse sentimentos puros por ele e que o mesmo se deixasse levar por mínimos prazeres da vida. Que pudesse experimentar sensações que eu tive no fim de semana.

Saí pensativa de sua sala à caminho da minha tão estimada mesa. Isso, pelo menos, permanecia igual. Eu era a mesma, com um pouco a mais de trabalho. A editora júnior vírgula a faz tudo

O Livro estava sobre a minha mesa. Pronto. Limpo. Arrumado. Infinitas páginas que no dia seguinte chegaria à casa de milhares de pessoas. Que poderia mudar a vida de alguém ou, ao menos, proporcionar minutos de distrações. Não dava para acreditar. Meus dedos tocavam cada página revestida em plástico enquanto eu lia as manchetes — e certamente sorria para elas.

Saltos arranharam o carpete e desviei o olhar para o Louboutin à minha frente. O vestido rosa de tecido fino que parecia uma camisola chocou meus olhos. Aquilo era fashion? Não comigo.

 

— Você ainda trabalha aqui. — Seline suspirou. — Lana?

— Anna. O que deseja? — Meus dentes quase rangeram para aquela mulher.

— Lana, Ryan está?

— Pensei que não estivessem mais juntos. — Estreitei os olhos, sentindo uma agulhada no peito.

— Estaremos quando eu entrar naquela salinha. — Sorriu de modo forçado. — Ele está ou não?

— Não sou a secretária dele, deve estar no lugar de sempre. 

— E ainda te deixam trabalhar aqui com essa grosseria?

 

Antes que pudesse responder, ela saiu rosnando para mim e entrou na sala sem bater.

Por que?

Por que alguém como ela?

Meu pescoço se curvou para o lado à fim de ouvir a conversa. Ela o convidou para um tipo de evento onde precisava levar acompanhante e foi insistente, para variar. De imediato, ele negou, mas a conversa seguiu e não pude ouvir mais. Minha chefe me chamou à sua sala.

Logo agora?

 

— Diane, precisa de mim? — Minha ansiedade estava me corroendo e da sala não se ouvia nenhuma palavra.

— Sente-se, quero te dar instruções sobre o que fazer quando voltar com o Livro.

 

Ela repassou cada coisa comigo, para que não houvessem falhas. Não poderia haver uma folha enumerada fora do lugar e o destino da próxima edição estava nas minhas mãos. Qualquer atraso, qualquer mínima falha e teríamos um enorme problema.

Após receber as instruções uma e outra vez, abandonei a sala. Ainda havia um pouco de trabalho à se fazer e eu precisava de um local seguro para guardar o Livro até o fim do expediente — porque boatos circulavam de que as revistas que competiam pelo posto de primeiro lugar nas vendas, enviava espiões para as sedes inimigas à fim de espiar a coisa toda pronta.

Ou até roubar.

 

— Cadê o Livro?

 

•••

 

Minha mesa estava vazia, sem sombras de algo grande e envolto em uma capa preta fosca. Nada no chão. Nada caído na cadeira. Nenhuma folha solta pelo corredor. O Livro desapareceu por completo.

Como contaria à alguém que a minha primeira oportunidade de responsabilidade na minha nova função estava destruída?

E como lidariam com que, provavelmente, a edição estava destruída?

Meus pés correram por todo o corredor. Cada espaço e sala me viram, sem que eu pudesse explicar o motivo. Certamente, eles pensaram que uma eufórica Anna estava buscando inspiração ou havia endoidado de vez.

Como algo daquele tamanho poderia ter se movido sem barulho? Ou melhor, por quem?

Seria possível que alguém pegou para revisar e me entregaria na hora da saída. Minha maré de sorte estava boa, no que optei por ser otimista. Isso só passava de um mal entendido, tinha que ser.

E então esperei. E esperei. As pessoas apagavam as luzes de suas salas e, uma a uma saiu e se despediu. Sorri para todas enquanto fingia trabalhar no computador, mas nenhuma trazia em mãos o meu precioso. Diane se despediu e eu confirmei com a cabeça que o havia guardado em um local seguro, para que ela pudesse ir sem restrições.

Quando Alex saiu, era minha última esperança. Tecnicamente não estava em sua sala, mas ele poderia saber o paradeiro, então me levantei e me desinibi.

 

— Diz que sabe onde está o Livro.

— Não ia ficar com você? — Olhou minha mesa, comprovando o óbvio. — Diane não levou? Não tem outra pessoa.

— Eu disse que guardei, não está com ela, posso garantir. — Levei as mãos ao cabelo, tentando me acalmar.

— Você procurou em algum lugar?

— No andar inteiro. Não achei uma folha sequer, Alex. Nada.

— Vamos ampliar as buscas.

 

Por um instante pensei que estava em uma série policial. Alex exclamou um palavrão e se dirigiu à escada. Eu apertei o botão do elevador e fiz minha varredura particular.

Os outros andares estavam quase como um deserto. Uma e outra luz acesa, mas tudo escuro em sua maioria. Esbarrei em algumas pessoas saindo para as suas casas, sem aparentar ter sequestrado algo importante. E por que elas o fariam? Encontrei Alex que, inclusive contatou com a gráfica, mas sabíamos a resposta — roubaram o Livro. Era um roubo.

Seguimos por horas à fio e ele decidiu sair rumo às revistas concorrentes e conversar com alguns colegas sobre o desaparecimento. Não fazia ideia de como isso parecia parte do cotidiano das revistas. As pessoas, às vezes, passam dos limites para lutar por coisas que sequer devem ser delas.

Soltei um suspiro derrotado e voltei ao nosso andar, agora escuro, evidenciando apenas a luz de emergência no fim do corredor. Minha única e última esperança era de que se eu passasse por ali uma vez mais, magicamente, o Livro apareceria na minha mesa.

Não aconteceu.

Sentei na minha cadeira e fechei os olhos, escondendo meu rosto entre as mãos. Dias atrás, estava eu nessa solidão quando Roger me abordou e me disse as coisas mais horríveis que ouvi na vida e de tanto querer me provar boa o suficiente para estar em sua revista, a havia destruído.

Com todo o silêncio que eu estava, pelo menos externamente, comecei à ouvir ruídos ao redor. Uma respiração ofegante, agoniante vinha de algum lugar. Esse lugar era todo um filme de terror, à noite e eu deveria ter esperado Alex na recepção.

Ao invés de correr e fazê-lo, decidi acompanhar o barulho. Definitivamente o gemido não era de prazer, senão de dor. Era um choro e consegui localizar de onde vinha. Do mesmo lugar onde eu não tinha entrado e inspecionado, pois, com certeza ainda cheirava ela.

A sala de Ryan.

A porta estava entreaberta, o que era indevidamente incomum para ele, então apenas escorei meu ombro e empurrei para que se abrisse mais um pouco e eu pudesse analisar a situação.

Ryan estava sentado no meio do chão da mesma. Haviam dezenas de fotos ao seu redor, dezenas! Era como se ele estivesse analisando todas elas por horas, como fizemos na viagem.

Seu rosto estava embebido em lágrimas e seus olhos vermelhos pareciam querer não me encarar, mas me aproximei da mesma forma e me ajoelhei próxima à ele, tomando cuidado para não pisar nas fotos que pareciam sentimentalmente importantes. Ao focar o olhar, notei que era a mesma garota em todas as fotos, em dias diferentes, mas jovem, mais jovem que nós dois.

Quem seria? O que houve com ela?

 

— Ryan, o que está fazendo aqui? Está tarde. Vou te levar para casa. — Tentei levantá-lo pelos braços, mas ele resistiu.

— Agora não, Anna. — Enxugou o rosto com a manga da camisa.

— Você não pode ficar aqui, eu te levo. Levamos as fotos, também. — Comecei à reunir as fotos. — Não chora, por favor.

— É assim sempre. — Guardou as fotos em uma caixa, mas algumas caíram e eu agarrei.

— Por que? Quem é ela?

— Minha irmã, seria o aniversário dela, mas... Ela desapareceu.

 

E o desaparecimento do qual estava metida antes, se tornou apenas um detalhe no meu dia.

Tudo mudou.

Tudo.


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